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Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO PROBLEMA 3 – ABERTURA: GOTA: A gota é uma forma de artrite inflamatória resultante da deposição de cristais de monourato de sódio (denominados como tofos) em articulações, de forma predominante, mas que também pode afetar os rins e o tecido subcutâneo. Há surtos agudos de inflamação, acompanhados também por cálculos urinários. Esse quadro é mais prevalente em homens, numa proporção de 7 a 9:1, com pico de incidência aos 40 anos. Dentre o sexo feminino, o desenvolvimento desse quadro é mais frequente após a menopausa, fruto da redução do efeito uricosúrico do estrogênio. Há uma tendência de aumento do desenvolvimento de gota, decorrente da mudança de hábitos alimentares e da maior longevidade populacional. A prevalência mundial da gota é de cerca de 1%. Mesmo com esses aspectos alimentares, a hereditariedade também é um importante contribuinte para a gota, com antecedentes familiares em até 80% dos casos. PATOGENIA: A gota é o resultado da inflamação desencadeada por cristais formados por alterações no metabolismo do urato, metabólito final da purina. Fluxograma do metabolismo das purinas e a geração de urato A hiperuricemia, quadro que precede a consolidação articular de cristais, ocorre quando a produção de urato não é compensada pela excreção renal de ácido úrico (mesmo composto, porém com outra conformação pelo pH da urina). Esse processo pode ser ocasionado tanto por fatores genéticos, afetando a base dos mecanismos produtores de urato, ou por aspectos não genéticos, como a dieta (consumo de carne vermelha, alimentos com elevado percentual de frutose e bebidas alcoólicas) e condições comórbidas (obesidade, psoríase, hipertensão), que podem influir tanto no metabolismo quanto na eliminação desse composto. Fatores que alteram o equilíbrio e a excreção de urato Com a elevação na concentração de cristais, principalmente na sinóvia, o Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO organismo desencadeia respostas imunológicas, como a opsonização dessas estruturas por IgG, iniciando a fagocitose, potencializada por múltiplos polipeptídios, mas que pode ser inibida pela apolipoproteínas E. Esse processo resulta no rompimento celular a partir da secreção de compostos tóxicos à membrana, causando a liberação de enzimas nos tecidos adjacentes, estimulando a migração de neutrófilos, monócitos, linfócitos, fibroblastos e sinoviócitos por quimiotaxia. Todo esse “transito imunológico” leva à secreção de prostaglandinas, IL-1, IL-6 e espécies reativas de oxigênio, que amplificam a inflamação, levando ao aumento do líquido sinovial, com infiltrado leucocitário, à congestão vascular e a mais comprometimento de tecidos. Fluxograma da fisiopatologia da gota QUADRO CLÍNICO: De forma a estabelecer mais claramente os sintomas associados à gota, é possível segmentar esse quadro em: Hiperuricemia assintomática: essa não é de fato uma parte do espectro clínico da gota, mas sim um estágio de maior risco para seu desenvolvimento. É enquadrado como hiperurêmico o indivíduo que apresenta concentração sérica de ácido úrico > 7 mg/dL, com propensão para formação de cristais diretamente proporcional à dosagem de urato. Artrite aguda: normalmente, as crises agudas de gota são caracterizadas por monoartrite, normalmente em membros inferiores. O início do quadro é súbito, marcado por edema, eritema, aumento da temperatura local e dor intensa, características que justificam a definição dessa doença como inflamatória. A resolução do quadro pode ocorrer de forma espontânea em cerca de 3 a 10 dias, raramente ultrapassando 2 semanas. As principais articulações afetadas são: o Membros inferiores: joelhos, tornozelos e articulações metatarsofalangiana (podragra quando afeta o 1º metatarso) e interfalangianas; Podagra em pé de paciente com gota o Membros superiores: cotovelos, punhos e articulações Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO metacarpofalangianas e interfalangianas. Distribuição topográfica da gota Com a regressão da inflamação, os sítios acometidos podem sofrer com descamação da epiderme. Alguns sintomas gerais como febre, poliúria e irritabilidade podem anteceder ou acompanhar as crises de dor. Dentre os fatores desencadeantes para crises inflamatórias destacam-se o consumo de bebidas alcóolicas, traumas, infecções, ingestão de carne vermelha e leguminosas em excesso e o uso de determinadas medicações. Período interfásico: corresponde aos intervalos assintomáticos durante os anos iniciais com a doença, que geralmente conta com crises a cada 1 a 6 meses. Esses espaços vão se reduzindo com a cronificação da doença. É possível que manifestações de dor poliarticular e crônica se desenvolvam concomitantemente ao período interfásico, principalmente após a primeira década de acometimento. Gota tofácea crônica: há a deposição de tofos de urato em vários tecidos, principalmente no espaço subcutâneo e nas regiões periarticulares e articulares, em pacientes com quadros de evolução longa (ao menos 11 anos). Os pontos mais afetados são o cotovelo, o calcanhar, joelhos, tornozelos, a orelha externa, punhos, as mãos e os pés. Focos de tofos de urato em pacientes crônicos com gota Manifestação renal da gota/urolitíase: o Urolitíase: a formação de cálculos urinários acomete até ¼ dos pacientes com gota tendo como principal agente formador o ácido úrico, mas pode haver a presença de outros sais. Pode surgir tanto em quadros de acidificação da urina como também pelo aumento da excreção de ácido úrico; o Nefropatia úrica aguda: acomete pacientes em tratamento quimioterápico para neoplasias linfoides e mieloides, tendo comportamento obstrutivo; o Nefropatia úrica crônica: é fruto do acúmulo de cristais de urato no parênquima renal, gerando inflamação e mudanças nos mecanismos de concentração da urina, com aumento na excreção de proteínas. DIAGNÓSTICO: A investigação de casos de gota baseia-se na interação entre dados do exame clínico completo e achados laboratoriais e radiográficos. Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO Critérios clínicos e exames complementares para a classificação da gota aguda O exame utilizado como padrão-ouro é a observação de cristais de urato em amostras de articulações acometidas, porém a dosagem sérica (valor de referência: <7 mg/dL) ou a excreção de ácido úrico em 24h (entre 200 a 800 mg), ainda são mais comuns na prática clínica. Achados condizentes com a gota em exames laboratoriais Nas radiografias são observadas múltiplas erosões em “saca-bocado”, formando contornos espiculados (imagem em concha), com certa hiperdensidade do osso afetado. Cistos podem alterar o contorno do osso, e o espaço articular pode ser reduzido. Tofos são identificados como opacificações na imagem. Esquematização das possíveis lesões osteoarticulares identificáveis na radiografia Rx de articulação metacarpofalangiana com imagem em concha Alguns diagnósticos diferenciais devem ser considerados, principalmente quando há acometimento oligo ou oligoarticulares, como a artrite reumatoide e espondiloartropatias. Quando a queixa for monoarticular, é necessário excluir a possibilidade de artrite séptica. TRATAMENTO: O tratamento da gota é dividido em dois pontos principais, o controle da fase aguda e a terapia de longo prazo. Na primeira, prioriza-se o controle da dor e inflamação, além de minimizar a incapacidade da articulação, sendo empregados anti- inflamatórios (AINES e corticoides) e colchicina (inibe a formação de inflamossomos ao agir na proliferação celular). Na modalidade crônica,a terapêutica busca reduzir a concentração sérica de ácido úrico, auxiliando na prevenção de crises. São adotadas mudanças na dieta, evitando Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO o excesso de carne vermelha, alimentos com alto teor de frutose e bebidas alcoólicas, além do controle de comorbidades, com reavaliação das prescrições em curso de forma a identificar possíveis medicamentos indutores do quadro. Também é possível fazer uso da terapia de redução de uratos, que emprega diversos medicamentos atuantes em todo o processo de metabolismo e excreção de resíduos da purina. Seus principais representantes são: Inibidores da xantina oxidase: afetam a síntese do urato/ácido úrico (ex.: alopurinol e febuxostate); Agentes uricosúricos: promovem o aumento da excreção do urato, inibindo sua recaptação nos túbulos proximais (ex.: probenecida, benzobromarona e sulfinpirazona).
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