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Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO PROBLEMA 3 – INTERMEDIÁRIA: EXAMES LABORATORIAIS EM REUMATOLOGIA: ASPECTOS EM SENSIBIL IDADE E ESPECIFICIDADE DE EXAMES: Os exames laboratoriais empregados na reumatologia não apresentam correlação universal de sensibilidade e especificidade, ou seja, alguns pacientes com uma doença apresentarão sorologias negativas, e resultados positivos serão associados a pacientes saudáveis. É possível ressaltar que, por vezes, ao longo da evolução da moléstia, é possível haver soroconversão, alterando o perfil laboratorial prévio. É possível instituir regimes anuais ou semestrais para pacientes assintomáticos com marcadores reumatoides positivos, de forma a identificar quaisquer mudanças no quadro clínico de forma precoce, iniciando rapidamente o tratamento. Sensibilidade: é o verdadeiro positivo, indicando a razão entre o número de pacientes doentes com exames positivos e o contingente total de portadores da enfermidade; Especificidade: corresponde ao verdadeiro negativo, a divisão entre pacientes não doentes com resultados negativos e o total de indivíduos sem aquela moléstia; Valor preditivo positivo: descreve a probabilidade de desenvolvimento de uma doença num indivíduo com resultado positivo, sendo dependente da prevalência local (epidemiologia) do quadro; Valor preditivo negativo: representa o processo oposto ao item anterior, correlacionando resultados laboratoriais negativos e a epidemiologia regional para o não desenvolvimento da doença em questão. Associação entre o resultado dos testes laboratoriais e a existência de doença PROTEÍNAS INFLAMATÓRIAS DE FASE AGUDA: Graças ao caráter predominantemente inflamatório em doenças reumatológicas, diversos agentes séricos podem ser empregados como monitores de reações teciduais lesivas, seja pelo aumento (proteína C reativa, velocidade de hemossedimentação, por exemplo) ou redução (como ocorre na transferrina e albumina) de sua concentração. Vale ressaltar que a presença desses marcadores não é patognomônica de quadros reumáticos, uma vez que são presentes em todo tipo de resposta inflamatória do organismo. PROTEÍNA C-REATIVA (PCR): A PCR é o marcador inflamatório mais investigado, sendo uma proteína hepática capaz de se ligar entre frações do sistema complemente e a porção Fc de anticorpos, estimulando assim a opsonização de patógenos. Essa proteína promove a ativação do sistema complemento por meio da clivagem de C3 em C3a (liberação de histamina) e C3b, opsonina que auxilia na atração de fagócitos para o local lesado. No entanto, há certa modulação do perfil inflamatório, pois não há formação de complexos de ataque membranar (há limpeza sem lise celular). Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO A ação da PCR na resposta humoral, por sua vez, é mediada pela interação dessa proteína com receptores CD64 e CD32, levando à indução de fagocitose e à secreção de citocinas pró-inflamatórias (IL-1 e TNF-α). A contrapartida anti- inflamatória desse processo se dá pela supressão da quimiotaxia de neutrófilos, decorrente da clivagem de selectinas. Ainda que a análise de PCR apresente elevada sensibilidade em quadros inflamatórios, sua elevação, ainda que branda, pode ocorrer em pacientes obesos, tabagistas, hipertensos e diabéticos, além de ter aumento fisiológico no envelhecimento. Sua dosagem pode auxiliar no monitoramento de irritações vasculares, que levam ao desenvolvimento de placas de ateroma. Assim, o PCR elevado pode ser preditivo para distúrbios cardiovasculares. A avaliação laboratorial desse marcador é feita por meio da imunonefelometria, exame que expressa dados quantitativos, o que favorece o monitoramento laboratorial de casos de relevância clínica. VELOCIDADE DE HEMOSSEDIMENTAÇÃO: A velocidade de hemossedimentação (VHS) representa a elevação na concentração plasmática de proteínas de fase aguda, com destaque para o fibrinogênio. Em situações normais, as hemácias se repelem, dificultando a agregação e a deposição de sedimentos, porém, com a presença de outras moléculas, dessa vez positivas, esse processo é neutralizado, formando assim os rouleaux, aglomerados densos e concêntricos de hemácias que se depositam no fundo. Alguns fatores analíticos, como erros na diluição da amostra, o posicionamento incorreto do tubo e a demora na realização do exame, assim como aspectos fisiológicos, como as diferenças entre sexos e faixas etárias, podem levar a alterações na interpretação do exame. Esses tipos de intercorrências também podem estar associadas ao uso de determinados medicamentos e também de alguns quadros não inflamatórios, como baixo hematócrito, hiperfibrinogenemia, macrocitose (causam aumento), anemia hemolítica e hipofibrinogenemia (levam à redução). Principais mediadores agudos da inflamação, com destaque para a PCR e o fibrinogênio, fundamental para a alteração da velocidade de hemossedimentação MARCADORES INESPECÍFICOS EM REUMATOLOGIA: ANTICORPOS ANTIFOSFOLÍPIDES: Os anticorpos antifosfolípides foram descobertos inicialmente em pacientes com sífilis, mas também estão presentes em portadores de lúpus eritematoso sistêmico e em indivíduos com síndrome antifosfolípide, marcada por trombose ou abortos de repetição (trombos placentários). Existem três tipos de anticorpos antifosfolípides, porém a anticardiolipina Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO (IgG ou IgM) e o anticoagulante lúpico são mais relevantes para a reumatologia. A importância clínica destes anticorpos é elevada frente a resultados positivos (para a anticardiolipina, em níveis entre 20 e 40) em duas ocasiões distintas, com intervalo de 6 a 12 semanas entre as sorologias. Ainda que esse tipo de anticorpo seja comum em outros quadros reumatológicos, apenas em pacientes de lúpus há a preocupação com o risco de trombose, dada a elevação de risco vascular inerente ao quadro. É necessário ressaltar que mulheres com anticorpos antifosfolípides positivos não devem utilizar contraceptivos orais ou terapia hormonal com estrogênio, dado o risco elevado de trombose. Além disso, todos os pacientes reagentes devem realizar o controle do risco cardiovascular, de forma a evitar complicações induzidas por alterações hematológicas. Α1-GLICOPROTEÍNA ÁCIDA: A α1-glicoproteína ácida (AGP) é formada por resíduos de ácido siálico e carboidratos, produzida pelo fígado, granulócitos e monócitos, com modulação inflamatória tanto positiva quanto negativa. Dentre suas atribuições, destacam-se a supressão da quimiotaxia e da síntese de ERO por neutrófilos, a inibição da agregação de plaquetas e a diminuição da secreção de citocinas inflamatórias (IL- 1β, IL-6, IL-12, TNF-α, e IL-1). Assim como a dosagem da PCR, esses marcadores também são detectados por imunonefelometria, com valor de referência oscilando entre 41,0 a 121,0 mg/dL. Exames com resultados aumentados para AGP podem indicar a ocorrência de quadros reumáticos, como artrite reumatóide e lúpus eritematoso sistêmico, doença de Crohn e neoplasias, principalmente se houver metástase. Estados de elevado estresse metabólico e de necessidade de proliferação celular também podem elevar esses parâmetros. A redução desses índices de anticorpos está associada principalmente a estados de perda proteica, como desnutrição, enteropatias ou gravidez. AUTOANTICORPOS: FATOR REUMATOIDE: O fator reumatoide (FR) é um anticorpo especificamente atuante contra frações Fc de imunoglobulinas, assumindo mais comumente a forma de um anticorpo IgM o que não impede a ocorrência natural de outras expressões. Sua identificação pode ser obtida a partir de múltiplas técnicas,sendo as mais comuns a prova do látex e o teste de Waaler-Rose, ambos baseados na aglutinação entre anticorpo e substrato. Representação do resultado de testes de aglutinação para o fator reumatoide A sensibilidade e especificidade da dosagem deste marcador para quadros de artrite reumatoide varia entre 50 e 80% e 80 a 90%, respectivamente. O papel específico do FR na artrite reumatoide (AR) ainda não é bem compreendido, porém ele é capaz de amplificar a resposta humoral e incentivar a apresentação de antígenos. Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO A presença do fator reumatoide ocorre em até 70% dos pacientes com artrite reumatoide, sendo um provável indício de prognóstico ruim, com presença de nódulos subcutâneos, erosões agressivas e comprometimentos diversos extra- articulares. No entanto, apenas esse aspecto não é suficiente para consolidar o diagnóstico do quadro, pois o FR pode se apresentar em outras doenças, que podem ser reconhecidas pelo mnemônico CHRONIC, a saber: CH: doenças crônicas (especialmente pulmonares e hepáticas); R: artrite reumatoide; O: outras doenças reumáticas (doença mista do tecido conjuntivo, síndrome de Sjogren e sarcoidose); N: neoplasias; I: doenças infecciosas (HIV/AIDS, mononucleose, hepatite B e C, sífilis, etc.); C: crioglobulinemia. Assim, salienta-se que a dosagem seriada de fator reumatoide não deve ser indicada, uma vez que esses anticorpos não são capazes de avaliar a atividade da doença. A solicitação desse exame é indicada, por sua vez, a pacientes com grandes suspeitas para AR. ANTICORPOS ANTI-PEPTÍDIO CITRULINADO CÍCLICO: Os autoanticorpos anti-peptídios citrulinados cíclicos (anti-CCP), imunoglobulinas tipo IgG, são encontrados em diversos pacientes com artrite reumatoide. No organismo, essa proteína é responsável por identificar filagrinas (compostos filamentares associados à queratina) citrulinadas, ou seja, que sofreram alterações em sua cadeia polipeptídica, convertendo arginina em citrulina. A sensibilidade da identificação desse anticorpo se assemelha à do fator reumatoide (50 a 80%), porém sua especificidade é de 96%, o que fomenta a ampliação de seu uso para o diagnóstico da artrite reumatoide. A presença de resultados positivos pode, assim como o FR, estar relacionada a outros quadros crônicos e reumáticos, porém podem indicar comprometimentos mais agressivos em pacientes com artrite reumatoide. A identificação de fator reumatoide e anti-CCP pode direcionar tratamentos farmacológicos mais agressivos, mas não deve ser empregada no monitoramento do quadro. Os autoanticorpos anti-CCP se desenvolvem até mesmo anos antes do desenvolvimento de manifestações cínicas na artrite reumatoide, processo que é estimulado pela exposição a fatores ambientais, dentre os quais se destaca o tabagismo. ANTICORPOS ANTINUCLEARES: Os anticorpos (ou fatores) antinucleares (FAN) são autoanticorpos desenvolvidos contra o DNA, RNA, histonas (contemplam diversos subtipos de anticorpos associados a manifestações lúpicas específicas) ou outros componentes do núcleo celular, podendo ter ação direta em determinadas organelas, ou agir sobre a membrana celular. A identificação desses marcadores na circulação indica a possível emergência de uma doença reumática, sendo assim utilizados como marcadores para diagnóstico e prognóstico do quadro. A primeira avaliação de anticorpos antinucleares é feita a partir da avaliação genérica de autoanticorpos e, apresentado Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO resultados positivos, permite a identificação específica, com a imunofluorescência (IF). A IF com substrato epitelial humano tipo 2 é o padrão-ouro para a detecção desse anticorpo, podendo detectar a titulação (quantidade) e a padronagem (aspecto) desses compostos. Os padrões apresentados na imunofluerescência (homogêneo, pontilhado, periférico ou nuclear), bem como a região na qual se situam esses anticorpos (nucleolar, nuclear ou centromérica) permitem direcionar hipóteses diagnósticas para doenças específicas. Possíveis achados laboratoriais do teste de imunofluorescência de FAN Ainda que a presença de FAN em altas titulações (identificação mesmo em amostras muito diluídas) seja indicativa de lúpus, o monitoramento da doença por esse método não é recomendado. Titulações de fator antinuclear e os possíveis diagnósticos associados (quanto maior a diluição, maior a associação com o lúpus) Nota-se, no entanto, que a presença do FAN pode estar associada a múltiplas doenças reumáticas, ainda que a mais comum seja o lúpus eritematoso sistêmico, o que é evidenciado pela elevada sensibilidade e baixa especificidade para o quadro. Sensibilidade e especificidade para a detecção do FAN em diversas doenças A identificação de anticorpos antinucleares específicos, realizada após a detecção geral destes, permite a observação de: Anticorpos anti-DNA: sua presença é critério diagnóstico para lúpus eritematoso sistêmico; Anticorpos anti-Sm: estão presentes principalmente em pacientes com lúpus, com elevada especificidade para o quadro. Associa-se à presença do fenômeno de Raynaud; Anticorpos anti-RNP: são principalmente encontrados sob a forma de anti-U1 em pacientes com doença mista do tecido conjuntivo, mas também podem surgir em pacientes com lúpus, com especificidade insuficiente para o quadro; Anticorpos anti-histonas: estão primariamente presentes em pacientes com lúpus induzido por drogas, porém grande parte dos indivíduos com resultados positivos é assintomática; Anticorpos anti-cromatina (anti- nucleossomos): são encontrados em até 90% dos pacientes com lúpus; Anticorpos anti-centrômeros: são detectados em pacientes portadores de esclerodermite, com elevada especificidade para o quadro, agindo também como preditores do Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO desenvolvimento da doença em portadores do fenômeno de Raynaud. Principais sintomas associados à esclerodermia (síndrome de Crest), evidenciada pela presença de anti-centrômeros Anticorpos anti-Ro/SSA e anti- LA/SSB: podem ser identificados em pacientes com vasculites, podendo estar associados ao lúpus (principalmente se há FAN negativo) ou, com maior especificidade, na síndrome de Sjogren. ANTICORPOS ANTI-CITOPLASMA: Os anticorpos anti-citoplasma de neutrófilos (ANCA) podem auxiliar no diagnóstico de condições marcadas por vasculite autoimune, podendo apresentar reação citoplasmática (cANCA) ou perinuclear (pANCA, mais comum, normalmente tendo como alvo as mieloperoxidases). Sua dosagem durante o tratamento pode revelar a resposta terapêutica, porém deve sempre ser interpretada junto a outros parâmetros. ANTICORPOS ANTICORPO ANTIESTREPTOLISINA-O: Os anticorpos antiestreptolisina-O, também conhecidos como ASLO, são produzidos em resposta a uma infecção por Streptococcus pyogenes, normalmente na região faríngea e, por isso, apresenta elevado poder diagnóstico para a febre reumatoide. A solicitação da identificação desse anticorpo deve ser feita apenas se há suspeita de febre reumática, pois os resultados individuais não apresentam nenhum valor clínico. O pico de produção desse anticorpo normalmente coincide com o início dos sintomas da febre reumática (4 a 6 semanas da infecção), podendo manter-se elevados por meses. A análise é feita qualitativamente por aglutinação e quantitativamente por concentração (referência = < 200 UI/mL) e diluição relativa. Salienta-se que, para o adequado diagnóstico dessa doença, é necessário aplicar os valores laboratoriais aos critérios de Jones, que correlaciona a positividade de ASLO a outros sinaisclínicos sugestivos. Critérios de Jones para febre reumatoide
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