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TUTORIA- DISCUSSÃO DE CASO CLÍNICO- VARICOCELE, INFERTILIDADE E HIDROCELE CASO Paciente do sexo masculino, 40 anos de idade, foi submetido à varicocelectomia bilateral para tratamento de oligozoospermia e infertilidade. Aproximadamente oito meses depois, evoluiu com aumento progressivo do escroto esquerdo. Não referia trauma ou infecção testicular. Com diagnóstico de hidrocele pós-varicocelectomia, foi indicado tratamento cirúrgico. Na primeira abordagem, uma porção da túnica vaginal foi ressecada pela técnica de Palomo. O volume escrotal regrediu e, seis meses depois, houve a primeira recidiva do quadro. O paciente foi submetido a uma segunda ressecção, envolvendo um novo segmento da túnica vaginal. Novamente, desta vez um ano após o segundo procedimento, o volume escrotal aumentou com nova recidiva, procurando então o Serviço de Urologia da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza. Ao exame físico, o volume do escroto permanecia o mesmo em ortostase e em decúbito dorsal. Na ultrassonografia do órgão, observou-se a presença de hidrocele moderada e os testículos não apresentaram alterações ecográficas. O paciente foi submetido a uma terceira abordagem cirúrgica com a seguinte técnica: inicialmente, foi feita uma incisão anterior e transversal no escroto esquerdo. Dissecou-se por planos até atingir a túnica vaginal conforme preconizado pela técnica cirúrgica padrão para estes casos. Em seguida, após retirar as aderências, o conteúdo da bolsa foi exposto. Abriu- se então a túnica vaginal e prosseguiu-se a dissecção até atingir o seu limite ao nível do epidídimo. O próximo passo consistiu em ressecar integralmente a membrana vaginal justa ao epidídimo e, ao final do procedimento, foi possível observar o testículo, o epidídimo e o cordão totalmente livres da túnica vaginal. Não houve necessidade de sutura. Foi realizada a hemostasia elétrica e, em seguida, a posição de dreno Penrose no 2 e fechamento por planos. O paciente evoluiu com edema escrotal, que regrediu espontaneamente. Não foram observados sinais de recidiva da hidrocele nos 14 meses subsequentes à cirurgia. DISCUSSÃO DO CASO No primeiro trimestre do período embrionário ocorre a migração do testículo do abdome para a bolsa escrotal. Neste percurso através do canal inguinal, o testículo é parcialmente revestido pelo peritônio, formando o conduto peritôniovaginal ou processo vaginal. Esse conduto normalmente fecha durante o primeiro ano de vida e isola as cavidades peritoneal e vaginal. Semelhantemente ao peritônio, a túnica vaginal possui função de secretar e absorver líquidos. Essa túnica possui um lado parietal e um visceral, sendo que, entre as duas, há líquido que evita o colapso da mesma. Um desequilíbrio nesta dinâmica geralmente resulta em um acúmulo de líquido na cavidade vaginal denominado hidrocele. Existem várias causas para o surgimento de hidrocele dentre as quais podemos citar traumas, infecções, tumores e correções cirúrgicas de varicocele. Entretanto, a causa mais frequente é a idiopática. TUTORIA- DISCUSSÃO DE CASO CLÍNICO- VARICOCELE, INFERTILIDADE E HIDROCELE VARICOCELE A varicocele, também conhecida como varizes dos testículos, é uma patologia masculina que se caracteriza pela dilatação anormal das veias da região testicular (plexo pampiniforme), especificamente do funículo espermático. Esse plexo pampiniforme drena o sangue dos testículos. O fluxo sanguíneo reverso é impedido por pequenas válvulas de sentido único. Defeitos nestas válvulas ou de compressão podem provocar dilatação do vaso e diminuição do volume testicular. Com isso, acaba-se mantendo o sangue ao redor do testículo, provocando um aumento da temperatura testicular. Essa doença pode causar, em casos extremos, azoospermia não obstrutiva, ou seja, ausência de espermatozóide no sêmen ejaculado por distúrbio na produção espermática. A oligozoospermia, que também pode ser decorrente da varicocele, é caracterizada pela redução da quantidade de espermatozoides no sêmen. A qualidade espermática também pode estar comprometida nessa situação. Em casos de infertilidade por varicocele, a exemplo do paciente deste caso, está indicada a correção cirúrgica. Em geral, as técnicas consistem em ligar as veias espermáticas, preservando a artéria testicular, o ducto deferente e os vasos linfáticos locais. ANATOMIA ● CANAL INGUINAL: O canal inguinal é formado em relação à descida do testículo durante o desenvolvimento fetal. Em adultos, é uma passagem oblíqua com cerca de 4 cm de comprimento, que segue em sentido inferomedial através da parte inferior da parede anterolateral do abdome. Situa-se paralela e superiormente à metade medial do ligamento inguinal. Os principais conteúdos do canal inguinal são o funículo espermático em homens e o ligamento redondo do útero nas mulheres. Estas são estruturas diferentes do ponto de vista funcional e do desenvolvimento, que têm a mesma localização. O canal inguinal também contém vasos sanguíneos e linfáticos e o nervo ilioinguinal em ambos os sexos. O canal inguinal tem uma abertura em cada extremidade: 1) O anel inguinal profundo (interno) é a entrada do canal inguinal. Está localizado superiormente à região intermediária do ligamento inguinal e lateralmente à artéria epigástrica inferior. É o início de uma evaginação na fáscia transversal que forma uma abertura semelhante à entrada de uma caverna. Através dessa abertura, o ducto deferente extraperitoneal e os vasos testiculares nos homens (ou ligamento redondo do útero nas mulheres) entram no canal inguinal. A própria fáscia transversal continua até o canal, formando o revestimento interno (fáscia interna) das estruturas que atravessam o canal. 2) O anel inguinal superficial (externo) é a saída pela qual o funículo espermático em homens, ou o ligamento redondo em mulheres, emerge do canal inguinal. O anel superficial é uma divisão que ocorre nas fibras diagonais, geralmente paralelas da TUTORIA- DISCUSSÃO DE CASO CLÍNICO- VARICOCELE, INFERTILIDADE E HIDROCELE aponeurose do músculo oblíquo externo do abdome, na região imediatamente superolateral ao tubérculo púbico. As partes da aponeurose situadas lateral e medialmente ao anel superficial, e que formam suas margens, são os pilares. Os vasos que realizam a drenagem linfática dos testículos seguem a topografia das artérias e das veias testiculares até os linfonodos lombares direito, esquerdo e pré aórticos. ● ARTÉRIAS: As longas artérias testiculares originam-se da face anterolateral da parte abdominal da aorta, imediatamente abaixo das artérias renais (Figura 2.19). Elas seguem no retroperitônio (posterior ao peritônio) em direção oblíqua, cruzando sobre os ureteres e as partes inferiores das artérias ilíacas externas para chegar aos anéis inguinais profundos. Entram nos canais inguinais através dos anéis profundos, atravessam os canais, saem deles através dos anéis inguinais superficiais e entram nos funículos espermáticos para irrigar os testículos. A artéria testicular ou um de seus ramos anastomosa-se com a artéria do ducto deferente. ● VEIAS: As veias que emergem do testículo e do epidídimo formam o plexo venoso pampiniforme, uma rede de 8 a 12 veias situadas anteriormente ao ducto deferente e que circundam a artéria testicular no funículo espermático. O plexo pampiniforme faz parte do sistema termorregulador do testículo (juntamente com os músculos cremaster e dartos), ajudando a manter essa glândula em temperatura constante. As veias de cada plexo pampiniforme convergem superiormente, formando uma veia testicular direita, que entra na veia cava inferior (VCI), e uma veia testicular esquerda, que entra na veia renal esquerda. ● VASOS LINFÁTICOS: A drenagem linfática do testículo segue a artéria e a veia testiculares até os linfonodos lombares direito e esquerdo (caval/aórtico) e pré-aórticos (ver Figura 2.19). Os nervos autônomos do testículo originam-se como o plexo nervoso testicular sobre a artéria testicular, que contém fibras parassimpáticas vagais e aferentes viscerais e fibras simpáticas dosegmento T10 (–T11) da medula espinal. TUTORIA- DISCUSSÃO DE CASO CLÍNICO- VARICOCELE, INFERTILIDADE E HIDROCELE DESENVOLVIMENTO DO CANAL INGUINAL- EMBRIOLOGIA Os testículos desenvolvem-se no tecido conjuntivo extraperitoneal na região lombar superior da parede posterior do abdome. O gubernáculo masculino é um trato fibroso que une o testículo primitivo à parede anterolateral do abdome no local do futuro anel profundo do canal inguinal. Na 12a semana de desenvolvimento, o testículo está na pelve, e com 28 semanas (7o mês) situa-se próximo ao anel inguinal profundo em desenvolvimento. O testículo começa a atravessar o canal inguinal durante a 28a semana e essa “travessia” leva aproximadamente 3 dias. Cerca de 4 semanas depois, o testículo entra no escroto. Enquanto o testículo, seu ducto (ducto deferente) e seus vasos e nervos mudam de lugar, são envoltos por extensões musculofasciais da parede anterolateral do abdome, que são responsáveis pela presença de seus derivados no escroto do adulto: as fáscias espermáticas interna e externa e o músculo cremaster. O pedículo do processo vaginal normalmente degenera; no entanto, sua parte sacular distal forma a túnica vaginal, a bainha serosa do testículo e epidídimo. A hidrocele pode ocorrer quando há uma ligadura equivocada desses vasos durante o procedimento. Essa complicação ocorre em 3% a 13% dos pacientes e se estabelece mais frequentemente nos casos em que a correção da varicocele é feita ao nível do anel inguinal interno (Técnica de Palomo). TUTORIA- DISCUSSÃO DE CASO CLÍNICO- VARICOCELE, INFERTILIDADE E HIDROCELE OBS: Palomo descreveu pela primeira vez, em 1948, a abordagem retroperitoneal clássica. Esta técnica tem por base a laqueação alta da veia espermática interna e a preservação da artéria espermática interna, através da exposição separada da veia espermática interna. Visa ainda o encerramento do canal inguinal. ETIOLOGIA A preponderância de varicoceles no lado esquerdo está ligada à anatomia da veia gonadal esquerda e constitui base para várias teorias que tentam explicar sua etiologia. Dentre estas, destacam-se: - A veia gonadal esquerda é mais longa que a direita e entra em ângulo reto na veia renal deste lado. Assim, forma-se uma longa coluna hidrostática, com alta pressão, que dilata o plexo pampiniforme. - A insuficiência valvular na veia gonadal esquerda pode resultar em aumento da pressão transmitida pela veia renal para o plexo pampiniforme. - A renal esquerda pode ser comprimida entre a aorta e a artéria mesentérica superior, transmitindo um aumento pressórico para a veia gonadal, o que contribui para sua dilatação. Esse fenômeno é conhecido como "nutcracker" (quebra-nozes). DIAGNÓSTICO DA VARICOCELE O diagnóstico é essencialmente clínico. A posição de ortostatismo juntamente com a manobra de Valsalva realizada durante a inspeção e palpação escrotal facilitam a identificação das varicosidades. A varicocele pode ser estadiada em 3 graus de acordo com o exame físico. TRATAMENTO CIRÚRGICO DA VARICOCELE O tratamento da varicocele é exclusivamente cirúrgico e consiste na ligadura dos vasos que estão alterados (vasos varicosos). O procedimento pode ser realizado por diversas técnicas cirúrgicas, que incluem cirurgia convencional (inguinotomia – técnica de Ivanissevich – ou ligadura alta transabdominal – técnica de Palomo), cirurgia laparoscópica ou microcirurgia (por incisão subinguinal – técnica de Marmar). TUTORIA- DISCUSSÃO DE CASO CLÍNICO- VARICOCELE, INFERTILIDADE E HIDROCELE Cirurgia aberta: 1- Acesso retroperitoneal (Palomo) - Ligadura da veia espermática interna. 2- Acesso inguinal (Ivanissevich) - Ligadura das veias espermática externa 3- Acesso subinguinal (Marmar) - Ligadura das veias espermática externa com auxílio de microscópio. (Esta é a técnica que parece ter os melhores resultados). 4- Cirurgia laparoscópica - Ligadura da veia espermática interna O procedimento é realizado sob anestesia local combinada com sedação endovenosa, em regime de internação ambulatorial, no qual o paciente tem alta no mesmo dia. Durante a cirurgia, busca-se a identificação de todos os vasos alterados, que são ligados, e a preservação dos vasos sadios (linfáticos, artéria testicular) a fim de garantir a manutenção adequada das funções testiculares. Neste caso, observou-se que a abordagem cirúrgica convencional não foi eficaz na correção da hidrocele, visto que, mesmo após as duas intervenções anteriores, o volume escrotal tornou a aumentar. Entendemos que as porções restantes da túnica vaginal contribuíram para o acúmulo de líquido entre os folhetos. A ressecção completa da túnica vaginal pode ser uma abordagem a ser considerada inicialmente nesses casos com o objetivo de evitar tais recidivas. Reforçamos a importância do conhecimento da anatomia TUTORIA- DISCUSSÃO DE CASO CLÍNICO- VARICOCELE, INFERTILIDADE E HIDROCELE cirúrgica do cordão espermático e o cuidado na correção da varicocele para evitar as complicações descritas neste caso.
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