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Adolescência em outras culturas Psicologia do Desenvolvimento: Adolescência Prof.: Bruno Carrasco Diferentes culturas e modos de ser adolescente No decorrer das aulas, estamos entendendo a adolescência como um fenômeno biológico, social (cultural) e subjetivo (psicológico), onde esses três elementos influem no modo de atravessar a adolescência e de se tornar “adulto”. Partindo dessa premissa, adolescentes de diferentes culturas, épocas, ou mesmo de classes sociais distintas, numa mesma cidade, apresentam padrões de comportamento e experiências bastante diferentes. Até o momento, comentamos apenas do adolescente em nossa cultura ocidental globalizada, mas há também outras culturas e civilizações onde o desenvolvimento e o comportamento do jovem são bem diferentes do modo como conhecemos. Diferenças entre a adolescência e a vida adulta As antropólogas norte americanas Margaret Mead (1901-1978) e Ruth Benedict (1887-1948), constataram em seus trabalhos que o ser humano evolui de um estágio de total dependência, no caso do recém nascido, para um de relativa independência, como adulto, que adquire o papel de prover e proteger os filhos. Outros autores entendem que a vida adulta está mais relacionada com a inserção no mundo do trabalho, ou com a independência dos pais ou cuidadores. De um modo geral, entende-se que faz parte da vida adulta uma maior responsabilidade sobre si mesmo, o sustento de sua própria vida ou de uma família, o desenvolvimento da autonomia, o predomínio do raciocínio abstrato, o estabelecimento de uma identidade própria e sua possível transformação. Exemplo dos jovens de Samoa (país da Oceania) O modo como essa independência é adquirida varia muito de uma cultura para outra. Na nossa, por exemplo, a diferença entre criança e adulto é profundamente acentuada por instituições sociais e legais. Existe uma descontinuidade entre os dois papéis, e isso cria conflitos para o adolescente, que está a meio caminho. Já na sociedade de Samoa, no Pacífico Sul, estudada por Margaret Mead, não acontece assim. A transição entre os papéis se dá de modo gradual, e o processo de crescimento é lento e contínuo. Quando a criança se torna adulta, as exigências que recaem sobre ela não são abruptamente aumentadas: elas são uma continuação do que lhe era exigido anteriormente. Diferenças entre a cultura ocidental e a samoana, sobre o adolescente Papel responsável X não responsável Tecnicamente, na nossa cultura, as crianças não dão qualquer contribuição social no sentido do trabalho, e inclusive são proibidas por lei de fazê-lo. Em Samoa, meninas de até seis anos são responsáveis pelo cuidado e disciplina de irmãos mais novos. Meninos desde cedo aprendem a pescar nos recifes e remar canoas, enquanto as meninas, depois de dispensadas da função de babá, trabalham nas plantações. Nenhuma mudança básica ocorre na adolescência, a não ser que o grau de responsabilidade aumenta à medida que a criança se torna mais forte e madura. Dominação X submissão Em nossa cultura, a criança deve sair da submissão infantil e adotar a atitude completamente oposta de domínio na fase adulta. Essa transição se dá geralmente na adolescência, sem que haja qualquer preparo para isto. Com frequência o adolescente sai diretamente da casa de seus pais para formar sua própria família. Em Samoa, existe um aprendizado contínuo em relação a esses dois papéis. Uma criança de seis ou sete anos é ao mesmo tempo babá de seus irmãos mais novos e submissa aos mais velhos. Quanto mais velha fica, mais crianças ela domina e menos ela é dominada. Experiências sexuais Em nossa sociedade existe uma grande restrição à expressão sexual da criança, ela é tratada como assexuada, em contraste com os adultos. É vedado à criança o acesso e informações sobre o ciclo vital de homens e mulheres. Ainda hoje, o sexo é considerado uma coisa suja e feia para a criança, e as experiências eróticas da infância são reprimidas. Em Samoa, a criança tem oportunidades de assistir a um parto ou uma morte perto de sua casa e muitas já tiveram vislumbres de relações sexuais. A vida sexual não é reprimida, mas considerada natural e agradável. A criança não é basicamente diferente do adulto. Homossexualidade, promiscuidade e atividades sexuais na criança, que em nossa sexualidade são considerados pecados terríveis, são tidos como simples jogos em Samoa, sem a existência de qualquer estigma moral. Adolescência e psicologia Conflito adolescente O estudioso americano sobre educação, Edgar Friedenberg (1921-2000) acredita que a adolescência é um período de autodefinição, o jovem precisa diferenciar-se não só dos pais, mas também da cultura na qual cresceu, e só pode fazê-lo isolando-se dela e quebrando os elos da dependência. Segundo ele, se não houver a oportunidade da existência do conflito, não há adolescência, e o sentido individualista não pode se desenvolver. Neste sentido, a personalidade individual e particular só se desenvolve a partir do conflito vivenciado entre o adolescente e seus cuidadores, sua cultura e os valores com o qual foi constituída sua infância, para dar a luz a uma nova forma de vida. “O conflito adolescente é o instrumento pelo qual o indivíduo aprende a diferença complexa, sutil e preciosa entre ele mesmo e seu ambiente.” (Friedenberg) Tratamento de crianças e adolescentes Em vários anos de atendimento de saúde mental, temos assistido uma contínua e crescente demanda por tratamento de crianças e adolescentes. Inúmeras famílias e escolas os encaminham na expectativa de que os psicólogos possam auxiliá-los em face dos frequentes “fracassos escolares”, “distúrbios de comportamento”, “dificuldades cognitivas”, “levadeza”. Em geral, as escolas e familiares trazem também uma demanda de encaminhamento das crianças e jovens para as denominadas escolas especiais. Nesse caso, querem apenas que forneçamos um “passaporte”, sob a forma de um laudo, que lhes abra as portas para o requerido encaminhamento. Concordar com essa prática e “patologizar” o que pode ser considerado próprio à idade pode ser também uma forma de incluir os serviços de saúde mental numa lógica de contenção das liberdades e, mais que isso, uma forma de normatizar a vida, produzindo padrões de vida cada vez mais estandardizados e empobrecidos. A psicologia tem respondido a essa demanda por longos anos. Para tanto, se coloca a definir “especializações” que, além de se prestarem ao atendimento dos casos que realmente se beneficiam com seus préstimos, se apresentam enquanto saberes genéricos sobre a vida jovem, como se fundassem uma síndrome (ou patologia) da adolescência, numa espécie de um novo quadro nosológico. Patologia da adolescência? “Leva pro psicólogo” Temos servido a uma imposição que nos leva a “adoecer” e a “medicalizar” etapas da vida simplesmente porque pais, escolas e instituições experimentam dificuldades em lidar com o que é próprio à idade e com isso requerem dos profissionais “psi” uma ajuda para condicioná-los à nova ordem do pouco tempo para tudo, da impaciência, da falta de disponibilidade, do “leva pro psicólogo”. Enquanto isso, a prática de atenção a crianças e adolescentes segue uma rota de exclusão social, porque, ao patologizar a vida e encaminhar tantos jovens para especiais especiais, quando não para centros de tratamento neuropsiquiátricos, entendemos estar participando de um processo de exclusão social. “Aborrecente” Essas crianças e jovens se apresentam, por meio de seus cuidadores (ou “descuidadores”) em busca de um “passaporte” às escolas especiais e aos centros de tratamento neuropsiquiátricos. São jovens que, ao experimentarem as novas condições da adolescência, novas e diferentes formas de ser, acabam conflitando ou recusando o modelo institucional da escola e, por isso, são taxadas de “problema” – “criança-problema”, “adolescente-problema”, “aborrecente”. Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Masninguém diz violentas as margens que o comprimem. (Bertolt Brecht) Por que querer dominar a adolescência? A psiquiatria, enquanto saber médico, é, assim, uma prática de dominação imprescindível ao disciplinamento do campo social, quando os loucos de toda espécie precisavam ser abordados e compartimentados em locais para não ofender à nova ordem instituída. Nessa mesma perspectiva, temos assistidos às especializações e profusões discursivas sobre a categoria adolescência. E nos interrogamos: por que esse exercício de dominação sobre ela? Por que isso se faz tão presente nos dias atuais? Que monstrengo é esse que se criou significando adolescência como problema, enfrentamento, transtorno, violência, drogas, descaminho, desrespeito? Temos fracassado enquanto sociedade Nós, os especialistas, os psicólogos de adolescentes, somos obrigados a constatar que, temos fracassado enquanto sociedade no processo de propiciar aos jovens rituais de passagem que os insira na vida social. Pelo contrário, prolongamos a infância ao máximo e ao final lhes impomos uma troca de um dos momentos mais ricos da vida, de maior força e beleza física, de densidade emocional, de criatividade, de sexualidade exuberante, por um longo trecho em banho-maria, numa atividade generalizada de acumular conhecimento e disciplina, para que o futuro os compense. E o adolescente tem dificuldade de manter esse pacto como teria qualquer um ao trocar a vida pela clausura. Culturas e papel da família Há culturas inúmeras, e é certo que todas criaram opções para lidar com o momento de passagem do mundo infantil para o mundo adulto. Há rituais de passagem, há práticas e exigências aplicadas aos jovens para que sejam aceitos no mundo dos adultos. Não podemos deixar de reconhecer que a instituição familiar se presta muito bem à maternagem, ao procriar e cuidar da infância, enredando-a em sua novela familiar, que dá ao papai e à mamãe essa aura de intimidade privada na mais pura concepção do romantismo. Mas a família, e particularmente a típica de classe média, não está colaborando para criar o trânsito necessário à construção de um espaço de participação social do jovem. Examinar a doença social de nosso tempo Concluindo, lembramos aos profissionais da saúde mental que, antes de psicologizar ou medicalizar a adolescência, deve-se examinar a doença social de um tempo que esvaziou seus rituais de passagem e quer aplacar a força da vida apenas com a repetição de um modo de vida adulta de regularidades e padrões bem sucedidos tende a ostentar. Os adolescentes, por certo, desconfiam dessa fraude, e é-lhes insuportável trocar a vida por moeda tão gasta. Fazer sua vida na divergência, na adrenalina, na pichação, na drogadição, é apenas uma forma de afirmar uma vida menos medíocre. Enfim, a vida não cessa de se afirmar... Referências Bibliográficas Adolescência e psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas. Coordenação Maria de Lourdes Jeffery Contini; organização Sílvia Helena Koller. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Psicologia, 2002. BECKER, Daniel. O que é adolescência. São Paulo: Brasiliense, 1999. BOCK, Ana Mercês Bahia. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Por: Bruno Carrasco Professor de filosofia e psicologia, graduado em psicologia, licenciado em filosofia e em pedagogia, pós-graduado em ensino de filosofia e em psicologia existencial humanista e fenomenológica, pós-graduando em aconselhamento filosófico. www.brunodevir.blogspot.com www.instagram.com/brunodevir www.fb.com/brunodevir http://www.brunodevir.blogspot.com http://www.instagram.com/brunodevir http://www.fb.com/brunodevir
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