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Sentença AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Nº 1234567- 89.1011.123.4567/RS AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RÉUS: JOÃO DA SILVA e JULIANA ALVES INTERESSADA: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL − CEF Trata-se de ação de improbidade administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com fulcro no Processo Disciplinar nº RS.1234.56777,instaurado no seio da Caixa Econômica Federal, em desfavor de seu empregado JOÃO DA SILVA, escriturário, e de JULIANA ALVES, estagiária, qualificados nos autos. Na inicial, o parquet afirma que os réus, em parceria e comunhão de vontades, nas condições de escriturário e estagiária da agência da Caixa Econômica Federal do Município de Antares (RS), praticaram atos de improbidade que importaram em enriquecimento ilícito para ambos, consistentes: (a) na concessão irregular de crédito a ele próprio, João da Silva, bem como a pessoas jurídicas por ele administradas ou titularizadas por parentes seus e de seu cônjuge mulher. Para tanto, teriam, em especial, inserido informações falsas relativas ao faturamento das referidas empresas no Sistema de Análise de Riscos de Crédito da aludida instituição financeira (SIRIC), também informando falsamente, em determinada operação realizada em favor de microempresa de sua titularidade, o oferecimento de caução em garantia, na verdade, inexistente; (b) na inserção de outras informações inexatas no SIRIC, relacionadas a liquidações e renovações de operações de crédito, possibilitando a contratação indevida de novas operações antes da liquidação de operações anteriores, ou seja, a consequente "rolagem" das dívidas em benefício próprio; (c) no depósito em custódia-caução de cheques fraudados, vinculados a contas- correntes inativas ou encerradas, tudo com a finalidade de liberação de limite flutuante de crédito em seu benefício. Para "cobrir" o valor de alguns desses cheques, João da Silva teria realizado transferências com créditos provenientes de contas de pessoa física e de pessoa jurídica titularizada por ele próprio, bem ainda novas operações de crédito pessoal − ademais, vários desses cheques foram excluídos pelos réus da custódia-caução antes da data prevista para apresentação, com o fito de evitar apercepção da fraude; (d) na apropriação, em proveito próprio ou de empresa com a qual João da Silva mantinha vínculo, de valores existentes em contas de clientes, deixados sob sua guarda. Sustenta o Ministério Público Federal que todas as operações acima referidas foram realizadas em parceria pelos dois réus, com a utilização da senha pessoal de Juliana, visto que o controle sobre as operações dos escriturários era mais rígido. Extrai-se ainda da exordial que tais condutas, além de se apartarem das normas internas da instituição financeira, causaram prejuízo financeiro à Caixa Econômica Federal que importou, na data de apuração, em R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Requereu o Ministério Público Federal, liminarmente, a decretação da indisponibilidade dos bens dos réus, bem como sua condenação nas penas previstas em caso de prática de atos de improbidade administrativa e mais indenização por danos morais, tendo em vista o abalo na credibilidade da instituição financeira perante os clientes cujas contas e cujos cheques foram utilizados nas fraudes. Foi deferido o pedido de decretação de indisponibilidade de bens, inclusive de salários, e deferida a juntada das provas produzidas na ação penal ainda em curso contra os réus, dando conta dos mesmos fatos aqui sindicados, ora em fase de alegações finais. Notificados, os réus apresentaram defesa preliminar, negando a prática das condutas que lhes foram imputadas, pois, em suma, a análise de risco e a aprovação de operações envolvendo funcionário da Caixa Econômica Federal, mesmo na condição de sócio de pessoa jurídica, não podem ser realizadas por ele próprio, reclamando, ademais, a sua aprovação pelo Comitê de Crédito da agência e a contratação por gerente concessor diverso do tomador. Sustentaram,ainda, que é corriqueiro no âmbito da Caixa Econômica Federal alimentar o sistema SIRIC com dados financeiros sem efetiva comprovação, bem como, em relação a operações tomadas por funcionários, com dados fictícios correspondentes à garantia de caução inexistente (já que ela não lhes é exigida). O primeiro réu aduziu que tentou renegociar o débito em discussão, negando ter assinado cheques de titularidade de clientes, à exceção de apenas um, por ele firmado por engano. Ambos ressaltaram ter sido absolvidos de responsabilidade pela prática dos fatos apurados no âmbito do processo disciplinar RS.1234.56777 levado a efeito administrativamente. Finalmente, sustentaram que, se eventualmente obraram em erro, certamente não o fizeram de má-fé. A inicial foi recebida, visto que os argumentos invocados pelos réus remetiam ao exame da prova. Citado pessoalmente, o primeiro réu apresentou contestação, sustentando preliminarmente: (a) a ilegitimidade do Ministério Público Federal para ajuizar ação em defesa do patrimônio da Caixa Econômica Federal; b) a sua ilegitimidade passiva, em razão de ser empregado regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, e não servidor público; c) a necessidade de suspensão da presente ação até que seja julgada a ação penal, ora em fase de alegações finais, na qual estão em discussão os mesmos fatos aqui narrados; d) a indisponibilidade de bens decretada pelo juízo não pode abranger bens adquiridos anteriormente aos atos referidos como ímprobos, devendo limitar-se ao valor do alegado dano causado ao erário ou ao patrimônio ilicitamente construído a partir do enriquecimento ilícito (adquirido posteriormente ao ato de improbidade); e) a impenhorabilidade de salários, nos termos do artigo 833, IV, do Código de Processo Civil; f) a nulidade dos depoimentos emprestados da ação penal em curso. No mérito, negou a prática de qualquer ato de improbidade, admitindo meras irregularidades no exercício da função, tanto que foi absolvido no processo administrativo-disciplinar. Alegou ainda a inviabilidade de ser pleiteada indenização por danos morais em sede de improbidade administrativa. A segunda ré, por sua vez, alegou, em preliminar, que sua condição de mera estagiária, sem vínculo estatutário ou trabalhista com a Caixa Econômica Federal, garante sua ilegitimidade passiva para a ação de improbidade, podendo os fatos, quiçá, ser sindicados em outra sede. No mérito, repisou os argumentos apontados pelo primeiro réu, afirmando, ainda, ter agido no estrito cumprimento de seu dever funcional − visto que João da Silva era seu superior hierárquico −, sem ter ciência do eventual caráter ilícito das ações. O Ministério Público Federal apresentou réplica, rebatendo os argumentos declinados pelas defesas e reiterando suas razões iniciais. A Caixa Econômica Federal manifestou seu interesse em ingressar no feito, na condição de assistente simples, o que foi deferido pelo juízo em decisão quer estou irrecorrida. Foram juntados documentos pelo primeiro réu. Após, foram juntados documentos pela Caixa Econômica Federal, correspondentes às operações de crédito liquidadas pelo primeiro réu. Na sequência, foram tomados os depoimentos pessoais dos réus e produzida prova testemunhal, em que foram ouvidos funcionários da Caixa Econômica Federal, seus colegas. Por fim, o juízo abriu prazo para oferecimento de alegações finais, por meio de memoriais. Em alegações finais, o Ministério Público Federal examinou a prova produzida, reiterando suas alegações iniciais e pugnando pela procedência do pedido. Disse, ainda, que: a) no aludido processo administrativo, apurou-se apenas uma pequena parcela dos fatos ora imputados aos requeridos, sendo que, no tocante a eles, o Conselho Disciplinar da Caixa Econômica Federal os isentou de responsabilidade por não considerar "inequivocamente comprovada a falta grave" − vale dizer, em tal expediente administrativo, sequerrestou demonstrado que os fatos não aconteceram ou que os réus não foram seus autores; b) a prova dos autos foi conclusiva quanto a terem os réus atuado decisivamente para a concessão fraudulenta de créditos irregulares a João da Silva ou a pessoas jurídicas por ele faticamente administradas, quais sejam, as empresas ROSANA LEMOS − ME (a qual outorgara, na época, poderes de administração ao primeiro réu e à sua esposa, Maria da Silva), JULIANA SOUZA − ME (cuja titular era casada com o irmão da então esposa do réu) e JOÃO DA SILVA − ME(firma individual titularizada pelo próprio réu); c) há prova material de terem os réus fraudado cheques de contas encerradas, sem movimentação ou mesmo ativas, os quais teriam sido entregues à instituição financeira em custódia-caução com a finalidade de liberação de limite flutuante, bem como se apropriado de valores pertencentes a cliente e realizado comandos de créditos contingenciais indevidos; d) é possível a indisponibilização parcial de salários; e) a quebra do sigilo bancário de Juliana comprovou ter ela recebido em sua conta- corrente na mesma agência da Caixa Econômica Federal vários depósitos de valores oriundos da empresa JOÃO DA SILVA − ME no transcorrer do período em que ocorreram as fraudes. Por seu turno, os réus ofertaram memoriais, reiterando questões já levantadas no curso do feito, especialmente a inexistência de provas de que tenham praticado os atos mencionados na inicial e a não caracterização de ato de improbidade, pela inexistência de dolo ou culpa, bem como de prejuízo ao patrimônio público. Requereram, a final, a improcedência dos pedidos .A Caixa Econômica Federal, em alegações finais, reportou às já apresentadas pelo Ministério Público Federal. Vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório. Decido. A probidade administrativa consiste no dever do agente público em servir a administração pública com honestidade, ao proceder no exercício de suas funções, sem se beneficiar dos poderes ou facilidades decorrentes do cargo em proveito pessoal ou, ainda, de terceiros. Nesse sentido, a doutrina de Silvio Antônio Marques, na obra Improbidade Administrativa: ação civil e cooperação jurídica internacional, 2012, p. 25, leciona: “Os agentes públicos devem exercer suas atividades com honestidade, lealdade, isenção e ética, visando à realização do interesse público e do bem comum, sendo-lhes vedado aproveitar-se de sua posição funcional transitória para obter vantagens pessoais ou beneficiar terceiros”. Dessa forma, o desrespeito aos deveres elencados é o que caracteriza um ato de improbidade. Em outras palavras, na mesma obra, o autor destaca que: “[...] Improbidade administrativa representa a conduta voluntária culposa ou dolosa, de agente público em sentido amplo e eventuais terceiros coautores, partícipes ou beneficiários, que atente contra a moralidade administrativa e que cause enriquecimento ilícito, prejuízo ao patrimônio público ou infração aos princípios da administração. Ímprobos, por sua vez, são os agentes públicos e eventuais partícipes ou coautores que praticarem atos típicos de improbidade administrativa.” De acordo com a legislação pátria, os atos de improbidade administrativa abrangem aqueles que importam em enriquecimento ilícito para o agente público ou para o terceiro beneficiário, que causam lesão ao erário e que são lesivos aos princípios norteadores da administração pública. Para tanto, o legislador apresenta nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92 um rol exemplificativo de condutas que devem ser veementemente combatidas pelo Poder Judiciário, por meio da cominação das sanções legalmente previstas para este fim. Entretanto, a subsunção da conduta fática presente nos referidos artigos depende da demonstração cabal dos seguintes elementos: sujeito passivo, sujeito ativo e ocorrência de ato danoso causador de enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário público ou atentado contra os princípios da administração pública. Com isso, somente com a presença de tais elementos é que o agente administrativo e, eventualmente, um terceiro poderão sofrer as sanções estabelecidas no art. 12 da Lei nº 8.429/92, caso contrário, não havendo a identificação de alguns deles, inviabilizada está qualquer forma de condenação. Nessa demanda, consoante já relatado, há a alegação de que os requeridos, na qualidade de escriturário e estagiária da agência da Caixa Econômica Federal do Município de Antares (RS) teriam se enriquecido de forma ilícita por meio concessão irregular de crédito. Com isso, pretende o Ministério Público Estadual a condenação do mesmo nas sanções previstas nos incisos I e III do art. 12 da Lei nº 8.429/92, pela suposta prática de tipo ímprobo previsto nos arts. 9º e 11 do aludido diploma legal, conforme colacionado: “Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: X -receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado; XI -incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei; […] Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I -praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; II -retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;” Em outras palavras, em suas razões, além de sustentar uma suposta violação aos princípios da administração pública, especialmente no que tange à prática de ato visando fim proibido em lei, argumentou o órgão ministerial que o requerido enriqueceu-se de maneira ilícita. Acerca dos referidos artigos, sabe-se que é necessário a presença de uma conduta dolosa para caracterizar ato de improbidade administrativa, que é a vontade de realizar o fato descrito na norma incriminadora. Nessa linha de pensamento, se não estiver evidenciado o dolo do administrador público, o que configura mera irregularidade administrativa, deve o magistrado aplicar a Lei de Improbidade Administrativa com a devida cautela, na medida em que não se pode determinar suas penalidades em face de erros toleráveis ou, ainda, de meras irregularidades administrativas. A atitude dos Representados atentaram, ainda diretamente contra o princípio constitucional da legalidade e, notadamente, da moralidade, ao perpetrar o ato acima descrito, o que se enquadra ao art. 11,I da LIA. Como é sabido, todo agente público e todo particular que mantém relação com o Poder Público, têm a obrigação de velar pela legalidade e os princípios norteadores da gestão pública, mas o demandado decidiu por ato próprio ir à contramão desta via imperiosa ao respeito à lei e a ordem. Essa disposição de agir contra a lei, em proceder de má intenção, em deslealdade à primazia normativa, é promanar com má-fé, com contornos de ilicitude consciente. O ato administrativo foi realizado por iniciativa, vontade e determinação dos promovidos; não há que se falar em culpa ou coação,foi um ato pessoal dos demandados. Está fortemente comprovado, que não se trata de mera irregularidade administrativa até mesmo pela vasta documentação, mas de consciente afronta a princípios caros e fundamentais do ordenamento brasileiro, como a legalidade, a boa-fé e a moralidade. As penas aplicáveis ao agente público que pratica ato de improbidade administrativa estão previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/92 de forma escalonada, a partir incidênciadas normas previstas nos arts. 9º a 11 do mesmo diploma, de acordo com a gravidade das condutas. Ademais, tem-se que, para fixação do quantum de pena, o Magistrado deve considerar a extensão do dano causado ao erário e o proveito econômico obtido pelo agente público. Portanto, para adequada fixação de sanções pela prática de ato de improbidade administrativa, o Magistrado deve atender a critérios de razoabilidade, fundamentando a opção e a quantidade de pena em elementos valorados de acordo com a natureza e a gravidade do caso concreto. Ademais, na dosagem da sanção deve ter presente, ainda, valoração da personalidade do agente, sua vida pregressa na administração pública, o grau de participação no ato ímprobo, seus reflexos e consequências (TRF4, AC 5001183-28.2013.404.7109, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Salise Monteiro Sanchotene, juntado aos autos em 15/05/2015). Na hipótese em exame, para a aplicação das penas ao réu, deve-se atentar sobre o modus operandi empregado para obtenção de recursos por meio de apropriação, em proveito próprio ou de empresa com concessão irregular de créditos e depósito em custódia-caução, utilizando-se de falhas nas rotinas de controle interno da agência, da sua imagem de competência profissional junto ao grupo e da confiança depositada pelos gerentes, caixas e demais colegas na sua pessoa. Dessa irregularidade apontada, houve evidentes prejuízos à CEF. Com efeito, a Segunda Turma do STJ, ao apreciar caso semelhante, com relação à estagiários, assentou que esses que atuam no serviço público, ainda que de modo transitório, sejam eles remunerados ou não, enquadram-se no conceito de agentes públicos e, portanto, devem responder por atos ímprobos, nos termos da Lei nº 8.429/92 . Assim, a regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. poderá ser excepcionada, nos termos do art. 833, IV, c/c o § 2° do CPC/2015, quando se voltar: I) para o pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória recebida; e II) para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais. Em qualquer circunstância, deverá ser preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família, podendo o executado, a qualquer momento, demonstrar que a constrição de seus rendimentos em determinado percentual ou valor afetará sua subsistência básica ou de sua família, impedindo ou até limitando a penhora por atingir o seu mínimo existencial. DISPOSITIVO Diante de todo o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE A PRETENSÃO INICIAL, devidamente qualificados em todo o feito, como incursos bem como CONDENO OS DEMANDADOS, nas penas do art. 12, da Lei n. 8.429/92, nos seguintes termos: a) ressarcimento integral do dano causado ao erário no montante de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), (montante a ser corrigido monetariamente pelo INPC desde o levantamento dos prejuízos ocasionados e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação); b) impenhorabilidade do salário. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Local / data Juíz(a) de Direito
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