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coma. criar um estilopessoal
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na comunica ao escrita
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I	n
· I
Gabriel Perisse
Gabriel	Perisse
a arte da	palavra
como criar	um estilo pessoal na	comunica<rao	escrita
Cop)'right © 2003 by Editora Manole Ltda. por 111eio de	co ntrato corn o auto r
Projeto Grafico e Edi torariio Eletronica:Verba Agt nciaEd itor i al
Concepraoda capa: Ana Paula de Araujo Lasevicui s
N, o ne da i111agen1 da capa: Guan1a n Poma Ayala, dele mes1no (15 32- !	614)
CI P/ BR AS IL. CATALO GA<;A0.	- NA- FO NT E
SINDICATO NAC IO NA L DOS	EDITORES DE LIVROS, RJ.
P525a
Perisse, Gabrie l, 1962 -.
A arte da palavra:con10 criar um estilo pessoal na comunicayao escrita
/ Gabriel Perisse. -	Barueri, SP: Manole , 2003
Inclui bibliografia
ISBN 85-204-1655-l
l. Escrita. 2. Cria\ iio ( Literaria, artistica, etc.). 3. Ret6rica.
I. Titulo.
02-14 31.	COD 808.066
CDU 808.1
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte deste livro podera ser reproduzida,
por qualquer processo>	sem a permissao expressa dos editores.
E proibida a reprod u ao por xerox.
J! e di ao brasiJei r a -	2003 Direitos adquiridos pcla:
Edi tora Manole Ltda.
Avcnida Ccci, 672 - 1a n'lbor6 06460-J 20 -	Batueri - Sl' -	BrasiJ
Fonc: (0 	11) 4J 96 -6000 -	Fa.x: (O 	1 l)	4196 -60 21
www.111a11ole .cOtTl, br
info@manole.con1.br
A niinha qiterida Ana,
e aos nossos fillios, Guarani, Lfgia e Julia.
 (
S
),	.
umar10
Prefacio,	ix
Apresentac;:ao	,	xiii
1. 0	meu leitorado, 1
2. Escrever e t ransbo	rd ar, 25
3. Eu sou aquilo que escFevo, 47
4. 0	plagio criativo, 73
5. A convic(iao que inspira, 105
6. Conclusao, 131
7. Bibliografia comentada, 135
vu• •
Prefacio
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E
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linha
s
 
sobr
e
 
est<
)novo livro de Gabriel Perisse, cuja brilbamte trajet6ria in telec ­ tual eu tenho acompanhad0 nos ultimos qwinze anos. E nao s6 a sua carreira, mas sobretudo a sua lu ta para formar-se e formar pessoas na fascinaate arte de escrever.
A arte da palavra, em sua ess ncia, e um	livro que acredita no
talento oculto de cada um dos seus leitores e que faz com que cada um de n6s acredite tambem na possibilidade de redigir melhor.
Trata-se, portanto, de um livr:o otimista, capaz de tra11smitir e suscitar otimism0. Nao um otimismo vazio, que poderia gerar uma empolgac;:ao passageira e ilus6ria. Eq ue, nas entrelinhas, po­ demos encontrar uma razao mais profuFtda e convincente para aderirmos a tal otimismo.
A palavra	nao e uma	"coisa" qualquer. Possui, na verdade,
um potencial expressivo muito maior do que possamos imagi­ nar. Possui, digamos assim, uma energia in tri nseca q u.e e preciso
deflagrar por intermedio da interpreta ao inte1igeate, da leitura no sentido mais amplo. Nao e nada casual o interesse que muitos
•
X1
,,,
Ecom imcnsa alcgria que escrcvo algumas linhas sabre est.:
novo livro de Gabr.ie l Perisse, cw.ja brilhante trajet6ria in telec­
tual eu tenho acon1panhado nos t'i.ltimos quinze anos. E na.o s6 a sua carreira, mas -sobrett1do a Stln luta para forn1ar•se e formar pessoas 1'la fasci,nante ar te de escrever.
A arte da palal'ra,em sua ess ncia, e l\l,m livro q.ue acredita 11,0
tale11to ocultode cada um dos seusleito rese que faz co in quecada um de116s acred1te t.unben1na p0ssibi1idacle de red.igir: nlelhor.
Trata-se, portanto, de um livro ot iln ista, capaz de transmitir
e suscitar oti1nisn10. Nao um otimismo vazi.o, que poder.ia gerar nma e111pogla"ao passageira e ilus6ria. £ que, nas entrelinhas,po­ den10sencoJ11: trar un1a razao mais profunda e convincente para aderirmos a tal oti0)isrno.
A palavra 11ao e tu11a ''co isa"	qualquer. Posstl!i, na verdade, n1n potencial ex.pressivomuito rnaior do que pos, samos in1agi nar. Possui, digaLnos assin1, Unila e nergia intrinse.ca q'ue c preciso
defh,grar por intermedio da intetpretaG'.i\O intelige1\te, da leitura
110	senticlo n1ais a n1plo. Nao nada casi.ud o in teresse que n1uitos
a arte da palavra
fi.Josofos m·eram e tem pela lingu gem,_ ob enrando os Jnodos
concretos de dizer, as sutiJezas do lmguaJa r literario e cotidiano a	etimologia etc. Eles se dao conta de que essa for queha pala,-ras consticui urn campo de descoberta sobre a humanidade
e sobre o real.
Na linguagem, a reflexao filos6fica descobre grandes expe-
riencias esquecidas, o sentido do humano, vestigios da realidade
cornplexa que, sempre superando a nossa capacid ade intelectuaI, infiltra-se nas palavras e nelas parece esconder-se, a espera de lei­
tores atentos, de escritores, de poetas, de pessoas com sensibilida­ de para encontra-las.
Escrever, por isso - e neste ponto reside o maior merito des-
te livro de Gabriel Perisse: explicar em que consiste escrever com estilo - , e mais do que juntar palavras para obter uma eficacia pragmatica. A autentica eficacia de quern escreve com personali­ dade, com arte e criatividade, e trazer a tona, mediante palavras bem escolhidas, a realidade (pessoal e transpessoal) que opera uma iluminayao e, ai si.m, nossos textos tornam-se efetivamente uteis, na vida profissional, pessoal, cultural, social, academica etc.
Neste sentido, ouso pensar (e escrever) que este livro desper­ ta o poeta que ha em cada um de n6s, na medida em que sao os poetas, a rigor, os que desatam a linguagem, e permitem quea re­ alidade fale por si.
Se mergulharmos nestas paginas com uma nova disposi	o de aprender, veremos como e necessario	(e nao tao dificil as­ siin...) reencontrar em n6s os poetas que somos (os seres hum­a nos que somos) par<½ es crevendo na prosa diaria, descobrirmso
que a arte nao e um priv ilegio de poucos, mas de todos.
Prof . D r. Jean J...a,uaflcl
Prof. Titular da Faculdade de Educa o da USP
••
XU
Apresenta«rao
 
Escrever e apaixonar-se pelas palavras. E conhecO-las a fun. do, lidar com elas diariamente (com for1ya e carinho, sem violen­ ta-las), e respira-las, e saborea-las, serum artista da palavra.
Escrever, e escrever bem, e construir um estilo pr6prio, uma
forma pessoal de lidar com a linguagem. E desenvolver uma con­ duta verbal inesquecivel, dando vida as palavras do dicionario (ou dando vida ao dicionario com novas palavras), coruerindo beleza as regras da gramatica, recorrend0 muitas vezes a livre criativida­
dea,
agramatica, corno intuiu o poeta Manoel de Barros.
Escrever livros de poemas ou de fic1yao nao	esgota a arte e a
tarefa de escrever, embora sejam os poetas, os romancistas, os contistas os que melhor saibam ensinar como escrever bem.
Sao eles que	nos	mostram como "funciona" por	dentro o trabalho de organizar palavras em forma de texto.
Escrever hem e necessario em varias pronssoes e tarefas.
0 pesquisador que p.1ecisa escrever uma tese ou um ensaio.
0 medico que precisa escrever um artigo sobre a sua espe- cialidade.
xv
a arte da palavra
0 adYogado gue precisa escrever uma peti1yao.
0	eiupresario que precisa escrever um relat6 rio ou un1p a
recer.
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)\ Toce, quando vai redigir uma carta, um ,e- nail, quando vai
relatar sua e.>.'Periencia amorosa, suas mem6rias, q uando vai ex­ plicar por escrito suas concep1y6es politicas, filos6 ficas, religiosase, claro, quando vai escrever um romance, contos, poemas, letras musicais, ensaios etc. -	voce precisa escrever bem.
Este livro, porem, nao quis serum manual, recusou-se a ser um guia, ou mais uma coletanea de dicas e m acetes, o que talvez incomode o leitor preocupado com a eficacia irnediata do que precisa escrever. A este leitor eu canto a brevissima hist6ria de wna aluna que, na oficina literaria da Escola de Escritores, pro­ curou-me faz algum tempo. Precisava de ajuda para concluir a redas;ao de sua tese de doutoramento em medicina, cujo texto es­ tava "emperrad o" havia n1eses.
Eu prometi (sem saber muito bem como cumprir a promes­ sa...), prometi a nova participante que a oficina iria ajuda-la.
Ao longo de quatro encontros semanais, essa aluna s6 ouviu ( e ate escreveu) cronicas e poemas... Nao falamos de gramatica, muito menos de medicina. Falamos do cora ao humano e 5uas angustias, da beleza de uma rima inesperada, dos livros de um Pedro Nava (que por acaso era medico), dos contos de Guima­ raes Rosa (medico tambem),dos poemas de outro medico, Jorge de Lima... Ate que, num belo dia, ela acordou "inspirada",reto­
mou O texto da tese (cujo tema circunscrevia-se a ca r,d io lo gia) e
0 terminou com uma rapidez que a deixo,u espantada.
E set
"f e nomeno pedag6gico" confirmou	uma verdade em
que eu acreditava sem dispor de provsae ar	gumentos:ler e es re­
ver cronicas ep	oemas pod
e nos aJ. udar a escrever qual uq
er t1po
de texto, ate mesmo uma tese de doutora do	em cardiologia!
.
XVl
..
XVll
0	meu	leitorado
ara escrever, cada pessoa deve procurar, encontrar e aperfei­ c;:oa r uma tecnica pessoal que a ajude a exprimi r os seus talentos, a sua personalidade, as suas ideias, os seus sentimentos tudo o que ouviu, sentiu, aprendeu - tudo o q_ue e.
Mas para quern eu escrevo? Quern e meu o publico-leitor, a quern devo entregar esse« tudo o que sou" em forma de paJavras?
0 escritor e o p r im e iro leitor de seus textos. Nao deve ser o unico, mas e ele quern ve o nascimento, e ele quern aprecia os pri­ meiros passos do texto, e ele quern pode avaliar a sua forc;:a e be ­
leza.
Uma das melhores sugestoes que posso dar a um escritor e que, depois de trabalhar, deuce o se u texto descansar algumas ho­ ras ou ate alguns dias. E que depois o retome e o leia em voz alta
como se fosse o texto de outra pessoa. E que, como leitor exigen­ te, anote as falhas, exulte com as boas metaforas, ataque a proH­ xidade, elogie as frases bem escritas, denuncie a:s ambiguidades e
redundancias, admire a claridade, expurgue as confus6es etc.
Ha uma anedota muito conhecida segundo a qual o fil6sofo
3
a	arte da palavra	o meu leitorado
-	fleuel	ao ler suas
obras traduzidas	para o frances, nao
aJemao.	0 .	'	al	, c Jan l	ayao: "Agora, sim, estou entenden-
6de reprm11r a	egre ex	.	.
P	.	di	,,, Verdadeira ou	nao, a h1stor1eta mostra do o que eu qws		zer.	.
.	,	entende como escr1to r no n1omento em que que O escr1tor so se		.	.
.	•	que se traduz para s1 mesmo, assummdo o papel se distanc1a, en1
 (
e
)de leitor.
Quern escreve	o seu prin1eiro leitor, mas n6s sempre escre-
ven1os para 05	outros. E por isso precisamos pensar nos ou	tros para quern escrevemos.
Mas... quern sao esses outros?
Sao os amigos mais pr6ximos, a mulher, o marido, os filhos,
os coleuas de trabalho, os clientes, os alunos, os jurad os de um
I:>
concurso literario, os avaliadores de uma editora... Mais ampla-
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reta.
)Mas nem o nome da editora voce sabe?
· Nao, nao sei.
· Assim nao posso te ajudar... Sinto muito.
· Oll1a, espere, eu nao sei o titulo do livro, mas o autor... o autor e aquele ali!
Indiscretamente apontado, assustei-me, perdi o equilibria e
esbarrei numa pilha de best-sellers que, do chao, repreendiam minha vaidade. Possivelmente, a partir de entao, aquela compra­ dora de livros sem titulo come<;:ou a pensar que os autores re­ cem-publicados ficam assim, nas livrarias, tentando vender suas obras... Horas depois, porem, refletindo sobre o fato, compreen­ di algo iinportante: aquela pessoa tinha me elegido seu autor.
Como um politico constr6i o seu eleitorado, o escritor pre­
cisa construir o seu leitorado.
Raquel de Queiroz, explicando por que escrevia, disse numa entrevista que o desejo de todo escritor e ter alguem que o veja, e ter alguem a quern possa dizer ao ouvido: "Escuta o que eu te­
nho para lhe contar." O escritor pode estar sozinho, no escuro,
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descoberta literaria 
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leitor.
 
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meu amigo, e, 
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a	arte dapala-var
.	b	que foi eleito, que tern um lei-
prec1sa sa	er	. d	.
ae de codas, inas
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O escritor	precisa morder o coras;ao do leitor no titulo, na
1onv
.	essoas O estao ouVIn	o em	sile n -
cas ou muitas P
p:rim eir a pa	gin a, na prim eira linha da primeira pagina. Escrevre
torado, que pou	le en1 silencio.
cio d·ia1ogando com e
nte escreve para aI
g,uem »,d
1. z1. a
ru,,a-
com born humor, mas tambem com indignac;:ao ,	escrever com
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"Em
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al acho que age
ger	'	.	porter. "Quando estou escrevendo,
clareza, utfilizando exemplos oportu.nos, fazendo citac;:oes p ert i­
briel Garcia
Marquez a um re
,.	.
nentes, criando imagens instigantes, sem afogar o leitor, sem im­
sempre
. A	•	de que este amigo ira gostar d1sso, ou. nho consc1enc1a
te	.	. aostar daquele paragrafo ou	capitulo,
por	nada, mas exigindo que ele pense, que imagine, que sofra,
le outro amigo vai b	•
que participe -	tudo isso sao modos de atrair e conquistar. O lei­
aquere
semP
essoas especificas. No frm, todos os l1vFos
pensando em p	.
tor, em principio, e aq,u€la p esso a que	esper a do nosso texto um
sao escritos
-	o problema, ap6s escrever Cien afios
 (
0 0 5
)para os aITilo.	. -	.
pouco d€ felicidade, de surpresa, de originalidade, de compa­
de soledad, 1c01•
na- o
saber n1ais para qual dos milhoes de le1t0re.s
.	.	-	. -
, nhei	ris	m	o,	de	i11teligencia. Nosso papel, como escritores, consis­
estou escrevendo., I·550 me perturba e 1n1be. E como se um milhao
de Olbos eso·vessem voltadospara mim, e eu nao soubesse bem o
te em cor.re sp o n d e r a essa expectativa.
Quern e o mea leitor?
que e1es pensam•" Contudo -
. p.od.
emos pensar do nosso lad,o -,
0	meu leitore	aquela pessoa que merece ler o que tenho de
esses mill1oes de olhos nao se dir1g1ram casualmentepara as pa-
ginas do grande escritor. Gabriel Garcia Marq uez os conquistou com suas palavras, com seus relatos.
Os leitores devem ser conq uistados, para que "votem" no sea
escritor. E como conquista-los? Nao e fa c il. E nao tern nada aver com bajulafao. Bajular o leitor e o caminho mais curto para per­ der os melhores leitores. Conquista-los depende da construs;ao de um estilo solidario, inesquecfvel , provocador, contagiante. E compreensivo. Eu, como escritor, preciso dizer ao meu leitor que
ele e o meu leitor. Pr ecise en vo lve-lo. Defeodendo minhas ideias
ou passeando nos meandros da minha imaginas;ao, estou sempre escrevendo uma carta pessoal ao meu leitoF, com	o d es e jo de	que
mais pessoal, as minhas convicc;:oes e os meus sentimentos, a mi­ nha dor e o meu protesto, a minha solidao e a minha alegria, os meus sonhos e a minha realidade.
0 m	eu leitor e aquele que le o meu texto. E aquele que vai relero	meu texto. E aqrlllele	que	vai identificar-se com o meu tex­
to.E e a	quele que vai recomendar o meu texto a outras pessoas. Vejamos como funcionam esses qu,at ro	niveis de compro­
metimento.
0 le i t o r [ e o meu text o . Ser leitor e uma das muitas decisoes quep Fecisa m os tomar. Ler vem do verbo latino legere (pronun­ c ia-s e como palavra proparoxitona). E legere e colh e r, recolher, escollier. E unir o que esta disperso: letra com letra, palavra com
ele a guarde e releia durante a sua vida inteira.
p a la	va,r
paragrafo com	paragrafo, capitulo com capitulo, livro
Todo mundo escreve para conquistar a adesao do leitor. 0 "v oto" do leitor. Para convencer o leitor. Para cativa-lo. Para qae ele,1eitor, o escolh a para sempre. E que ainda fas;a " bo ca -d e-es­ tante" a cada novo livro! Maso modo como ehl es c re vo ea con­ dis;aoba sica para que essa conquista se realize.
com liivro	etc.
Nover b o inteligir, no sentido mesmo de entender, reencon­ tr am os su a p:res en c;:a: intus + Legere, isto e: ler por d en tr o , captar a importancia intima das coisas. Selec;:ao e outra palavra deste
ca mp o se	m an t ico. Os antigos romanos sabiam que uma escolha
6	7
a ar te da palavra
o meu leitorado
lhor	poss1,ve1.
Selectio e comp0sta p>0r leGti0
tinha que sera	me_	. -e.,	se (presente em outras palavras
.	-	) mars o p1eu_,.._0
( uniao, Junfao	rar indicando separa1yao), o q ue, afi-
nhas. Sao os qae e::aptam o q:ue estava la, no texto, pei:Jce fugidio,
lebrce aris,ca i aio de sol. Na primeira leitura, porem, 0 peixe apa­
d	·r segredo, sepa ,
como se	uzi '	_	cur io	sa: selecionar e s eparar algo e colo- nal, produz uma no ao
I 0 a	arte, longe do resto.	.	.
receu e submergiu,a lebre apaFeceu e fugiu, o raio apareceue	se
ocultol!l. Foiarn eE.trevistos. Entre1idos.
E e o	escritor que pro-voca a releitura, na medida em que
ca-
OPutras pala
.	rovenientes do verbo legere md1cam esse
 (
as 
p
)VJ
e::ura o leitor da superficialiclade e da indecisao.
mesmo sentl'do.L
e•ouiao e aquele grupo de soldados escolhid@s	a
0	eseritor provoca uma situa 0 em que o leitor, mesmo
dedo. E!e, ganci·a c.(. saber escoll1er as melhores palavras, os melh0-
tendo compreend'ido o recado, precisa sentir oprazer de saborea­
res gestos, as
melhores atitudes e as, n1elhores roupas para deter-
lo de novo, de saborea-lo melhor. 0	escritor recria o leitor e, as­
minadas circunstancias. Ler e eleger,	e saber escolher (e acollher)
wn autor, um livro, um trecho do Iivro, separando-os do tod.@, cl:o
conjunto, destacando-os, privilegiando-os.
A maior recompensa do escritor e ver-se selecio nad o, es€©­ lhido pelo leitor intelige11te, colhido do meio de outros livri@s nas estantes e nos balcoes das livrarias.
Essa escolha nao para na leitura pura e simples. Saber-se 1e- 1ido duplica a alegria do escritor. Reier e t1m verbo insistente, qllle
nao tern medo de repeti1yao. 0	pr6prio verbo reler e um	dup,lo ler,
pois se eu leio refer de tras para a frente ele fica exatamente igual: e reler para ca... reler para la...
Mas quern rele le o diferente no igu.al. Nunca lera a mesm.a coisa que, no entanto, esta no mesmo texto. Os classicos tem o merito de, sendo sempre os mesmos, mostrarem para 0 leitor
que os rele que ele, sim, mudow. e mudara com o tempo. Os clas­ sicos tambem rnostram as pessoas q.ue vivem em d:iferen.,t es ewo­
caso	quanto o mundo muda. Ter lido o poema A Divina C0me­ dia na Europa crista do secu1. 0 xrv foi uma coisa b>em d[verisa de
o	ler na Europa dantesca do finaJ da Segunda GuerL"a .
A	releitura e ler de novo o que parece velho para ero.contrar novidades que a primeira leitura escondel!l, 0 u	melhiori: apenas en tremo		strou. Os releitores sao os aJf-abetizados para as emtreli-
8
siin, cria o releit0r. <D esG:rit0r £az com que o le tor se pergunte: "De que vale ao1i.omem ter mmtos livros se na.0 tiver tempo para reler alguns? ReleF devagar, ieler wa1avra a palavra, letira a letra, degustando os sigro.ificados, @s sentidos, as metaforas?"
0 leiter que rel& foi cativado.
Um terceiro n<ivel de leittara e aquele em que o leitor seiden­ tifica com o ql!le le. IdelilOOG:ar-se e sentir afuiidacle, e sentir atra­ s;ao. Quando eu me ide:ntifico cGm algaem e porque esse alguem
e aquilo ql!le, de aJg1:1m mo<1lo , eu. tam bem quero ser. Mais ainda: ideiltifiica<llo com alguern, acabo me torn.ando o que de fato sou. Quern se identifica... enGontra-se. Qrre:m se identlliica ao mesmo temipo se reconhe<i:e .
Esse fato e bastante corriqueiro quando o es<:::ritor escreve bem. 0 leiitor fica feliz por teri encontraclo um texto qu.e expressa aquilo que ele sempre quis dizer (@l!l 0uvir), o·u aqui:lo que ele pelilsou mas .nao s0ube e:xpressar. Nao sot:ibe expressar Oll nao teve c0,ragem. para expliicitar c0m suficiente clareza e beleza.
« Quem sera este Gfl!le diz ta0 bem aquilo em que eu acredi.to?" - essa pergunta d menstra que o leitor se en<:::0E1tr@u no espelho do texto.
0 wensador :r;omeno Emil Cioran, num dos sehls amargos
{rna,s in te ligen tes) af0rismos, disse: <'Gosto de ler como o portei-
9
/. /' l e·
a	orlc da paJavra
•fi	d -	me com o autor e com o livro.
idcn111ca no	.
o meu leitorado
ro de u1r1 prcc '"ar,.'rud,e
n,c
cza. ,
pensar num despeda	dor de ca-
Brow ,
op_r	ma	apologetica crista ex.tFemamente original(	ain­
Qua/qucr ourra	.1.	ta o leitor pode a te tornar-se um
"A	rccpc;ao est c1 cor rc .	.
da hoJe or1gmal), fez _com que eu me descobrise comope ss oa.
davcre:,.	P
, 1 .l ra	JJ	ara valer i1n p lica essa 1d en tifica-
,	.	/"I( rtf r1n	111i'IS a	Cl U
Fac;:o parte do le1torado de Chesterton, leitorado que conta
cr	JLico	c	'	d	a is	pcdantes, e coisa de gente desprepa-
110 quc, aos olhos o
rac/a.	.
5 111
tor ingles d	· '	·
com urna figura importante na literatura latino-americana,Jor­
ge	Luis	Borges.	B0	rge s	citava	Chesterton	constantementee
Quando 1J
r "l b
\ 1 J
ert .K	Chester to n, u.m au.
o 1n1c10
nota-se em seus contos a influencia do autor admirado. Borgese
 (
•
)do sccuIo xx,ds1s·c a	rni1n n1es1n o, em silencio, que enco11trara 0
eu " votamos" no mesmo escritor. Privilegio para mim,B orges e	eu
autor cIa rn·,n1 1
".,	vida·
Exagero, c c laro, porque depo1s encontrei
somos "irmaos" literarios grac;:as a Chesterton, ainda quea	genia­
OUI J'OS C SC·J J<t i -c
i' inda	vo u descobrir mais escritores capazes de
lidade e a erudic;:ao do mestre argentino tenham sido despertadas
nic f:is_c in ar. No entanto, foi lendo Chester to n que defini para
Illinii ncsn1o 1n uit o do q uc cu gostar.ia de ser com o esc ritor. Pela nrguni cnta ao brilha11tc, pelo uso de paradoxos surp reendentes, p('/a csc:o /h,1 apaixona da de ten1as polein icos. Tenho consci ncia
de quc nao chcgoaospes dcsse pensador, cujo livro Ortodoxia le­ vou- n1c n 11101T1cn tos de int ense extase i11telec tual, mas sei igual­ rnc11tc quc os 111cJho rcs mon1entos dos meus tex tos devem a esse autor iog /t s al.go quc, na realidad e, eram qualidades em mim 11dorr11ecid11s. Qua lidadcs que, se1n ele, possivelm en te ficariam
:1I rofi:1das.
Chesterton esc rcveu certa vez«:	Nao e feliz o homem que se
por outras escolhas de outros text0s e au.to res, alem do fato de Borges ser Borges!
Identificar-se com um escritor e identificar-se c0m0 leit0r e identificar-se com outros leitores, especialmente grandes leitores, como e o	caso de Borges, para citar l!lffi grande escrit0r que se vangloriava (com toda a razao!) de serum grande leitor.O escri­ tor cria o seu leitorado na medida em que sabe deflagrar mos seus
leitores suas melhores capacidades e reunir esses leitores, tantas vezes dispares, numa "comunidade'
Quantos leitores podemos conqu.istar p,ara o Rosso leito­ rado? E dificil agradar a todos, mas e igualmente impossivel
cus ou con, a n1uU1er que an1ava, n1as aquele que am a a mulher roni quen1 sc casou•l. Escreveu tambem: "O louco e aquele que p<.:rdru tudo, exceto a razao". Frases de efeito que provocaram em
1nin1 v,irios efcitosl Sao frases qt1e n1e fazen1 ver o que ha de pa­
rad<.,1x 1l 11,0 u11or e 111 lo uc ura. M.as ta111bem tne abriram, me es­ c, :.1 1cararn111 ns J'>Ortas para csse bri11car com as palavras que tor­ na lunt1 id t.i.1n1ais p al pnvc l e incsquecf, ,el.
1uil,1s VCZl'S rcleio CJ1 esterton. To rn ei-111e 11m me1nbro da trihoc hestcrto11ia11a. Esse c1utor, faJ110 o por st1as biografias, pe­
ol ,	f O ll lc l)(	(.'S	poliriais	cujt) protagonista	e O	estranho	Padre
(0
desagradar a todos. Sempre havera pessoas que vao go- star do nosso texto. 0 importante e chegar aqueles que consideramos
os melhores leitores, ou os leitores mais adequados p>ara o nos­ so texto.
0 pensador mexicano Octavio Paz faJ.ava em conquistar un1a " imensa minoria", ou seja, um grupo seleto (e sedento) de leitores que teria o poder de levar um autor para alem <las fron­ teiras do seu pais e para alem do seu tempo.
Sera o meu texto a definir o numero de leitores, a qualidade dos meus leitores, a variedade dos meus leitores etc. Shakespeare e um au tor que conseguie atingir leitores de todos os tempos e
11
a	arte da palavra
o meu leitorado
der verbal e d t
o1r	dem que dois dos seus 1nais
 (
lha,
 
nao
 
encara-lo
 
como
 
iinevitavel':
 
e:
"O
 
si
mpl
es
 
fato
 
de
 
voce
 
ter
 
escolhido 
l
er
 
o
 
nosso
 
livro
 
indica
 
que
 
voce
 
ja
 
escol
heu
 
a
 
esperan­
 
s;a no 
lu
ga
r 
do
 
desespero"
 
-
esta 
claro 
qu
e 
a argumenta
 
ao
 
quer
 
atingir
 
um
 
tipo
 
de
 
l
ejtor
 
(e
 
de
l
eitora).Se
 
eu
 
]
er
 
o
 
Ji
 
vro
 
est.i
r
e
i
,
 
em
 
pr 
incip
i
o, 
admitin
do 
qia
e 
tenho o 
p
erfi
l 
do 
leitor 
por 
e
le
s
 
visado.
No
 
prefacio
 
de
 
um
 
outro
 
livro,
 
l
emos:"A
 
amb
 
i
 
ao
 
desta
 
obra
 
nao
 
e
 
tornar
 
voce
 
mais
 
erudito,
 
e
 
sirn
 
mais
 
inteligente,
 
isto
 
e,
 
fa­
zer
 
frutificar
 
sua
 
inteligencia."
 
Quern
 
comprar
 
esse
 
Iivro
 
(mesmo que nao 
o leia ate 
o 
final) 
estara comprando (para "vestir") a imagem 
de um leitor que deseja 
ser 
inteligente. 
E
sse 
l
eitor 
que 
busca
 
ser
 
inteligente
 
corresponde,
 
pelo
 
menos,
 
ao
 
leitor
 
de
senha­ 
do pelo inteligente
 
esc
ritor.
Quando penso no meu leitor, 
imagino 
um 
l
eito
r 
co
m 
quern
)lugares.0 suep o	,	ea
uens ca1rami r·
 (
i
)
r	aml
ente na boca do povo em
fan10s0s pesrona	0	.
Ri ede	J	aneiro)	para	a sobremesa
for111a da
' ·ia (11asc1da no	o	.
gu	•·	_r o	meu-e-jul1eta.
uoiabada e queIJO
compsota p or	O	•	t	·n	am- s	e	t a.o famosos que cae1n no
Os	!ITandes escr1toresor	.	.
 (
nimat
o 
Qu
a
nt
o
s 
e
 
qua
)0	n t	os proverb10s e d1tados foram um
ano	·	. . d		Ovidio	um Horacio, um Dante. Quan- dia frases gen1a1s	e um		'		.
 (
d
)es	critor se fundem com a cultut a de l!lm
do as palavras	e um	,
povo,quando 1cermenta,m	for1nam e config. uram e.ssa cultura, e
porque o, numero
de seu leitores (1nes. mo mconsc1entes)	alcan-
you un1a amplitude impossivelde quantrficar.
Ea	pergunta inicial reaparecendo sempre: Para quern eu es-
 (
1
).	(
crevo? Quern e o meu e1tor.
Quando Cervantesinicia sua obra-prima e dirige-se ao lei-
tor nos seguintes termos - " Desocupado lector: sin juramento me
podrds creer que quisiera que este libro, coma hijo del entendimien­ to,Juera el mas her,noso, el 1nds gallardo y mas discreto que pudie­ ra imaginarse" - , esta dizendo tudo. Ele quer que o seu desocu­
pado Ieitor nao se preocupe com mais nada e se dedique unica­ mente a leitura das aventuras de D. Quixote e seu fiel escudeiro.
0 adjetivo que define o meu leitor nasce da qualidade do texto que eu escrevo, do tipo de texto que eu escolho escrever,
que eu me exijo escrever. Nao e a toa que ainda ha esc ritores que
usam o "caro leitor': E, realmente, se o leitor e o	que o escritor
tern de mais valioso, o pres;o a ser pago e um texto bem artieula­ do, bem tramado, bem escrito.
Quando um casal de autores (que se divorciaram dos sens respectivos marido e mulher, e tentaram viver novos relaciona­ mentos) escrev,ena introdus;ao de um livro voltado para ajudar outros homens e mulheres divorciad os..."Cada leitor(a) deste li­ v ro tern a mesma oportunidade de fazer do div6rcio uma esco-
12
eu tambem possa me identificar como escritor. Um leitor que me compreenda e rne ajude a ser um born escritor.
Estou lembrando agora aque1es famosos versos do poeta es­ panhol Juan de la Cruz:
Oh! noite que me guiaste,
Oh! noite mais amavel que a alvorada!
Oh! noite que juntaste Amado com amada,
Amada ja ho Amado transformada!
Leitor e escritor se tornarn uma s6 pessoa, pelo amor. 0 es­ critor escreve para transforrnar uma pessoa em seu leitor. 0 leitor le para transformar-se no escritor, transformas;ao que nao o descaracteriza. Se sou chestertoniano porque leio e re­ leio Chesterton, se sou shakesp eariano porque sei de cor as pe­ s;as de Shakespeare, se sou rosiano porque adoro Guimaraes
13
a	arte dn paJavra	o meu Jeitorado
d	.	de ser GabI
.· 1 Perisse. Ou 11e1lho r, sou Gabriel
 (
s6 
para 
do
e
nt
es 
terminais 
desesperado
,
s
amante
s 
desiludidos, 
e
mpr
esar
io 
f
a
lido
s
, 
ma
s 
tambem para 
adolescente
s 
em crise 
e 
as
­ 
s
a
ss
ino
s 
ini
c
iante
s
..
·
. 
um 
6 
ti
m 
o guia 
tarnb
e
1n 
para 
e
limin
ar 
os 
J
e 
i 
tor
es
. 
Quando 
todo
s 
os 
s
ui
c
idas 
em potcncia
l 
tiverem enco 
n
­ 
t
rado 
n
ess
a
s 
p
a
gina
s 
a 
"
liber 
tayao
" 
pela 
qual ansiavarn, 
ta)vez
 
o
l
i
v
r
o
,
 
c
um
 
prida
 
su
a
 
 
n
1
issa
o
,
 
s
e
 
torn
e
 
d
i
s
pensa
v
e
l
.
 
Enfim
,
 
ess
e
 
e
o
utr
o 
exemplo 
de 
c
omo 
urn livro 
s
e 
torna famoso quando en
­ co
ntr
a 
o 
leitor 
c
erto...
U
m 
e
sc
ritor 
c
orajo
s
o 
e 
ideal
s
i 
ta poderia responder que 
es
­ 
c
r
e
ve 
para 
t
odas as 
pessoa
s
, 
porque 
se 
sente 
apto 
a 
fazer 
o 
bem 
a todo 
s 
com 
o 
s
e
u 
texto. Se todo 
s
er 
humano, na 
sua 
ess 
ncia
, 
bus
­ 
c
a 
a felicidade, 
busca o 
amor, 
busca a 
sabedo 
ria
, 
entao 
o
 
escr
itor
que 
con
s
egui
s
se 
a 
proe
z
a 
de
, 
em 
prosa ou 
en1 
poesia, trazer
 
<las
)Rosa,nao	eixo	d	te	1
.	,	,	torno ca	a vez
nlais eu n
esmo	porque descobri
Per1sse e nic.:
e· tres	a	.
 (
T
)em mu.11, :o, raras aque1es 111s	)
pessoa, o le1tor que eu po-
 (
5
)deria ser.	.		.	t-Exupery "n6s vale1nos no deserto aqui- Como repet1a	a1n		'
 (
.
)lo que vaJeni os nosso5 deuses». N6s son10s os deuses que cultu-
-	fi	rao d	o ponto de vista do escr1tor, representa
 (
enorn
•
.
.
.
.
.
)an10s. E ta1 a trmaT	•	.	.
tmi desafio
el	Un, escritor prec1sa tornar-se 111te ressante o
sufic1·ent
e praa con
ts ru, ir cultivar, criar, n1ult1pl1car le1to res fie1s.
Al	un,as pessoas escreven1 pensa11do em vender muito s li-
g	d	.	0,	.
vros, ser	famosas, e nao ha nisso nada	e peca1ntnoso.	uruco
problema e O can1inho escolhido para atingir essa meta, os aspec­ tosda essencia hun1ana que privilegiamos para atingir um leito-
rado.
Outro dia alguem	me disse ter encontrado	numa	Li,rraria norte-americana un1 li,rro	cujo titulo era	Aprenda	a	vi11gar-se.
Isso e o que eu chan10 de li,rro de auto-ajuda! (Da minha parte,
por vinganra, nao revelarei o nome do au tor nem o da editora!) Maso fato e que o livro estava sendo be1n vendido, e provavel­
mente esta aumentando nos seus leitores uma sede de vinganya que poderia ter sido anulada e vencida...	pelo perdao.
Para citar outro caso norte-americano, em 1991 chegou ao topo da rela ao de livros mais vendidos no caderoo literario do 11ie New York Ti,nes um manual do suicidio. O autor, anos antes, ja tinha vendido140 mil exemplares de outro li\'To se u, Deixe-me n-zorrer antes que eu acorde, e, provavelmente empolgadopelo su­ cesso, decidiu escrever o manual que ensina a por em pratica 0 que ele chama,	eufemisticamente, "auto-liberta<y-ao " .	Il ustraod com uma tabela de dosagemletal de diversas drogas, oferece ins­ tru oes praticas sob re asfixia com saco plastico, morte pela forne
e	outras tecnicas mais ou menos dolorosas. Um 6timo guia, nao
14
profundezas da linguagem esse amor, essa felicidade, essa sabe­ doria, possivel1nen te estaria ao )ado de grandes escritores corno Jesus Cristo ou S6crates, para citar duas referencias Iite rarias que nem precisaram escrever para influenciar a literatura e o pensa­ mento de povos inteiros ao longo de seculos.
Todos os que escrevem poderiam segredar: "Escrevo para amar e ser amado." O que, diga-se de passagem,e a defini1yao de felicidade mais sintetica que se conhece, dada por Santo Agosti­
nho: amare et amari - amar e ser amado. E essa bem pode ser a essencia das essencias. Quern souber conquistar o amor do leitor tera a garantia de jamais ser esquecido.
Li um livro do autor ingles Frank Sheed, cujo titulo da edi­
yiio traduzida em portugues (em portugues de Portugal) era Te­ ologia para todos. A ambi ao do titulo, porem, devia-se mais ao editor portugues do que ao desejo do autor.0 titulo em ingles, Theology for beginners era, afinal de contas, um titulo despreten­ sioso para leitores que comeyam a interessar-se pelo tema. E o fato de eu ter lido o livro com gosto, na epoca, confirma asminhas
15
a	arte da palavra
0	meu leitorado
boas
.	. .	materia. Cita-lo agora foi UII'lila
 (
.
 
t
nroes
 
com
.
)o	rn1c1ante na
in e	r	daquela Je1tura.
nossa irnor talicdade; ou os n.oss0s textos sao muito ruir,ise	so­
retribuis;ao pelo prazer	··buirao. Quer ser lembrado.Qner seli	mente alguns leitoFes, por motivos extra-1iterarios(escasso	ou
 (
o
).	er essa retlI	r	1
escr1tor qu	ediante a palavra. Na pa avra. Com a
legitimos), os elogiam.
citado. Quer
ser amadom
O born escr1. to,r e aqt1e1
e que queb
ra o
Gu pode ac@nteeer que ro.a:o mostFemos nossos textos a nin­
palavra. Em
l
lena palavra.	.	.	.
P	.	0	leitor deve sa1r diferente de uma le1-
guem! Neste case, € vital reu1FJ.ir	for<ras, encher-sede coragem, e
 (
gelo,
 
o
 
ge
 
O
)da indiferenc;:a.
 (
tura.
q
·
•
)uil	ue ele era ou daquilo que pensava ser. Di-
Diferente daq	O
d"d	·,idi+erenra que nos torna 1nconsc1enftles,
mostra-los.	0	mew. leitorado sera	resultado	do meu	trabalho
come escritor. 0	escritor s6 existe se for lido. Posso ser uma pes­
ferente,
or ter per 1	o ai	:I'
P	.t .. mobiliza O leitor porventura irnobiliza-
soa interessante, posso escrever bem., poss0 ter mile uma hist6-
 (
o
). realistas. 0	bom escr1 or	.	.
ir	.	al	born escritor estrmula o lertor que por- do pela pregwc;:a mor.		«	»	.	·a1
· t	ninado por aquele	cansac;:o	existenc1	<lJ.l!le
ventura esteJa con ru	,	.
rias para contar, mas tudo isso s6 se efetiva quand0 am leitor toma para si os meus text0s, q,uando ele se apropria Q(l)S meus tex:tos e faz deles o que bem entende, mesmo sem enteacle-los
fi16so1c0H
usselr de	nw1cia,va no comes:o do sec. u.lo.
xx_, com@ @
come eu gostaria.
0	.	. t	de decadencia de toda uma c1vilizayao.
mais c1aro sm on1a	.
Ninguem le impunemente as obras de um b_om sor1t@r.
Kafka, por exemplo, para citar um autor que soube 1den 1fiear as metamorfoses que se operaram no seculo passado. D1ante do personagem que, ao despertar, percebe que se transformoY Flium ime1150e grotesco inseto, eu tambem me sinto questionado, cl!ltlil­
cado pelo absurdo da vida. Minha infelicidade consiste em sa1im
da cama aconchegante da letargia, em sair da rotina apa:rente­ mente normal, racional (mas na verdade absurda), da rotina <:J.l!l•e me ajuda a nao pensar, a nao sofrer, a nao me desiludir com as falsas ideias que tenho sobre mim, sobre os outros e sobre 0
mundo.	. .,
Portanto, um leitorado mobilizado, consciente, s6 ex1st])lla
na presens:a de um autor que lhe provoque reas:oes dignas de um ser humano: admiras:ao, reflexao, indignas:ao, paixao...
Nao devemos nos queixar se temos poucos leitores. NeSfe
caso, vejo duas possibilidades: ou nossos textos sao muito com­ plexes e somente poucos (e especiais) leitores os digerelil1, de modo que com o tempo essa imensa minoria sera ai ga!an:tia da
16
No belo filme O cairteiro e o poeta, ha um mo1ment0 em que Pablo Neruda censma 0 carteir@ porque este usou vers(l)s eroticos da sua aut0ria para conquistar l!l!ma j0vem da rcegiao. 0 carteiro responde com simplicidade e ousad.ia: a p0esia, meu caro poeta,
nao e daquele qt1e a fez, mas de <itl'lem precisa dela.
0 meu leitorado se foFma no momento em que meus tert@s e minhas palavras se mostram Jileoessarios. Nao se trata de q1:1e­
rer convencer o leitor a for<ra, de	tortur	a-lo para que co11.fesse s u a
superficialidade, para que se converta, para que adira ao 1i10s so fa-clube. Ao contrario! E o leiitor	que se apocl.era do que eu escre­
vi.E ele que assina embaix@ do q:ue escr evi.E eu escrevi p a	iss@
mesmo, para entrega,r ao leitor uma palavra que mao morra em
mim. Um.a palavra que viva fora de mim.
Uma das ideias rnais fortes que li na Viida aao estava mos li­ vros, mas nu,m t p111rne. Era t1ma pi(;:ha ao. Dizia assim: "Se voce
esta tranqiiil0 e p or q ue esta mail informaolo." Desde esse dia, nao
sosseguei mais. Forque sabia (it1e ma0 era lemdo jornais que ven­ ceria minha desmforma ao mais profmlda. Mi.nha mais prouun­ da ignora•ncia sobre as verfilades da vida. A partir daqtlele m<ll-
17
a aret
da palavra
 (
..ilidade
 
(mm
,
) (
t:
).	ha falsa paz, minha fealsa felri.ci-
o meu leitorado
Deram-me certa vez um conselho que agora passo adiante:
 (
da
d
)
e
)mento, n1-iJllia tranqu	te fer1'da. O importante, porem,	sc:JJ!.le .n-
0	escrit or	deve escrever o livro que ele procurou nas livrariase
ficou mortalnieu		_	stava mais em provo car-me do ichas;ao e	,	,	.
 (
O
c
 
alo
u
n
>
•
) (
P
o
)tar que O poder deasJsaP	fu	do	nao ha duVIda, sob retrn1cl0
nao eF1co ntrou. Se minha buscae legitima, possivelmeate outras pess@as,	m es m.o sem saber, estao aguardando que alguem escre­
gue
en1 dizer-rne g	·
ment_as;ao
que eu sempre qu1s usar	e ql!le
va, qNe eu escreva esse livro. E quando o livro for publicado, os
or ter usado uma argu	li	o)	autor, an6nim o (corn (}Uen;i do	neste		vr.
agora estou usan	'	ber	quem e), fez com	ql!le	eu me
 (
tifi
).	mesmo sem sa	.	.
roe iden	quei	screvendo para o mundo mtel.[@ o
. hando o tapume, e
visse Ia, pie	.		.	a is	consegui escrever com tam.anha que sempre achei 6bvioe	1am
 (
E
lil
l
1
).	-o e agudeza.	b	.
concisa	d	fr	nces Blaise Pascal perce	eu e	tlilto s como o pensa or a		,
J mistas jama1.s entend era. o· "As pessoas so s.e convence.m <::Qr,a
poe	.	tos" A arte de conqu1star	um Iett@rad(i) seus pr6pr10s argumen .	.
esta menos em conqu1·sta-lo do que em detxar que e.le n@s t .€ln-
leitores perdidos e desfigurados aa massa anonima se sentirio con:vecados a ler o que es_pe rav am encontrar nas paginas de um livro, sem <1J!U€ disso tivessem plen.a consciencia antes.
De qlllalqaer forma, quando o escritor e o leitor se encon­ tram pro<i1:IZ-se um "espas:o" Rove, um "territ6rio"novo, que po­
dera ine0rp@ra r n0vos "habitantes". Escritor chama leitor, masleitor tambem chama leit©r. Se e verdade que, ne atso de cresci­ me:nto da c:Jientela de um dentista, a propaganda boca-a-boca e
um.a condis:ao mais do que metaf6rica, o crescimento do nwne­
qw.ste. Esta,
menos em
escolher do que em ser escolh:1do. 0	le,1t0r
ro de leitores se realiza quan<il.o, de ou,
vido	- a-ouvido,propaga-se,
 (
A
)preci•saconvencer-se de que foi ele quern nos escolheu, o <g_1!le e, em boa parte, verdadeiro· Os leitores somente leem os textios que
silenciosamente, a noticia que os jornais nem sempre divulgam:
nasceu l!l'm	bGm esc..riitor.
Qua:nd@ l!liiR leiter se idemtif.ica cGm o escritor, e provavel
teriam podido escrever em algwn universe paralelo, em ailglllm
momento de sintonia consigo mesmos.
o escritor encontra o leitor. 0 Ieitor encontra © escrit@T.
Opera-se entre leitor e escritor a confluencia de duas libeFdades. O encontro provoca um tipo de unidade em que o 1e·1tor na-o se· funde nem se confunde com o escrito r. Unir-se mao e peiicl1eF ai
personaliddae. Um elevado ni.ve l de uniao gera um elevaa0 nivel de personaliza ao.
Entre escritor e leitor deve-se criar um ambito, lll!lil1a atm@s­
fera, em que ambos se tornem eles mesmos, uJilllildo-se em pr<1>­ fundidade. Um escritor s6 se torna escritor quamd o encontra 0 seu leitor. 0 leitor s6 se torna um autentico lei.tor quando etege um escritor cujas palavras respondam a perguntais ate entao se­ quer formuladas.
que verifiq1u em os esse qNart@ nivel de comprometimemto com a leitura: o leitor indica © escritor a Ol.!ltiF©s leitores.
0 bom escritor faz bem com o seu terto hem esorito. 0 lei­ tor quer liSQ ft l!llir clesse bem. Embora sejamos a.rumais egoistas, tambem e in t rinse co a m@ssa matlltreza q,uerer repartir os nossos bems.0 bem que (l) escritor faz a alguem transf0rma-se nwn bem a ser .rnenciona<do, distrib uido, compartilhado. A melhor propa­
gan, da	e o prod:uto. No c:aso do escritor, tl!ldo 0	que ele escreve e
a meJ.h0r coisa que 1.!lffi r ublicitario pode mostrar sobre0 livro a ser venCJli<d@.
Mas que \hem e esse que o born texto faz, que o bom livro faz? Podemos defm.i-lo como 0 bem da experiencia. 0	meu leito­
raca0 n.ao q11er pala;vras vazias, promessas irrealiza,veis> nao quer
19
18
a aret	da paJavra
o meu leitorado
1	.	ras
.	res e estereis. A "politica"' do
 (
d
)ente	ina
d r	tempo coine	tiu	d	t i	va. Eu dou ao lei tor a 111inha
vez, trata-se de uma escolha. Uma escolhade parte a parte. oes­
pere	ar	ente e pro	u	.
t	xto deve ser tranps
al	cu	mprir seu papel, o lettor tor-
critor escolhe seu Je i tor.0 leitor escolhe seu escritor.
e	e	essa p	avra
mel11or palavrae, s	e	tor	no seu autor.
Pensemos num born escritor de hist6rias deterror, por exem­
na-se 1neu 1 ·rOr porque eum	h	.	.
ei	erfodo em
eu	Lia Agatha C	r1st1e compulsi-
plo. Por que atrai tantos leitores? 0	bem que ele traz, qual e? o
Houve um P	.
E	tre1 nessa ua
que tora
um vigor gue, pelo menos na-
l eitor que gosta de sentir medo sente-se bem. Seus temores vem
a
vamente.•neon	_ d	tava	emJ	osede Alencar, para citar um
to na dentro daquele "ambit»o
d eexperiencia em que sabe estar
queel
rnom
ento 11ao	etec
'	do o br	igat6rio nos curri culos escolares,
protegido e ao mesmo tempo exposto. 0 leitor quer ter essa ex­
autor brasileiro consgara	,	l	.
,	.	lente escritor. Mas	por que aque a m1nha e, sem duv1da, um exce		.		.	.	.
,	.	-	me impede, hoJe, de aprec1ar	m u1to ma1s preferenc1a, que nao		.,	.
Ludoln, Sen}1ora e, .1a., ce,na do que um O mis.terio do trem azul ou
O caso dos dez nerg inhos·?Porque a autora cr1o.t1 um.personagem,
0de te t vi e belga Hercule Poirot, que 1ne parec1a ma1s atraente do q ue a fndia ta bajara dos labios de mel. Poire: e f zia pensar
(em bora saibamos quantas ciladas a autora d1str1bu1a ao longo do texto para enganar o leitor), e Iracema era uma preocupayao 1neram ente escolar.
Um parentese: talvezesteja sen.do cruel com Jose de Alencar
e supervalorizando demais uma escritora estrangeira tida como de segunda categoria. Citei essa minha incipiente experiencia de leitor apenas para mostrar como sao caprichosas as escolhas de um leitor (especialmentena adolescencia), e, par outro lado, como
e decisiva a tarefa de um professor de literatura na hora de pro­
piciar o gosto e o habito da leitura em seus al unos.
0	meu leitorado e composto por pessoas que querem algo mais do que palavras frias, personagens incolores, arguroentos
simpl6rios,imagens aguadas ou ideias confusas. Born, quanta as
periencia do medo por considera-la uma forma de escapar aos medos prosaicos (e mais perigosos,como atravessar a rua de uma grande cidade...), ou de conhecer-se melhor, ou de fazer um exer­ cicio de autodominio, ou de contactar com o misterio, enfim, esse leitor quer viver intensamente.
Vejamos de perto um born poeta. Por que um poeta como Manoel de Barros, por exemplo,come<;:ou a atrair tantos leitores, depois de varias decadas praticarnente desconhecidodo grande publico, ou pelo menos do publico brasileirointeressado em po­ esia? ProvavelmeDte chegou o mornento do encontro. 0 momen­ to em que os leitores conseguiram enx:ergar o bem que fazia ler versos como estes, retirados de O livro das ignorafas:
Ando muito completo de vazios. Meu 6rgiio de morrer me ptedomina. Estou sem eternidades.
Nao posso mais saber quando amanhefO ontem. Esta rengo de mim o aman}iecer.
OufO o tamanho obliquo de uma folha. Attas do ocaso fervem os insetos.
ied
ias confusas, talvez eu, como	escritor confuse	(sentindo-me
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu destino.
profundo), gueira apenas um grupo seleto de leitores ex6ticose;
0	meu texto	herm etico, indecifravel,	tenha	coma	voca ao ser apreciado por essa meia duzia de ·fieis admiradores. Mais uma
20
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independencia tern algemas.
21
a	arte da palawa	o m.eu leitorado
 (
05
)o relato escr1·to por uma aluna depois que, Tenho um pequen	.	.	vez	poemas de	Manoel de
I	pela prune1ra
rio de um amigo morto. Drummond esta no escrit6rio.do	ami­
go morto, e reage... Passa a mao na mesa do amigoe,	diz: over­
a meu pedido,	eu	.	al	sobre Manoel de Bar ros, agora
Barros: "Quer
que lhe d1ga	g	O
d.	.
niz que se foi... Nao! Aa	rv ore que volta! E entao uma luz ilumi­
queo
li7•t
do	dos meus conhec1	os; r1co, uma
-r d.iferente, em tu	'	c 1	' nh
va	para m.un. A	da	trecho	eu	1a ava	soz1	a:
n a	o	rosto do leitor. As escamas que cobriam nossos olhos caem
linguagem	no
ca	.
subitamente. E o leitor ve! Ve que o verniz e menos essencial do
d	O pode escrever
de forma	tao	maravilhosa as
que a arvore. Que a morte nao e o fim da vida. Que a vidas	em­
 (
Mas
)como po	e, com	deu medo	como se as imagens es-
.	.	.	pies?	me	'	.
pre vem recuperar o que aparentemente perdera. E o leitor se
c.o,sas maa.islisiamo meu Iad
o, e
f;alando de forma	tao v1vaz, que	os
apega a essa im agem, a essa in tuic;:ao,	a essas palavr as. Ele precisa
uvessem	'	.	deram-me arrepios. Para entender e
 (
IC
) (
_
•
)monstros que eu ma1s temo	.	.	.	.
delas para continuar vendo e vivendo.
prec1.s0 saber que
b. hO5 rasteJ·antes, msign1ficantes larvas, m1-
A leitura e um modo de ver, e uma f0rma de viver. N6s, ani­
nhocas ou lesmas, me remetem a um pavor que nao cons1gov-en-
cer. Deve ser aIguma mem6ria ancestral que carrego. Juro, nao
mais insatisfeitos e robos rebeldes, encontramos naspa:lavras um
rnicrosc6pio para captar o minuscule, um telesc6pio para intuir
gostei de le-lo a
.	,.,
no1te.
o longinquo, um perisc6pio para ver ao redor, um estetosc6pio
Mas gostou de ler, claro! 0	poder evocat6rio do	poeta, qu ressuscitou	tantos	monstros	pessoais	da	leitora,	recebeu	aqill
mais um elogio do que uma reprovayao.	.
o que o leitor busca num texto? 0	que O leitor quer elogiar
num texto?
Fazendo abstra¢ o <las in timeras e variadas respostas, penso que um Jeitor busca no texto, fundamentalm ente, ser surpreen­
dido por uma visao, ser cativado por uma percepyao do munod,
para investigar o profundo.
Verou nao ver, eis a questao. E o leitor que ve quer ver para sempre.
0 escritor conquista um leitor quando Ihe transmite a f0rc;:a visionaria da leitura. Quando o ajuda a combater a cegueira exis­ tencial com que todos nascemos, e com a qual as vezes morre­
mos.
0	escritor conquista um leitor quando lhe abre os olbos fe­
e ser transformado por essa. v1sao. 0 le1•tor quer ser
d espe·rtado de
c h	ados pelo sono, ou quando acende a luz, ou quando abre uma
um estado anestesico que o impede de sent.rr-se v·ivo,
de	ver-se
janela, ou uma passagem secreta, ou quando orienta o olhar do
instalado no mundo, amando, pensando, sofren do, aprendendo.
Ie i	to	r para uma paisagem ou para o ml!lndo <las ideias, Ol!l quan­
Ver-se intelectualmente vivo, espir it ualmente v·ivo. ver. Quer ver-se.
O	leitor quer
do Ih e mostra, por uma fresta, o que acontece no outro comodo
da casa, ou, pela persiana, o que aconte,e no 01:1tro Iad0 da rua!
0	meu leitorado existe na medida em que eu ctio Ul[l espa­
Da parte do escritor, como podera fazer o le1. tor ver,
fazer 0
c;:o de visao para ele, um	Iugar cheio de real,icJades, de persona­
leitor sentir e sentir-se? A resposta e uma s6: com o texto. corna
com. b1nay-ao <las palavras. Com soluc;:o e s	verbaJ.•S que	po ssa	.rdn trad-e-
gens, de argumentos, um espac;:o vivo entre minha subjetiwdade ea	dos leitores, um locus em que fl.OS irma11a m0s. Esse lugar em
zer um pouco de luz para o	nosso caos. Carlos Drummon nAdrade tern um poema em que ele aparece na sala, no
22
·t@'
s i	mesmo e in visive l, mas nao irreal. Jamais sera Iocalizado mas e
23
a	ar te da palavra
,	d	•s concreto entre um leitore	umescr itor.	E	nesse
que
0
ba	e n1a1	.	.
· ali" que todos os"aq	uis"se veem. Ea ,h
p or exe m p lo,	d1ante da
 (
quern
 
de
 
fato
 
e
.
 
O
u
 
quern
 
de
 
fato
 
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e
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ser
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Ness
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momento
,
l
e
 
i­
0
0
tor
 
escolhe
o
seu
 
escritor.
 
E
 
escolhe-se
 
como
p
 
ess
 
oa
.
Mais 
do
 
qu.e
a
s
 
informac;:oe
s
 
que
 
receba,
 
mai
s
 
do
 
q
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a
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t
o
 
que
 
sinta
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mai
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que
 
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s
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b
ed
o
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a
 
q
u
e
 
o
p
r
 
ve
 
n
 
t
u
 
r
 
a
absorva
,
 
0 
leito
q
r
 
uer
ver-se espelhado no
 
p
a
p
e
l
 
qu
ee
t
rn diante 
dos
 
olhos.
Eo
que
 
deve
 
estar
 
nesse
 
pape
l
,
 
n
esses
p
 
e
lho?
0
que deve aparecer nas 
e
nt 
re
linha
s 
d
e 
um 
texto 
sao
 
justa-
mente os olhos do escritor.
O
s
o
 
l
 
h
o
s
 
do
 
es
c
r
ito
r
 
e
m
 
b
u
s
c
a
 
d
o
s
 
ol
ho
s
 
do
 
se
u
l
e
 
i
t
o
r
.
24
)leitura de um rexto de Chesterton, que	Borges,eu	e	o	pr6prio
Chesterton nos sentimos vivos, unidose,	noso l ham os	facea	face.
Ao ler,	leitor deve descobrir em quede	fa to acr e d ita e	ver
 	2	
Escrever e transbordar
...- ncontrei essa frase 11um texto clo historiador Paul Johnson: o escritor e aquele qu.e transborda. 0 que lemos num texto e aguilo q11e estava no escritor e, por excesso, veio ate n6s.
0	pr6prio Paul Johnson, ex;plicando	por que escreveu o li­
vro 1' he Quest for God: A Personal Pilgrimage (Em busca de Deus:
unia peregrina iio pessoal), dizia, numa entrevista que, em seus es­
tudos sobre o home111 contempor neo, se sti1rpr:eendeu ao ver co1110 Deus lL1tou bravamente patra sobreviver durante o sect.:tlo xx, 11L1m mu11.do qt1e perdia cada vez mais a fee a esperan a so­ bre1.a tur ais. Essa visao e essa surpvesa fizeram com que Johnson pensasse11a busca (e no recha o) de Deus como um tema que in­ teressassea tnuitas pessoas. Ele mesmo, perguntando aos amigos se acreditavam em Deus, rece@ia respostas evasivas, um ou outro
«	si,,m	superficial,ou ouvia frases 'brincalhonas - "esta querendo
sabe r demais> meu caro Watson., - , tudo, no fundo, para abafar, para disfar ar, segundo o at1tor, um dramatico "nao sei' duas pa• Javrinhas que se.ria rnais honesto e ao mesmo tempo mais terri­ vel pronunciar. Pequena frase que ele entreviu nas res-postas, e es-
27
tava ed ter.111inadoa
a arte da pala'Vr a
com que o5 seus leitores consegl!tiisse m
UfaJzner	d	ns c	ienc ia e de uma possfve1ue-
esetever e iransbordar
mente nosso. Adelia	Prado costuma repetir: "Escrevo um livro para ver se me livro." Quan.do transbordamos, deixamos que se
pronunc1.ar,
co.1110 n
ato	e co
 (
se
)varao jntelectual.		na busca pessoal, uma pesqil!lisa no	'	tornou w		.
 (
P
essoal
 
trans
L
)p0 rqeuo		te.111a	torde	cidiu escrever o tal livro. E o fez, bordante, o au		"	.	.
· (
1
)do autor, para	organ1zar Iilill!li1l.uas
111 as pa avras	.	.
enfatiw agora co	anra de que a sua le1tura aJudaisse
D	com a esper	,
ideias sobre	eus,	esm o	com as suas ideias".
va O liqu ido que traziam.os €ID nossa mem6ria, em nossa imagi­
nayao, em nossa inteligencia, em nosso corac;ao, lfquido que pode ser agua, sanguie, vinho ou ainda outros liquidos que Ilosso po­ der metaf6rico consiga inventar, ou a combinayao cleles todos.
Quando nos perguntavamos qugm e o nosso leitor, deveria­
 (
e
)outras pessoas
E5crever
a fazeren1 o m
b	d	.	Mas s6 transborda o recipieDte ql!le
transor	a	r.	1·	.	0
mos ter pensado tambem ql!le o leitor, e sobretudo um certo lei­
tor contempoar	n eo, e aquela pessoa que precisamos cenquistar
·a	ta repleto e prepara-se para ultrapassar os	rm1tes.	pr0-
em 30 segundos. Muitas instancias solicitam a aitenyao de todos.
Jcesesso
_.	d
e texot	e necessariamente um processo <qu.e se
Ha	tex:to s, i ma gens e sons exigindo a nossa atenc;ao simultanea­
de cr1a ao
baseia	no excesso.
CasO	contrario'
.
teremos	textos	vaz.10s, Ol!l
mente e o tempo inteiro. Os jornais, as revistas, a TV	( com seus
 (
A
•
)simplesmente rasos. Alguem que fosse escr.ever sobre @.bes1dacle e di.eta, por exemp1o, e nao tivesse nenhum t1.po. de. expeFiJ:.enc1a, nem como obeso neln como medico ou nutr1c1on:i.sta,.te,1na a
oferecer um texto bastan te magro de informay6es, de sent1d0 e
de utilidade.
Para escrever,preciso estar preenchido. E a gota d'agua e aquela decisaode continuar pesquisando para que o artig@ ql!le vou publicar,o romance que vou escrever, o poema que vou ela­
borar mereyam ser escritos, lidos, relidos e recomendad@s.
A exe1nplo dos poetas do passad o que recorriam as lililUSas e a inspirayao divina, e co mum ouvir alguns escritores dwerem que os seus textose obras nasceram sem eles perceberrem exaita­
mente o que estavam fazendo. Chegam a afirmar qiue maJ Feoo­
nhecem coma pr6prio aquilo que escreveram e que agora esta publicado ou foi por eles relido ap6s muit@s anos de gaveta. Con-
111uilct anais, com suas propagandas sedutoras etc.), as radios, a Internet, o telefon€ e o cel l!i.Ja r, urr,na verdadeira torrente de infor­ mac;o es , d ados e apelos inW1dando nossa mente.
Por isso, quando o esoDit or transborda, deve ter em vista a qualidade e a intensidade desse transb>ordamento. Precisamos conquistar os melh.0res leitores atingind.o suas melhores ex:pecta­ t ivas.E assumindo tudo o que ha de dolouoso niss0, wna vez que
nem sem pre essas expectativas sao... as melbores. ClariceLispec­ tor confessava sofrer com a faJta de atenyao de mu,it os l itores. So f ria ao pensar em alguem que lesse seus1ivros na base do"me­ to d o do vira-depressa-a-pagina dinamico". Clarice escrevia com amor, com dor e pesquisa inti.Ina, sofrendo em cada centimetlfo
de su a sen5ibilidade a <slo;r de viver, e queria de volta, no minimo, atenc;a o a bsoluta.
0 transbordamento depe11de de tudo aquilo q1:1e o escritol'
tu do,	por mais que se ja real esta sensa	ao, nem	v o.,r 1sse
i1invaJida
ve,el,	ot1ve, de tu.do aqt1ilo em que ele er>e de tudo aquilo que ele
ten, :i.	e	ta m:be1n	do que ele nem sabe que tem. G,uimaraes Rosa,
a	ied ia do transbordamento.
.,.,;.,uc	s at	mente pelo fato de ser l!lm transbordamento	ql!le, ao
nwn	a dessas luo r as em qt1e um escritor, obtem a maxima lucidez s 00r e		seu 1:r abalho, disse que Gra1ide sertao: veredas era pmra me-
secrever,	nos11· vramos de n6s rnesmos e ccperd
28
,em o s" 0
que era so,.
29
a	arte da palavraescrever e transbordar
tafi,sica cobe p_o-r
um pouco o
de capim- De	fato, a forc;a	desta
_	.
perto -	de dentro e de fora de n6s -	para escrever. ClariceL ispec­
roetafisica, na perce yao 1,agunc;a de	q ue
obra est.a oa	pira aldo e quern fala. 0	livroe a vo	z de	Rio-
tor,	con, re rsan	d o	numa	entrevista	com	.AJfo nso	Romano	de
a	vida e
.	eno	RJ.ob	,	,	.
_mist	·	.	a	pessoa que, supomos, e o propno
Sant'Anna, na decada de 70, notava bem que ha "'escritores que
baldo contand°sua v1d.a a uro
os	,	.	difi
s6 se	poem a escrever quando tern um livro todo na cabe . Eu
 (
e
)-	Na le1rura,
porem
papeis se mo	cam. Sa-
nao.
me	se guin	d o . Nao	sei	no que vai dar.E depois vou des­
Guimaraes Rosa.	. b	Id	a
,	de Rio	a	o
bemosquea,oz	,	.
vinte-leitor agora Somos nos.
'
de Guimaraes
Rosa e que o ou-
\Tou
cobrindo o que e que	eu	queria,,_
 (
'
)Quern transborda ao mesmo tempo transforn1a a s ua fomia pri.mitiva	de	se r.	Ao tr ans borda r, o escritor se da conta, Iendo
 (
JStO.
 
Ao
)Sendo
.	d ' 01·do doideiras digo. Maso senhor e homem
suas pr6prias	palavras, de que ha nele	muito mais do que cle­
.	t	fiel como papel, o senh or me ouve, pensa e
sobrevmdo, s.ensa o,	.	,
 (
1Z,
 
en
.
.
)repens	a, e red.	tao me ajud.a. Ass1m, e	co m o	con.to. Antes
mesmo imaginara possuir. Perceb@ que tudo oque,,i, re u esta nele
recornbin ado, esta nele existencialmente transformado em uma
conto as
· 
e	formaram passado para mrm com ma1S per- coISas
visao pessoal, em uma pessoal sensibilidade, visao e sensibilida­
 (
qu
_
.
), ,	1h	c_1ar Lhe falo do sertao. Do que nao se1.Um gran-
ten . vou	e 1c1J	•	,	,	•
de sert-ao., Na-o sei·· Ninguem ainda nao sabe. So umas ranss1mas
de que s6 se tornarao patentes no ato do transbordamento.
Esse transbordamento e tudo o queo leitor espera de um es­
pessoas -	e, so
essas poucas veredas, veredazinhas. 0	que muito
critor. 0 leitor quer essa re·velas;ao, mesmo que ficticia. A famosa
lhe agradec;:o e a sua fi.neza de	aten ao.1
Eis a pr6pria relayao entre escritor e leitor! 0 escritorocn ta as coisas que lhe pertence, coisas que, no entanto, sao como que ainda desconhecidas. De fato, e nesse tra nsbo rdamen to qu eo es­
critor se da conta <las hist6rias que ja conhecia, dos mundos q ue nele habitavam, das personagens, das graves intuic;oesso bre _ 0 universe. E o leitor se sente entusiasm ado, conquistado pe lo d s­i curso do escritor, por esse dizer nao dizendo, por essas vree dazi­
nhas que levam ao grande sertao, ao Ser.
intui<;:ao de Fern an do Pessoa de que o poeta e um fingidor, e que finge a dor que sente de verdade, somente confirma que a 1inira
empulha o no ato deescrever esta em nao escr-ever bem. Eque a verdade do texto, mesmo do texto mentiroso, esta em que o ato de escr,e, er corresponde ao que o escritor e.Talvez nao h aja nada
tao dramatico (e do ponto de vista lingilistico e literario mais fas­ cinante) quanto um texto que verdadeiramente ex:pressa a falsi­ dade.
Nao estou relativizando a etica. Estou e fo rt alece n do a este­ tica. Ex:p ress ar a verdade e o grande mandamento da lin guagem, digamos assim, mas interessava-me agora enfatizar a beleza do
Ao t ransbordar, ao escrever, o escritor descobre assu
as ver-
transbordam en to. Ao escrever, o pr6prio escritor se surpreende
dades, os seus lemas (e dilemas), os seus anse1· 0s.E
, 5o b re tud,0
com a quantidade de residues intelectuais, de entulhos oniricos,
suas respostas pessoa1.s a esse cham ado que	vemd
e 1onge ou de
.	pag. 79.
de estranhos equivocos que compoem a sua alma. Expurga-los no papel e o u t r a fo r m a de	d a r se n t i do	ao	ato	d e escreve	r.	lesrno
que esse papel deva seguir o caminho da lixeira.
I Grande Sertiio: veredas. 1¥	ed., Rio de Janeiro, Jose Olympio,
31
30
esctt\'V i tn:nsbord.ar
.	?ua-
_.	_ ,-mmras	as	ha dentro de
"'i-
-::: ;"C.::-.T--0,.j.-	_	-cilos cie n&,	quantos pensamen-
;:.,ii., q..;zr- r ,-
... -	eJ.::&.OS c:::.
JW:'.	--	,.;n1-los,	maquia,·elicos e	mani-
---- ,: rio5, -;-;Joese	m	.	_
cc.. u.:.-<!!	-	--	•	-	e	idiotas.0	escntor nao deve ca-
•	• •	_	- 1	.,. z;., ge01 05
•C'J,f:'C>,.[iff0_1. 5 ,:::
.	esciror e um	dil, tr..-1·
0 em	poten. a.al
be·-- em,
SL 10CO grzncne:n-ando fortalhao, ostentando 11m senhor
nauoe14 [Lu	no	,	,	.	.	.
bigode. ,,_1. d	,.	desi e para nos entregoua,	fragile lilSatls-
UJwZ	enLro	,	.
.	,	E
-	u "' n..·
fe1t2 ;,12'1ame vv.--1•
nao so isso. Em cartaa	um amigoo,
au-
"	ao descrever a cena de seducao de Emma por tor re-:eJou qU...,		'
P..odoJphe, sentira-se os dois amantes ao rnesmotem p o,	as folhas
amarelas que pisavam, os cavalos que usavam, as palavras que di-
ziam, o sol que os aquecia.
Guimaraes	Rosa,	paci.fico	observador	do	mundo,so r r si o
audavel, tinha dentro de si um diab6lico Treciziano,	"	um	desfe­
em seu corpo, em seus gestos,em suas roai,as, na mobilia do seu
liz", que tentou atacar Riobaldo a traic;:ao, e foi por	este morto com	umterr f	ve] golpe de faca. 0	golpe de faca tambem estava
dt-ntro de Rosa, diplomata cordato.
Or gi		enesLessa -	e estou pensando naquele simples mas sig- n i	ficat i	vo O feijao e o sonho,tit ulo acertadissimo, inesquecive-l erar& jmu ]tanearnent e,a Rosinha realista, nervosa, raivosa, que se queixava de terco]ocado«esses porcarias no mundo", os filhose,
escr.1, tor1. 0etc.
0 escritor precisa beber muito, ficar b badode realidade, de pesquisa con tinua. Seus (:)lhos devem estar abertos, seus ouvidos atentos, seus sentidos em estadode alerta, sell c0ra ao receptivo, sua imagina ao preparada, 11ao para a evasao mas para a con1bi­ na ao inteligente de elementos d.esconexos. St1a mem6ria deve ser viva, intensa, corajosa. Nossa leitl!lr a preferida deve ser esta:
observar o genero ht1n1an0. Observar e absorver a ess ncia h­u
o poeta Campos Lara, apaixonado pela poesia, sentiment,al	inge­
nuo, orgul hoso...
Escrever	e t ranscender-se.	Transcender-se	e aproximar-se
mana. Quando	observ0 os ot1tros, come o a entender-rne um
pouco melhor.
E possivel observar o ser hun1ano o dia iRteiro, en:i seu habi­
<lu1> oulros, co1n un icar-lhessenti1n.entos, i11quietac;:oes, pemr
an_ e­
tat natt1ral. Um bon Iugar para observar o ser hu1nanoe ve-	lo	na
c<.!r nos ou tros atraves da palavra, perpetuar-se nos outros. Ser
rtia,	no	on ibus, no	shopping, n' o	1netro. Costumo	c,onetm p
al r
outros St.:1n	deixar de ser si 1nesmo.
Graciliano ltan10s, q u.e escolhia os seus parcos adjeti'vos corn
t xtreni o cuidaclo>	descrevia esse fe116meno«.	O s esc r i to res"-	es­
crcveu nun, clos seus a rtigo s -	"sao as criaturas mais pacatas do
p essoas, perso11 agens, hist6rias implicitas, prt): blemas, dialogos, enqua11to	avalio seus passos, analiso seus oJhares, epsq u iso seu comportamen to	. Outro	dia	vi	u,n1a1no a	chorando, d si c re ta,
dent ro de t1m vagao do metre>.
n1u11do·
O sL1 e·J
t·1 o que s, el
1ab1•
tt1a a compor l1.
vros coinp-o
e iv r os
33
 (
_ e nao pass.'1 
dai. 
Dian
te 
do
 
p
,
1pe.l
 
t
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pint.l 
O
 
stt 
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mat.i, 
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fola. 
Tirem-lhe 
a 
pena e 
o 
tinte.iro 
- 
desur mam 
no.
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Perfeito
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t
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o
 
que
transborda. 
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en1osfon1entar 
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an1
e
1
1
t
e
 
 
a
 
 
pergunta
 
 
16gicll:
como 
ton1entar 
em nos esse 
t ransbordamento
?
E
 
uma
 
res
p
ost
 
a
 
p
rat
ic
a
 
e:
 
pesquisando,
 
observando.
 
anotan
­ 
do
,
 
lendo.
 
A
 
imagen1
 
do
 
1nund
o
 
como
 
um
 
in1enso
 
livro
 
a
 
ser
 
fo
­ 
lheado 
e 
um lugar-cornum 
qu
e 
podemos 
exp
lorar. 
Lero mundo. 
ler
 
as
 
coisas,
 
ler
 
as
 
pessoas.
 
0
 
escritor
 
Ri
cardo
 
Azevedo,
 
nlun
 
p<,le
 
­ 
ma, 
demonstrou que a ar
t
e 
de 
ler 
e 
muito 
mais 
va
s
ta 
qlte 
a 
leitu
­ 
ra dos 
livros. Podemos 
ler 
comida, 
cac
horro 
e 
nuven
s. 
Podemos 
ler 
as 
pessoas, 
sa
ber 
quern 
sao, 
de
c
ifrando 
o 
"
texto
" 
qt1e
 
trazcn1
)
32
aarte da palav1·a
 (
.
.
.
)de deser1vov1 er a capacidade de	observar	os gets os
escrever e transbordar
trabalho algumas fl.ore s ex6ticas. Temos aqui um botanico frsu­
Ten10s
ala,rras solt as,
os discretos s1na1s e11v1ados pela re-
trado? E que flores serao elas, exatamente? Tulipas? Orquide?as
hun1a11051asP	trail	s bo	r dar em palavras. 0	escritor p-re
.	d	Qbservar, para	.
alida	e.	vras ue	estao no n1undo, pron unc1adas por to-
Quern escreve precisa ter muitos livros, sem duvida. E 6ti­
a.sa ouvir as pal
qcu t	an1os no cot.I'd'1ano, nwna conversaen-
mo, por exemplo, colecionar dicionarios da nossae de outraslin­
alavrasque es
dos. As P	uma	fala entre dois personagens de um fil-
guas, pesquisar a etimologia de certas palavras. A linguagem nos
 (
01
5
)d
tre
· 
estranhos, n
al	sao um born tex:to. Todas as palavras. E ate os
reserva muitas surpresas.A palavra "defuntCi>': por exemplo, apa­
rentemente tao antipatica, guarda uma bela defini ao, a ser res­
m e essas p	avars	.	d	.	.	.
'.	aalvr	oes, dos quais Nelson Ro	r1gues d1z1a serem mais sonoros P
tan 1	bem filhos de Deus.
 (
1 or
 
e
)0 escr• t	s ta'	no restaurante, e observa um homem tratan-
do mal o gar om• Tern ali um possivel personagem que tratara a
e	sposa com violencia.
0 escritor vira urna esquina e ve um homem enorm, e	caoe-
suscitada.Defunto e aqueleque ,cumpriu asua funs:ao,a sua mis­ sao. Para mim, o que havia de tenebrosono defunto desapareceu, depois que vi nele o heroismo de quern chegou ao fim da vida porque fez tudo o que estava ao seu alcance.
Outra palavra da qual eu mantinha distanciaganhou certa
beleza quando descobri sua origem. Obito, para mim, era a tipi­
1os revolt.os,
anaslai
ndo com carinho um	canivete. Que pensa-
ca palavra a ser pronunciada em contadas ocasioes, ate que sou­
mentos assassinos circulam dentro dele?
o	escritor conversa com o reitor de uma	universi da de		ea, certa altura, ouve a frase«:	Este curso e o	no sso	c arrof-o	r.te "..
Nern carro-chefe nem prato forte. Ato falho, metafora inusita-
da...
0	escritor conversa com um vestibulando que, emp o lg a do,
,	ul	II
solta a perola: "Estou lutando para atingir os meus obstac	os...
be, pelo dicionario de latirn, que o verbo da qual ela procede e obire, uma conjuns;ao entre 0b e ire, isto e, ir na frente, e pensei que todas as pessoas que me precederam nessa ultima viagem apenas me aguardam para urna boa receps:ao.
Em suma, temos de folhear os dicionarios e, retomando, so­ bretudo o grande dicionario do dia-a-dia, com seus surpreen­ dentes verbetes.
Nao faz muito tempo, estavaeu numa lanchonete. Ali tam ­
0 escr1. tor, na fila do banco, ouve a,trasd
e s1·
uma pessoa com
· ·t	alem da
voz rouca. Estara apenas no fmal de uma gripe ou gria
,	.		c	ro a voz ro-u conta... ou e um fumante mveterado? 0	que 1azer co
bem, um casal de c::erta idade. Marido e mulher que pareciam
namoradGs	a<dolescentes. Entrevi naquele senhor	um homem criativo, qlle passou a vida toda paql:lerando a sua esposa, con­
ca? Guarda-la (grava-la) para algum texto, e cl ar.o	la
0	escritor vai visitar uma pessoa. E percebe que ha naq es
quistando-a dia a dia. Nao resisti a tent as:ao e me aproximei de­ les, sob o pretexto de tomar	um cafe. E entao pude ouvir um
casa duas cadeiras de balanc;:o. E
imagina o balanc;0:
d	s cadetra,
a	_
pouco daql!l.ela conversa que talvez se perdese nos desvaos do
.	1 ·	do	passa
o que pode haver de simbolismo nelas, o s1mbo ismo.	d	ba..
tempG. Dizia o homem a mulher: "Minha querida, eu nao sou
do, ou da reflex-ao r1.
tmada. Guardemos essasd
uas c ade1rase
egocentrico. Eu sou vocentrico!"
laH o no porao da alma. Serao uteis qualquer dia
e<lss es.	esade
Esse neologismo veio preencher-me e me faz transbordar
0	escr1·
torva1·
ao escr,1.
tor.10 de um am·igo. ve" sob rea	rn
35
34
a	ar te da palavar
escrever e transbordar
•	•
Ja les t	ras e aulas que 1n1n1stro, neste
escrevo, em
gostando de t.udo aq·uil0,. dos gritos, da perversa aI
egr•1a, estava se
en	artigos que	,	t. f	e
.	1,
1	Ser voce,n,
•oc
siniplesn1e1t1e gen1, a
e algo que
senti11d o	real1zado,	e.
f.o1 procurar	Augmsto BoaI
, o d '1retor
Jivro que escre.vo ,	.	rao e111teses de doutorame11to, e
da
pes;a, para lhe tr ansm1t1r sua preocupar o _ seri ·	l
,	,io Jiterar10, n1enT
.	. . .	.	"	r-	a	e e um tortura-
0 1 erecepren	.	,,d
n1e apareceu na "	ag1na
e unJ	a 5 j11p1les lancl1onete. Temos de
dor 11ato? Boal o tranqu1l1zo11:	1:. c l aro que voccA ;c.. um tor tur ador
P	l	acn h	onetes,e 1 ao nos limitarmos a0
aprender a ]er meU1or essa5
11ato! Tod os n 6s po d en10s ser tud0 o que qu.isermos.,A
n.os sa cul-
d	,	·	conven. c1onal·'
pa nao esta en1poder ser... mas em escolher O que J·ama•1sd
everi-
car		apio	t	depe n	de de preenchin1ento. 0	preenchi- Tr ansbordan1en o		,
c	1	observacao do que ha fora de nos. E do que
amos ser!"
Li ot1tro dia o p0ema de lilm poeta menos	h	d'
 (
o
e
)rn	ento quese taz pea	,	.	.	.
d	6s	autoconhecunento	essa le1tur a silen-
ja estava dentro	e 11 ·	.
.	b· bJ	. t	s q	ue eX1ste n1e1n nossas entran has, em nos-
crosa nas	I	io eca	.
.	con	ec1 o, Cid
Vale Ferreira:
sas moradas, em
onss	os refolhos. Refolhos... palavra ant1gaque
Quermesse
me sugere1·ssoin es i	n,
o foll1as e n1ais folhas ocultas, d e uma enci-
clopediaq u esou e u mesmo,de un1dai rio quesou eu, deu ma co-
letanea de cr6nicasque sou eu.
Que sou eu mesm o e que nao sou eu apenas!
Disse Bernard Berenson, historiad or e critico de arte:"Uma vi da completa talvez seja aquela que termina nu.ma tal iden.tifica­ yao com o nao-eu que nao resta mais um eu que possa m0r rer." Excluindo as interpretac;6es n1isticas, deduzo apenas que wna
vida pessoal integra, profunda, esta, pelo menos num primeiro
memento, em que n6s mesmos descubramos que toda pessoa e
Sou um para cada um.
0 que sou, sou de acordo eom quem me assiste. Estando s6, que niio me vejam.
Se me virem, que eu niio perceba,
.
pois que no escuro, sozinho,
sou legiao...
(( Somos isso: legiao. Uma ql!lantidade (nao infinita	porem)
uma legiao. Ha dentro de nos muitissimos personagens. Persona­
de	pessoas ", d e " almas» , de«
persoDageas»
>
que gostariam de to-
gens que desejamvir a tona para encenar seus papeis. Um nw:ne­ ro de personagens que tor11a infuno o "espa<;:o " de uma unica existencia.. Mais personagens do que um unico e fragil corpo podesupor tar,como dizia Murilo Mendes: " Deram-me um cro­
po, s6 um! I Para suportar calado / Tantas almas desunidas I Que esbarram umas nas outras."
A prop6sito, conta-se que, certa vez, um jovem ator detea­
t	r o e5tava preocupado. Ele int erpr etava	o	p ap el de	um	tortura­ do	r. E O fato e que estava interpretando muito	bem, estava ate
36
mar a frente, de assumir o nosso rosto. E que, no plano da arte,
no plano ficcional, enc0Ir1t ra m sua manifesta ao mais recomen­ dav el, superando as possiveis duplicidades (e as multiplicidades) num outro plano, o da conviveacia.
V ale a peNa mencionar e estudar os aspectos terapeuticos do fazer lit,erar1·0, u...•1l.IDemsao p0uco representativa do ponto de vista 5c6 io -culrural, mas nem p0r isso menos decisiva. Porque, de fato,
um dos efeitos liiterarios mais interessantes que ha e justamente essa elabo rayao do ml!l11do interior, de conflitos, de duvidas, de
37
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,ncnlc, <J 1,1c.uc. ol
xx ic ue c1 a uto ra vivcu qua!,e cm !>Ua t oat
lidade
(n:
r,1.tu c	,n1 92	0) c nao Lern c quali fic ar corno	umd	<J!p) cr oi
dos
para o altar, dirige-lhe a paJavra:
n Hi i	dc	lr	11t ivo.', <la hi\ t6ria h um ana. " Prc,c uro,cc,m ,neus livro.s,
-	0... seu Padre! Di curpa eu £ala assjm com o sinh6... Eu
dc	i 11f1ta: r	o ho rror quc t.in t<J da 1nc,rtc" -	fra.<>c	guc cnci
1a	lvri	cco110 111i7,e... ) horab c.:,hc ras de a L1t o-anitl isc.
<0:	1110	1-,c1ber !:le eu sou urn cscritor tran5b vrdantc?
densa	(e
sou s6 um vaquero, num tenho estudo como o sinbo... mas, la na fazenda onde eu trabaio, quando s6 tern uma vaca pra cuida a gente, mermo assim d.a comida pra ela, seu Padre!
Urn consclho bcm ca'lciro para quc1n	nao c1ue r cng<Jdrare
1-cmprc sair das rcf<.:i	<><.:S co r11 urn pouco de fome. Pesno	nisso
quand o te1 110 dcfini r un1a boa leiLura. Embora nao seja ac,	m<	p a rn ao n1ai!i adcquacla, o qu e quc.:ro fisgar na imagem	d r e fe i	0 a ud avel c c1>1ia sen1ia ao de fome discreta,de fome que epr m ane· cc. U1nr.1 boa lcitura	nao c1n pa1L1urra o le jtor. Nao acabacom a
:iua curiosidade. Nao esgota a sua capacid.ad e de continaur pe n· sando, scntin do, lcndo.
Ira uma	hist6ria que sempri! conto	em	palestrsa	qua do
Chocado, o sacerdote se arrepende:
· Meu filho, per do e- m el Fo i o Espir ito Santo mesrno que fa­ lou usando a s-ens i bilidade de sua alma rude! Voce tem razao! Voce esta sozinho, mas voce tambem precisa ser aliment.a.do com a palavra de Deus. E, mesmo sendo um s6, representa toda a hu­ ma11idade!
B o sermao come a. Um Jongo e erudito sermao de dei:xar Agostinho, Vieira e Boss uet no chinelo. Duas horas de sermao, conc1uidas com o agradecimento do padre:
· Obrigado, meu fiJho, porque se nao fossevoce este serma o
prcc.i·t.o ,raI	ar do ciuc u111 escritc)r precisa oferecer aoesu	PubliCO·
n.ao teria glorificado a Deus.
A	h ·is l(:>r1·a sc	passa	em	meados	do	sec-ulo	passado'
nu•lll
- 0 ...se u Padre! Discurpa eu fala de novo...eu so us6 um va­
-ct
11 1°,	•	· ·	strofiC3i
quero ignorante... mas, la na fazenda onde eu trabaio, quando s6
 (
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parte, 
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m0do 
que 
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ssa 
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c
urt.a 
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cuidar 
de 
outro& afa
 
ze
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es.
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uni
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no 
entant6, 
ant
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de 
o 
padre 
voltar-se 
out
r
a
 
vez
)1 , e n quc a 1n1sga era celebrada t:m Jati,11 e o mini.
ente para o altar. Um Pad"-
 (
38
)- -	-	-	-	-	- --	-	-	-	--------	39
escrever e tran sb o r dar
rem ull1a
\·aca pra
cuidJ a gente
nao da toda a comida	pra ela
p		rerrogativas de Jupiter; nao experimen tar o tormento de Ham­ let_ renunciar ou si1np lesment€ desconhecer esses autorese cor­
na_o, ,,.u.i
. -	e escre•"er et	ransbordar. Mas nem por isso
r	er o risco do vazio cultural.
0	que sign_illca qu	noSSO dilu\rio...
o	leitor corno
 (
cons1s
)d	·emos afogar	.t	portanto, em transbordar name-
e\	ever	e,	.
 (
1
)A arte de escr	•ror continue querendo ma.is, mes-
odo que o	e1
Felizmente, ha centenas de caminhos culturais, e um genio
pode morrer sem ter 1ido uma linha sequer dosgrandes escrito­ res. Mas e igualrnente verdade que nao ter lido uma linha sequre
djda certa, dem	'd	el	i	tura. Satisfazer sem empanturrar e a
de alguns gra11des escritores pode ate matar uma possivlegenia­
1.5 de condu1 a a	.	.	.
mo dePo
· 
da
.dd	de uma iguar1a. 0	le tte r deve termmar
lidade...
mais apreaa
quah	ae
.
urna carta, com a certeza de que tudo
.	ou um livro, ou
um
Naquilo que escrevemos surge o nivel do nosso preenchi­
artigo,
foi dito e que, ao mesrn0
tempo, muito ainda podera ser dito. O
.	-
mento, da nossa profundidade, da nossa capacidade de matar a
 (
d
)t	ansbordo u mu1to, mas nao se esgotou.
critor rransbor	ou,r	,	.
sede do mundo. 0	texto e a confissao do nosso grau de maturi­
es	Lim
.	cisa Jer	e agora	me refuo a le1tura em seu
escntor pre	'
dade. Na medida em que assimilei tudo o que vi e vivi, escrever e
.	•	.I		livr o	s ]er textos, ler bons textos, ler, ler e ler. sent1do estnto.	er		'	.	_	.	.
 (
O
)._	b	nenhurn born escr1tor que na o seJa um le1tor
Nao con	e
abrir as comportas. Confidenciar-me em publico. 0 11, co mo di­ zia o poeta Mario Quin tana, numa entrevista:" Eu nunca escrevi
a.vi•d0 . Clar1·ce1
·1ps
ector cornentava	que	comes;o u	len. do	tudo,
uma virgula que nao fosse confessional."
m· tsturand
o tudo,
romances agua-com-aqucar e Dosto1evsky, es-
0	escritor-ilustrador Leo Lio nni produziu	um livro cha­
colhendo 05 livros pelos titulos sem conhecer os autores.	Len do,
por exemplo (e Jevando um choq ue), aos 13 an	s de idade ore­ vo luc ion	ario Herman Hesse, porque o titul o do livro era en1gma­
tico: o Lobo da Estepe. Lendo, aos 15 anos, um	livro deK ahter ­i
ne Mansfield, o que lhe permitiu , dessa vez, a d. escob erta ,m,,ais chocante - "Emocionada, eu pensava: mas esse 11vro sou	eu.
Para transbordar, devo observa r e absorver, ler e refle,tir re-
ceber e assimilar.
Nao e precise ser um Dostoievsky, um Esquilo, um Shakes­
peare para deixar no mundo algum	registro escrito de verdades
existenciais,verdadesque pertencern ao pat rim on io hu.maon,	so­ bre o amor, a morte,o medo, o destino, a dor, a alegria. Mas, por
mado Frederico, a hist6ria de um rato-do-campo que, vivendo com a sua familia, nao parece muito interessado em armazenar alimentos para o inverno que se aproxima. Mas ele trabalha,
sim, colhendo cores, raios de sol, palavras, que serao uteis no memento em que o estoque de comida terminar. Frederico e o
poeta, e aquele que escolhe (que colhe) o que o seu corac;:ao
pede para, mais tarde, preencher os c@rac;:oes vazios dos seus lei­ tores.
A sinceridade total, a capacidade de trans,mitir o que e es­ sencial esta na raiz do transbordamento. Ha pessoas que sabem muito, que leram muito, que observaram muito, masque nada escrevem. Ainda precisam de algo mais, daquele empurrao que,
outro
Iado, nao ter o menor contato com os personagens
awr-
.
vindo de fora, por for	a de algum estimulo externo, ou vindo de
dentro, grac;:as a uma tomada de decisao, faz o conteudo tornar­
mentados e contr adit6rios	de	Dostoievsky'· nao	ouvir	Es.quialos
contar como Promeet u foi castigado para aprender a respeitar
se patente num texto.
41
40
a	arte da palarva
I	.	nento e Iaten.te o transbordamento e patente. o
escrever e transbordar
A	atitocri tica	e p rocl utiva q1J1ando	mantemos	diantedos
o preencu1	·	fi .	-
.	nto e O que	01
colhido, as anota oes, o armaze.na
olhos, dentro	da cabec;:a	e	no fundo do corac;:ao um piano de
preenchine1	nsbordan1en
,nento. 0
to e O
resultado, e o

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