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' , coma. criar um estilopessoal ., . na comunica ao escrita - - - - - -........,,.. , l I ) l l I il I n · I Gabriel Perisse Gabriel Perisse a arte da palavra como criar um estilo pessoal na comunica<rao escrita Cop)'right © 2003 by Editora Manole Ltda. por 111eio de co ntrato corn o auto r Projeto Grafico e Edi torariio Eletronica:Verba Agt nciaEd itor i al Concepraoda capa: Ana Paula de Araujo Lasevicui s N, o ne da i111agen1 da capa: Guan1a n Poma Ayala, dele mes1no (15 32- ! 614) CI P/ BR AS IL. CATALO GA<;A0. - NA- FO NT E SINDICATO NAC IO NA L DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. P525a Perisse, Gabrie l, 1962 -. A arte da palavra:con10 criar um estilo pessoal na comunicayao escrita / Gabriel Perisse. - Barueri, SP: Manole , 2003 Inclui bibliografia ISBN 85-204-1655-l l. Escrita. 2. Cria\ iio ( Literaria, artistica, etc.). 3. Ret6rica. I. Titulo. 02-14 31. COD 808.066 CDU 808.1 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro podera ser reproduzida, por qualquer processo> sem a permissao expressa dos editores. E proibida a reprod u ao por xerox. J! e di ao brasiJei r a - 2003 Direitos adquiridos pcla: Edi tora Manole Ltda. Avcnida Ccci, 672 - 1a n'lbor6 06460-J 20 - Batueri - Sl' - BrasiJ Fonc: (0 11) 4J 96 -6000 - Fa.x: (O 1 l) 4196 -60 21 www.111a11ole .cOtTl, br info@manole.con1.br A niinha qiterida Ana, e aos nossos fillios, Guarani, Lfgia e Julia. ( S ), . umar10 Prefacio, ix Apresentac;:ao , xiii 1. 0 meu leitorado, 1 2. Escrever e t ransbo rd ar, 25 3. Eu sou aquilo que escFevo, 47 4. 0 plagio criativo, 73 5. A convic(iao que inspira, 105 6. Conclusao, 131 7. Bibliografia comentada, 135 vu• • Prefacio • ( ; E co m imens a alegri a que escrev o a l gu m a s linha s sobr e est< )novo livro de Gabriel Perisse, cuja brilbamte trajet6ria in telec tual eu tenho acompanhad0 nos ultimos qwinze anos. E nao s6 a sua carreira, mas sobretudo a sua lu ta para formar-se e formar pessoas na fascinaate arte de escrever. A arte da palavra, em sua ess ncia, e um livro que acredita no talento oculto de cada um dos seus leitores e que faz com que cada um de n6s acredite tambem na possibilidade de redigir melhor. Trata-se, portanto, de um livr:o otimista, capaz de tra11smitir e suscitar otimism0. Nao um otimismo vazio, que poderia gerar uma empolgac;:ao passageira e ilus6ria. Eq ue, nas entrelinhas, po demos encontrar uma razao mais profuFtda e convincente para aderirmos a tal otimismo. A palavra nao e uma "coisa" qualquer. Possui, na verdade, um potencial expressivo muito maior do que possamos imagi nar. Possui, digamos assim, uma energia in tri nseca q u.e e preciso deflagrar por intermedio da interpreta ao inte1igeate, da leitura no sentido mais amplo. Nao e nada casual o interesse que muitos • X1 ,,, Ecom imcnsa alcgria que escrcvo algumas linhas sabre est.: novo livro de Gabr.ie l Perisse, cw.ja brilhante trajet6ria in telec tual eu tenho acon1panhado nos t'i.ltimos quinze anos. E na.o s6 a sua carreira, mas -sobrett1do a Stln luta para forn1ar•se e formar pessoas 1'la fasci,nante ar te de escrever. A arte da palal'ra,em sua ess ncia, e l\l,m livro q.ue acredita 11,0 tale11to ocultode cada um dos seusleito rese que faz co in quecada um de116s acred1te t.unben1na p0ssibi1idacle de red.igir: nlelhor. Trata-se, portanto, de um livro ot iln ista, capaz de transmitir e suscitar oti1nisn10. Nao um otimismo vazi.o, que poder.ia gerar nma e111pogla"ao passageira e ilus6ria. £ que, nas entrelinhas,po den10sencoJ11: trar un1a razao mais profunda e convincente para aderirmos a tal oti0)isrno. A palavra 11ao e tu11a ''co isa" qualquer. Posstl!i, na verdade, n1n potencial ex.pressivomuito rnaior do que pos, samos in1agi nar. Possui, digaLnos assin1, Unila e nergia intrinse.ca q'ue c preciso defh,grar por intermedio da intetpretaG'.i\O intelige1\te, da leitura 110 senticlo n1ais a n1plo. Nao nada casi.ud o in teresse que n1uitos a arte da palavra fi.Josofos m·eram e tem pela lingu gem,_ ob enrando os Jnodos concretos de dizer, as sutiJezas do lmguaJa r literario e cotidiano a etimologia etc. Eles se dao conta de que essa for queha pala,-ras consticui urn campo de descoberta sobre a humanidade e sobre o real. Na linguagem, a reflexao filos6fica descobre grandes expe- riencias esquecidas, o sentido do humano, vestigios da realidade cornplexa que, sempre superando a nossa capacid ade intelectuaI, infiltra-se nas palavras e nelas parece esconder-se, a espera de lei tores atentos, de escritores, de poetas, de pessoas com sensibilida de para encontra-las. Escrever, por isso - e neste ponto reside o maior merito des- te livro de Gabriel Perisse: explicar em que consiste escrever com estilo - , e mais do que juntar palavras para obter uma eficacia pragmatica. A autentica eficacia de quern escreve com personali dade, com arte e criatividade, e trazer a tona, mediante palavras bem escolhidas, a realidade (pessoal e transpessoal) que opera uma iluminayao e, ai si.m, nossos textos tornam-se efetivamente uteis, na vida profissional, pessoal, cultural, social, academica etc. Neste sentido, ouso pensar (e escrever) que este livro desper ta o poeta que ha em cada um de n6s, na medida em que sao os poetas, a rigor, os que desatam a linguagem, e permitem quea re alidade fale por si. Se mergulharmos nestas paginas com uma nova disposi o de aprender, veremos como e necessario (e nao tao dificil as siin...) reencontrar em n6s os poetas que somos (os seres huma nos que somos) par<½ es crevendo na prosa diaria, descobrirmso que a arte nao e um priv ilegio de poucos, mas de todos. Prof . D r. Jean J...a,uaflcl Prof. Titular da Faculdade de Educa o da USP •• XU Apresenta«rao Escrever e apaixonar-se pelas palavras. E conhecO-las a fun. do, lidar com elas diariamente (com for1ya e carinho, sem violen ta-las), e respira-las, e saborea-las, serum artista da palavra. Escrever, e escrever bem, e construir um estilo pr6prio, uma forma pessoal de lidar com a linguagem. E desenvolver uma con duta verbal inesquecivel, dando vida as palavras do dicionario (ou dando vida ao dicionario com novas palavras), coruerindo beleza as regras da gramatica, recorrend0 muitas vezes a livre criativida dea, agramatica, corno intuiu o poeta Manoel de Barros. Escrever livros de poemas ou de fic1yao nao esgota a arte e a tarefa de escrever, embora sejam os poetas, os romancistas, os contistas os que melhor saibam ensinar como escrever bem. Sao eles que nos mostram como "funciona" por dentro o trabalho de organizar palavras em forma de texto. Escrever hem e necessario em varias pronssoes e tarefas. 0 pesquisador que p.1ecisa escrever uma tese ou um ensaio. 0 medico que precisa escrever um artigo sobre a sua espe- cialidade. xv a arte da palavra 0 adYogado gue precisa escrever uma peti1yao. 0 eiupresario que precisa escrever um relat6 rio ou un1p a recer. apresenta iio ( Est e L i vro e um d i a l o g o e n t r e n 6s e v a ri o s poet a s , ro m a n c i s t as e c roni stas q u e p a r e c e m a lheio s as pr e o c up as;oes da e- fi cacia esc ri ta. .. Um a co n ve r s a s obr e a art e d e produ z ir t e xto s, so br e a co n s tru s;ao d e um es tilo pe ss o a l , t e ndo c omo pr ess upo s to qu e n 6s so mo s aq uil o qu e esc r e v e mo s e esc r eve rn os a quil.o qu e s omo s . )\ Toce, quando vai redigir uma carta, um ,e- nail, quando vai relatar sua e.>.'Periencia amorosa, suas mem6rias, q uando vai ex plicar por escrito suas concep1y6es politicas, filos6 ficas, religiosase, claro, quando vai escrever um romance, contos, poemas, letras musicais, ensaios etc. - voce precisa escrever bem. Este livro, porem, nao quis serum manual, recusou-se a ser um guia, ou mais uma coletanea de dicas e m acetes, o que talvez incomode o leitor preocupado com a eficacia irnediata do que precisa escrever. A este leitor eu canto a brevissima hist6ria de wna aluna que, na oficina literaria da Escola de Escritores, pro curou-me faz algum tempo. Precisava de ajuda para concluir a redas;ao de sua tese de doutoramento em medicina, cujo texto es tava "emperrad o" havia n1eses. Eu prometi (sem saber muito bem como cumprir a promes sa...), prometi a nova participante que a oficina iria ajuda-la. Ao longo de quatro encontros semanais, essa aluna s6 ouviu ( e ate escreveu) cronicas e poemas... Nao falamos de gramatica, muito menos de medicina. Falamos do cora ao humano e 5uas angustias, da beleza de uma rima inesperada, dos livros de um Pedro Nava (que por acaso era medico), dos contos de Guima raes Rosa (medico tambem),dos poemas de outro medico, Jorge de Lima... Ate que, num belo dia, ela acordou "inspirada",reto mou O texto da tese (cujo tema circunscrevia-se a ca r,d io lo gia) e 0 terminou com uma rapidez que a deixo,u espantada. E set "f e nomeno pedag6gico" confirmou uma verdade em que eu acreditava sem dispor de provsae ar gumentos:ler e es re ver cronicas ep oemas pod e nos aJ. udar a escrever qual uq er t1po de texto, ate mesmo uma tese de doutora do em cardiologia! . XVl .. XVll 0 meu leitorado ara escrever, cada pessoa deve procurar, encontrar e aperfei c;:oa r uma tecnica pessoal que a ajude a exprimi r os seus talentos, a sua personalidade, as suas ideias, os seus sentimentos tudo o que ouviu, sentiu, aprendeu - tudo o q_ue e. Mas para quern eu escrevo? Quern e meu o publico-leitor, a quern devo entregar esse« tudo o que sou" em forma de paJavras? 0 escritor e o p r im e iro leitor de seus textos. Nao deve ser o unico, mas e ele quern ve o nascimento, e ele quern aprecia os pri meiros passos do texto, e ele quern pode avaliar a sua forc;:a e be leza. Uma das melhores sugestoes que posso dar a um escritor e que, depois de trabalhar, deuce o se u texto descansar algumas ho ras ou ate alguns dias. E que depois o retome e o leia em voz alta como se fosse o texto de outra pessoa. E que, como leitor exigen te, anote as falhas, exulte com as boas metaforas, ataque a proH xidade, elogie as frases bem escritas, denuncie a:s ambiguidades e redundancias, admire a claridade, expurgue as confus6es etc. Ha uma anedota muito conhecida segundo a qual o fil6sofo 3 a arte da palavra o meu leitorado - fleuel ao ler suas obras traduzidas para o frances, nao aJemao. 0 . ' al , c Jan l ayao: "Agora, sim, estou entenden- 6de reprm11r a egre ex . . P . di ,,, Verdadeira ou nao, a h1stor1eta mostra do o que eu qws zer. . . , entende como escr1to r no n1omento em que que O escr1tor so se . . . • que se traduz para s1 mesmo, assummdo o papel se distanc1a, en1 ( e )de leitor. Quern escreve o seu prin1eiro leitor, mas n6s sempre escre- ven1os para 05 outros. E por isso precisamos pensar nos ou tros para quern escrevemos. Mas... quern sao esses outros? Sao os amigos mais pr6ximos, a mulher, o marido, os filhos, os coleuas de trabalho, os clientes, os alunos, os jurad os de um I:> concurso literario, os avaliadores de uma editora... Mais ampla- · ( 0 se nh or t e rn aqui um livro sobr e e s crita , redayao. . . ? T e nh o v ar io s . Algum em e s pecial? S im , e um livro novo s obre como e s crevermeJhor . .. Vo ce s abe o titulo do livro? N a o. 0 nom e do autor ... ? T a m b e rn n a o. Eu vi na tel e vi sa o s e1nana pa ss ada. Era um li v ro a ss im . .. n a . o muito grande... de capa amarela. Ne sse momenta , pen s ei que talvez se tratasse do meu livro , c uj a primeira edi<rao tinha muito amarelo na capa. Reprimi a m e galomania, mas minha s orelhas estavam de pe. Era uma espe r a n ya de v er, a o vivo, o meu livro seFJ.do comprado por uma pes s o a c on c reta. )Mas nem o nome da editora voce sabe? · Nao, nao sei. · Assim nao posso te ajudar... Sinto muito. · Oll1a, espere, eu nao sei o titulo do livro, mas o autor... o autor e aquele ali! Indiscretamente apontado, assustei-me, perdi o equilibria e esbarrei numa pilha de best-sellers que, do chao, repreendiam minha vaidade. Possivelmente, a partir de entao, aquela compra dora de livros sem titulo come<;:ou a pensar que os autores re cem-publicados ficam assim, nas livrarias, tentando vender suas obras... Horas depois, porem, refletindo sobre o fato, compreen di algo iinportante: aquela pessoa tinha me elegido seu autor. Como um politico constr6i o seu eleitorado, o escritor pre cisa construir o seu leitorado. Raquel de Queiroz, explicando por que escrevia, disse numa entrevista que o desejo de todo escritor e ter alguem que o veja, e ter alguem a quern possa dizer ao ouvido: "Escuta o que eu te nho para lhe contar." O escritor pode estar sozinho, no escuro, 5 ( mente, os leitores de uma regiao , de um pais, a hu man id a de in- te 1 . ra. Uma fascinante descoberta literaria e que n6s c on s t r u im os o nosso leitor. N6s criamos o nosso leitor. A n ossa « t r i bo " d e lei tores. Meu amigo e meu amigo, e, po r fors:a d a n o ss a amizade, pode querer me dar aquela "fors:a", po d e ate m e d a r um tapinha nas costas e dizer: " Meu amigo e um F e r na n do P ess oa... um Rui Barbosa. . . " Otimo. Talvez eu seja mesmo. M as o q u e preciso fazer e transformar meu amigo em me u since r o leitor . Um a p e s s oa que nunca vi antes deve tornar-se t am b e m , m a i s qu e m e u amigo, 0 meu leitor critico. 0 escrito r ope r a essas m e tam o rfoses com as palavra s ( magicasou nao ) d e seu text o. Em 1996, quando pub l ique i me u p rim e iro livro ( L e r, Pensar e Escrever), vivi uma experie n cia c uri osa . Di as depoi s deter sido entrevistad o num programa de T V , e s t av a numa liv r a r , i a 0 1 a h n do as estantes, distrai d amen t e . E en t r ou ali uma pes s oa que peF guntou ao vendedor: ) 4 a arte dapala-var . b que foi eleito, que tern um lei- prec1sa sa er . d . ae de codas, inas o meu leitorado O escritor precisa morder o coras;ao do leitor no titulo, na 1onv . essoas O estao ouVIn o em sile n - cas ou muitas P p:rim eir a pa gin a, na prim eira linha da primeira pagina. Escrevre torado, que pou le en1 silencio. cio d·ia1ogando com e nte escreve para aI g,uem »,d 1. z1. a ru,,a- com born humor, mas tambem com indignac;:ao , escrever com ' "Em , al acho que age ger ' . porter. "Quando estou escrevendo, clareza, utfilizando exemplos oportu.nos, fazendo citac;:oes p ert i briel Garcia Marquez a um re ,. . nentes, criando imagens instigantes, sem afogar o leitor, sem im sempre . A • de que este amigo ira gostar d1sso, ou. nho consc1enc1a te . . aostar daquele paragrafo ou capitulo, por nada, mas exigindo que ele pense, que imagine, que sofra, le outro amigo vai b • que participe - tudo isso sao modos de atrair e conquistar. O lei aquere semP essoas especificas. No frm, todos os l1vFos pensando em p . tor, em principio, e aq,u€la p esso a que esper a do nosso texto um sao escritos - o problema, ap6s escrever Cien afios ( 0 0 5 )para os aITilo. . - . pouco d€ felicidade, de surpresa, de originalidade, de compa de soledad, 1c01• na- o saber n1ais para qual dos milhoes de le1t0re.s . . - . - , nhei ris m o, de i11teligencia. Nosso papel, como escritores, consis estou escrevendo., I·550 me perturba e 1n1be. E como se um milhao de Olbos eso·vessem voltadospara mim, e eu nao soubesse bem o te em cor.re sp o n d e r a essa expectativa. Quern e o mea leitor? que e1es pensam•" Contudo - . p.od. emos pensar do nosso lad,o -, 0 meu leitore aquela pessoa que merece ler o que tenho de esses mill1oes de olhos nao se dir1g1ram casualmentepara as pa- ginas do grande escritor. Gabriel Garcia Marq uez os conquistou com suas palavras, com seus relatos. Os leitores devem ser conq uistados, para que "votem" no sea escritor. E como conquista-los? Nao e fa c il. E nao tern nada aver com bajulafao. Bajular o leitor e o caminho mais curto para per der os melhores leitores. Conquista-los depende da construs;ao de um estilo solidario, inesquecfvel , provocador, contagiante. E compreensivo. Eu, como escritor, preciso dizer ao meu leitor que ele e o meu leitor. Pr ecise en vo lve-lo. Defeodendo minhas ideias ou passeando nos meandros da minha imaginas;ao, estou sempre escrevendo uma carta pessoal ao meu leitoF, com o d es e jo de que mais pessoal, as minhas convicc;:oes e os meus sentimentos, a mi nha dor e o meu protesto, a minha solidao e a minha alegria, os meus sonhos e a minha realidade. 0 m eu leitor e aquele que le o meu texto. E aquele que vai relero meu texto. E aqrlllele que vai identificar-se com o meu tex to.E e a quele que vai recomendar o meu texto a outras pessoas. Vejamos como funcionam esses qu,at ro niveis de compro metimento. 0 le i t o r [ e o meu text o . Ser leitor e uma das muitas decisoes quep Fecisa m os tomar. Ler vem do verbo latino legere (pronun c ia-s e como palavra proparoxitona). E legere e colh e r, recolher, escollier. E unir o que esta disperso: letra com letra, palavra com ele a guarde e releia durante a sua vida inteira. p a la va,r paragrafo com paragrafo, capitulo com capitulo, livro Todo mundo escreve para conquistar a adesao do leitor. 0 "v oto" do leitor. Para convencer o leitor. Para cativa-lo. Para qae ele,1eitor, o escolh a para sempre. E que ainda fas;a " bo ca -d e-es tante" a cada novo livro! Maso modo como ehl es c re vo ea con dis;aoba sica para que essa conquista se realize. com liivro etc. Nover b o inteligir, no sentido mesmo de entender, reencon tr am os su a p:res en c;:a: intus + Legere, isto e: ler por d en tr o , captar a importancia intima das coisas. Selec;:ao e outra palavra deste ca mp o se m an t ico. Os antigos romanos sabiam que uma escolha 6 7 a ar te da palavra o meu leitorado lhor poss1,ve1. Selectio e comp0sta p>0r leGti0 tinha que sera me_ . -e., se (presente em outras palavras . - ) mars o p1eu_,.._0 ( uniao, Junfao rar indicando separa1yao), o q ue, afi- nhas. Sao os qae e::aptam o q:ue estava la, no texto, pei:Jce fugidio, lebrce aris,ca i aio de sol. Na primeira leitura, porem, 0 peixe apa d ·r segredo, sepa , como se uzi ' _ cur io sa: selecionar e s eparar algo e colo- nal, produz uma no ao I 0 a arte, longe do resto. . . receu e submergiu,a lebre apaFeceu e fugiu, o raio apareceue se ocultol!l. Foiarn eE.trevistos. Entre1idos. E e o escritor que pro-voca a releitura, na medida em que ca- OPutras pala . rovenientes do verbo legere md1cam esse ( as p )VJ e::ura o leitor da superficialiclade e da indecisao. mesmo sentl'do.L e•ouiao e aquele grupo de soldados escolhid@s a 0 eseritor provoca uma situa 0 em que o leitor, mesmo dedo. E!e, ganci·a c.(. saber escoll1er as melhores palavras, os melh0- tendo compreend'ido o recado, precisa sentir oprazer de saborea res gestos, as melhores atitudes e as, n1elhores roupas para deter- lo de novo, de saborea-lo melhor. 0 escritor recria o leitor e, as minadas circunstancias. Ler e eleger, e saber escolher (e acollher) wn autor, um livro, um trecho do Iivro, separando-os do tod.@, cl:o conjunto, destacando-os, privilegiando-os. A maior recompensa do escritor e ver-se selecio nad o, es€© lhido pelo leitor intelige11te, colhido do meio de outros livri@s nas estantes e nos balcoes das livrarias. Essa escolha nao para na leitura pura e simples. Saber-se 1e- 1ido duplica a alegria do escritor. Reier e t1m verbo insistente, qllle nao tern medo de repeti1yao. 0 pr6prio verbo reler e um dup,lo ler, pois se eu leio refer de tras para a frente ele fica exatamente igual: e reler para ca... reler para la... Mas quern rele le o diferente no igu.al. Nunca lera a mesm.a coisa que, no entanto, esta no mesmo texto. Os classicos tem o merito de, sendo sempre os mesmos, mostrarem para 0 leitor que os rele que ele, sim, mudow. e mudara com o tempo. Os clas sicos tambem rnostram as pessoas q.ue vivem em d:iferen.,t es ewo caso quanto o mundo muda. Ter lido o poema A Divina C0me dia na Europa crista do secu1. 0 xrv foi uma coisa b>em d[verisa de o ler na Europa dantesca do finaJ da Segunda GuerL"a . A releitura e ler de novo o que parece velho para ero.contrar novidades que a primeira leitura escondel!l, 0 u melhiori: apenas en tremo strou. Os releitores sao os aJf-abetizados para as emtreli- 8 siin, cria o releit0r. <D esG:rit0r £az com que o le tor se pergunte: "De que vale ao1i.omem ter mmtos livros se na.0 tiver tempo para reler alguns? ReleF devagar, ieler wa1avra a palavra, letira a letra, degustando os sigro.ificados, @s sentidos, as metaforas?" 0 leiter que rel& foi cativado. Um terceiro n<ivel de leittara e aquele em que o leitor seiden tifica com o ql!le le. IdelilOOG:ar-se e sentir afuiidacle, e sentir atra s;ao. Quando eu me ide:ntifico cGm algaem e porque esse alguem e aquilo ql!le, de aJg1:1m mo<1lo , eu. tam bem quero ser. Mais ainda: ideiltifiica<llo com alguern, acabo me torn.ando o que de fato sou. Quern se identifica... enGontra-se. Qrre:m se identlliica ao mesmo temipo se reconhe<i:e . Esse fato e bastante corriqueiro quando o es<:::ritor escreve bem. 0 leiitor fica feliz por teri encontraclo um texto qu.e expressa aquilo que ele sempre quis dizer (@l!l 0uvir), o·u aqui:lo que ele pelilsou mas .nao s0ube e:xpressar. Nao sot:ibe expressar Oll nao teve c0,ragem. para expliicitar c0m suficiente clareza e beleza. « Quem sera este Gfl!le diz ta0 bem aquilo em que eu acredi.to?" - essa pergunta d menstra que o leitor se en<:::0E1tr@u no espelho do texto. 0 wensador :r;omeno Emil Cioran, num dos sehls amargos {rna,s in te ligen tes) af0rismos, disse: <'Gosto de ler como o portei- 9 /. /' l e· a orlc da paJavra •fi d - me com o autor e com o livro. idcn111ca no . o meu leitorado ro de u1r1 prcc '"ar,.'rud,e n,c cza. , pensar num despeda dor de ca- Brow , op_r ma apologetica crista ex.tFemamente original( ain Qua/qucr ourra .1. ta o leitor pode a te tornar-se um "A rccpc;ao est c1 cor rc . . da hoJe or1gmal), fez _com que eu me descobrise comope ss oa. davcre:,. P , 1 .l ra JJ ara valer i1n p lica essa 1d en tifica- , . /"I( rtf r1n 111i'IS a Cl U Fac;:o parte do le1torado de Chesterton, leitorado que conta cr JLico c ' d a is pcdantes, e coisa de gente desprepa- 110 quc, aos olhos o rac/a. . 5 111 tor ingles d · ' · com urna figura importante na literatura latino-americana,Jor ge Luis Borges. B0 rge s citava Chesterton constantementee Quando 1J r "l b \ 1 J ert .K Chester to n, u.m au. o 1n1c10 nota-se em seus contos a influencia do autor admirado. Borgese ( • )do sccuIo xx,ds1s·c a rni1n n1es1n o, em silencio, que enco11trara 0 eu " votamos" no mesmo escritor. Privilegio para mim,B orges e eu autor cIa rn·,n1 1 "., vida· Exagero, c c laro, porque depo1s encontrei somos "irmaos" literarios grac;:as a Chesterton, ainda quea genia OUI J'OS C SC·J J<t i -c i' inda vo u descobrir mais escritores capazes de lidade e a erudic;:ao do mestre argentino tenham sido despertadas nic f:is_c in ar. No entanto, foi lendo Chester to n que defini para Illinii ncsn1o 1n uit o do q uc cu gostar.ia de ser com o esc ritor. Pela nrguni cnta ao brilha11tc, pelo uso de paradoxos surp reendentes, p('/a csc:o /h,1 apaixona da de ten1as polein icos. Tenho consci ncia de quc nao chcgoaospes dcsse pensador, cujo livro Ortodoxia le vou- n1c n 11101T1cn tos de int ense extase i11telec tual, mas sei igual rnc11tc quc os 111cJho rcs mon1entos dos meus tex tos devem a esse autor iog /t s al.go quc, na realidad e, eram qualidades em mim 11dorr11ecid11s. Qua lidadcs que, se1n ele, possivelm en te ficariam :1I rofi:1das. Chesterton esc rcveu certa vez«: Nao e feliz o homem que se por outras escolhas de outros text0s e au.to res, alem do fato de Borges ser Borges! Identificar-se com um escritor e identificar-se c0m0 leit0r e identificar-se com outros leitores, especialmente grandes leitores, como e o caso de Borges, para citar l!lffi grande escrit0r que se vangloriava (com toda a razao!) de serum grande leitor.O escri tor cria o seu leitorado na medida em que sabe deflagrar mos seus leitores suas melhores capacidades e reunir esses leitores, tantas vezes dispares, numa "comunidade' Quantos leitores podemos conqu.istar p,ara o Rosso leito rado? E dificil agradar a todos, mas e igualmente impossivel cus ou con, a n1uU1er que an1ava, n1as aquele que am a a mulher roni quen1 sc casou•l. Escreveu tambem: "O louco e aquele que p<.:rdru tudo, exceto a razao". Frases de efeito que provocaram em 1nin1 v,irios efcitosl Sao frases qt1e n1e fazen1 ver o que ha de pa rad<.,1x 1l 11,0 u11or e 111 lo uc ura. M.as ta111bem tne abriram, me es c, :.1 1cararn111 ns J'>Ortas para csse bri11car com as palavras que tor na lunt1 id t.i.1n1ais p al pnvc l e incsquecf, ,el. 1uil,1s VCZl'S rcleio CJ1 esterton. To rn ei-111e 11m me1nbro da trihoc hestcrto11ia11a. Esse c1utor, faJ110 o por st1as biografias, pe ol , f O ll lc l)( (.'S poliriais cujt) protagonista e O estranho Padre (0 desagradar a todos. Sempre havera pessoas que vao go- star do nosso texto. 0 importante e chegar aqueles que consideramos os melhores leitores, ou os leitores mais adequados p>ara o nos so texto. 0 pensador mexicano Octavio Paz faJ.ava em conquistar un1a " imensa minoria", ou seja, um grupo seleto (e sedento) de leitores que teria o poder de levar um autor para alem <las fron teiras do seu pais e para alem do seu tempo. Sera o meu texto a definir o numero de leitores, a qualidade dos meus leitores, a variedade dos meus leitores etc. Shakespeare e um au tor que conseguie atingir leitores de todos os tempos e 11 a arte da palavra o meu leitorado der verbal e d t o1r dem que dois dos seus 1nais ( lha, nao encara-lo como iinevitavel': e: "O si mpl es fato de voce ter escolhido l er o nosso livro indica que voce ja escol heu a esperan s;a no lu ga r do desespero" - esta claro qu e a argumenta ao quer atingir um tipo de l ejtor (e de l eitora).Se eu ] er o Ji vro est.i r e i , em pr incip i o, admitin do qia e tenho o p erfi l do leitor por e le s visado. No prefacio de um outro livro, l emos:"A amb i ao desta obra nao e tornar voce mais erudito, e sirn mais inteligente, isto e, fa zer frutificar sua inteligencia." Quern comprar esse Iivro (mesmo que nao o leia ate o final) estara comprando (para "vestir") a imagem de um leitor que deseja ser inteligente. E sse l eitor que busca ser inteligente corresponde, pelo menos, ao leitor de senha do pelo inteligente esc ritor. Quando penso no meu leitor, imagino um l eito r co m quern )lugares.0 suep o , ea uens ca1rami r· ( i ) r aml ente na boca do povo em fan10s0s pesrona 0 . Ri ede J aneiro) para a sobremesa for111a da ' ·ia (11asc1da no o . gu •· _r o meu-e-jul1eta. uoiabada e queIJO compsota p or O • t ·n am- s e t a.o famosos que cae1n no Os !ITandes escr1toresor . . ( nimat o Qu a nt o s e qua )0 n t os proverb10s e d1tados foram um ano · . . d Ovidio um Horacio, um Dante. Quan- dia frases gen1a1s e um ' . ( d )es critor se fundem com a cultut a de l!lm do as palavras e um , povo,quando 1cermenta,m for1nam e config. uram e.ssa cultura, e porque o, numero de seu leitores (1nes. mo mconsc1entes) alcan- you un1a amplitude impossivelde quantrficar. Ea pergunta inicial reaparecendo sempre: Para quern eu es- ( 1 ). ( crevo? Quern e o meu e1tor. Quando Cervantesinicia sua obra-prima e dirige-se ao lei- tor nos seguintes termos - " Desocupado lector: sin juramento me podrds creer que quisiera que este libro, coma hijo del entendimien to,Juera el mas her,noso, el 1nds gallardo y mas discreto que pudie ra imaginarse" - , esta dizendo tudo. Ele quer que o seu desocu pado Ieitor nao se preocupe com mais nada e se dedique unica mente a leitura das aventuras de D. Quixote e seu fiel escudeiro. 0 adjetivo que define o meu leitor nasce da qualidade do texto que eu escrevo, do tipo de texto que eu escolho escrever, que eu me exijo escrever. Nao e a toa que ainda ha esc ritores que usam o "caro leitor': E, realmente, se o leitor e o que o escritor tern de mais valioso, o pres;o a ser pago e um texto bem artieula do, bem tramado, bem escrito. Quando um casal de autores (que se divorciaram dos sens respectivos marido e mulher, e tentaram viver novos relaciona mentos) escrev,ena introdus;ao de um livro voltado para ajudar outros homens e mulheres divorciad os..."Cada leitor(a) deste li v ro tern a mesma oportunidade de fazer do div6rcio uma esco- 12 eu tambem possa me identificar como escritor. Um leitor que me compreenda e rne ajude a ser um born escritor. Estou lembrando agora aque1es famosos versos do poeta es panhol Juan de la Cruz: Oh! noite que me guiaste, Oh! noite mais amavel que a alvorada! Oh! noite que juntaste Amado com amada, Amada ja ho Amado transformada! Leitor e escritor se tornarn uma s6 pessoa, pelo amor. 0 es critor escreve para transforrnar uma pessoa em seu leitor. 0 leitor le para transformar-se no escritor, transformas;ao que nao o descaracteriza. Se sou chestertoniano porque leio e re leio Chesterton, se sou shakesp eariano porque sei de cor as pe s;as de Shakespeare, se sou rosiano porque adoro Guimaraes 13 a arte dn paJavra o meu Jeitorado d . de ser GabI .· 1 Perisse. Ou 11e1lho r, sou Gabriel ( s6 para do e nt es terminais desesperado , s amante s desiludidos, e mpr esar io f a lido s , ma s tambem para adolescente s em crise e as s a ss ino s ini c iante s .. · . um 6 ti m o guia tarnb e 1n para e limin ar os J e i tor es . Quando todo s os s ui c idas em potcncia l tiverem enco n t rado n ess a s p a gina s a " liber tayao " pela qual ansiavarn, ta)vez o l i v r o , c um prida su a n 1 issa o , s e torn e d i s pensa v e l . Enfim , ess e e o utr o exemplo de c omo urn livro s e torna famoso quando en co ntr a o leitor c erto... U m e sc ritor c orajo s o e ideal s i ta poderia responder que es c r e ve para t odas as pessoa s , porque se sente apto a fazer o bem a todo s com o s e u texto. Se todo s er humano, na sua ess ncia , bus c a a felicidade, busca o amor, busca a sabedo ria , entao o escr itor que con s egui s se a proe z a de , em prosa ou en1 poesia, trazer <las )Rosa,nao eixo d te 1 . , , torno ca a vez nlais eu n esmo porque descobri Per1sse e nic.: e· tres a . ( T )em mu.11, :o, raras aque1es 111s ) pessoa, o le1tor que eu po- ( 5 )deria ser. . . t-Exupery "n6s vale1nos no deserto aqui- Como repet1a a1n ' ( . )lo que vaJeni os nosso5 deuses». N6s son10s os deuses que cultu- - fi rao d o ponto de vista do escr1tor, representa ( enorn • . . . . . )an10s. E ta1 a trmaT • . . tmi desafio el Un, escritor prec1sa tornar-se 111te ressante o sufic1·ent e praa con ts ru, ir cultivar, criar, n1ult1pl1car le1to res fie1s. Al un,as pessoas escreven1 pensa11do em vender muito s li- g d . 0, . vros, ser famosas, e nao ha nisso nada e peca1ntnoso. uruco problema e O can1inho escolhido para atingir essa meta, os aspec tosda essencia hun1ana que privilegiamos para atingir um leito- rado. Outro dia alguem me disse ter encontrado numa Li,rraria norte-americana un1 li,rro cujo titulo era Aprenda a vi11gar-se. Isso e o que eu chan10 de li,rro de auto-ajuda! (Da minha parte, por vinganra, nao revelarei o nome do au tor nem o da editora!) Maso fato e que o livro estava sendo be1n vendido, e provavel mente esta aumentando nos seus leitores uma sede de vinganya que poderia ter sido anulada e vencida... pelo perdao. Para citar outro caso norte-americano, em 1991 chegou ao topo da rela ao de livros mais vendidos no caderoo literario do 11ie New York Ti,nes um manual do suicidio. O autor, anos antes, ja tinha vendido140 mil exemplares de outro li\'To se u, Deixe-me n-zorrer antes que eu acorde, e, provavelmente empolgadopelo su cesso, decidiu escrever o manual que ensina a por em pratica 0 que ele chama, eufemisticamente, "auto-liberta<y-ao " . Il ustraod com uma tabela de dosagemletal de diversas drogas, oferece ins tru oes praticas sob re asfixia com saco plastico, morte pela forne e outras tecnicas mais ou menos dolorosas. Um 6timo guia, nao 14 profundezas da linguagem esse amor, essa felicidade, essa sabe doria, possivel1nen te estaria ao )ado de grandes escritores corno Jesus Cristo ou S6crates, para citar duas referencias Iite rarias que nem precisaram escrever para influenciar a literatura e o pensa mento de povos inteiros ao longo de seculos. Todos os que escrevem poderiam segredar: "Escrevo para amar e ser amado." O que, diga-se de passagem,e a defini1yao de felicidade mais sintetica que se conhece, dada por Santo Agosti nho: amare et amari - amar e ser amado. E essa bem pode ser a essencia das essencias. Quern souber conquistar o amor do leitor tera a garantia de jamais ser esquecido. Li um livro do autor ingles Frank Sheed, cujo titulo da edi yiio traduzida em portugues (em portugues de Portugal) era Te ologia para todos. A ambi ao do titulo, porem, devia-se mais ao editor portugues do que ao desejo do autor.0 titulo em ingles, Theology for beginners era, afinal de contas, um titulo despreten sioso para leitores que comeyam a interessar-se pelo tema. E o fato de eu ter lido o livro com gosto, na epoca, confirma asminhas 15 a arte da palavra 0 meu leitorado boas . . . materia. Cita-lo agora foi UII'lila ( . t nroes com . )o rn1c1ante na in e r daquela Je1tura. nossa irnor talicdade; ou os n.oss0s textos sao muito ruir,ise so retribuis;ao pelo prazer ··buirao. Quer ser lembrado.Qner seli mente alguns leitoFes, por motivos extra-1iterarios(escasso ou ( o ). er essa retlI r 1 escr1tor qu ediante a palavra. Na pa avra. Com a legitimos), os elogiam. citado. Quer ser amadom O born escr1. to,r e aqt1e1 e que queb ra o Gu pode ac@nteeer que ro.a:o mostFemos nossos textos a nin palavra. Em l lena palavra. . . . P . 0 leitor deve sa1r diferente de uma le1- guem! Neste case, € vital reu1FJ.ir for<ras, encher-sede coragem, e ( gelo, o ge O )da indiferenc;:a. ( tura. q · • )uil ue ele era ou daquilo que pensava ser. Di- Diferente daq O d"d ·,idi+erenra que nos torna 1nconsc1enftles, mostra-los. 0 mew. leitorado sera resultado do meu trabalho come escritor. 0 escritor s6 existe se for lido. Posso ser uma pes ferente, or ter per 1 o ai :I' P .t .. mobiliza O leitor porventura irnobiliza- soa interessante, posso escrever bem., poss0 ter mile uma hist6- ( o ). realistas. 0 bom escr1 or . . ir . al born escritor estrmula o lertor que por- do pela pregwc;:a mor. « » . ·a1 · t ninado por aquele cansac;:o existenc1 <lJ.l!le ventura esteJa con ru , . rias para contar, mas tudo isso s6 se efetiva quand0 am leitor toma para si os meus text0s, q,uando ele se apropria Q(l)S meus tex:tos e faz deles o que bem entende, mesmo sem enteacle-los fi16so1c0H usselr de nw1cia,va no comes:o do sec. u.lo. xx_, com@ @ come eu gostaria. 0 . . t de decadencia de toda uma c1vilizayao. mais c1aro sm on1a . Ninguem le impunemente as obras de um b_om sor1t@r. Kafka, por exemplo, para citar um autor que soube 1den 1fiear as metamorfoses que se operaram no seculo passado. D1ante do personagem que, ao despertar, percebe que se transformoY Flium ime1150e grotesco inseto, eu tambem me sinto questionado, cl!ltlil cado pelo absurdo da vida. Minha infelicidade consiste em sa1im da cama aconchegante da letargia, em sair da rotina apa:rente mente normal, racional (mas na verdade absurda), da rotina <:J.l!l•e me ajuda a nao pensar, a nao sofrer, a nao me desiludir com as falsas ideias que tenho sobre mim, sobre os outros e sobre 0 mundo. . ., Portanto, um leitorado mobilizado, consciente, s6 ex1st])lla na presens:a de um autor que lhe provoque reas:oes dignas de um ser humano: admiras:ao, reflexao, indignas:ao, paixao... Nao devemos nos queixar se temos poucos leitores. NeSfe caso, vejo duas possibilidades: ou nossos textos sao muito com plexes e somente poucos (e especiais) leitores os digerelil1, de modo que com o tempo essa imensa minoria sera ai ga!an:tia da 16 No belo filme O cairteiro e o poeta, ha um mo1ment0 em que Pablo Neruda censma 0 carteir@ porque este usou vers(l)s eroticos da sua aut0ria para conquistar l!l!ma j0vem da rcegiao. 0 carteiro responde com simplicidade e ousad.ia: a p0esia, meu caro poeta, nao e daquele qt1e a fez, mas de <itl'lem precisa dela. 0 meu leitorado se foFma no momento em que meus tert@s e minhas palavras se mostram Jileoessarios. Nao se trata de q1:1e rer convencer o leitor a for<ra, de tortur a-lo para que co11.fesse s u a superficialidade, para que se converta, para que adira ao 1i10s so fa-clube. Ao contrario! E o leiitor que se apocl.era do que eu escre vi.E ele que assina embaix@ do q:ue escr evi.E eu escrevi p a iss@ mesmo, para entrega,r ao leitor uma palavra que mao morra em mim. Um.a palavra que viva fora de mim. Uma das ideias rnais fortes que li na Viida aao estava mos li vros, mas nu,m t p111rne. Era t1ma pi(;:ha ao. Dizia assim: "Se voce esta tranqiiil0 e p or q ue esta mail informaolo." Desde esse dia, nao sosseguei mais. Forque sabia (it1e ma0 era lemdo jornais que ven ceria minha desmforma ao mais profmlda. Mi.nha mais prouun da ignora•ncia sobre as verfilades da vida. A partir daqtlele m<ll- 17 a aret da palavra ( ..ilidade (mm , ) ( t: ). ha falsa paz, minha fealsa felri.ci- o meu leitorado Deram-me certa vez um conselho que agora passo adiante: ( da d ) e )mento, n1-iJllia tranqu te fer1'da. O importante, porem, sc:JJ!.le .n- 0 escrit or deve escrever o livro que ele procurou nas livrariase ficou mortalnieu _ stava mais em provo car-me do ichas;ao e , , . ( O c alo u n > • ) ( P o )tar que O poder deasJsaP fu do nao ha duVIda, sob retrn1cl0 nao eF1co ntrou. Se minha buscae legitima, possivelmeate outras pess@as, m es m.o sem saber, estao aguardando que alguem escre gue en1 dizer-rne g · ment_as;ao que eu sempre qu1s usar e ql!le va, qNe eu escreva esse livro. E quando o livro for publicado, os or ter usado uma argu li o) autor, an6nim o (corn (}Uen;i do neste vr. agora estou usan ' ber quem e), fez com ql!le eu me ( tifi ). mesmo sem sa . . roe iden quei screvendo para o mundo mtel.[@ o . hando o tapume, e visse Ia, pie . . a is consegui escrever com tam.anha que sempre achei 6bvioe 1am ( E lil l 1 ). -o e agudeza. b . concisa d fr nces Blaise Pascal perce eu e tlilto s como o pensa or a , J mistas jama1.s entend era. o· "As pessoas so s.e convence.m <::Qr,a poe . tos" A arte de conqu1star um Iett@rad(i) seus pr6pr10s argumen . . esta menos em conqu1·sta-lo do que em detxar que e.le n@s t .€ln- leitores perdidos e desfigurados aa massa anonima se sentirio con:vecados a ler o que es_pe rav am encontrar nas paginas de um livro, sem <1J!U€ disso tivessem plen.a consciencia antes. De qlllalqaer forma, quando o escritor e o leitor se encon tram pro<i1:IZ-se um "espas:o" Rove, um "territ6rio"novo, que po dera ine0rp@ra r n0vos "habitantes". Escritor chama leitor, masleitor tambem chama leit©r. Se e verdade que, ne atso de cresci me:nto da c:Jientela de um dentista, a propaganda boca-a-boca e um.a condis:ao mais do que metaf6rica, o crescimento do nwne qw.ste. Esta, menos em escolher do que em ser escolh:1do. 0 le,1t0r ro de leitores se realiza quan<il.o, de ou, vido - a-ouvido,propaga-se, ( A )preci•saconvencer-se de que foi ele quern nos escolheu, o <g_1!le e, em boa parte, verdadeiro· Os leitores somente leem os textios que silenciosamente, a noticia que os jornais nem sempre divulgam: nasceu l!l'm bGm esc..riitor. Qua:nd@ l!liiR leiter se idemtif.ica cGm o escritor, e provavel teriam podido escrever em algwn universe paralelo, em ailglllm momento de sintonia consigo mesmos. o escritor encontra o leitor. 0 Ieitor encontra © escrit@T. Opera-se entre leitor e escritor a confluencia de duas libeFdades. O encontro provoca um tipo de unidade em que o 1e·1tor na-o se· funde nem se confunde com o escrito r. Unir-se mao e peiicl1eF ai personaliddae. Um elevado ni.ve l de uniao gera um elevaa0 nivel de personaliza ao. Entre escritor e leitor deve-se criar um ambito, lll!lil1a atm@s fera, em que ambos se tornem eles mesmos, uJilllildo-se em pr<1> fundidade. Um escritor s6 se torna escritor quamd o encontra 0 seu leitor. 0 leitor s6 se torna um autentico lei.tor quando etege um escritor cujas palavras respondam a perguntais ate entao se quer formuladas. que verifiq1u em os esse qNart@ nivel de comprometimemto com a leitura: o leitor indica © escritor a Ol.!ltiF©s leitores. 0 bom escritor faz bem com o seu terto hem esorito. 0 lei tor quer liSQ ft l!llir clesse bem. Embora sejamos a.rumais egoistas, tambem e in t rinse co a m@ssa matlltreza q,uerer repartir os nossos bems.0 bem que (l) escritor faz a alguem transf0rma-se nwn bem a ser .rnenciona<do, distrib uido, compartilhado. A melhor propa gan, da e o prod:uto. No c:aso do escritor, tl!ldo 0 que ele escreve e a meJ.h0r coisa que 1.!lffi r ublicitario pode mostrar sobre0 livro a ser venCJli<d@. Mas que \hem e esse que o born texto faz, que o bom livro faz? Podemos defm.i-lo como 0 bem da experiencia. 0 meu leito raca0 n.ao q11er pala;vras vazias, promessas irrealiza,veis> nao quer 19 18 a aret da paJavra o meu leitorado 1 . ras . res e estereis. A "politica"' do ( d )ente ina d r tempo coine tiu d t i va. Eu dou ao lei tor a 111inha vez, trata-se de uma escolha. Uma escolhade parte a parte. oes pere ar ente e pro u . t xto deve ser tranps al cu mprir seu papel, o lettor tor- critor escolhe seu Je i tor.0 leitor escolhe seu escritor. e e essa p avra mel11or palavrae, s e tor no seu autor. Pensemos num born escritor de hist6rias deterror, por exem na-se 1neu 1 ·rOr porque eum h . . ei erfodo em eu Lia Agatha C r1st1e compulsi- plo. Por que atrai tantos leitores? 0 bem que ele traz, qual e? o Houve um P . E tre1 nessa ua que tora um vigor gue, pelo menos na- l eitor que gosta de sentir medo sente-se bem. Seus temores vem a vamente.•neon _ d tava emJ osede Alencar, para citar um to na dentro daquele "ambit»o d eexperiencia em que sabe estar queel rnom ento 11ao etec ' do o br igat6rio nos curri culos escolares, protegido e ao mesmo tempo exposto. 0 leitor quer ter essa ex autor brasileiro consgara , l . , . lente escritor. Mas por que aque a m1nha e, sem duv1da, um exce . . . . , . - me impede, hoJe, de aprec1ar m u1to ma1s preferenc1a, que nao ., . Ludoln, Sen}1ora e, .1a., ce,na do que um O mis.terio do trem azul ou O caso dos dez nerg inhos·?Porque a autora cr1o.t1 um.personagem, 0de te t vi e belga Hercule Poirot, que 1ne parec1a ma1s atraente do q ue a fndia ta bajara dos labios de mel. Poire: e f zia pensar (em bora saibamos quantas ciladas a autora d1str1bu1a ao longo do texto para enganar o leitor), e Iracema era uma preocupayao 1neram ente escolar. Um parentese: talvezesteja sen.do cruel com Jose de Alencar e supervalorizando demais uma escritora estrangeira tida como de segunda categoria. Citei essa minha incipiente experiencia de leitor apenas para mostrar como sao caprichosas as escolhas de um leitor (especialmentena adolescencia), e, par outro lado, como e decisiva a tarefa de um professor de literatura na hora de pro piciar o gosto e o habito da leitura em seus al unos. 0 meu leitorado e composto por pessoas que querem algo mais do que palavras frias, personagens incolores, arguroentos simpl6rios,imagens aguadas ou ideias confusas. Born, quanta as periencia do medo por considera-la uma forma de escapar aos medos prosaicos (e mais perigosos,como atravessar a rua de uma grande cidade...), ou de conhecer-se melhor, ou de fazer um exer cicio de autodominio, ou de contactar com o misterio, enfim, esse leitor quer viver intensamente. Vejamos de perto um born poeta. Por que um poeta como Manoel de Barros, por exemplo,come<;:ou a atrair tantos leitores, depois de varias decadas praticarnente desconhecidodo grande publico, ou pelo menos do publico brasileirointeressado em po esia? ProvavelmeDte chegou o mornento do encontro. 0 momen to em que os leitores conseguiram enx:ergar o bem que fazia ler versos como estes, retirados de O livro das ignorafas: Ando muito completo de vazios. Meu 6rgiio de morrer me ptedomina. Estou sem eternidades. Nao posso mais saber quando amanhefO ontem. Esta rengo de mim o aman}iecer. OufO o tamanho obliquo de uma folha. Attas do ocaso fervem os insetos. ied ias confusas, talvez eu, como escritor confuse (sentindo-me Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu destino. profundo), gueira apenas um grupo seleto de leitores ex6ticose; 0 meu texto herm etico, indecifravel, tenha coma voca ao ser apreciado por essa meia duzia de ·fieis admiradores. Mais uma 20 Essas coisas me mudam para cisco. A minha independencia tern algemas. 21 a arte da palawa o m.eu leitorado ( 05 )o relato escr1·to por uma aluna depois que, Tenho um pequen . . vez poemas de Manoel de I pela prune1ra rio de um amigo morto. Drummond esta no escrit6rio.do ami go morto, e reage... Passa a mao na mesa do amigoe, diz: over a meu pedido, eu . al sobre Manoel de Bar ros, agora Barros: "Quer que lhe d1ga g O d. . niz que se foi... Nao! Aa rv ore que volta! E entao uma luz ilumi queo li7•t do dos meus conhec1 os; r1co, uma -r d.iferente, em tu ' c 1 ' nh va para m.un. A da trecho eu 1a ava soz1 a: n a o rosto do leitor. As escamas que cobriam nossos olhos caem linguagem no ca . subitamente. E o leitor ve! Ve que o verniz e menos essencial do d O pode escrever de forma tao maravilhosa as que a arvore. Que a morte nao e o fim da vida. Que a vidas em ( Mas )como po e, com deu medo como se as imagens es- . . . pies? me ' . pre vem recuperar o que aparentemente perdera. E o leitor se c.o,sas maa.islisiamo meu Iad o, e f;alando de forma tao v1vaz, que os apega a essa im agem, a essa in tuic;:ao, a essas palavr as. Ele precisa uvessem ' . deram-me arrepios. Para entender e ( IC ) ( _ • )monstros que eu ma1s temo . . . . delas para continuar vendo e vivendo. prec1.s0 saber que b. hO5 rasteJ·antes, msign1ficantes larvas, m1- A leitura e um modo de ver, e uma f0rma de viver. N6s, ani nhocas ou lesmas, me remetem a um pavor que nao cons1gov-en- cer. Deve ser aIguma mem6ria ancestral que carrego. Juro, nao mais insatisfeitos e robos rebeldes, encontramos naspa:lavras um rnicrosc6pio para captar o minuscule, um telesc6pio para intuir gostei de le-lo a . ,., no1te. o longinquo, um perisc6pio para ver ao redor, um estetosc6pio Mas gostou de ler, claro! 0 poder evocat6rio do poeta, qu ressuscitou tantos monstros pessoais da leitora, recebeu aqill mais um elogio do que uma reprovayao. . o que o leitor busca num texto? 0 que O leitor quer elogiar num texto? Fazendo abstra¢ o <las in timeras e variadas respostas, penso que um Jeitor busca no texto, fundamentalm ente, ser surpreen dido por uma visao, ser cativado por uma percepyao do munod, para investigar o profundo. Verou nao ver, eis a questao. E o leitor que ve quer ver para sempre. 0 escritor conquista um leitor quando Ihe transmite a f0rc;:a visionaria da leitura. Quando o ajuda a combater a cegueira exis tencial com que todos nascemos, e com a qual as vezes morre mos. 0 escritor conquista um leitor quando lhe abre os olbos fe e ser transformado por essa. v1sao. 0 le1•tor quer ser d espe·rtado de c h ados pelo sono, ou quando acende a luz, ou quando abre uma um estado anestesico que o impede de sent.rr-se v·ivo, de ver-se janela, ou uma passagem secreta, ou quando orienta o olhar do instalado no mundo, amando, pensando, sofren do, aprendendo. Ie i to r para uma paisagem ou para o ml!lndo <las ideias, Ol!l quan Ver-se intelectualmente vivo, espir it ualmente v·ivo. ver. Quer ver-se. O leitor quer do Ih e mostra, por uma fresta, o que acontece no outro comodo da casa, ou, pela persiana, o que aconte,e no 01:1tro Iad0 da rua! 0 meu leitorado existe na medida em que eu ctio Ul[l espa Da parte do escritor, como podera fazer o le1. tor ver, fazer 0 c;:o de visao para ele, um Iugar cheio de real,icJades, de persona leitor sentir e sentir-se? A resposta e uma s6: com o texto. corna com. b1nay-ao <las palavras. Com soluc;:o e s verbaJ.•S que po ssa .rdn trad-e- gens, de argumentos, um espac;:o vivo entre minha subjetiwdade ea dos leitores, um locus em que fl.OS irma11a m0s. Esse lugar em zer um pouco de luz para o nosso caos. Carlos Drummon nAdrade tern um poema em que ele aparece na sala, no 22 ·t@' s i mesmo e in visive l, mas nao irreal. Jamais sera Iocalizado mas e 23 a ar te da palavra , d •s concreto entre um leitore umescr itor. E nesse que 0 ba e n1a1 . . · ali" que todos os"aq uis"se veem. Ea ,h p or exe m p lo, d1ante da ( quern de fato e . O u quern de fato q u e r ser . Ness e momento , l e i 0 0 tor escolhe o seu escritor. E escolhe-se como p ess oa . Mais do qu.e a s informac;:oe s que receba, mai s do q ue a a l e g r i a o u o s o f r i m e n t o que sinta , mai s do que a s a b ed o r i a q u e o p r ve n t u r a absorva , 0 leito q r uer ver-se espelhado no p a p e l qu ee t rn diante dos olhos. Eo que deve estar nesse pape l , n esses p e lho? 0 que deve aparecer nas e nt re linha s d e um texto sao justa- mente os olhos do escritor. O s o l h o s do es c r ito r e m b u s c a d o s ol ho s do se u l e i t o r . 24 )leitura de um rexto de Chesterton, que Borges,eu e o pr6prio Chesterton nos sentimos vivos, unidose, noso l ham os facea face. Ao ler, leitor deve descobrir em quede fa to acr e d ita e ver 2 Escrever e transbordar ...- ncontrei essa frase 11um texto clo historiador Paul Johnson: o escritor e aquele qu.e transborda. 0 que lemos num texto e aguilo q11e estava no escritor e, por excesso, veio ate n6s. 0 pr6prio Paul Johnson, ex;plicando por que escreveu o li vro 1' he Quest for God: A Personal Pilgrimage (Em busca de Deus: unia peregrina iio pessoal), dizia, numa entrevista que, em seus es tudos sobre o home111 contempor neo, se sti1rpr:eendeu ao ver co1110 Deus lL1tou bravamente patra sobreviver durante o sect.:tlo xx, 11L1m mu11.do qt1e perdia cada vez mais a fee a esperan a so bre1.a tur ais. Essa visao e essa surpvesa fizeram com que Johnson pensasse11a busca (e no recha o) de Deus como um tema que in teressassea tnuitas pessoas. Ele mesmo, perguntando aos amigos se acreditavam em Deus, rece@ia respostas evasivas, um ou outro « si,,m superficial,ou ouvia frases 'brincalhonas - "esta querendo sabe r demais> meu caro Watson., - , tudo, no fundo, para abafar, para disfar ar, segundo o at1tor, um dramatico "nao sei' duas pa• Javrinhas que se.ria rnais honesto e ao mesmo tempo mais terri vel pronunciar. Pequena frase que ele entreviu nas res-postas, e es- 27 tava ed ter.111inadoa a arte da pala'Vr a com que o5 seus leitores consegl!tiisse m UfaJzner d ns c ienc ia e de uma possfve1ue- esetever e iransbordar mente nosso. Adelia Prado costuma repetir: "Escrevo um livro para ver se me livro." Quan.do transbordamos, deixamos que se pronunc1.ar, co.1110 n ato e co ( se )varao jntelectual. na busca pessoal, uma pesqil!lisa no ' tornou w . ( P essoal trans L )p0 rqeuo te.111a torde cidiu escrever o tal livro. E o fez, bordante, o au " . . · ( 1 )do autor, para organ1zar Iilill!li1l.uas 111 as pa avras . . enfatiw agora co anra de que a sua le1tura aJudaisse D com a esper , ideias sobre eus, esm o com as suas ideias". va O liqu ido que traziam.os €ID nossa mem6ria, em nossa imagi nayao, em nossa inteligencia, em nosso corac;ao, lfquido que pode ser agua, sanguie, vinho ou ainda outros liquidos que Ilosso po der metaf6rico consiga inventar, ou a combinayao cleles todos. Quando nos perguntavamos qugm e o nosso leitor, deveria ( e )outras pessoas E5crever a fazeren1 o m b d . Mas s6 transborda o recipieDte ql!le transor a r. 1· . 0 mos ter pensado tambem ql!le o leitor, e sobretudo um certo lei tor contempoar n eo, e aquela pessoa que precisamos cenquistar ·a ta repleto e prepara-se para ultrapassar os rm1tes. pr0- em 30 segundos. Muitas instancias solicitam a aitenyao de todos. Jcesesso _. d e texot e necessariamente um processo <qu.e se Ha tex:to s, i ma gens e sons exigindo a nossa atenc;ao simultanea de cr1a ao baseia no excesso. CasO contrario' . teremos textos vaz.10s, Ol!l mente e o tempo inteiro. Os jornais, as revistas, a TV ( com seus ( A • )simplesmente rasos. Alguem que fosse escr.ever sobre @.bes1dacle e di.eta, por exemp1o, e nao tivesse nenhum t1.po. de. expeFiJ:.enc1a, nem como obeso neln como medico ou nutr1c1on:i.sta,.te,1na a oferecer um texto bastan te magro de informay6es, de sent1d0 e de utilidade. Para escrever,preciso estar preenchido. E a gota d'agua e aquela decisaode continuar pesquisando para que o artig@ ql!le vou publicar,o romance que vou escrever, o poema que vou ela borar mereyam ser escritos, lidos, relidos e recomendad@s. A exe1nplo dos poetas do passad o que recorriam as lililUSas e a inspirayao divina, e co mum ouvir alguns escritores dwerem que os seus textose obras nasceram sem eles perceberrem exaita mente o que estavam fazendo. Chegam a afirmar qiue maJ Feoo nhecem coma pr6prio aquilo que escreveram e que agora esta publicado ou foi por eles relido ap6s muit@s anos de gaveta. Con- 111uilct anais, com suas propagandas sedutoras etc.), as radios, a Internet, o telefon€ e o cel l!i.Ja r, urr,na verdadeira torrente de infor mac;o es , d ados e apelos inW1dando nossa mente. Por isso, quando o esoDit or transborda, deve ter em vista a qualidade e a intensidade desse transb>ordamento. Precisamos conquistar os melh.0res leitores atingind.o suas melhores ex:pecta t ivas.E assumindo tudo o que ha de dolouoso niss0, wna vez que nem sem pre essas expectativas sao... as melbores. ClariceLispec tor confessava sofrer com a faJta de atenyao de mu,it os l itores. So f ria ao pensar em alguem que lesse seus1ivros na base do"me to d o do vira-depressa-a-pagina dinamico". Clarice escrevia com amor, com dor e pesquisa inti.Ina, sofrendo em cada centimetlfo de su a sen5ibilidade a <slo;r de viver, e queria de volta, no minimo, atenc;a o a bsoluta. 0 transbordamento depe11de de tudo aquilo q1:1e o escritol' tu do, por mais que se ja real esta sensa ao, nem v o.,r 1sse i1invaJida ve,el, ot1ve, de tu.do aqt1ilo em que ele er>e de tudo aquilo que ele ten, :i. e ta m:be1n do que ele nem sabe que tem. G,uimaraes Rosa, a ied ia do transbordamento. .,.,;.,uc s at mente pelo fato de ser l!lm transbordamento ql!le, ao nwn a dessas luo r as em qt1e um escritor, obtem a maxima lucidez s 00r e seu 1:r abalho, disse que Gra1ide sertao: veredas era pmra me- secrever, nos11· vramos de n6s rnesmos e ccperd 28 ,em o s" 0 que era so,. 29 a arte da palavraescrever e transbordar tafi,sica cobe p_o-r um pouco o de capim- De fato, a forc;a desta _ . perto - de dentro e de fora de n6s - para escrever. ClariceL ispec roetafisica, na perce yao 1,agunc;a de q ue obra est.a oa pira aldo e quern fala. 0 livroe a vo z de Rio- tor, con, re rsan d o numa entrevista com .AJfo nso Romano de a vida e . eno RJ.ob , , . _mist · . a pessoa que, supomos, e o propno Sant'Anna, na decada de 70, notava bem que ha "'escritores que baldo contand°sua v1d.a a uro os , . difi s6 se poem a escrever quando tern um livro todo na cabe . Eu ( e )- Na le1rura, porem papeis se mo cam. Sa- nao. me se guin d o . Nao sei no que vai dar.E depois vou des Guimaraes Rosa. . b Id a , de Rio a o bemosquea,oz , . vinte-leitor agora Somos nos. ' de Guimaraes Rosa e que o ou- \Tou cobrindo o que e que eu queria,,_ ( ' )Quern transborda ao mesmo tempo transforn1a a s ua fomia pri.mitiva de se r. Ao tr ans borda r, o escritor se da conta, Iendo ( JStO. Ao )Sendo . d ' 01·do doideiras digo. Maso senhor e homem suas pr6prias palavras, de que ha nele muito mais do que cle . t fiel como papel, o senh or me ouve, pensa e sobrevmdo, s.ensa o, . , ( 1Z, en . . )repens a, e red. tao me ajud.a. Ass1m, e co m o con.to. Antes mesmo imaginara possuir. Perceb@ que tudo oque,,i, re u esta nele recornbin ado, esta nele existencialmente transformado em uma conto as · e formaram passado para mrm com ma1S per- coISas visao pessoal, em uma pessoal sensibilidade, visao e sensibilida ( qu _ . ), , 1h c_1ar Lhe falo do sertao. Do que nao se1.Um gran- ten . vou e 1c1J • , , • de sert-ao., Na-o sei·· Ninguem ainda nao sabe. So umas ranss1mas de que s6 se tornarao patentes no ato do transbordamento. Esse transbordamento e tudo o queo leitor espera de um es pessoas - e, so essas poucas veredas, veredazinhas. 0 que muito critor. 0 leitor quer essa re·velas;ao, mesmo que ficticia. A famosa lhe agradec;:o e a sua fi.neza de aten ao.1 Eis a pr6pria relayao entre escritor e leitor! 0 escritorocn ta as coisas que lhe pertence, coisas que, no entanto, sao como que ainda desconhecidas. De fato, e nesse tra nsbo rdamen to qu eo es critor se da conta <las hist6rias que ja conhecia, dos mundos q ue nele habitavam, das personagens, das graves intuic;oesso bre _ 0 universe. E o leitor se sente entusiasm ado, conquistado pe lo d si curso do escritor, por esse dizer nao dizendo, por essas vree dazi nhas que levam ao grande sertao, ao Ser. intui<;:ao de Fern an do Pessoa de que o poeta e um fingidor, e que finge a dor que sente de verdade, somente confirma que a 1inira empulha o no ato deescrever esta em nao escr-ever bem. Eque a verdade do texto, mesmo do texto mentiroso, esta em que o ato de escr,e, er corresponde ao que o escritor e.Talvez nao h aja nada tao dramatico (e do ponto de vista lingilistico e literario mais fas cinante) quanto um texto que verdadeiramente ex:pressa a falsi dade. Nao estou relativizando a etica. Estou e fo rt alece n do a este tica. Ex:p ress ar a verdade e o grande mandamento da lin guagem, digamos assim, mas interessava-me agora enfatizar a beleza do Ao t ransbordar, ao escrever, o escritor descobre assu as ver- transbordam en to. Ao escrever, o pr6prio escritor se surpreende dades, os seus lemas (e dilemas), os seus anse1· 0s.E , 5o b re tud,0 com a quantidade de residues intelectuais, de entulhos oniricos, suas respostas pessoa1.s a esse cham ado que vemd e 1onge ou de . pag. 79. de estranhos equivocos que compoem a sua alma. Expurga-los no papel e o u t r a fo r m a de d a r se n t i do ao ato d e escreve r. lesrno que esse papel deva seguir o caminho da lixeira. I Grande Sertiio: veredas. 1¥ ed., Rio de Janeiro, Jose Olympio, 31 30 esctt\'V i tn:nsbord.ar . ?ua- _. _ ,-mmras as ha dentro de "'i- -::: ;"C.::-.T--0,.j.- _ -cilos cie n&, quantos pensamen- ;:.,ii., q..;zr- r ,- ... - eJ.::&.OS c:::. JW:'. -- ,.;n1-los, maquia,·elicos e mani- ---- ,: rio5, -;-;Joese m . _ cc.. u.:.-<!! - -- • - e idiotas.0 escntor nao deve ca- • • • _ - 1 .,. z;., ge01 05 •C'J,f:'C>,.[iff0_1. 5 ,::: . esciror e um dil, tr..-1· 0 em poten. a.al be·-- em, SL 10CO grzncne:n-ando fortalhao, ostentando 11m senhor nauoe14 [Lu no , , . . . bigode. ,,_1. d ,. desi e para nos entregoua, fragile lilSatls- UJwZ enLro , . . , E - u "' n..· fe1t2 ;,12'1ame vv.--1• nao so isso. Em cartaa um amigoo, au- " ao descrever a cena de seducao de Emma por tor re-:eJou qU..., ' P..odoJphe, sentira-se os dois amantes ao rnesmotem p o, as folhas amarelas que pisavam, os cavalos que usavam, as palavras que di- ziam, o sol que os aquecia. Guimaraes Rosa, paci.fico observador do mundo,so r r si o audavel, tinha dentro de si um diab6lico Treciziano, " um desfe em seu corpo, em seus gestos,em suas roai,as, na mobilia do seu liz", que tentou atacar Riobaldo a traic;:ao, e foi por este morto com umterr f ve] golpe de faca. 0 golpe de faca tambem estava dt-ntro de Rosa, diplomata cordato. Or gi enesLessa - e estou pensando naquele simples mas sig- n i ficat i vo O feijao e o sonho,tit ulo acertadissimo, inesquecive-l erar& jmu ]tanearnent e,a Rosinha realista, nervosa, raivosa, que se queixava de terco]ocado«esses porcarias no mundo", os filhose, escr.1, tor1. 0etc. 0 escritor precisa beber muito, ficar b badode realidade, de pesquisa con tinua. Seus (:)lhos devem estar abertos, seus ouvidos atentos, seus sentidos em estadode alerta, sell c0ra ao receptivo, sua imagina ao preparada, 11ao para a evasao mas para a con1bi na ao inteligente de elementos d.esconexos. St1a mem6ria deve ser viva, intensa, corajosa. Nossa leitl!lr a preferida deve ser esta: observar o genero ht1n1an0. Observar e absorver a ess ncia hu o poeta Campos Lara, apaixonado pela poesia, sentiment,al inge nuo, orgul hoso... Escrever e t ranscender-se. Transcender-se e aproximar-se mana. Quando observ0 os ot1tros, come o a entender-rne um pouco melhor. E possivel observar o ser hun1ano o dia iRteiro, en:i seu habi <lu1> oulros, co1n un icar-lhessenti1n.entos, i11quietac;:oes, pemr an_ e tat natt1ral. Um bon Iugar para observar o ser hu1nanoe ve- lo na c<.!r nos ou tros atraves da palavra, perpetuar-se nos outros. Ser rtia, no on ibus, no shopping, n' o 1netro. Costumo c,onetm p al r outros St.:1n deixar de ser si 1nesmo. Graciliano ltan10s, q u.e escolhia os seus parcos adjeti'vos corn t xtreni o cuidaclo> descrevia esse fe116meno«. O s esc r i to res"- es crcveu nun, clos seus a rtigo s - "sao as criaturas mais pacatas do p essoas, perso11 agens, hist6rias implicitas, prt): blemas, dialogos, enqua11to avalio seus passos, analiso seus oJhares, epsq u iso seu comportamen to . Outro dia vi u,n1a1no a chorando, d si c re ta, dent ro de t1m vagao do metre>. n1u11do· O sL1 e·J t·1 o que s, el 1ab1• tt1a a compor l1. vros coinp-o e iv r os 33 ( _ e nao pass.'1 dai. Dian te do p , 1pe.l t tudo pint.l O stt t\ mat.i, es • fola. Tirem-lhe a pena e o tinte.iro - desur mam no. " Perfeito . 0 escri t . or . diante d o pa n r · e ] • e t 1 ,, t o • c , -.,., " t u d o e · o que transborda. Esse tudo e o qu e de v en1osfon1entar e m nos . T a.fi:rma¢.i o p , , o o c a i m e dia t an1 e 1 1 t e a pergunta 16gicll: como ton1entar em nos esse t ransbordamento ? E uma res p ost a p rat ic a e: pesquisando, observando. anotan do , lendo. A imagen1 do 1nund o como um in1enso livro a ser fo lheado e um lugar-cornum qu e podemos exp lorar. Lero mundo. ler as coisas, ler as pessoas. 0 escritor Ri cardo Azevedo, nlun p<,le ma, demonstrou que a ar t e de ler e muito mais va s ta qlte a leitu ra dos livros. Podemos ler comida, cac horro e nuven s. Podemos ler as pessoas, sa ber quern sao, de c ifrando o " texto " qt1e trazcn1 ) 32 aarte da palav1·a ( . . . )de deser1vov1 er a capacidade de observar os gets os escrever e transbordar trabalho algumas fl.ore s ex6ticas. Temos aqui um botanico frsu Ten10s ala,rras solt as, os discretos s1na1s e11v1ados pela re- trado? E que flores serao elas, exatamente? Tulipas? Orquide?as hun1a11051asP trail s bo r dar em palavras. 0 escritor p-re . d Qbservar, para . alida e. vras ue estao no n1undo, pron unc1adas por to- Quern escreve precisa ter muitos livros, sem duvida. E 6ti a.sa ouvir as pal qcu t an1os no cot.I'd'1ano, nwna conversaen- mo, por exemplo, colecionar dicionarios da nossae de outraslin alavrasque es dos. As P uma fala entre dois personagens de um fil- guas, pesquisar a etimologia de certas palavras. A linguagem nos ( 01 5 )d tre · estranhos, n al sao um born tex:to. Todas as palavras. E ate os reserva muitas surpresas.A palavra "defuntCi>': por exemplo, apa rentemente tao antipatica, guarda uma bela defini ao, a ser res m e essas p avars . d . . . '. aalvr oes, dos quais Nelson Ro r1gues d1z1a serem mais sonoros P tan 1 bem filhos de Deus. ( 1 or e )0 escr• t s ta' no restaurante, e observa um homem tratan- do mal o gar om• Tern ali um possivel personagem que tratara a e sposa com violencia. 0 escritor vira urna esquina e ve um homem enorm, e caoe- suscitada.Defunto e aqueleque ,cumpriu asua funs:ao,a sua mis sao. Para mim, o que havia de tenebrosono defunto desapareceu, depois que vi nele o heroismo de quern chegou ao fim da vida porque fez tudo o que estava ao seu alcance. Outra palavra da qual eu mantinha distanciaganhou certa beleza quando descobri sua origem. Obito, para mim, era a tipi 1os revolt.os, anaslai ndo com carinho um canivete. Que pensa- ca palavra a ser pronunciada em contadas ocasioes, ate que sou mentos assassinos circulam dentro dele? o escritor conversa com o reitor de uma universi da de ea, certa altura, ouve a frase«: Este curso e o no sso c arrof-o r.te ".. Nern carro-chefe nem prato forte. Ato falho, metafora inusita- da... 0 escritor conversa com um vestibulando que, emp o lg a do, , ul II solta a perola: "Estou lutando para atingir os meus obstac os... be, pelo dicionario de latirn, que o verbo da qual ela procede e obire, uma conjuns;ao entre 0b e ire, isto e, ir na frente, e pensei que todas as pessoas que me precederam nessa ultima viagem apenas me aguardam para urna boa receps:ao. Em suma, temos de folhear os dicionarios e, retomando, so bretudo o grande dicionario do dia-a-dia, com seus surpreen dentes verbetes. Nao faz muito tempo, estavaeu numa lanchonete. Ali tam 0 escr1. tor, na fila do banco, ouve a,trasd e s1· uma pessoa com · ·t alem da voz rouca. Estara apenas no fmal de uma gripe ou gria , . c ro a voz ro-u conta... ou e um fumante mveterado? 0 que 1azer co bem, um casal de c::erta idade. Marido e mulher que pareciam namoradGs a<dolescentes. Entrevi naquele senhor um homem criativo, qlle passou a vida toda paql:lerando a sua esposa, con ca? Guarda-la (grava-la) para algum texto, e cl ar.o la 0 escritor vai visitar uma pessoa. E percebe que ha naq es quistando-a dia a dia. Nao resisti a tent as:ao e me aproximei de les, sob o pretexto de tomar um cafe. E entao pude ouvir um casa duas cadeiras de balanc;:o. E imagina o balanc;0: d s cadetra, a _ pouco daql!l.ela conversa que talvez se perdese nos desvaos do . 1 · do passa o que pode haver de simbolismo nelas, o s1mbo ismo. d ba.. tempG. Dizia o homem a mulher: "Minha querida, eu nao sou do, ou da reflex-ao r1. tmada. Guardemos essasd uas c ade1rase egocentrico. Eu sou vocentrico!" laH o no porao da alma. Serao uteis qualquer dia e<lss es. esade Esse neologismo veio preencher-me e me faz transbordar 0 escr1· torva1· ao escr,1. tor.10 de um am·igo. ve" sob rea rn 35 34 a ar te da palavar escrever e transbordar • • Ja les t ras e aulas que 1n1n1stro, neste escrevo, em gostando de t.udo aq·uil0,. dos gritos, da perversa aI egr•1a, estava se en artigos que , t. f e . 1, 1 Ser voce,n, •oc siniplesn1e1t1e gen1, a e algo que senti11d o real1zado, e. f.o1 procurar Augmsto BoaI , o d '1retor Jivro que escre.vo , . rao e111teses de doutorame11to, e da pes;a, para lhe tr ansm1t1r sua preocupar o _ seri · l , ,io Jiterar10, n1enT . . . . . " r- a e e um tortura- 0 1 erecepren . ,,d n1e apareceu na " ag1na e unJ a 5 j11p1les lancl1onete. Temos de dor 11ato? Boal o tranqu1l1zo11: 1:. c l aro que voccA ;c.. um tor tur ador P l acn h onetes,e 1 ao nos limitarmos a0 aprender a ]er meU1or essa5 11ato! Tod os n 6s po d en10s ser tud0 o que qu.isermos.,A n.os sa cul- d , · conven. c1onal·' pa nao esta en1poder ser... mas em escolher O que J·ama•1sd everi- car apio t depe n de de preenchin1ento. 0 preenchi- Tr ansbordan1en o , c 1 observacao do que ha fora de nos. E do que amos ser!" Li ot1tro dia o p0ema de lilm poeta menos h d' ( o e )rn ento quese taz pea , . . . d 6s autoconhecunento essa le1tur a silen- ja estava dentro e 11 · . . b· bJ . t s q ue eX1ste n1e1n nossas entran has, em nos- crosa nas I io eca . . con ec1 o, Cid Vale Ferreira: sas moradas, em onss os refolhos. Refolhos... palavra ant1gaque Quermesse me sugere1·ssoin es i n, o foll1as e n1ais folhas ocultas, d e uma enci- clopediaq u esou e u mesmo,de un1dai rio quesou eu, deu ma co- letanea de cr6nicasque sou eu. Que sou eu mesm o e que nao sou eu apenas! Disse Bernard Berenson, historiad or e critico de arte:"Uma vi da completa talvez seja aquela que termina nu.ma tal iden.tifica yao com o nao-eu que nao resta mais um eu que possa m0r rer." Excluindo as interpretac;6es n1isticas, deduzo apenas que wna vida pessoal integra, profunda, esta, pelo menos num primeiro memento, em que n6s mesmos descubramos que toda pessoa e Sou um para cada um. 0 que sou, sou de acordo eom quem me assiste. Estando s6, que niio me vejam. Se me virem, que eu niio perceba, . pois que no escuro, sozinho, sou legiao... (( Somos isso: legiao. Uma ql!lantidade (nao infinita porem) uma legiao. Ha dentro de nos muitissimos personagens. Persona de pessoas ", d e " almas» , de« persoDageas» > que gostariam de to- gens que desejamvir a tona para encenar seus papeis. Um nw:ne ro de personagens que tor11a infuno o "espa<;:o " de uma unica existencia.. Mais personagens do que um unico e fragil corpo podesupor tar,como dizia Murilo Mendes: " Deram-me um cro po, s6 um! I Para suportar calado / Tantas almas desunidas I Que esbarram umas nas outras." A prop6sito, conta-se que, certa vez, um jovem ator detea t r o e5tava preocupado. Ele int erpr etava o p ap el de um tortura do r. E O fato e que estava interpretando muito bem, estava ate 36 mar a frente, de assumir o nosso rosto. E que, no plano da arte, no plano ficcional, enc0Ir1t ra m sua manifesta ao mais recomen dav el, superando as possiveis duplicidades (e as multiplicidades) num outro plano, o da conviveacia. V ale a peNa mencionar e estudar os aspectos terapeuticos do fazer lit,erar1·0, u...•1l.IDemsao p0uco representativa do ponto de vista 5c6 io -culrural, mas nem p0r isso menos decisiva. Porque, de fato, um dos efeitos liiterarios mais interessantes que ha e justamente essa elabo rayao do ml!l11do interior, de conflitos, de duvidas, de 37 'I . dfJ fntirno q11(·1, ,d,,·,< i1r rt g '.!J n<111, <: do ( c ) ( i cloi, , n11111 • , ) C4<.Tt'VC'T t tran oordar <,11 11 11h o li III 111<., "(, ,t, d· ,rm <1' , <>i.,. 1 r1m c1r,r1< P?t'. >'> rium , "''·'' /Olllrlll"':,;:n:b;l,'C 1a ;,11 , i-n•< f111,1 I • ( 1 • )fr ,il1iilb1J di,· )I , I i 1 11 4 (l ,J rlt ll f a r,1r,•, ,u,rc,,,., , da C.'>Cri- ,,N, , ( ' 1/ 11111110 tcn1P" u1,<c r-.,nrf1 dt· Ag,1(l1a , • na arte ( ) , J a ) ( ( .., hrJ«. t1 c: ). 11ic 1· I' I 1rl( '>, t 111-n 1 lJJ 11• ' • , ... Ji 1a,i c.1- .i t<·J c-xpcri111c11tad,, na <:'>crita ( n 1 ) ( 1 1 1, ) ( ., ., )i r<J C'•' p, 1,11 1 , do ro, m <c: ui c fl rria tividaclc mu1ta1.,vc 1 ,c i, funcic:>- ( c )11 forrr1,1 de t -1Ji pfr1 , • uJt' ' cl, ,, urn t1 .,0 ) u\ a<> para ,cc nfl tt<-,i, 1ntcrno (e no l! CJ ll IH I V I, J (.(JIT ) . • q uci n lcr J , t big, rafia dc1,c,,br1r{I c1 ue na<J f<>r am P<>ucos ( 1 ) •,u<1 all ' ' • · ( ) )l ir,ct -vc r ro,r1a11ccf, crn c1uc C> c r ime c um a e<,ns- nc111 pcq ut n<>h · " . tantc · , · p ara e l ::i um rnnd<> de afat>Lar o rncdc> ata, ( 1 1 )( l l/ l tl U ll ' ' • v crJ da ,no, le c un,a, t.,...it •'"Liv' a' de organi'l,ar o mund,, 1n1,c.:gu,r(> w 11cr eta• ,ncnlc, <J 1,1c.uc. ol xx ic ue c1 a uto ra vivcu qua!,e cm !>Ua t oat lidade (n: r,1.tu c ,n1 92 0) c nao Lern c quali fic ar corno umd <J!p) cr oi dos para o altar, dirige-lhe a paJavra: n Hi i dc lr 11t ivo.', <la hi\ t6ria h um ana. " Prc,c uro,cc,m ,neus livro.s, - 0... seu Padre! Di curpa eu £ala assjm com o sinh6... Eu dc i 11f1ta: r o ho rror quc t.in t<J da 1nc,rtc" - fra.<>c guc cnci 1a lvri cco110 111i7,e... ) horab c.:,hc ras de a L1t o-anitl isc. <0: 1110 1-,c1ber !:le eu sou urn cscritor tran5b vrdantc? densa (e sou s6 um vaquero, num tenho estudo como o sinbo... mas, la na fazenda onde eu trabaio, quando s6 tern uma vaca pra cuida a gente, mermo assim d.a comida pra ela, seu Padre! Urn consclho bcm ca'lciro para quc1n nao c1ue r cng<Jdrare 1-cmprc sair das rcf<.:i <><.:S co r11 urn pouco de fome. Pesno nisso quand o te1 110 dcfini r un1a boa leiLura. Embora nao seja ac, m< p a rn ao n1ai!i adcquacla, o qu e quc.:ro fisgar na imagem d r e fe i 0 a ud avel c c1>1ia sen1ia ao de fome discreta,de fome que epr m ane· cc. U1nr.1 boa lcitura nao c1n pa1L1urra o le jtor. Nao acabacom a :iua curiosidade. Nao esgota a sua capacid.ad e de continaur pe n· sando, scntin do, lcndo. Ira uma hist6ria que sempri! conto em palestrsa qua do Chocado, o sacerdote se arrepende: · Meu filho, per do e- m el Fo i o Espir ito Santo mesrno que fa lou usando a s-ens i bilidade de sua alma rude! Voce tem razao! Voce esta sozinho, mas voce tambem precisa ser aliment.a.do com a palavra de Deus. E, mesmo sendo um s6, representa toda a hu ma11idade! B o sermao come a. Um Jongo e erudito sermao de dei:xar Agostinho, Vieira e Boss uet no chinelo. Duas horas de sermao, conc1uidas com o agradecimento do padre: · Obrigado, meu fiJho, porque se nao fossevoce este serma o prcc.i·t.o ,raI ar do ciuc u111 escritc)r precisa oferecer aoesu PubliCO· n.ao teria glorificado a Deus. A h ·is l(:>r1·a sc passa em meados do sec-ulo passado' nu•lll - 0 ...se u Padre! Discurpa eu fala de novo...eu so us6 um va -ct 11 1°, • · · strofiC3i quero ignorante... mas, la na fazenda onde eu trabaio, quando s6 ( . nd e c osta s pr1ra o povo e de fr ) ( a u m a c . i da d .e d() i n t e , , ri r er n que $() de ve-, , e m quando ap.arc cat, amcn t<J ,,t,. r iegando num dr,mingo de manh.a para cde b r a r , <J padre t r az. prcp-arad,J um <--xceJe-nte 'K"rmao wf>re O Es c i a m f> - a c c r d r > t e para b a tiz a r cria n ,, c,uvi r wnf i , ofaciar pJri t< .> S anto, cuja fcsta e<>mem,Jra naquele dia. No momen trJ d e dii e - J,> , p0re-m, vc> Jtando - para c, pubJ ic.o, descobre que ha apenai, , uma pef>soa ai i a 5 < . is t in d < J a m i a wlene . Utsc o oce r tado, a rgu rnenta: - Meu fiJh(>, eu tinha prep a r a do um mac, para eM.a miMa t a o important e , .. ma. $ c.om o s 6 est. a voce: aqui , vamos pular essa parte, de m0do que a mi ssa se ra ma is c urt.a e poderei cuidar de outro& afa ze r es. 0 uni co fie), no entant6, ant e5 de o padre voltar-se out r a vez )1 , e n quc a 1n1sga era celebrada t:m Jati,11 e o mini. ente para o altar. Um Pad"- ( 38 )- - - - - - - -- - - - -------- 39 escrever e tran sb o r dar rem ull1a \·aca pra cuidJ a gente nao da toda a comida pra ela p rerrogativas de Jupiter; nao experimen tar o tormento de Ham let_ renunciar ou si1np lesment€ desconhecer esses autorese cor na_o, ,,.u.i . - e escre•"er et ransbordar. Mas nem por isso r er o risco do vazio cultural. 0 que sign_illca qu noSSO dilu\rio... o leitor corno ( cons1s )d ·emos afogar .t portanto, em transbordar name- e\ ever e, . ( 1 )A arte de escr •ror continue querendo ma.is, mes- odo que o e1 Felizmente, ha centenas de caminhos culturais, e um genio pode morrer sem ter 1ido uma linha sequer dosgrandes escrito res. Mas e igualrnente verdade que nao ter lido uma linha sequre djda certa, dem 'd el i tura. Satisfazer sem empanturrar e a de alguns gra11des escritores pode ate matar uma possivlegenia 1.5 de condu1 a a . . . mo dePo · da .dd de uma iguar1a. 0 le tte r deve termmar lidade... mais apreaa quah ae . urna carta, com a certeza de que tudo . ou um livro, ou um Naquilo que escrevemos surge o nivel do nosso preenchi artigo, foi dito e que, ao mesrn0 tempo, muito ainda podera ser dito. O . - mento, da nossa profundidade, da nossa capacidade de matar a ( d )t ansbordo u mu1to, mas nao se esgotou. critor rransbor ou,r , . sede do mundo. 0 texto e a confissao do nosso grau de maturi es Lim . cisa Jer e agora me refuo a le1tura em seu escntor pre ' dade. Na medida em que assimilei tudo o que vi e vivi, escrever e . • .I livr o s ]er textos, ler bons textos, ler, ler e ler. sent1do estnto. er ' . _ . . ( O )._ b nenhurn born escr1tor que na o seJa um le1tor Nao con e abrir as comportas. Confidenciar-me em publico. 0 11, co mo di zia o poeta Mario Quin tana, numa entrevista:" Eu nunca escrevi a.vi•d0 . Clar1·ce1 ·1ps ector cornentava que comes;o u len. do tudo, uma virgula que nao fosse confessional." m· tsturand o tudo, romances agua-com-aqucar e Dosto1evsky, es- 0 escritor-ilustrador Leo Lio nni produziu um livro cha colhendo 05 livros pelos titulos sem conhecer os autores. Len do, por exemplo (e Jevando um choq ue), aos 13 an s de idade ore vo luc ion ario Herman Hesse, porque o titul o do livro era en1gma tico: o Lobo da Estepe. Lendo, aos 15 anos, um livro deK ahter i ne Mansfield, o que lhe permitiu , dessa vez, a d. escob erta ,m,,ais chocante - "Emocionada, eu pensava: mas esse 11vro sou eu. Para transbordar, devo observa r e absorver, ler e refle,tir re- ceber e assimilar. Nao e precise ser um Dostoievsky, um Esquilo, um Shakes peare para deixar no mundo algum registro escrito de verdades existenciais,verdadesque pertencern ao pat rim on io hu.maon, so bre o amor, a morte,o medo, o destino, a dor, a alegria. Mas, por mado Frederico, a hist6ria de um rato-do-campo que, vivendo com a sua familia, nao parece muito interessado em armazenar alimentos para o inverno que se aproxima. Mas ele trabalha, sim, colhendo cores, raios de sol, palavras, que serao uteis no memento em que o estoque de comida terminar. Frederico e o poeta, e aquele que escolhe (que colhe) o que o seu corac;:ao pede para, mais tarde, preencher os c@rac;:oes vazios dos seus lei tores. A sinceridade total, a capacidade de trans,mitir o que e es sencial esta na raiz do transbordamento. Ha pessoas que sabem muito, que leram muito, que observaram muito, masque nada escrevem. Ainda precisam de algo mais, daquele empurrao que, outro Iado, nao ter o menor contato com os personagens awr- . vindo de fora, por for a de algum estimulo externo, ou vindo de dentro, grac;:as a uma tomada de decisao, faz o conteudo tornar mentados e contr adit6rios de Dostoievsky'· nao ouvir Es.quialos contar como Promeet u foi castigado para aprender a respeitar se patente num texto. 41 40 a arte da palarva I . nento e Iaten.te o transbordamento e patente. o escrever e transbordar A atitocri tica e p rocl utiva q1J1ando mantemos diantedos o preencu1 · fi . - . nto e O que 01 colhido, as anota oes, o armaze.na olhos, dentro da cabec;:a e no fundo do corac;:ao um piano de preenchine1 nsbordan1en ,nento. 0 to e O resultado, e o
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