Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
TRATAMENTO PSICOFARMACOLÓGICO NO TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS TRAUMÁTICO (TEPT): Fragmento de Ensaio RAYANE RAIOL DE SOUZA A quantidade de sistemas neurobiológicos que podem ser afetados pelo Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é tão grande e diversa que não existe um tratamento psicofarmacológico unificado. Ao longo do último século, toda sorte de substâncias e práticas foram usadas no controle de sintomas que atualmente caracterizam o TEPT, tais como ópio, barbitúricos, insulina, psicoestimulantes, eletroconvulsoterapia, entre outros. Graças ao desenvolvimento extremo da tecnologia nos últimos anos, as ciências da saúde puderam se beneficiar, através de exames de imagem altamente desenvolvidos, de evidências de mudanças na neurobiologia cerebral decorridos de traumas intensos, o que forneceu pontos de partida para que um tratamento mais eficaz a nível farmacológico pudesse ser criado. Infelizmente, não existem muitos ensaios clínicos controlados feitos nesta área. No entanto, os poucos ensaios clínicos controlados que foram feitos e os ensaios abertos (em maior número) permitiram algumas conclusões que serão abordadas nesta seção. Antes destas conclusões é importante afirmar que o tratamento psicofarmacológico não é aplicado ao portador de TEPT por portá-lo, mas é aplicado aos sintomas específicos que se deseja tratar. Isso garante uma imensa variabilidade nos psicofármacos usados, visto que nem todos os indivíduos diagnosticados com o transtorno apresentarão os mesmos sintomas, ou em mesmo grau. Existem duas classes de sintomas alvo respondentes ao tratamento por medicação, os sintomas nucleares e os sintomas secundários. Os sintomas nucleares são aqueles que caracterizam o transtorno, no caso, reexperimentação intrusiva do trauma, esquiva de estímulos eliciadores de reexperimentação e ansiedade generalizada e hiperexcitação. Já os sintomas secundários são aqueles mais relacionados ao estilo de vida de quem convive com o transtorno, uma espécie de consequência dos sintomas nucleares, podendo englobar disfunção ocupacional, vocacional e social e diversas comorbidades como depressão, abuso de álcool e entorpecentes. Um fato relevante de ser mencionado é o de que a grande maioria dos indivíduos que sofrem com o TEPT possuem comorbidades, o que faz com que o tratamento do TEPT possa influenciar a outra patologia positiva ou negativamente, da mesma forma que os sintomas deste transtorno podem ser aliviados ou intensificados a depender do que se usa para tratar a outra patologia. Além disso, a maioria dos estudos que foram realizados a fim de testar fármacos para o tratamento do TEPT foram realizados com homens civis e veteranos de guerra. Através destes estudos, foi possível concluir que as medicações utilizadas tiveram maior efeito na redução dos sintomas dos civis, sendo o caso dos veteranos mais difícil de tratar, portanto. Outra informação importante é que as mulheres são estatisticamente mais acometidas pelo TEPT do que homens - e os estudos realizados nos testes de medicação possuíram um número muito maior de participantes homens do que mulheres, o que pode indicar que os resultados obtidos em testes talvez não reflitam a realidade das populações. Outro fator de forte relevância é o de que os estudos que foram realizados, o foram somente nos EUA, em alguns países europeus e em Israel, fornecendo assim informações muito particulares destas populações estudadas e não permitindo uma visão geral do tratamento. Com estas informações consideradas, podemos perceber que este transtorno é um transtorno que envolve muitos fatores e abre enormes janelas nas possibilidades de tratamento. De acordo com as pesquisas já realizadas, os antidepressivos tricíclicos desipramina, imipramina e amitriptilina foram testados em pacientes diagnosticados com transtorno de estresse pós-traumático crônico. Estes medicamentos foram eficazes em um certo nível, porém muito menos eficazes do que os ISRS (Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina) fluoxetina, sertralina, paroxetina e fluvoxamina, mostrando que de forma geral, os antidepressivos tricíclicos agem no sintoma no ato, mas deixam sintomas residuais, enquanto os ISRS provocam mudanças mais eficazes a longo prazo. Assim, os antidepressivos com atividade serotoninérgica provam-se mais aplicáveis do que aqueles com ação noradrenérgica. A nefazodona foi uma das substâncias que obteve os melhores resultados, visto que seus efeitos a curto prazo se mantêm no tratamento de manutenção. A fenelzina, da classe dos inibidores da monoaminoxidase, apresentou resultados negativos mesmo apesar de grande expectativa de eficácia devido a seus efeitos em outros transtornos de ansiedade, não havendo praticamente diferença entre o grupo que experimentou a droga ativa e o grupo que recebeu placebo. Entre os ansiolíticos, os benzodiazepínicos apresentam certa redução da ansiedade (sintoma secundário), mas não mostram efeitos em relação aos sintomas nucleares, e mesmo sendo comuns nos transtornos de ansiedade, podem ser contraproducentes no tratamento do TEPT caso o sujeito acometido apresente baixo nível de controle de impulsos. A buspirona chegou a mostrar eficácia, mas seu uso em estudos abertos esteve sempre associado ao uso de outros psicotrópicos. Os estabilizadores de humor (lítio, carbamazepina, ácido valproico e lamotrigina) se provaram bastante eficazes em indivíduos que acabam sendo acometidos por crises de ira, irritabilidade, agressividade e comportamento desorganizado, tendo a lamotrigina se mostrado uma droga especialmente promissora neste transtorno. Os neurolépticos não são usados como forma de tratamento específica no caso do TEPT, mas relatos de usos de alguns mostram benefícios do seu uso no controle de sintomas específicos, com destaque para o uso de quetiapina e risperidona. REFERÊNCIAS BERNIK, Márcio Antonini; NETO, Marcionilo Gomes Laranjeiras; CORREGIARI, Fabio Moraes. Tratamento farmacológico do transtorno de estresse pós-traumático. São Paulo: USP, 2003. GRAEFF, Frederico Guilherme. Bases biológicas do transtorno de estresse pós-traumático. Ribeirão Preto: USP, 2003.
Compartilhar