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FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO Professor Me. Gilson da Costa Aguiar Professor Me. Rodrigo Pedro Casteleira GRADUAÇÃO Unicesumar C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; AGUIAR, Gilson da Costa; CASTELEIRA, Rodrigo Pedro. Fundamentos Históricos e Filosóicos da Educação. Gilson da Costa Aguiar; Rodrigo Pedro Casteleira. Maringá-Pr.: UniCesumar, 2017. Reimpresso em 2019. 240 p. “Graduação - EaD”. 1. História. 2. Filosoia. 3. Educação. 4. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-0587-5 CDD - 22 ed. 370 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Diretoria Executiva Chrystiano Minco� James Prestes Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Débora Leite Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho Head de Curadoria e Inovação Jorge Luiz Vargas Prudencio de Barros Pires Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Gerência de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira Gerência de Curadoria Giovana Costa Alfredo Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila Toledo Supervisão Operacional de Ensino Luiz Arthur Sanglard Coordenador de Conteúdo Priscilla Campiolo Manesco Paixão Designer Educacional Yasminn Talyta Tavares Zagonel Projeto Gráico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Arte Capa Arthur Cantareli Silva Ilustração Capa Bruno Pardinho Editoração Ana Carolina Martins Prado Qualidade Textual Talita Dias Tomé Ludiane Aparecida de Souza Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos com princípios éticos e proissionalismo, não so- mente para oferecer uma educação de qualidade, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão in- tegral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, proissional, emocional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educa- dores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a quali- dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando proissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos! Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou proissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu- nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desaios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con- tribuindo no processo educacional, complementando sua formação proissional, desenvolvendo competên- cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessá- rios para a sua formação pessoal e proissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cresci- mento e construção do conhecimento deve ser apenas geográica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das dis- cussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui- lidade e segurança sua trajetória acadêmica. A U T O R E S Professor Me. Gilson Costa de Aguiar Possui mestrado em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1999). Graduação em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/1991). Atualmente é professor titular do Centro Universitário de Maringá e do Ensino a Distância do UniCesumar. Atua nas áreas de Teoria das Ciências Sociais, Sociologia da Educação, Filosoia da Educação e História da Educação e possui livros publicados nas Áreas de Sociologia, Antropologia, Filosoia e História da Educação. Atua como jornalista na rede CBN de rádio e é âncora e colunista na CBN Maringá e Gazeta Maringá. http://lattes.cnpq.br/3020130108890878 Professor Me. Rodrigo Pedro Casteleira Possui mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2014). Graduação em Filosoia, pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2006). Atualmente é professor de Filosoia da Rede Pública Paranaense, lecionando, também, as disciplinas de Fundamentos Históricos e Filosóicos da Educação para os cursos de licenciatura pelo Centro Universitário de Maringá (UniCesumar). http://lattes.cnpq.br/2234110887343110 SEJA BEM-VINDO(A)! Saudações aluno(a), este trabalho é a realização de um objetivo e o começo de um de- saio. Feito para garantir, a quem está cursando uma licenciatura, um entendimento das origens do pensamento ocidental e, por consequência, de como está estruturada nossa forma de compreender a contemporaneidade. Este livro é fruto de uma insistência em compreender melhor o que somos para traçar um caminho para o desenvolvimento do pensamento ocidental e da educação no Brasil. É ainda um desaio quanto à função deste material qualiicar quem educa, as pessoas que terão em suas mãos a capacidade de preparar outras e lhes dar potencial para mu- dar seu destino. Desejamos que cada pessoa, ao lê-lo, se permita mergulhar no universo da curiosidade e pesquisa, a im de alcançar saberes e conhecimentos cada vez mais profundos. Na Unidade I, trabalharemos os pensadores clássicos. Colocaremos em questão as pri- meiras construções do pensamento ocidental com o homem grego. Resgataremos os pré-socráticos e seus dramas da existência - drama que ainda hoje rodeia nossas vidas. A partir da Unidade II, avançaremos para o pensamentomoderno e contemporâneo. A supremacia planetária da ilosoia ocidental: as conquistas econômicas e sociais da so- ciedade europeia se expressaram em sua compreensão do homem, na sua organização política e, em especial, na formação dos estados nacionais. Assim, esta unidade ainda contempla os grandes clássicos das ciências sociais: o positivismo de Comte, o estrutu- ralismo de Durkheim, o materialismo de Marx e a história cultural de Weber. Mais que isso, resgataremos os pensadores contemporâneos do existencialismo e os que resga- taram por meio da fenomenologia a crise do indivíduo contemporâneo. Pelo fato de o homem de hoje estar em crise, necessitamos analisar com profundidade os fatores que a determinaram. Esse é um dos temas centrais da discussão desta unidade. A Unidade III revelará o cenário brasileiro educacional desde a chegada dos jesuítas jun- to da comitiva de colonização até a retirada do sistema educacional das mãos religiosas. Nesta Unidade será possível perceber a lacuna deixada pelo Estado no âmbito educacio- nal até o período da República. Na Unidade IV, o período republicano não revelará um melhoramento no sistema edu- cacional, apesar da laicidade adquirida e da absorção das ciências vindas da Europa. Na prática, veremos que a educação icará voltada à formação de mão de obra trabalhado- ra. A Unidade V é uma espécie de provocação frente a algumas questões contemporâneas de discussão do corpo e da antropologia ilosóica. Ao se pensar no corpo e como fo- ram algumas de suas categorias pensadas na história e ilosoia, é possível romper com alguns paradigmas que o marcam como essencialidade inlexível, além de ser pensado como múltiplo, ao mesmo tempo passível de respeitabilidade. Procuraremos demonstrar o papel que o estado teve na ineiciência da educação pú- blica ao longo de boa parte da história brasileira. Mesmo quando assumiu o papel de APRESENTAÇÃO FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO propagar a educação, fez de forma quantitativa e não qualitativa. Mesmo hoje, os resultados da educação do país, comparados com a de outros países, preocupam. O desempenho dos nossos alunos do ensino público comparado com o privado também é um dilema. A história é um importante instrumento para orientar nossa análise sobre esses problemas. Esperamos que o objetivo seja atingido. Sempre haverá algo a ser refeito. Sempre teremos que repensar nossa forma de compreender o mundo, sempre descobrire- mos imperfeições. A imperfeição é nossa característica mais importante, e o repen- sar o nosso maior instrumento de superação - um trabalho que pedimos a ajuda dos nossos leitores. Não rogamos a plenitude, quando educar implica em reconhecer que se tem algo a aprender. Por isso, envie observações, faça e refaça também a sua versão sobre o conteúdo desta obra, ela é feita para você e deve ser revista a partir do momento em que você se relaciona com o conteúdo que está presente nela. “Um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio”, a frase de Heráclito nunca deve ser esquecida. Enquanto autores, pensamos que este trabalho é como um rio, não será visto por nós da mesma forma, assim como não seremos os mesmos após tê-lo produzido. Espero que você também se transforme ao entrar em contato com ele. Ele também irá mudar por tudo isto, com certeza. A mudança é uma necessida- de, se a ciência puder promover as bases para que ela ocorra sem perder o sentido que a vida tem para cada um de nós, preservando a convivência social e respeitan- do-a, este trabalho terá cumprido o seu papel. Desejamos a você um proveitoso estudo! Gilson de Costa Aguiar Rodrigo Pedro Casteleira APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 09 UNIDADE I A ORIGEM DA FILOSOFIA 15 Introdução 16 A Origem do Pensamento Filosóico: Dos Pré-Socráticos aos Clássicos Gregos 26 Além da Grécia: As Civilizações Que Herdaram O Pensamento Grego 35 O Pensamento Filosóico Medieval 45 O Nascimento do Islã 48 Cruzadas: a Palavra, a Espada e o Combate ao Califado 51 O Nascimento do Pensamento Ocidental Moderno 61 A Construção do Estado Nacional e a Ciência Política 69 O ‘Senhor’ do Pensamento Moderno 74 Do Racionalismo às Portas do Iluminismo 79 Considerações Finais UNIDADE II DO PENSAMENTO ILUMINISTA AO CONTEMPORÂNEO 91 Introdução 92 Iluminismo 101 Teorias do Mundo Contemporâneo 116 A Crise de Identidade Humana e as Teorias Contemporâneas 125 Considerações Finais SUMÁRIO 10 UNIDADE III A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: UMA AUSÊNCIA SENTIDA 137 Introdução 138 Os Primeiros Tempos 145 Educação Laica, o Abandono 151 Da Colônia ao Império 163 Considerações Finais UNIDADE IV DA VELHA REPÚBLICA À REPÚBLICA NOVA 175 Introdução 176 O Regime Republicano: Educação de saliva e papel 184 Eis Que Getúlio se Estabelece: O Modelo Imposto 191 O Regime Militar e a Educação Abaixo de Botas 198 Considerações Finais SUMÁRIO 11 UNIDADE V FILOSOFIA, MODERNIDADES E CORPOS 209 Introdução 210 O Chamado Período Moderno e algumas Interpretações 214 Algumas Questões para se Pensar a Filosoia Atual 216 A Filosoia da Linguagem 218 Corpos: Saberes que Atravessam as Fronteiras 230 Considerações Finais 238 CONCLUSÃO U N ID A D E I Professor Me. Gilson da Costa Aguiar Professor Me Rodrigo Pedro Casteleira A ORIGEM DA FILOSOFIA Objetivos de Aprendizagem ■ Entender os desdobramentos do pensamento ilosóico ocidental na Antiguidade, Grécia e Roma. ■ Compreender a importância dos pensadores clássicos gregos – Sócrates, Platão e Aristóteles – e seus princípios que se propagaram além da Grécia. ■ Estabelecer a relação entre o desenvolvimento de uma ilosoia clássica com as mudanças que o mundo sofreu na passagem da Antiguidade para a Idade Média. ■ Compreender o pensamento moderno, derivado da lógica medieval cristã e suas bases, para o racionalismo do Período Moderno. ■ Entender a racionalidade ocidental como elemento fundamental para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia que promoveram o desenvolvimento do Ocidente. ■ Relacionar o desenvolvimento da ciência política e do papel do poder na sociedade ocidental. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ A origem do pensamento ilosóico: dos pré-socrático aos clássicos gregos ■ Além da Grécia: as civilizações que herdaram o pensamento grego ■ O pensamento ilosóico medieval ■ O nascimento do Islã ■ Cruzadas: a palavra, a espada e o combate ao califado ■ O nascimento do pensamento ocidental moderno ■ A construção do estado nacional e a ciência política ■ O ‘senhor’ do pensamento moderno ■ Do racionalismo às portas do iluminismo INTRODUÇÃO Prezado(a) aluno(a), a importância da ilosoia como base para a compreensão do mundo, muitas vezes, é questionada. Sempre estamos à volta de que a relexão sobre o mundo que nos cerca é distante demais da realidade e de suas necessi- dades. Pode haver uma verdade nisso. Se há uma verdade, ela está relacionada à ignorância da necessidade de compreender o signiicado da vida humana, do que um educador não pode abrir mão, mas que infelizmente muitos abrem. Diante desta dúvida, procuramos apresentar em cinco unidades a trajetória do pensamento ocidental. Em relatos resumidos, com relacionamento constante com a contextualização histórica de cada pensador(a) e o contexto em que sua obra foi produzida, buscamos desenvolver um texto com os pontos fundamen- tais do histórico pessoal e os elementos fundamentais que sustentam sua teoria. Esta unidade parte do pensamento clássico grego, demonstrando as teses de Sócrates, Platão e Aristóteles como base do pensamento ilosóico ociden- tal. É possível perceber queesses autores são citados no decorrer da Unidade, servindo de base para os demais ilósofos, além de trazer pensamentos que per- passam a Idade Média. Teóricos como Santo Agostinho, Santo Anselmo, São Abelardo e São homaz de Aquino demonstram a corrente de pensamento organizada dentro do discurso católico. A relação direta entre o conhecimento de Deus e a verdade humana. Por mais que superado na chamada “modernidade’, essa concepção dominou a vida europeia. Nesta Unidade, a principal sugestão é perceber quanto o pensamento clás- sico (grego) e o pensamento religioso moldam o que se tornará a ética ocidental. Ainda hoje temos instituições religiosas que estabelecem sua perspectiva de exis- tência nas concepções que você vai estudar nesta Unidade. Boa leitura! Introdução R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt . 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e L e i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e f e v e re ir o d e 1 9 9 8 . 15 A ORIGEM DA FILOSOFIA R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt. 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e Le i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e fe v e re iro d e 1 9 9 8 . IU N I D A D E16 A ORIGEM DO PENSAMENTO FILOSÓFICO: DOS PRÉ- SOCRÁTICOS AOS CLÁSSICOS GREGOS Platão nos traz Sócrates como igura emblemática em diversas de suas obras, na forma de diálogo, uma vez que este nada escreveu. Em uma delas, relata o julga- mento do pensador grego, considerado corruptor da juventude, mesmo sendo avaliado como o maior dos ilósofos, o “pai da ilosoia”. Nesse episódio, o julgamento foi resultado da denúncia de três moradores de Atenas – Ânito, Meleto e Lícon. O primeiro, Ânito, era um importante comerciante grego. Sua discórdia com Sócrates foi o ilho, um aprendiz do pensador. O comportamento questionador do aprendiz irritou o pai. Dessa forma, juntou-se aos demais e fortaleceu a acu- sação assinada por Meleto. Meleto era um poeta pouco conhecido, mas segundo se levantou nas obras escritas por pensadores gregos, teria se indisposto com Sócrates pela sua forma de propagar ideias e de questionar o ganho de quem cobrava do ministério de ensinar, assim como Lícon, um professor desconhecido, o prestígio de Sócrates irritava. “A inveja também mata, tanto quanto a vaidade”. A Origem do Pensamento Filosóico: dos Pré-Socráticos aos Clássicos Gregos R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt . 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e L e i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e f e v e re ir o d e 1 9 9 8 . 17 O PENSAMENTO SOCRÁTICO Sócrates é um personagem controverso. Jamais deixou uma obra escrita, pelos menos até o momento nunca foi encontrado nenhum manuscrito de sua auto- ria. O que se sabe sobre ele vem de relatos de outros pensadores - discípulos, como Platão ou inimigos e críticos, como Aristófanes. Ele se negava aos manuscritos por considerar que a palavra escrita prenderia a ideia e a colocaria limites, destruindo a capacidade de mudança e eternizando os erros. Hoje, são exatamente estes erros escritos que nos faz reescrever o que somos. Mas, em uma Grécia onde a oralidade era o elemento determinante para a preservação da memória e repassar o saber, não havia o que julgar a postura. Sua oposição aos soistas, homens que percorriam as cidades discursando sobre temas da natureza e da vida pública, lhe rendeu muitos inimigos. Sua crítica direcionava-se à prática de discutir sem questionar, ainal os soistas se prendiam ao que não discutia a essência humana, mas apenas à manutenção da conduta ou à complexidade de raciocínios que os afastavam dos homens comuns. Oposto à vida dos soistas, Sócrates era visto em meio ao povo, andava des- calço. Segundo Platão, brincava com crianças e se apegava a pensar e reletir sobre as questões profundas da existência humana. Jamais cobrou sobre suas palestras e diálogos. É possível perceber em um dos diálogos descritos por Platão: “Disse ele que o encontrara Sócrates, banhado e calçado com as sandálias, o que pou- cas vezes fazia” (PLATÃO, 1972, p. 174). A vida de ilosofar e reletir sobre a existência humana e a capacidade de enten- der o que nos cerca veio ainda na infância do pensador grego, quando sua mãe, uma parteira, não de proissão, ao ajudar o nascimento de uma criança, desper- tou em Sócrates o sentido da relexão, o que icou conhecido como “maiêutica”. O papel de um ilósofo, então, seria colaborar para despertar o nascimento da relexão, o que todo mundo tem como potencial dentro de si. Permitir que essa capacidade se expresse e se mantenha constante ao entender os elementos que dão sentido à vida humana. Por isso, Sócrates não se considerava um denunciador da verdade, mas alguém que tinha por propósito despertar a capacidade das pessoas de buscá- -la. Para ele, mais importante do que propagar a certeza seria estimular a dúvida. A ORIGEM DA FILOSOFIA R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt. 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e Le i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e fe v e re iro d e 1 9 9 8 . IU N I D A D E18 Ficamos pensando se não seria essa a função dos educadores. Não só aque- les que se formam hoje para a educação institucionalizada, como também os que têm a capacidade de nos indagar sobre o que nos cerca, sobre o dia a dia e, enim, toda a nossa vida. Desvendar o sentido da existência é o verdadeiro sen- tido de existir - de que adianta existir se não se tem a compreensão do porquê se existe. Mas, como todo pensador que compreende além do senso comum o sentido da vida, Sócrates pagou com a sua própria audácia de romper com o esperado, de sair do controle, o que o conduziu a pagar com a vida, sendo obri- gado a beber veneno. Conta-se que atirou uma parte do veneno à maneira do que se fazia num jogo que consistia em lançar o resto de um copo de vinho numa bacia de metal, invocando o nome da pessoa amada; se o jato pro- duzisse um som vibrante, era sinal de que o amor era correspondido (GOTO, 2010, p. 110). Nasceu em uma família humilde em 469 a.C, e foi condenado em 399 a.C. Sua origem humilde contracenou com grandes momentos da história grega em que foi protagonista. Ele liderou tropas gregas na Guerra do Peloponeso (431 a.C a 404 a.C) e, ao ser derrotado, preferiu preservar a vida de seus homens a trazer consigo os corpos dos mortos. Um crime para os gregos, mas se livrou da sen- tença ao argumentar “que sem os vivos não se pode enterrar os mortos”. Mas, por ter se tornado o pensador inluente que percorria Atenas e “contaminava” sua juventude, foi condenado em uma assembleia de 501 cidadãos. O interesse dos juízes era que Sócrates se calasse, que fugisse para não ser executado ou que tivesse a língua cortada. Ele preferiu morrer, considerava que era um ganho diante das outras opções que demonstravam a perda de fazer o que mais gostava. Para ele, morrer teria duas possibilidades desconhecidas, uma delas seria um sono eterno para quem morresse, seria o bom sono de uma única noite; a outra, se caso existisse outra vida, seria de imortalidade e com homens bem melhores do que ele deixava nesta vida. Uma das críticas feitas pelos amigos ao pensador grego, entre sua condena- ção e a execução (30 dias), era que ele não pensava nos ilhos. Caso pensasse, deveria fugir para preservar a integridade de sua família. Diante dessa questão, A Origem do Pensamento Filosóico: dos Pré-Socráticos aos Clássicos Gregos R e pro d u çã o p ro ib id a . A rt . 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e L e i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e f e v e re ir o d e 1 9 9 8 . 19 ele dizia que os ilhos deviam seguir seu destino. Da mesma forma que eles não teriam que ser condenados pelo que o pai fez, não cabe ao pai fugir da conde- nação por eles. PLATÃO E A VERDADE UNIVERSAL, IR ALÉM DE SI, DAS DEMAIS PESSOAS. ALCANÇAR O ETERNO A principal crítica de Platão (427 a.C a 347 a.C) direcio- nava-se ao que não se estabelece como verdade universal. Por mais que exista a necessidade dos valores imedia- tos da vida, temos que ter um sentido maior que norteia nossa existência. Não é por acaso que ele é um discípulo de Sócrates. O ilósofo compara com o sol a relação de verdade e de bem, considerando que o que se vê não é o sol em si, mas permite que se veja cada coisa. Confessa, então, que o que derrama a luz da verdade sobre os objetos do conhecimento e proporciona ao indivíduo o poder de conhecer é a ideia do bem. Podes concebê-la como objeto de conhecimento por ela ser o princípio da ciência e da verdade, mas, por mais belas que sejam estas duas coisas, a ciência e a verdade, não te equivocarás se pensares que a ideia do bem é distinta delas e as ultrapassa em beleza. Como no mundo visível se considera, e com razão, que a luz e a visão são seme- lhantes ao Sol, mas se acredita, erroneamente, que são o Sol da mesma forma no mundo inteligível é correta pensar que a cidade e a verdade são, uma e outra, semelhantes ao bem, mas é errado julgar que uma ou outra seja o bem; a natureza do bem deve ser considerada muito mais preciosa (PLATÃO, 2000, p. 221). Sua trajetória dentro da ilosoia grega tentou consolidar o pensamento ilosóico e propagar a universalidade do conhecimento. Sua busca por orientar a forma- ção de um governo justo, para ele, dirigido por um ilósofo, o levou a Siracusa em três momentos. Neles, tentou mudar o governo de Dionísio I e, depois, mais A ORIGEM DA FILOSOFIA R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt. 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e Le i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e fe v e re iro d e 1 9 9 8 . IU N I D A D E20 duas vezes, o governo de Dionísio II. Para Platão, o bom governo tem um pen- sador à sua frente. A razão e a sabedoria são os melhores governantes. Sua busca por propagar as ideias de justiça além das muralhas de Atenas lhe custou ser vendido como escravo por Dionísio I. Foi resgatado por seus amigos atenienses que o compraram e lhe devolveram a liberdade. Entre suas idas e vindas da Magna Grécia (Sul da Itália) e de Siracusa, fun- dou a Academia de Atenas. A primeira instituição acadêmica oicial do mundo ocidental. Um modelo que se propagaria e daria os moldes ao conhecimento desenvolvido pela civilização ocidental. Uma das grandes contribuições de Platão (2002) foi a divisão da verdade em dois elementos, o material e o imaterial. O primeiro se refere às coisas em si, às que, pelos sentidos, percebemos em sua existência física. A outra, a imaterial, é a que damos sentido, valor, aos elementos que nos cercam. O conceito moral, a relevância social e o peso ético. Da mesma forma que Sócrates, Platão considerava a sabedoria nata, ela está em nós, mas precisa ser despertada. Vivemos em um mundo de sombras que encobre a verdade sobre o que nos cerca. Antes de nascermos, vivíamos em outro lugar, em um corpo celeste, onde tínhamos a sabedoria sobre as coisas da Terra, porque a víamos com um saber superior. Ao nascermos, fomos jogados no mundo material e perdemos a consciência sobre nossa sabedoria. Cabe a nós, a busca pelo despertar do conhecimento e sairmos deste mundo de “som- bras”, da ignorância. Por isso, ele considerava que nascemos sem consciência do mundo, ao con- vivermos com o que nos cerca, lhe damos sentido. Mas, a sabedoria repousa dentro de nós. Essa capacidade de reconhecer as “coisas” e desvendá-las com um conhecimento anterior, o qual aos poucos desperta, é chamada de anamnésia. Essa capacidade de elucidação eleva a pessoa e lhe dá uma importância maior diante das demais. Esses devem ter acesso ao comando social. São eles os melhores elementos para conduzirem a vida de uma cidade, de uma comunidade. É assim que Platão concebe o bom governo, o dos sábios. A ordem social perfeita teria neles os elementos mais elevados. Seriam os membros de “ouro” A Origem do Pensamento Filosóico: dos Pré-Socráticos aos Clássicos Gregos R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt . 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e L e i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e f e v e re ir o d e 1 9 9 8 . 21 de uma sociedade ideal. Seriam seguidos pelos soldados, aqueles que garantem a ordem e mantêm a unidade entre os elementos de uma mesma comunidade. Essa camada social teria como principal virtude a coragem. Por im, os elementos inferiores seriam os da “temperança”, os servos e escravizados, os trabalhadores, ligados às necessidades materiais constantes e necessárias. Da mesma forma que o corpo social idealizado por Platão, a pessoa, segundo ele, deveria seguir o mesmo modelo: uma relação em que a racionalidade deve imperar, ainda que os desejos sejam características da alma (ROBINSON, 1998). Dito de outro modo, Platão acredita que, como os sentidos são imprecisos, “para atingir a verdade é necessário que a alma rompa tanto quanto lhe for possível a união com o corpo, que a engana. O ilosofar é uma forma de puriicar a alma dos vícios corporais” (NETO; DESTRO, 2009, p. 7). Entender a necessidade de uma vida dirigida por valores superiores, integrar o corpo a um ideal maior que conduzisse a coragem e agisse sobre as necessidades materiais concretas. Essa relação entre corpo e alma é conhecida como dualismo psicofísico, como Robinson chama a atenção: Ao escrever dessa maneira, Platão está no limite extremo do dualismo psicológico; em nenhum outro diálogo ele se expressa em termos tão rígidos e irmes a respeito da relação entre corpo e alma. Até que pon- to, no momento em que escreve o diálogo, ele próprio acreditou que esse dualismo acentuado seria uma descrição autêntica dos fatos, ou até que ponto tal dualismo serviu ao propósito dramático de explicar a disposição de Sócrates em face da morte, nunca saberemos. Mas uma coisa sabemos. No diálogo ao que tudo indica imediatamente posterior ao Fédão, isto é, na República, ele já passou para uma descrição muito mais soisticada da relação alma-corpo (ROBINSON, 1998, p. 343). Essa relação descrita pelo autor revela como a alma é compreendida na medida em que está conectada ao conceito de racionalidade. Frente a isso, Platão des- creve uma importante Alegoria que trata das relações com a forma: A Alegoria da Caverna, ou Mito da Caverna. É na República que o ilósofo grego traça um diálogo entre Glauco e Sócrates delineando o Mito da Caverna. Agora imagine a nossa natureza, segundo o grau de educação que ela recebeu ou não, de acordo com o quadro que vou fazer. Imagine, pois, homens que vivem em uma morada subterrânea em forma de caverna. A entrada se abre para a luz em toda a largura da fachada. Os homens estão no interior desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pes- A ORIGEM DA FILOSOFIA R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt. 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e Le i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e fe v e re iro d e 1 9 9 8 . IU N I D A D E22 coço, demodo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante deles. A luz lhes vem de um fogo que queima por trás deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe. Imagine que esse caminho é cortado por um pequeno muro, semelhante ao tapume que os exibidores de marionetes dispõem entre eles e o público, acima do qual manobram as marionetes e apresentam o espetáculo (REPÚBLICA, 514 a). A sequência do diálogo leva tanto Glauco como quem lê a pensar em seres acor- rentados que jamais viram o mundo externo, tendo contato apenas com sombras projetadas na parede da caverna. A verdade, então, estaria fora da caverna, ou seja, existe uma relação entre as sombras, que seriam cópias, e o que está fora, a verdade. Quando uma das pessoas presas consegue fugir, promove para si a ruptura entre cópia e realidade, saindo das noções de senso comum para se apro- ximar ao conhecimento. ARISTÓTELES E A HISTÓRIA DA FILOSOFIA Na Escola de Atenas, fundada por Platão, se destacou Aristóteles (384 a.C a 322 a.C), o mais completo dos ilósofos, o de maior destaque. Contudo, não foi o herdeiro oicial platônico. Vale lembrar que a crítica ao mestre foi uma marca aristotélica. Mas, esta é outra história contada aqui aos poucos, enquanto enten- demos o pensamento do preceptor (educador/professor) de Alexandre, o Grande. Várias características do pensamento aristotélico fazem dele ilósofo distinto. Em primeiro lugar, a capacidade de compreensão de um mundo que vai além da projeção de uma sociedade ideal. Diferente de seu mestre Platão, Aristóteles na Política, por exemplo, considerava fundamental compreender a pessoa em conjunto com os fenômenos que a cercam. A natureza e sua dinâmica foram algumas das preocupações do pensador, tanto que associava as concepções de cidade com a estrutura organizativa dos demais animais. No pensamento aristotélico está o respeito à reconstrução de uma lógica his- tórica, tanto que o ilósofo escreve um tratado de lógica formal, por exemplo, além de categorizar as espécies, como reino, ilo e família. Aristóteles buscava A Origem do Pensamento Filosóico: dos Pré-Socráticos aos Clássicos Gregos R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt . 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e L e i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e f e v e re ir o d e 1 9 9 8 . 23 compreender os resultados das obras dos ilósofos que o antecederam e contri- buir para o avanço do conhecimento. O perigo da obra aristotélica foi a generalização do que o antecedeu, a análise particular de uma grande quantidade de obras com diversidade de posicionamen- tos, nem sempre uma continuidade. Esse determinismo acabou por confundir dois conceitos, o de resultado e princípio. O conceito de resultado diz respeito à preocupação de que todo o pensa- mento deve se prender a uma única busca, a semelhança entre os elementos diferentes. Um exemplo é que há algo em comum entre o cérebro de um homem e do macaco, mas essa semelhança não pode ser o fator que determine que um homem qualquer e o macaco sejam iguais, pois não são. Logo, não se aponta a discordância com condição de se abordar um determinado conteúdo. Esta gene- ralização ameaça as abordagens que se faz da sequência histórica que Aristóteles propõe. Os princípios de verdade são, conforme Almeida (2008), uma estrutura em que deve apontar para um fundamento que objetiva critérios de verdade. Nesta equivalência encontra-se aquilo que se pode chamar de ‘princí- pios de verdade’, os quais, segundo Aristóteles, são o fundamento úl- timo (ou primeiro) de justiicação para qualquer discurso declarativo que se pretenda verdadeiro, sendo, por isso, também assumidos pelo mestre do Liceu como critérios últimos para determinar a verdade ou falsidade de qualquer discurso declarativo (ALMEIDA, 2008, p. 6). Se fossemos pensar o que isso signiicaria na atualidade, seria admitir que Aristóteles considera o conhecimento produzido uma continuidade direcio- nada para um determinado im. Não implicaria em uma dinâmica que pode apontar para diferentes formas de compreensão da existência. Se pensarmos no signiicado de nossa vida e considerarmos como chegamos a um determinado ponto, nós temos a impressão de que todos os fatos que nos antecederam conspiraram para estarmos aqui, vivendo o que estamos vivendo. Isso seria incorreto. Somos um resultado, mas nem sempre de uma condição desejada. As relações categóricas aristotélicas, para além disso, concedem uma estreita relação entre linguagem e verdade, sem qualquer dualidade, prática comum nos escritos platônicos, mas que se conecta com princípios lógicos que fornecem estruturas para os argumentos. A ORIGEM DA FILOSOFIA R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt. 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e Le i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e fe v e re iro d e 1 9 9 8 . IU N I D A D E24 A PREOCUPAÇÃO COM OS QUE VIERAM ANTES Como airmado anteriormente, Aristóteles se preocupou em resgatar os pensa- dores que o antecederam. Aqueles que deram origem ao pensamento ilosóico, diferenciando-os dos historiadores ou dos soistas. Para ele, pensadores como Tales (624-547 a.C) ou Parmênides (530-460 a.C) foram importantes iniciado- res da construção de uma lógica complexa e de um entendimento superior sobre a essência da natureza e da humanidade. Tales, que viveu na Itália, não buscava nos elementos da natureza o princí- pio único de tudo o que nos cerca. Para ele, o saber deve ir além do princípio moral, ou seja, se a água está em quase todas as coisas, e o Planeta é formado em sua maioria por água, não signiica que ela é a essência de tudo o que existe, a sua natureza não é determinante sobre as demais. O saber verdadeiro, segundo o próprio Aristóteles, não se prende a um conceito moral ou ético, ele vai além, ele é eterno. Ou seja, ele independeria de mudanças histórico-sociais. O ser verdadeiro ou falso é, nas coisas (epì twn pragmatwn), o estar reunido ou separado, de modo que diz a verdade (aletheúei) aque- le que crê (ho oiómenos) estar separado o que está separado e que crê estar reunido o que está reunido; falseia, porém, aquele que se mantém contrariamente às coisas. Pois tu não és branco porque nós cremos (hoíesthai), verdadeiramente, que tu sejas branco, mas por- que tu és branco é que nós, que dizemos isso, dizemos a verdade (ARISTÓTELES, 1998, p. 474). A relação de verdade está na airmação ou negação de determinada coisa. Desta forma, ou airmamos algo ou o negamos, o que não depende de subjetividades, mas sim das relações entre o que se fala e do que se fala, o que implica em se dizer que o saber verdadeiro o é segundo essa relação entre discurso e a coisa discursada. Heráclito (540-470 a.C) foi emblemático, sendo o responsável pela célebre frase: “um homem não pode se banhar duas vezes no mesmo rio”. Ou seja, o mundo vive um movimento constante. Tudo é mudança. Mas o que muda? Um pioneiro nesse princípio foi Parmênides. Em sua série de poemas com o título “Da Natureza”, ele considerava que o conhecimento era o saber dos A Origem do Pensamento Filosóico: dos Pré-Socráticos aos Clássicos Gregos R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt . 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e L e i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e f e v e re ir o d e 1 9 9 8 . 25 deuses. São eles que compreendem a lógica do que existe e sua função. A huma- nidade nomina as coisas, mas não sabe sobre sua essência e o que elaé capaz de determinar. Aqui temos mais um aprendizado fundamental. O saber é eterno, os homens não. Viver sem conhecer a importância da ciência, da essência de tudo, não é viver. Ou, se é, é existir sem dar um sentido à existência. Mas, como é possível conhecer as coisas se tudo está em constante mudança? Esta é uma indagação que ainda hoje movimenta as teses ilosóicas. Vivemos um mundo em transformação, como seria possível conhecer sua lógica? Existiria um meio de compreender a permanência sem perder os elementos que expli- cam as constantes mudanças? Zenão (490-430 a.C), vindo de Eléia, a mesma cidade italiana de Parmênides, condenava o movimento, assim como a diversidade, ele considerava que ambas eram uma ilusão. Para o ilósofo eleata “Tempo e a mudança são tidos como con- ceitos contraditórios e relativos” (MODENESI, 2011, p. 2). Porém, a essência do mundo também é importante para os pré-socráticos como elemento de compre- ensão da natureza. Os elementos que formam a materialidade das coisas também podem ser os elementos que formam a materialidade da alma. Um dos antecessores de Sócrates que tratou do tema, por mais que com dis- túrbios das análises de Zenão e Parmênides, foi Anaximandro. Pouco se sabe sobre sua data de nascimento ou morte, mas foi um dos membros da escola de Tales de Mileto. Ele considerava que o ar, e não a água, seria o elemento vital para a manutenção da vida, inclusive da alma. Mas, nem todos os pensadores comungaram com a ideia prática da iloso- ia, do homem que deveria entender os elementos e interferir em sua existência. Pitágoras nasceu na Grécia, em Samos, mas desenvolveu seus trabalhos e sua “escola ilosóica” no sul da Itália, em Crotona. Ele considerava que o papel do ilósofo era a contemplação. Comparava a existência aos jogos olímpicos, uns vão para comprar e vender, os inferiores; outros vão para competir, os agentes da política, os soldados, os que determinam a vida das instituições; por im, os que vão assistir e contemplar, estes são superiores, estes são os ilósofos. A ORIGEM DA FILOSOFIA R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt. 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e Le i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e fe v e re iro d e 1 9 9 8 . IU N I D A D E26 ALÉM DA GRÉCIA: AS CIVILIZAÇÕES QUE HERDARAM O PENSAMENTO GREGO O que vimos aqui sobre o desenvolvimento do pensamento grego é apenas um fragmento, uma pequena parte de uma discussão que tem uma “ininidade” de possibilidades de entendimento. Mas, procuramos demonstrar que a forma de compreender o mundo incomodou aqueles que foram os fundadores do pensa- mento ocidental, a cultura helenística. Para entendermos como este pensamento conseguiu ir além das fronteiras gregas, avançando ao longo da história e chegando aos nossos dias, é necessário lembrar que os próprios gregos sempre foram além de si, fundando colônias e mantendo relações mercantis com vários povos da antiguidade. O momento inicial da expansão do pensamento grego, uma prévia do que viria a ser a expansão do “ocidentalismo”, foi a conquista da Grécia pelos mace- dônios, no Século IV. Após conquistar os gregos, o Império Macedônico adotou a cultura grega como o princípio da cultura a ser levada na expansão territorial. As vitórias macedônicas se consolidaram na Ásia Menor, no Egito e em todo o Mediterrâneo oriental. Os povos que foram submetidos por Alexandre, o Grande, foram subordinados não só a sua força militar, mas tiveram que con- viver com a cultura grega. Instituições políticas e língua, por exemplo, passaram a ser introduzidas nos “quatro cantos” do Império. A inluência não foi supericial como uma mancha em um tecido, ela se aprofundou e passou a ser incorporada nas práticas comerciais, na vida pública, na produção do conhecimento, a orientação ilosóica dos pensadores gregos ganhou novo sentido. Muitos desses conhecimentos, os ocidentais iriam reen- contrar com as “Cruzadas” promovidas pelos cristãos contra os muçulmanos. O próprio desenvolvimento cientíico e econômico dos árabes (séculos VI ao XV) foi marcado pelas bases do pensamento grego. O Renascimento Cultural, na Europa, permitiu a retomada das raízes ilosóicas helenísticas. O Império Macedônico não foi duradouro, na prática, sua decomposição começou com a morte de Alexandre (323 a.C), o seu fundador. Dividido pelos generais, foi aos poucos conquistado por romanos e árabes. Territórios foram retomados pelos persas e os egípcios se libertaram da dominação macedônica, Além da Grécia: As Civilizações que Herdaram o Pensamento Grego R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt . 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e L e i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e f e v e re ir o d e 1 9 9 8 . 27 mas a cultura grega icou, deixou suas marcas e orientou o destino do conheci- mento do universo em muitas regiões onde os macedônios percorreram. O clima de insegurança em que o Império Macedônico se decompôs gerou uma angústia que predominou também no pensamento ilosóico do período. Um pensador que expressa esse clima é Diógenes (404 a 323 a.C), discípulo de Antístenes, seguidor de Sócrates, e que questionava a vida mundana, a sedução pela matéria e buscava uma vida simples. Segundo a lenda, Diógenes andava perambulando pelas ruas de Atenas e, depois de ser expulso de sua casa, passou a viver em um barril e andava pelas ruas em plena luz do dia com uma lamparina. Ele airmava que fazia aquilo por estar à procura de um honesto. Diógenes escolheu uma vida austera, demasiadamente simples, sem luxo, sem casa, sem pátria; seu único objetivo era defender, como um cão feroz, a sua ilosoia de vida; contentava-se com o estritamente ne- cessário à sua sobrevivência, desprezava a suntuosidade, tinha aversão ao prazer, negligenciava as convenções sociais, considerava inútil o es- tudo metafísico (DIAS, 2014, p. 131). Sua atitude despertou a curiosidade do imperador Alexandre, que um dia quis conhecê-lo. Quando o encontrou, ele estava deitado dentro do barril onde vivia. O imperador teria dito que ele poderia fazer o pedido que quisesse e pronta- mente seria atendido. Diógenes teria dito para que Alexandre saísse de sua frente e parasse de roubar sua luz com a sombra. Encantado pela convicção do “anda- rilho” ilósofo, o imperador teria airmado que se não fosse Alexandre, gostaria de ter sido Diógenes. Diógenes foi um dos adeptos do cinismo, uma corrente que associava a pes- soa ao desprendimento das coisas materiais, e também a uma forma de crítica à vida de excessos. O princípio dos homens, aqui pensados como pessoas do sexo masculino, que seguiam esse pensamento, era ter autonomia diante do mundo. Não depender daqueles que buscassem o enriquecimento na manipulação dos indivíduos e na inluência de seus interesses. Uma airmação de Diógenes que expressava a crítica ao mundo da materia- lidade era a busca de inluência, convivendo com pessoas de poder: “preiro a companhia dos corvos a dos bajuladores”. Valorizava, assim, a realidade em detri- mento da falsidade, que o poder material e a inluência política podiam nos dar. A ORIGEM DA FILOSOFIA R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt. 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e Le i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e fe v e re iro d e 1 9 9 8 . IU N I D A D E28 A crítica ao apego à vida material estava na forma como o homem se deforma diante do desejo do prestígio adquirido com o enriquecimento. O que hoje é uma condição que atingegrande parte dos seres humanos. Uma denúncia da perda de princípios profundos que possam conduzir a sociedade a uma condi- ção superior, justa. O que Diógenes criticava era a demonstração da decadência da sociedade de seu tempo. As cidades dominadas pelos macedônios eram voltadas aos inte- resses particulares e desprezavam os temas de unidade política. A formação de um império com uma diversidade considerável de povos acabaria por levar à destruição do que os unia e elevar o particularismo. Isso estava expresso tanto na política quanto no comportamento de cada um. O cinismo cresceu, mas acabou se deturpando. Passou a ganhar a conotação de crítica, mas incorporado aos desejos de sucesso material. Porém, não havia a preocupação da perda do enriquecimento pelo cínico. Ele estava mais preocupado com seu imediatismo. Essa é uma linha do cinismo que chegou até nossos dias. Viver o hoje sem se preocupar com o amanhã, uma “ilosoia de vida” expressa na propaganda dos cartões de crédito da atualidade. Outra escola do período de crise macedônica foi o ceticismo. Apesar de já ser um tema tratado pelos pré-socráticos, o “ser cético” cresceu no mundo helê- nico e teve em Epicuro (342 a 270 a.C) sua maior expressão. Ateniense, suas teses acabaram se desenvolvendo na Ásia menor, onde icou encantado pelas teses de Demócrito (um dos seguidores das teses céticas). Epicuro elabora sua ética com base em três princípios fundamentais: (a) a correta compreensão da natureza dos deuses e a consequente eli- minação do seu temor; (b) a correta compreensão da natureza da morte e a consequente eliminação do seu temor; (c) a correta compreensão da natureza dos desejos e a sua consequente boa vivência (FILHO, 2009, p. 13). O pensamento de negar toda a verdade absoluta, defendida por ele, gerava a necessidade de conduzir um homem a um eterno questionamento sobre os fun- damentos de sua existência e questionar até mesmo as resposta que viesse a ter a partir de suas dúvidas. A angústia como condutora e a crise como princípio deiniam o homem cético. Além da Grécia: As Civilizações que Herdaram o Pensamento Grego R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt . 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e L e i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e f e v e re ir o d e 1 9 9 8 . 29 Um contraponto ao cínico era que o cético considerava que os prazeres morais deviam ser uma busca e um direito humano. A condição humana de estar rode- ada de prazeres materiais não signiicava aboli-los, como se eles levassem a um mal, mas se valer deles sem culpa. Para os céticos, a mente deve buscar na razão do mundo o espírito elevado da conduta, mas não deve se eximir da existência, ou seja, viver bem não impede uma compreensão apurada da vida. Um contraponto que para muitos foi a solu- ção para viver com satisfação material e transformar a angústia em um ritual que não necessita se desfazer da realização do desejo. Nas teses de Epicuro, a pessoa não tem mais a sensação após a morte. A separação entre o corpo e alma se dá quando o átomo da matéria se decompõe se libertando dos sentimentos de prazer e dor. Desta forma, não há o que temer na morte, e ela não nos aproxima dos deuses, os quais, por mais que tivessem nos gerado, não determinam nosso destino. Nossa alma apenas se dispersa pelo mundo, sem sentido. Por isso, não há o que temer na morte, ela nada signiica no mundo sensível. O PENSAMENTO ROMANO: FUNCIONAL E MATERIAL A formação do Império Romano é uma demonstração da eiciência da organi- zação do Estado e sua capacidade de governar as diferenças constantes dos povos que se domina. A dimensão do Império, atingindo inúmeros povos, demonstrou sua eiciência em condu- zir o poder a lugares onde a cultura local não se identiicava com as instituições clássicas latinas. O pensamento romano foi expresso por pensadores como Zenão (340 a 264 a.C), o fundador do estoicismo valorizava a rigidez do caráter, a ação que expres- sava os valores da moral incorruptível. Filho de comerciantes, apesar de ser de A ORIGEM DA FILOSOFIA R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt. 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e Le i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e fe v e re iro d e 1 9 9 8 . IU N I D A D E30 origem fenícia, se erradicou no mundo grego e viveu a expansão romana. Uma pessoa de valor é constante em seu comportamento, independente das condições em que se vê obrigado a conviver. Mudança do mundo não signiica despren- dimento e mudança de valores. Estes eram princípios defendidos por Zenão. A popularidade do estoicismo cresceu e atingiu mais adeptos do que o pen- samento de Platão e Aristóteles em seu tempo. Um herdeiro do pensamento socrático, Zenão acabou por inluenciar a conduta de reis da antiguidade, ape- gados ao comportamento “reto” como um princípio de governo. De certa forma, era o que Sócrates esperava do bom governante, agir como um ilósofo, ter prin- cípios rígidos. Dessa forma, é fácil perceber como a ação ganha força e passa a ser determi- nante do caráter humano. É preciso dar praticidade ao comportamento, ir além da relexão, promover a ação. O conhecimento passa a ser um valor impregnado, que se expressa no comportamento. Até mesmo o valor divino, os deuses, estão dentro dos seres humanos, nas condutas que determinam sua proximidade ou não com um sentido superior da vida. Mas se as leis mudam, o homem não muda seus valores? Essa talvez seja a principal crítica ao estoicismo. Não é possível ser eternamente detentor de prin- cípios, mas não podemos ser lexíveis o tempo todo. Ou seja, não podemos ser uma mudança constante e transformar os conceitos sobre o mundo numa super- icialidade momentânea. Zenão considerava que a perda de bens materiais pode ser reparada, se não no todo ou em partes. Já a dignidade humana, uma vez per- dida, o desumaniza e condena. CONTRADIÇÕES NO PENSAMENTO ROMANO A história romana está recheada de uma glória à conduta e de contradições de quem deveria expressá-la. Os personagens que apelam no discurso e na estética pública uma conduta moral rígida são, em regra, os mesmos que têm, em sua privacidade, uma vida mundana. Um destes exemplos de contradição entre o público e o privado é Sêneca (4 a.C. a 65), o senador romano, famoso por sua defesa à moral, discípulo de Além da Grécia: As Civilizações que Herdaram o Pensamento Grego R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt . 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e L e i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e f e v e re ir o d e 1 9 9 8 . 31 Zenão. Foi um crítico da perda moral romana. Exigindo de seus governantes um comportamento a “altura” de seu posto. Ele mesmo não obedeceu a este critério. Em uma de suas críticas à mulher do imperador Cláudio, acabou sendo banido de Roma, mas retornou quando as práticas da imperatriz foram desco- bertas. Ele mesmo tinha uma conduta que dava espaço a críticas como cobrar impostos abusivos de súditos britânicos, quando o Império Romano se esten- dia até a Bretanha. Ele mesmo foi convidado a cometer suicídio após uma série de atos corruptos que o envolviam. Na atualidade, as práticas de corrupção continuam tomando conta do Estado. E como no tempo de Sêneca, o discurso de alguns dos adeptos do abuso é a con- duta reta. O que na retórica prega princípios e faz alusão ao comportamento que não se deixa abater ou seduzir pelos excessos não corresponde à realidade. Podemos considerar que o abuso de quem assumeo poder acaba por se contra- dizer com o discurso. Outro estóico foi Epicteto (60 a 100), escravo, como o seu próprio nome sugere (adquirido), foi liberto e passou a ministrar aulas em Roma. Mesmo sofrendo de doenças constantes, fruto de seu tempo de sofrimento como escravo, jamais abandonou o ofício da educação e da crítica. A segunda lhe gerou a persegui- ção por parte do Imperador Nicópolis, um corrupto. Acabou por buscar exílio na Grécia, onde viveu até o im dos seus dias. Uma das grandes escolas ilosóicas do período helenista, assim chamada pelo pórtico pintado (Stoá poikílé) onde foi fundada, por volta de 300 a.C, por Zenão de Cício. Os principais mestres dessa escola foram, além de Ze- não, Cleante de Axo e Crisipo de Soles. Com as escolas da mesma época, epicurismo e ceticismo, compartilhou a airmação do primado da questão moral sobre as teorias e o conceito de ilosoia como vida contemplativa acima das ocupações, das preocupações e das emoções da vida comum. Seu ideal, portanto, é de ataraxia ou apatia. Fonte: Abbagnano (2007, p. 375). A ORIGEM DA FILOSOFIA R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt. 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e Le i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e fe v e re iro d e 1 9 9 8 . IU N I D A D E32 Sua principal crítica era a conduta desonrosa do poder. Considerava que o governo justo não se corrompe. Se obrigados a aceitar as instituições públicas, elas devem cumprir com suas funções. Para ele, o dever do governante está acima de seus interesses privados. Ele não pode transformar o poder em um instru- mento de suas particularidades. O mais ilustre dos estóicos foi Marco Aurélio (121 a 180), imperador romano. Ele buscou documentar sua vida no Império e seguir os princípios de idelidade à Roma e suas instituições. Dedicado a manter o poder em um império que já sofria as invasões dos povos vizinhos (chamados de bárbaros) e convivia constan- temente com revoltas internas, Marco Aurélio buscou preservar Roma, garantir sua integridade, tanto na força física como no discurso moral. Ter perseguido os cristãos, em seu período, não foi uma tradição ou hábito, foi a forma de garantir a religiosidade romana e a lógica de sua autoridade a qual os cristãos incitavam levantes. Para o imperador ilósofo, era necessário que o homem público cumprisse o seu papel. Ele necessitava executar o seu dever dentro do organismo social. Nesse ponto, Aurélio se aproxima da concepção de Platão sobre a ordem perfeita da sociedade, em que cada um dos seus elemen- tos deve cumprir o seu papel de forma eicaz e se subordinar a ele. A própria formação do Império Romano foi marcada pela ação violenta e conquista. O domínio constante possibilitou a incorporação de inúmeros povos e a implantação de uma estrutura militarizada em todo o território dominado pelos romanos. O sucesso da expansão romana se deu sobre povos organizados das mais dife- rentes formas. As fronteiras romanas foram os rios Danúbio e Reno, ao Norte, ao Leste, o deserto da Arábia e o Rio Eufrates, ao sul, o deserto do Saara e, ao Oeste, o Atlântico. Em todo esse território, ocorreu a integração e implantação de uma administração bem-sucedida. Ela alcançou seu tempo de paz nos pri- meiros séculos da Era Cristã. O legado romano também inluenciou o nosso tempo. Assim como os gregos, também deixou marcas que se mantiveram e chegaram até nós: as instituições jurídicas, a produção cultural, a concepção do Estado e o cristianismo. Contudo, os romanos tiveram na cultura grega a medida para tudo o que izeram. Podemos considerar que foi nas estruturas de Roma que a cultura grega se alicerçou no ocidente. Além da Grécia: As Civilizações que Herdaram o Pensamento Grego R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt . 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e L e i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e f e v e re ir o d e 1 9 9 8 . 33 No oriente, o legado grego se manteve subordinado à cultura predominante dos povos que conquistaram as terras do Império Romano, principalmente os muçulmanos. Nem por isso deixamos de reconhecer que a cultura grega tam- bém foi redescoberta pelo ocidente quando da conquista da Península Ibérica pelos muçulmanos (século VIII), sendo necessário também mencionar o con- tato que o ocidente teve com estes povos. O que já comentamos anteriormente. ATRAVESSAMENTOS CRISTÃOS E O PENSAMENTO FILOSÓFICO MEDIEVAL O cristianismo foi criado por Roma e sobreviveu à sua decadência. Fez-se e refez aos moldes do tempo e sobrevive até nossos dias. Podemos considerar, dadas as devidas proporções, que o Ocidente é “cristão”. Se não mais pela crença, a qual ele não é obrigado a professar, pela carga cultural de compreensão do mundo que o cristianismo construiu e permitiu durante a expansão que a civilização ocidental promoveu. O ponto de encontro entre o cristianismo e a ilosoia grega foi Alexandria, localizada dentro do território egípcio. A cidade, que continha o principal porto da África durante o período romano e ainda hoje é destaque na orla do Mediterrâneo, foi o centro de uma cultura que nasceu de muitos caldos culturais e permitiu a concepção cristã que o ocidente disseminou. As ideias de maior expressão que se difundiram em Alexandria têm autoria de Plotino (204 a 270). O jovem egípcio estudou em Alexandria e manteve-se na cidade até 243, quando fugiu após uma campanha desastrosa do imperador romano na África. Em Roma, cidade onde propagou seus estudos e difundiu suas ideias, Plotino plantou o pensamento que viria a se impor sobre todo o territó- rio europeu ocidental e, mais tarde, sobre boa parte do Planeta. Suas ideias, pela carga de misticismo, já demonstravam um desprendimento com a realidade e a despreocupação em se ter uma conduta política fundada na racionalidade do estado. O contexto de decadência do Império Romano, no qual viveu, demonstrava a diiculdade de se entender de forma racional a crise que se atravessava. O cristianismo nasce da sobrevivência diante da crise. A ORIGEM DA FILOSOFIA R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt. 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e Le i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e fe v e re iro d e 1 9 9 8 . IU N I D A D E34 Em nosso tempo não é diferente a forma como o pensamento se desprende da necessidade de ação. Se observarmos, ao longo da história, o pensamento ganha conotações metafísicas diante das diiculdades que as instituições racio- nais atravessam. Hoje, em pleno desenvolvimento de uma estrutura tecnológica, que é fruto do desenvolvimento cientíico, nos apegamos aos misticismos dege- nerativos da consciência, infantilizamos o pensamento do homem. Calculo que seja medo de enfrentar com a razão e sentir sobre os ombros o peso da existên- cia que nos faz agir assim. Plotino concebe que a vida é fruto de um encontro entre a “trindade”, aqui, diferente daquela que concebem os cristãos da atualidade. Na trindade de Plotino, há um elemento único que integra, o “Uno”. Esse primeiro elemento conduz a força criadora do “Nous” (espírito), o segundo, propagador da vida. Por im, a “Alma” é o terceiro elemento, o qual dá vida à toda criação. As bases desse pen- samento são gregas, e são uma releitura da dialética platônica e de Demóstenes sobre os elementos da criação. Claro que o pensamento de Plotino não deu origem imediata ao pensamento cristão que conhecemos. Sobre esse tema trataremos no próximo capítulo. O que temos que ter claro é que o desenvolvimento da civilizaçãoocidental se deu com a construção de um legado grego. Nossa busca incessante por respostas, o desejo de encontrar uma lógica determinante para a existência e de dominar a natureza que nos cerca através da compreensão das leis que a regem são, sem dúvida, legados gregos. O Pensamento Filosóico Medieval R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt . 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e L e i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e f e v e re ir o d e 1 9 9 8 . 35 O PENSAMENTO FILOSÓFICO MEDIEVAL A construção do mundo medieval foi o resultado da destruição do Império Romano, onde as invasões bárbaras não foram só um fator determinante, mas resultado de outros fatores. A decadência está relacionada à crise escravista, à falta de trabalhadores nas áreas agrícolas e à constante tributação para manter a imensidão do império. A falta de trabalhadores gerou uma queda de produtividade dentro das terras do Império. A tributação, por consequência, caiu e a ineiciência do estado romano se ressaltou. Um governo imperial, tão eiciente para integrar as províncias, não foi capaz de administrar as crises que tiveram origem em diversos territórios, muitos por problemas locais. A imposição centralizadora sempre foi a saída romana, seja pelas tropas, seja pelas instituições. De problemas locais, uma crise geral se alas- trou. Foi nesse contexto que as invasões bárbaras se disseminaram. Muitos dos líderes estrangeiros serviram a Roma, aprenderam a combater com ela e a des- truí-la com o conhecimento que adquiriram. Mesmo antes da decadência do Império, os cristãos já não eram mais perse- guidos e a religião havia se oicializado. No governo de Constantino e Teodósio, a Igreja Cristã formou a estrutura administrativa que acompanharia a sua exis- tência por séculos. Com o surgimento de uma estrutura de poder romana associada à Igreja Católica, um novo personagem de poder assume a função da administração dos homens ocidentais, o Papa. A construção de uma cúpula de comando da Igreja (Clero) permitiu a consolidação de uma instituição política com forte inluên- cia sobre os demais povos que viriam a habitar os territórios que um dia foram do Império Romano. A conversão dos bárbaros por membros do clero e a construção de institui- ções que propagavam o cristianismo foi uma prática constante na decadência romana e ascensão do medievalismo. Muitos pensadores se dedicaram a difundir a fé cristã e aprimorar o pensamento religioso fundado na Bíblia, o documento sagrado dos cristãos que foi compilado e produzido na decadência do Império sob a égide dos últimos imperadores romanos. A ORIGEM DA FILOSOFIA R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt. 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e Le i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e fe v e re iro d e 1 9 9 8 . IU N I D A D E36 Uns dos princípios fundamentais da nova concepção que se estabelecia com o desenvolvimento do cristianismo foi a separação entre o comando do Papa – da igreja de uma forma geral – e dos imperadores, monarcas europeus. Enquanto o primeiro deveria governar a alma dos homens, o segundo deveria adminis- trar a matéria. Esta separação se constitui de um elemento importante até nossos dias. A questão da propriedade do corpo e a condução da vida. Até onde o homem comanda sua existência, pela sua consciência, até onde ela não lhe pertence e deve obedecer às regras estabelecidas por uma legislação. De certa forma, a perda de uma liberdade a qual os gregos jamais se submeteram. A concepção do mundo se organizava dentro das instituições organizadas pela Igreja Católica. Nelas, a ilosoia se oicializa independente do império que se estabelece. Seja nas monarquias dos francos, germanos, godos ou visigodos, o cristianismo orienta a concepção de homem e garante a supremacia de suas ideias por toda a Europa. Chegou, por consequência, a justiicar o próprio poder dos monarcas. O que só foi questionado com o advento da Reforma Protestante, no Século XVI. A supremacia dos cristãos acaba por ser também uma contradição em relação aos judeus, religião da qual são dissidentes. No início, o cristianismo se colocava como um desdobramento do judaísmo, sem lhe causar rompimento e reconhe- cendo sua validade. Mas com a ascensão dos cristãos ao poder em Roma, os judeus passaram a ser vistos como negadores de Cristo, o ilho de Deus. A perseguição aos judeus se acentuou. Ironicamente passaram a ser perseguidos por quem tinha sofrido perseguição. O termo bárbaro é uma herança grega, mas que o povo egípcio já chama- va toda pessoa que falava uma língua diferente. Na Grécia, por exemplo, o termo estava ligado a quem não falava o grego, mas que parecia apenas dizer coisas incompreensíveis, e não “compartilhava nem os costumes nem a civilização dos helenos. Fonte: Guerra (1987, p. 5). O Pensamento Filosóico Medieval R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt . 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e L e i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e f e v e re ir o d e 1 9 9 8 . 37 Uma das formas de romper com o judaísmo e iniciar sua perseguição foi o gnosticismo, um encontro entre o cristianismo e o helenismo. Sua principal expressão foi Paulo de Tarso (5 a 67), um judeu helenizado e cristão. Ele construiu os elementos necessários de universalização do cristianismo. Um desdobramento do gnosticismo foi construído a partir das ideias de Tarso. Nela, Iavé é o cria- dor das coisas materiais, uma divindade inferior ao “supremo criador”. Ele, Iavé, criou as coisas materiais e deturpou o seu signiicado, fugindo ao propósito de Deus (o criador universal). Diante disso, a divindade suprema se materializa para poder colocar ordem no mundo, Cristo. Nessa construção, Deus é perseguido em sua materialidade e rompe com qualquer tipo de elaboração teológica judaica. Na construção do ideário religioso judeu-cristão, a perseguição é um ele- mento vital. Presente como um meio de unir os iéis e garantir o direito de reagir. Em muitos casos, são os verdadeiros agressores, mas o discurso de serem per- seguidos eternamente os inocenta. Por isso que, tanto na defesa do território de Israel pelos judeus, ou no discurso de supremacia dos cristãos sobre o Mundo, o discurso de serem perseguidos justiica o ato de perseguir. Um dos importantes pensadores cristãos do primitivismo foi Orígenes de Cesaréia (I185 a 253). Sua obra está relacionada à deinição da vida espiritual. Ele concebe a existência do espírito separado da matéria, sendo que, ao se jun- tar com o corpo, lhe dá vida no nascimento. A ideia de eternizar a existência antes e depois de a vida lhe dar a autoria de um dos principais elementos que se consolidava no ideário cristão, a eternidade da alma e sua relação com Deus. Para Orígenes, uma existência em essência espiritual, livre de toda for- ma e substância, só se deve a Deus; o homem, mesmo o eleito que se estabelece no estado deiicado não pode confundir-se, amalgamar-se a Deus mesmo, ou seja, estabelecer-se em uma condição de panteísmo, pois o ser humano é por essência diferente do Criador, e mesmo se a natureza de sua matéria corporal ver-se limpa e puriicada, “feita total- mente espiritual”, ela não poderá unir-se consubstancialmente a Deus, pois o Criador participa de um estado de perfeição próprio (AMARAL, 2009, p. 11). Todos estes pensamentos foram incorporados à Igreja Cristã Católica com o governo do imperador Constantino. Nele se organizou a estrutura dos dogmas católicos e oprincípio administrativo do clero. A centralização da administração A ORIGEM DA FILOSOFIA R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt. 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e Le i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e fe v e re iro d e 1 9 9 8 . IU N I D A D E38 clerical foi fundamental para, mais tarde, quando da decadência do Império Romano, o cristianismo prevalecer não só como culto, mas como instituição de poder político com forte centralização administrativa em torno da igura do Papa. Um dos fatores importantes para o fortalecimento da autoridade papal, ainda durante o Império Romano, foi o discurso de defesa dos pobres proferido por uma Igreja voltada aos humildes. Eles, que se sentiam distantes e desamparados por parte de uma administração centralizada, de caráter religioso, agregaram-se às obras do clero católico e se tornaram sua principal base de sustentação social. Não seria por acaso que a Igreja Católica estaria preocupada, mais tarde, com a organização das ordens religiosas que deveriam converter a população. Também, parte dessas obras estava para ações missionárias de ajuda à população carente, servindo-lhe de abrigo e massa de manobra para o exercício do poder clerical. O Concílio do Nicéia (325) foi fundamental para a organização dos dogmas católicos. Nele se organizou a doutrinação dos iéis e os princípios que deveriam nortear o poder papal. Naquele momento, a Igreja Católica combatia o arianismo, doutrina cristã fundada no pensamento de Ário (256 a 336). Mas o pensamento cristão que se propagou no “mundo medieval” se deve principalmente a quatro grandes pensadores: Ambrósio (340 a 397), Jerônimo (347 a 420), Santo Agostinho (354 a 430) e ao Papa Gregório (540 a 604). Foram eles que instituíram o pensamento predominante do cristianismo que se cons- tituiu através da fé católica, e que também lançou bases para o protestantismo após a Reforma Protestante. Ambrósio está ligado diretamente à supremacia do poder papal sobre o estado. Filho de uma família de nobres romanos, ele recebeu educação requintada para atuar na administração do estado romano. Contudo, acabou na adminis- tração do Bispado de Milão, na época, a sede do Império Romano do Ocidente. Durante seu bispado, assumiu a responsabilidade de preservar o poder da igreja sobre os senadores e, até mesmo, sobre o imperador. Enfrentou a oposição dos arianos, cristãos que seguiam as palavras de Ário, como já chegamos a analisar. Ambrósio conseguiu submeter às autoridades e, até mesmo, obter um pedido de perdão do imperador Teodósio, quando este ordenou o Massacre de Tessalônica (388). Em função desse episódio, o imperador foi a Abadia de Milão e pediu per- dão pelo ato. O Pensamento Filosóico Medieval R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt . 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e L e i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e f e v e re ir o d e 1 9 9 8 . 39 Dessa forma, Ambrósio é lembrado pela sua capacidade de argumentar e agir em favor dos interesses do clero, mantendo o poder da Igreja diante da deca- dência do Império Romano. Santo Agostinho o admirava pela capacidade de argumentação, fator fundamental que contribuiu para sua permanência diante dos cargos de administração do clero dentro da estrutura de poder do Império. Mas, foi na produção documental da Igreja Católica que sobreviveu o instru- mento vital para a pregação da fé: a construção da Bíblia em latim. Este feito de tradução e organização do principal documento sacro foi obra de Jerônimo. Nascido no Egito, mas com a sua vida dedicada aos estudos em Roma, acabou se desentendendo com autoridades da Igreja Católica. Jerônimo produziu documentos de condução ética e princípios morais do cristão. Sua postura doutrinária acabou por se traduzir nos estudos dos documentos que formaram a interpretação do Velho Testamento e organização dos documentos do Evangelho. Em função de sua expulsão da Itália, por desentendimento com líde- res religiosos, acabou por formar um mosteiro em Jerusalém. Assim, ele inaugurou uma das formas de organização dos estudos do período medieval, o clero regular. A originalidade dos documentos sacros acabou, mais tarde, dividindo a cris- tandade, permitindo aos católicos eliminarem interpretações que fugissem aos interesses do clero estabelecido em toda a Europa medieval. O terceiro grande pensador cristão foi Santo Agostinho. Filho de nobres, ele nasceu no Norte da África, na cidade de Cartago. Sua vida foi marcada por rom- pimentos entre uma formação religiosa familiar e sua vida mundana durante a juventude. Por causa desta última, se mudou para Roma, trazendo consigo sua concubina e o ilho que teve com ela. [...] ao contrário, nada passa, tudo é presente, ao passo que o tempo nunca é todo presente. Esse tal, verá que o passado é impelido pelo futuro e que todo o futuro está precedido dum passado, e todo o passado e futuro são criados e dimanam d’Aquele que sempre é presente. (Santo Agostinho). A ORIGEM DA FILOSOFIA R e p ro d u çã o p ro ib id a . A rt. 1 8 4 d o C ó d ig o P e n a l e Le i 9 .6 1 0 d e 1 9 d e fe v e re iro d e 1 9 9 8 . IU N I D A D E40 Criticado pela mãe, uma cristã ortodoxa, Agostinho viveu a culpa do pecado, o que sempre lhe guiou em seus pensamentos acerca da religiosidade. Ele foi um dos principais responsáveis por traduzir o pecado como um problema de con- duta do indivíduo e não da condição em sociedade. Outro elemento importante nas teses de Agostinho é a predestinação. A busca de entender a vida na Terra como um relexo da vontade de Deus. A existência humana expressa aquilo que está designado, logo, a própria conduta do homem não lhe permitirá se salvar se esta não for a vontade de Deus. Logo, o homem arrasta a culpa, a fé pode lhe aproximar de Deus, mas somente a vontade divina pode salvá-lo. Por isso, a importância dos sinais divinos como guia do caminho de desvendar seu destino, expresso no pensamento de Santo Agostinho. Ao aceitarmos a condição que Deus criou na Terra, estabelecemos uma rela- ção de fé sem questionamento da origem dos elementos materiais que nos cercam. Estes são, para Agostinho, uma condição criada por Deus sem que tenhamos o direito ou a capacidade de questioná-la. Temos que aceitar, por exemplo, que a criação de todo o Universo foi feita a partir do “nada”, da inexistência de qual- quer elemento anterior. Assim, Deus fez o tempo, fez a matéria. Ele cria a partir do nada e assim é, sem questionamento, acreditava Agostinho. Deus quis criar todas as coisas, mas não se deve buscar esta causa na vontade de Deus, pois Ele é causa única das coisas, e sendo a causa de tudo, não tem causa. Deste modo, toda criação surgiu da Palavra Cria- dora, o Verbo (CARDOSO, 2010, p. 84). Esse pensamento coloca a condição de existência como dádiva e não con- quista. Ou seja, o homem na terra é uma concessão divina. Sua existência está sequestrada por um destino que não lhe pertence construir, apenas seguir os desígnios divinos, conforme descreve o próprio ilósofo. [...] a vontade de Deus não é uma criatura; está antes de toda a criatura, pois nada seria criado se antes não existisse a vontade do Criador. Essa vontade pertence à própria substância de Deus. Se alguma coisa sur- gisse na substância de Deus que antes lá não estivesse, não podíamos, com verdade, chamar a essa substância eterna. Mas, se desde toda a eternidade é vontade de Deus que existam criaturas, por que razão não
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