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Alice Bastos Antivirais Introdução Há cinco classes de fármacos antirretrovirais e cada um atinge um dos quatro processos virais; As classes de fármacos são: → Inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeo ou nucleotídeo (ITRNs); → Inibidores da transcriptase reversa não análogo de nucleosídeo (ITRNNs); → Inibidores da protease (IP); → Inibidores de entrada; → Inibidores da integrase; O tratamento inicial preferido é uma associação de dois ITRNs com um IPs, um ITRNNs ou um inibidor da integrasse; A escolha da associação adequada se baseia em: → Evitar o uso de dois fármacos do mesmo análogo nucleosídico; → Evitar a sobreposição de toxicidades e características genotípicas e fenotípicas do vírus; → Considerar os fatores do paciente, como sintomas da doença e doenças concomitantes; → Considerar o impacto da interação entre fármacos; → Facilitar a adesão ao regime; Os objetivos do tratamento são: → Suprimir de forma máxima e durável a replicação do RNA HIV; → Restabelecer e preservar a função imunológica; → Reduzir a morbidade e a mortalidade relacionadas ao HIV; → Melhorar a qualidade de vida. ITRNs Resumo Mecanismo de ação Os ITRNs são análogos dos ribosídeos nativos (nucleosídeos ou nucleotídeos contendo ribose) desprovidos do grupo 3’-hidroxila; Dentro das células, os ITRNs são fosforilados por enzimas celulares ao análogo trifosfato correspondente, que é preferencialmente incorporado ao DNA viral pela transcriptase reversa (TR); Como o grupo 3’-hidroxila não está presente, não se forma a ligação 3’5’-fosfodiéster entre o trifosfato nucleosídeo e a cadeia de DNA em formação, interrompendo o alongamento do DNA; A afinidade dos fármacos por várias células DNA- polimerases do hospedeiro é menor do que pela TR do HIV; → No entanto, a DNA-polimerase mitocondrial parece ser suscetível em concentrações terapêuticas. Alice Bastos Farmacocinética Excreção: principalmente por via renal; Todos exigem ajuste da dosagem em caso de insuficiência renal; → Exceto o abacavir, que é biotransformado pela álcool desidrogenase e pela glicuroniltransferase. Efeitos adversos Muitos efeitos adversos acontecem em decorrência da inibição da DNA-polimerase mitocondrial em certos tecidos; Os didesoxinucleotídeos, como a didanosina e a estavudina, têm maior afinidade pela DNA-polimerase mitocondrial, causando toxicidades como: → Neuropatia periférica; → Pancreatite; → Lipoatrofia; Todos os ITRNs têm sido associados à toxicidade hepática potencialmente fatal, caracterizada por: → Acidose lática; → Hepatomegalia com esteatose. Interações farmacológicas Devido à excreção renal, não há muitas interações com fármacos, excetuando a zidovudina e o tenofovir. Fármacos Zidovudina (azt) É aprovada para: → Tratamento da infecção por HIV em crianças e adultos; → Prevenir a transmissão perinatal do HIV; → Profilaxia em indivíduos expostos à infecção por HIV; É bem absorvida após administração oral; A penetração na barreira hematencefálica é excelente; É glicuronizada pelo fígado e, então, excretada na urina; Alguns efeitos adversos são: → Cefaleia; → Anemia; → Neutropenia; Não deve ser administrada junto com estavudina e ribavirina, pois também são ativadas pela mesma via intracelular. Estavudina (d4t) É bem absorvida após administração oral; Penetra a barreira hematencefálica; A maior parte é excretada, inalterada, na urina; É uma forte inibidora de enzimas celulares, como as DNA-polimerases, reduzindo, assim, a síntese de DNA mitocondrial e causando toxicidade; Os principais efeitos adversos são: → Neuropatia periférica; → Cefaleia; → Urticária; → Diarreia; → Lipoatrofia. Didanosina (ddl) Após a entrada da didanosina na célula hospedeira, ela é biotransformada em didesoxiadenosina trifosfato (ddATP), por meio de uma série de reações que envolvem fosforilações e aminações; Devido à sua labilidade ácida, a absorçãoé melhor se for ingerida em jejum; Alice Bastos Também penetra no LCS (em menor extensão do que a AZT; A pancreatite (que pode ser fatal) é a principal reação tóxica e requer monitoração da amilase sérica; O paciente também pode apresentar a neuropatia periférica; Devido à semelhança do perfil de efeitos adversos, o uso simultâneo com estavudina não é recomendado. Tenofovir (tdf) É convertido por enzimas celulares em difosfato, um inibidor da TR do HIV; Tem longa meia vida, permitindo dosificação única por dia; A maior parte do fármaco é recuperada, inalterada, na urina Transtornos gastrointestinais são frequentes e incluem náusea e timpanismo; Não deve ser usado com didanosina, devido às interações; O tenofovir diminui as concentrações de atazanavir, de modo que o atazanavir precisa ser reforçado com o ritonavir, se estes fármacos foram administrados de modo concomitante. Lamivudina Inibe a TR do HIV, mas não afeta a síntese de DNA mitocondrial ou das células precursoras da medulara óssea, resultando em menos toxicidade; Tem boa biodisponibilidade oral, depende do rim para excreção e é bem tolerada. Entricitabina É um derivado fluorado da lamivudina; Inibe a TR do HIV; É bem absorvida após administração oral; A meia-vida plasmática é de cerca de 10 horas, e a meia-vida intracelular é de 39 horas; É eliminida, inalterada, na urina; Não tem interações significativas com outros fármacos; Os efeitos adversos mais comuns são: → Cefaleia; → Diarreia; → Náusea; → Urticária; → Hiperpigmentação das solas dos pés e palmas das mãos. Abacavir (abc) É um análogo de guanosina bem absorvido por via oral; É biotransformado a metabólitos inativos pelo álcool desidrogenase e pela glicuroniltransferase; → Os metabólitos aparecem na urina; Os efeitos adversos podem ser: → Distúrbios gastrointestinais; → Cefaleia; → Vertigem; Alice Bastos → Reação de hipersensibilidade (5%): caracterizada por febre, urticária, sintomas gastrointestinais, mal-estar e angústia respiratória. ITRNNs São inibidores não competitivos de TR-HIV1, altamente seletivos; Ligam-se à TR de HIV1, em um local alostérico hidrofóbico adjacente ao local ativo, induzindo uma modificação de conformação que resulta na inibição da enzima; Não necessitam de ativação por enzimas celulares. Fármacos Neviparina (nvp) É usada em associação a outros antirretrovirais para o tratamento de infecções por HIV, em adultos e crianças; Devido ao potencial para hepatotoxicidade grave, não deve ser iniciada nos seguintes casos: → Mulheres com contagem de células CD4 acima de 250/mm3; → Homens com contagem de células CD4 acima de 400/mm3; Possui natureza lipídica, o que explica sua ampla distribuição tissular, incluindo SNC, placenta (transferência ao feto) e leite materno; Os efeitos adversos mais frequentes são: → Urticária; → Febre; → Cefaleia; → Elevação das transaminases séricas; → Hepatotoxicidade fatal; → Efeitos dermatológicos graves: síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica; Um período de adaptação de 14 dias, usando a metade da dosagem, é indispensável para reduzir o risco de reações epidérmicas graves e hepatotoxicidade. Delavirdina (dlv) Não é recomendada como ITRNN preferencial ou como alternativa nas normas atuais para HIV, devido a sua eficácia antiviral inferior e à dosagem inconveniente (3x ao dia). Efavirenz (efv) É o ITRNN preferido; Após a administração oral, ele é bem distribuído, inclusive ao SNC; Deve ser administrado em jejum para diminuir os efeitos adversos no SNC; A meia-vida de mais de 40 horas é responsável pela recomendação da administração uma vez por dia;A maioria dos efeitos adversos é tolerável e se relaciona com o SNC, incluindo: → Tontura; → Cefaleia; → Sonhos vívidos; → Perda de concentração; Cerca da metade dos pacientes apresenta esses efeitos (citados acima), que normalmente desaparecem em poucas semanas; Outro efeito adverso comum é a urticária; Deve ser evitado em gestantes. Alice Bastos Etravirina (etr) É um ITRNN de segunda geração, ativo contra várias cepas de HIV resistentes às ITRNNs de primeira geração; É indicada para o tratamento da infecção por HIV em pacientes resistentes a vários fármacos, tratamento- experientes, que têm evidências de replicação viral em andamento; A biodisponibilidade aumenta quando é ingerida com alimentos ricos em gordura; Embora tenha meia-vida aproximada de 40 horas, são indicadas duas doses por dia; É excretada, principalmente, nas fezes; Urticária é o efeito adverso mais comum. Rilpivirina (rpv) Está aprovada para o tratamento da infecção por HIV em pacientes virgens, em combinação com outros antirretrovirais; É administrada via oral, uma vez ao dia, junto com alimentos, e tem absorção dependente do pH; É excretada principalmente nas fezes; Efeitos adversos mais comuns são: → Distúrbios depressivos; → Cefaleia; → Insônia; → Urticária. Inibidores da protease Resumo Mecanismo de ação Todos os fármacos desse grupo são inibidores reversíveis da aspartil protease (retropepsina) HIV, que é a enzima viral responsável pela clivagem da poliproteína viral em inúmeras enzimas essenciais (transcriptase reversa, protease e integrase) e várias proteínas estruturais; A inibição evita a maturação de partículas virais e resulta na produção de vírions não infecciosos. Farmacocinética A biotransformação é extensa, e poucos dos IPs são excretados, inalterados, na urina; Não são necessários ajustes de dosagens em casos de deficiência renal. Efeitos adversos Os IPs comumente causam: → Parestesia; → Náusea; → Êmese; → Diarreia; → Distúrbios no metabolismo de glicose e lipídeos (diabetes, hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia); A administração crônica resulta em redistribuição de gordura, incluindo perda de gordura nas extremidades, acúmulo no abdome e base do pescoço (“corcunda de búfalo”), e aumento do tórax. Fármacos Ritonavir (rtv) Não é mais empregado como PI isoladamente, mas é usado como “reforçador farmacocinético” ou “reforçador booster” de outros IPs; É um potente inibidor da CYP3A e, simultâneo à sua administração (em dosagens baixas), aumenta a biodisponibilidade de um segundo IP; → Isso aumenta, com frequência, o intervalo entre as dosificações; As Cmin mais altas do “IP reforçado” ajudam a evitar o desenvolvimento de resistência; → Por isso, os “IPs reforçados” são os fármacos preferidos nas normas de tratamento da infecção por HIV; Os efeitos adversos mais comuns são: → Náusea; → Êmese; → Diarreia; → Cefaleia; → Parestesia circumoral. Alice Bastos Saquinavir (sqv) Para maximizar a biodisponibilidade, é administrado sempre junto a uma dose baixa de ritonavir; A eliminação é primariamente por biotransformação hepática, seguida por excreção biliar; Os efeitos mais adversos são: → Cefaleia; → Fadiga; → Diarreia; → Náusea; → Outros distúrbios GI. Indinavir (idv) É bem absorvido por via oral; Condições gástricas ácidas são necessárias para sua absorção, que diminui quando o indinavir é administrado com alimento; Efeitos adversos: → Sintomas gastrointestinais; → Cefaleia; → Nefrolitíase; → Hiperbilirrubinemia; → Redistribuição de gordura. Nelfinavir (nfv) É o único IP que não é “reforçado” pelo ritonavir; Diarreia é o efeito adverso mais comum. Fosamprenavir (fpv) É um pró-fármaco biotransformado em amprenavir após absorção oral; Sua meia-vida plasmática prolongada permite dosificar duas vezes por dia; → A coadministração de ritonavir aumenta a concentração plasmática de amprenavir e diminui a dosagem diária total; Efeitos adversos mais comuns: → Náusea; → Êmese; → Diarreia; → Fadiga; → Parestesias; → Cefaleia. Lopinavir (lpv/r) É um IP alternativo; Os efeitos adversos mais comuns são: → Sintomas gastrointestinais; → Hipertrigliceridemia; Indutores enzimáticos, bem como a erva-de-são-joão, devem ser evitados, pois reduzem a concentração plasmática de lopinavir. Atazanavir (atv) Bem absorvido por via oral, é o IP preferido; Sua meia-vida é de cerca de 7 horas, mas pode ser administrado uma vez ao dia; Alguns efeitos adversos são: → Hiperbilirrubinemia benigna; → Icterícia; → Prolongamento do intervalo PR; Comparado aos outros IPs, oferece menor risco de hiperlipidemia. Tipranavir (tpv) É um IP não peptídico que inibe a protease HIV em vírus resistentes a outros IPs; Tem meia-vida de 6 horas e deve ser dosificado duas vezes ao dia, associado ao ritonavir; Os efeitos adversos são similares aos de outros IPs, com exceção da hepatite grave e fatal, e dos casos raros de hemorragia intracranial; → A maioria dos pacientes com esses efeitos adversos graves apresentava comorbidade subjacente; É útil nos regimes de “salvação” em pacientes com resistência múltipla. Darunavir (drv) É um dos IPs preferidos e sempre é administrado junto a uma dose baixa de ritonavir; Alice Bastos Está aprovado para o tratamento inicial de pacientes “experientes”, que resistem a outros IPs; Os efeitos adversos são similares aos dos outros IPs. Inibidores de entrada Enfuvirtida É um inibidor de fusão; Para que o HIV entre na célula do hospedeiro, ele deve fundir sua membrana com a da célula do hospedeiro; → Isso é possibilitado por mudanças na conformação da glicoproteína viral transmembrana gp41, o que ocorre quando o HIV se liga à superfície da célula do hospedeiro; A enfuvirtida é um polipeptídeo que se liga à gp41, evitando a mudança conformacional; Em associação a outros antirretrovirais, é aprovada para o tratamento de pacientes “experientes” que apresentam evidências de replicação viral, apesar do tratamento com antirretroviral; É administrada por via subcutânea; A maioria dos efeitos adversos se relaciona com a injeção: → Dor; → Eritema; → Endurecimento; → Nódulos. Maraviroque Seu mecanismo de ação é através do bloqueio do correceptor CCR5, que atua junto com a gp41, facilitando a entrada do HIV através da membrana da célula; O HIV pode expressar preferência pelo correceptor CCR5 ou pelo CXCR4, ou por ambos (dual-trópico); → Por isso, antes de usar o maraviroque, é necessário um teste para determinar o tropismo viral e diferenciar entre cepas de vírus que usam o correceptor CCR5, o correceptor CXCR4 ou se é dual; Somente as cepas de HIV que usam o correceptor CCR5 para ter acesso às células são tratadas com maraviroque com sucesso; É, geralmente, bem tolerado. Inibidores da integrase Atuam inibindo a inserção do DNA pro-viral no genoma da célula hospedeira; O centro ativo da enzima integrase se liga ao DNA da célula hospedeira e introduz dois cátions metálicos divalentes que servem de alvos de quelação para os inibidores da integrase; → Quando o inibidor de integrase está presente, o centro ativo da enzima é ocupado, e o processo de integração é interrompido; São, geralmente, bem tolerados, com náusea e diarreia como efeitos adversos mais comumente relatados. Alice Bastos Raltegravir Em associação a outros antirretrovirais, é aprovado para o tratamento de pacientes novos, bem como de “experientes”, com evidências de multiplicação viral, apesar do tratamento com antirretrovirais em andamento; É bem tolerado, embora efeitos adversos graves tenham sido relatados, como: → Elevação da creatinocinase com dor muscular; → Rabdomiólise;→ Possível depressão com ideias suicidas. Elvitegravir Atualmente, é a única associação disponível em doses fixas em comprimido único contendo: → Tenofovir; → Entricitabina; → Elvitegravir; → Cobicistate; O efeito adverso mais comum é a náusea. Dolutegravir É rapidamente absorvido por administração oral; É um inibidor da proteína de transporte renal OTC2 e pode resultar em elevação leve, benigna e reversível da creatinina sérica; Pode ser dosificado uma vez ao dia sem o uso do reforçador farmacocinético a pacientes sem resistência preexistente a inibidores da integrase. Referências SHERMAN, E. Antiviróticos. In: WHALEN, K.; FINKEL, R.; PANAVELLI, T. A. Farmacologia ilustrada. 6. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2016. p. 567-585. YEH, R. W.; COEN, D. M. Farmacologia das infecções virais. In: GOLAN, D. E. Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da farmacologia. 3. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. p. 1347-1392.
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