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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/327285249 Capítulo 13: Bases de anatomia para compreensão de aspectos funcionais da madeira. Chapter · January 2018 CITATIONS 0 READS 1,740 2 authors: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Shadows of the edge effects for tropical emergent trees: the impact of lianas on the growth of Aspidosperma polyneuron View project Multiple vs. Solitary connections between parasitic plant and their hosts View project Milena Veiga University of São Paulo 5 PUBLICATIONS 13 CITATIONS SEE PROFILE Luiza Teixeira-Costa Harvard University 25 PUBLICATIONS 24 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Milena Veiga on 29 August 2018. The user has requested enhancement of the downloaded file. https://www.researchgate.net/publication/327285249_Capitulo_13_Bases_de_anatomia_para_compreensao_de_aspectos_funcionais_da_madeira?enrichId=rgreq-101e03fe143663ed9474b698d4e9a324-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNzI4NTI0OTtBUzo2NjQ5NTY1MjE0MjI4NDhAMTUzNTU0OTM5NzMzMA%3D%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/publication/327285249_Capitulo_13_Bases_de_anatomia_para_compreensao_de_aspectos_funcionais_da_madeira?enrichId=rgreq-101e03fe143663ed9474b698d4e9a324-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNzI4NTI0OTtBUzo2NjQ5NTY1MjE0MjI4NDhAMTUzNTU0OTM5NzMzMA%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Shadows-of-the-edge-effects-for-tropical-emergent-trees-the-impact-of-lianas-on-the-growth-of-Aspidosperma-polyneuron?enrichId=rgreq-101e03fe143663ed9474b698d4e9a324-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNzI4NTI0OTtBUzo2NjQ5NTY1MjE0MjI4NDhAMTUzNTU0OTM5NzMzMA%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Multiple-vs-Solitary-connections-between-parasitic-plant-and-their-hosts?enrichId=rgreq-101e03fe143663ed9474b698d4e9a324-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNzI4NTI0OTtBUzo2NjQ5NTY1MjE0MjI4NDhAMTUzNTU0OTM5NzMzMA%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-101e03fe143663ed9474b698d4e9a324-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNzI4NTI0OTtBUzo2NjQ5NTY1MjE0MjI4NDhAMTUzNTU0OTM5NzMzMA%3D%3D&el=1_x_1&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Milena_Veiga?enrichId=rgreq-101e03fe143663ed9474b698d4e9a324-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNzI4NTI0OTtBUzo2NjQ5NTY1MjE0MjI4NDhAMTUzNTU0OTM5NzMzMA%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Milena_Veiga?enrichId=rgreq-101e03fe143663ed9474b698d4e9a324-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNzI4NTI0OTtBUzo2NjQ5NTY1MjE0MjI4NDhAMTUzNTU0OTM5NzMzMA%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/institution/University_of_Sao_Paulo?enrichId=rgreq-101e03fe143663ed9474b698d4e9a324-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNzI4NTI0OTtBUzo2NjQ5NTY1MjE0MjI4NDhAMTUzNTU0OTM5NzMzMA%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Milena_Veiga?enrichId=rgreq-101e03fe143663ed9474b698d4e9a324-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNzI4NTI0OTtBUzo2NjQ5NTY1MjE0MjI4NDhAMTUzNTU0OTM5NzMzMA%3D%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Luiza_Teixeira-Costa?enrichId=rgreq-101e03fe143663ed9474b698d4e9a324-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNzI4NTI0OTtBUzo2NjQ5NTY1MjE0MjI4NDhAMTUzNTU0OTM5NzMzMA%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Luiza_Teixeira-Costa?enrichId=rgreq-101e03fe143663ed9474b698d4e9a324-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNzI4NTI0OTtBUzo2NjQ5NTY1MjE0MjI4NDhAMTUzNTU0OTM5NzMzMA%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/institution/Harvard_University?enrichId=rgreq-101e03fe143663ed9474b698d4e9a324-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNzI4NTI0OTtBUzo2NjQ5NTY1MjE0MjI4NDhAMTUzNTU0OTM5NzMzMA%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Luiza_Teixeira-Costa?enrichId=rgreq-101e03fe143663ed9474b698d4e9a324-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNzI4NTI0OTtBUzo2NjQ5NTY1MjE0MjI4NDhAMTUzNTU0OTM5NzMzMA%3D%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Milena_Veiga?enrichId=rgreq-101e03fe143663ed9474b698d4e9a324-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyNzI4NTI0OTtBUzo2NjQ5NTY1MjE0MjI4NDhAMTUzNTU0OTM5NzMzMA%3D%3D&el=1_x_10&_esc=publicationCoverPdf 1 2 3 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS BOTÂNICA NO INVERNO 2018 Organizadores Laboratório de Algas Marinhas Fábio Nauer da Silva Nuno Tavares Martins Laboratório de Anatomia Vegetal Leyde Nayane Nunes dos Santos Silva Erika Prado Maximo Laboratório de Biologia de Sistemas Daniele Silva Pereira Rosado Laboratório de Fitoquímica Gislaine das Neves Sacramento Laboratório de Fisiologia do Desenvolvimento Vegetal Bruno Nobuya Katayama Gobara Frederico Rocha Rodrigues Alves Renata Callegari Ferrari Laboratório de Sistemática, Evolução e Biogeografia de Plantas Vasculares Aline Possamai Della Andressa Cabral Professora responsável Profa. Dra. Cláudia Maria Furlan Autores Aline Possamai Della Allyson Eduardo Nardelli Andressa Cabral Annelise Frazão Antônio Azeredo Coutinho Neto Augusto Giaretta Bianca Kalinowski Canestraro Bruno Lenhaverde Sandy Camila Dellanhese Inácio Carmen Lucia Gattás Eduardo Damasceno Lozano Ellenhise Ribeiro Costa Emanuelle Lais dos Santos Erika Prado Fábio Nauer Filipe Christian Pikart Gisele Alves Jéssica Nayara Carvalho Francisco José Hernandes Lopes Filho Juan Pablo Narváez-Gómez Juliana Lovo Karoline Magalhães Leyde Nayane Nunes dos Santos Silva Lorena Bueno Valadão Mendes Luana Jacinta Sauthier Luíza Teixeira Costa Maria Camila Medina Montes Maria Carolina Las-Casas e Novaes Mariana Maciel Monteiro Mariana Sousa Melo Matheus Colli-Silva Milena de Godoy Veiga Natalie do Valle Capelli Nuno Tavares Martins Pamela Santana Pâmela Tavares da Silva Patrícia Guimarães Araújo Priscila Pires Bittencourt Raquel Paulini Miranda Rebeca Laino Gama Renata Callegari Ferrari Sabrina Gonçalves Raimundo Sebastião Maciel do Rosário Valéria Ferrario Bazalar Vanessa Ariati Vinícius Daguano Gastaldi São Paulo 2018 4 VIII Botânica no Inverno 2018 / Org. Aline Possamai Della [et al.]. – São Paulo: Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Departamento de Botânica, 2018. 275 p. : il. ISBN Versão online: 978-85-85658-77-9 Inclui bibliografia 1. Biodiversidade e Evolução. 2. Estrututa e Desenvolvimento. 3. Recursos Econômicos Vegetais. 4. Ensino em Botânica. VIII Botânica no Inverno 2018. 5 PREFÁCIO Fundado em 1934 pelo professor Felix Kurt Rawitscher, o Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo atualmente é referência em nível internacional de pesquisa e ensino. Possui uma equipe formada por 28 docentes (3 aposentados), os quais estão distribuídos em 8 áreas de conhecimento. Apresenta como infraestrutura 11 laboratórios, um herbário com a coleção de plantas vasculares, algas e madeiras estimado em 300.000 espécimes e, um fitotério, com uma coleção de plantas vivas para uso didático, estufas e casas de vegetação. Somando-se ao grande número de pós-graduando (dentre esses, estrangeiros) e a alta atividade científica dessa comunidade, a Pós-Graduação de Botânica possui conceito CAPES 7, o mais alto entre as botânicas do país. Realizado desde o ano de 2011, o curso de Botânica no Inverno, é uma iniciativa dos pós- graduandos que visa divulgar esse trabalho realizado no Departamento de Botânica, possibilitando o futuro acolhimento de alunos (potenciais) pesquisadores ao seu corpo discente. Na VIII edição, o Curso de Botânica no Inverno pretende, com os alunos de graduação e recém-formados, revisar e atualizar conceitos fundamentais das subáreas Anatomia Vegetal, Educação em Botânica, Ficologia, Fisiologia Vegetal, Fitoquímica, Sistemática e Taxonomia Vegetal, além de proporcionar a experiência de vivenciarem as atividades realizadas em nossos laboratórios, despertando o primeiro interesse dos possíveis futuros acadêmicos em projetos de pesquisa do Departamento. Para a realização do VIII Botânica no Inverno, agradecemos à Universidade de São Paulo, à direção do Instituto de Biociências, à chefia do Departamento de Botânica, à Comissão Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Botânica, as agências de fomento FAPESP, CAPES e CNPq. O conteúdo dos capítulos é de responsabilidade dos respectivos autores. Desejamos a todos um bom curso. Comissão Organizadora do VIII Botânica no Inverno 6 ÍNDICE PREFÁCIO. ........................................................................................................................................................................5 PARTE I: DIVERSIDADE E EVOLUÇÃO Capítulo 1: Origem e evolução do cloroplasto. .....................................................................................................................8 Capítulo 2: Criptofíceas: um pequeno grupo de grande importância. .................................................................................13 Capítulo 3: Macroalgas marinhas: técnicas de cultivo e aplicação. ....................................................................................20 Capítulo 4: Ecologia de costões rochosos: metodologias de amostragem e monitoramento. ..............................................29 Capítulo 5: Mudanças climáticas e os efeitos sobre macroalgas marinhas. ........................................................................46 Capítulo 6: Macroalgas e suas aplicações biotecnológicas. ...............................................................................................51 Capítulo 7: Morfologia e ecologia das briófitas. .................................................................................................................67 Capítulo 8: Tópicos gerais sobre licófitas e samambaias. ...................................................................................................77 Capítulo 9: Herbáceas de sub-bosque. ................................................................................................................................94 Capítulo 10: Inferindo a história evolutiva de organismos: dos fundamentos básicos da obtenção dos dados à reconstrução de uma hipótese filogenética. ...........................................................................................................................................102 Capítulo 11: Fundamentos de taxonomia vegetal. ............................................................................................................125 Capítulo 12: Biogeografia neotropical: história e conceitos. ............................................................................................145 PARTE II: ESTRUTURA E DESENVOLVIMENTO Capítulo 13: Bases de anatomia para compreensão de aspectos funcionais da madeira. ...................................................168 Capítulo 14: Estruturas secretoras.....................................................................................................................................175 Capítulo 15: Interação planta-animal: uma pequena abordagem sobre os mecanismos por detrás dos mutualismos ........193 Capítulo 16: Genômica e elementos de transposição ..............................................................................................200 PARTE III: RECURSOS ECONÔMICOS VEGETAIS Capítulo 17: Fatores que influenciam no desenvolvimento das plantas: Água e Macronutrientes. ...................................211 Capítulo 18: Reações luminosas da fotossíntese: produzindo NADPH e eletricidade. .....................................................226 Capítulo 19: Estresse hídrico em plantas: aspectos morfofisiológicos, adaptações e mecanismos de resposta. ................235 PARTE IV: ENSINO EM BOTÂNICA Capítulo 20: Precisamos falar sobre a Bioinformática. .....................................................................................................246 Capítulo 21: Educomunicação como ferramenta de Educação Ambiental: Projeto Ecossistemas Costeiros. ...................262 7 Parte I DIVERSIDADE E EVOLUÇÃO 8 Origem e evolução dos cloroplastos Karoline Magalhães (Universidade de São Paulo) Fábio Nauer (Universidade de São Paulo) A diversidade biológica encontrada atualmente em nosso planeta está classificada em três domínios, Archaea, Bacteria e Eukarya, sendo os dois primeiros procariontes e o último eucarionte. As células de eucariontes são fruto do processo de endossimbiose que ocorreu há mais de 1.4 bilhões de anos. Nesse processo, um endossimbionte foi retido e integrado à célula hospedeira, originando a mitocôndria. Toda a diversidade biológica encontrada dentro de Eukarya descende deste único processo de endossimbiose. Os processos endossimbiose podem impactar dramaticamente a arquitetura celular e genômica das células envolvidas. Ao longo do processo de estabelecimento de endossimbiose, parte do material genético do endossimbionte é transferido para o núcleo principal da célula hospedeira. Tal fato resulta na diminuição dos genomas organelares, assim como reestruturação genética nessas organelas. Consequentemente, mitocôndrias e cloroplastos passam a ser dependentes de proteínas produzidas pelo núcleo, que são marcadas para realizarem funções como expressão, reparo e replicação dentro nessas organelas. A endossimbiose teve uma ampla influência sobre a diversificação das linhagens de eucariontes. Há teorias que defendem que o processo foi fundamental para o surgimento do sistema de endomembranas e da origem do núcleo dos eucariontes. As células procariontes são cerca de 10 vezes menores que os eucariontes e assim exigem um outro nível de compartimentação para seu funcionamento. A capacidade de criar um fagócito por meio de uma invaginação celular, que fosse capaz de envolver partículas tão grandes quanto bactérias, foi crucial para a evolução dos eucariontes. A fotossíntese surgiu originalmente nas cianobactérias (algas azuis) há aproximadamente 3.5 bilhões de anos. Esses organismos foram responsáveis pela oxigenação da atmosfera, permitindo a colonização do ambiente terrestre e modificando completamente o clima na Terra. Após o surgimento das células eucariontes, a endossimbiose envolvendo cianobactérias entram em cena. Chamamos de endossimbiose primária, aquela na qual um organismo eucarionte heterotrófico englobou e reteve uma cianobactéria, culminando no surgimento dos cloroplastos. Acredita-se que um único processo de endossimbiose primária deu origem à Archaeplastida (Figura 1). Tal grupo compreende a importantes linhagens que conhecemos atualmente, são as glaucófitas, rodofíceas (algas vermelhas) e clorofíceas (algas verdes e plantas terrestres). CAPÍTULO 1 9 A partir do processo de endossimbiose primária, os primeiros cloroplastos surgiram. Posteriormente, processos de endossimbiose envolvendo dois eucariontes se iniciaram. Em processos distintos de endossimbiose secundária envolvendo uma alga verde ancestral como endossimbionte, as chlorarachniofítas e euglenofíceas adquiriram seus plastídios (Figura 1). As características das células hospedeiras dos dois grupos é bastante distinta. Enquanto as euglenofíceas estão proximamente relacionadas aos tripanossomídeos e leishmanias (Discicristata), as chlorarachniofítas são relacionadas aos foraminíferos e radiolários (Rhizaria). Embora filogenia dos plastídios secundários verdes já seja melhor compreendida, a história dos grupos com plastídios derivados de algas vermelhas ainda é controversa. Não há consenso sobre quantos eventos de endossimbiose originaram as linhagens de plastídios vermelhos. Inicialmente, acreditava-se que um único evento de endossimbiose secundária envolvendo uma alga vermelha e um hospedeiro heterotrófico se diversificou e deu origem as linhagens atuais de criptofíceas, dinoflagelados, haptofíceas e heterocontes. Esse grupo foi chamado Chromoalveolata. Outra teoria proposta para a evolução dos plastídios vermelhos, supõe que dois eventos distintos deram origem às linhagens vermelhas atuais. As haptofíceas e criptofíceas são fruto de um único evento de endossimbiose, sendo agrupadas em Hacrobia. Já os heterocontes teriam adquirido seus plastídios em um evento separando. Entretanto, trabalhos recentes utilizando filogenômica nuclear não embasam tais teorias. Recentemente, uma nova teoria sobre a origem e evolução dos plastídios secundários vermelhos foi proposta, em que propõe que as criptofíceas adquiriram seus cloroplastos por meio de um único evento de endossimbiose secundária com uma alga vermelha. Posteriormente, um eucarionte heterotrófico englobou uma criptofícea, originando plastídios terciários dos heterocontes. A partir de então, outro eucarionte heterotrófico englobou o heteroconte (plastídio terciário) em um processo de endossimbiose quaternária, dando origem a linhagem das haptofíceas (Figura 2). Entretanto, muito ainda precisa ser investigado para se chegar a um consenso sobre a evolução dos grupos de organismos que possuem plastídios de algas vermelhas. Os dinoflagelados são constantemente excluídos dessas analises. 10 Figura 1. Representação esquemática dos processos de transferência lateral dos plastídios nas atuais linhagens de eucariontes 11 Figura 2. Representação das teorias atuais sobre a origem dos plastídios derivados de algas vermelhas. 12 Referências Burki, F., Kaplan, M. Tikhonenkov, D., Zlatogursky, V., Minh, B. Q., Radaykina, L., Smirnov, A., Mylnikov, A. P., Keeling, P. J. 2016. Untangling the early diversification of eukaryotes; a phylogenomic study of the evolutionary origins of Centrohelida, Haptophyta and Cryptista. Proceedings of the Royal Society Biological Sciences, v. 283, n. 1823, p. 20152802. Charrier, B., Bail, A., Reviers, B. 2012. Plant Proteus: Brown Algal Morphological Plasticity And Underlying Developmental Mechanisms. Trends In Plant Science, August 2012, Vol. 17, No. 8. Graham, L.E.; Graham, J.M. & Wilcox, L.W. 2009 Algae. 2. ed. Pearson Benjamin Cummings, 616 p. Guimarães, S.M.P.B. 1990 Rodofíceas marinhas bentônicas do Estado do Espírito Santo: ordem Cryptonemiales. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 275 p. Guiry, M.D. 2011 The seaweed site: information on marine algae (Online). Acesso em 02 de junho de 2012. Knoll, A.H. The Multiple Origins Of Complex Multicellularity. Annu. Rev. Earth Planet. Sci. 2011. 39:217–39. Lee, R.E. 2008 Phycology. 4ª ed. Cambridge University Press, 547 p. Paula, E.J.; Plastino, E.M.; Oliveira, E.C.; Berchez, F.; Chow, F. & Oliveira, M.C. 2007 Introdução à Biologia das Criptógamas. Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Departamento de Botânica, São Paulo, SP, 184 p. Smith, D. R., Keeling, P. J. 2015. Mitochondrial and plastid genome architecture: reoccurring themes, but significant differences at the extremes. Proceedings of the National Academy of Sciences, p. 20144049. Spalding, M.D., Fox, H.E., Allen, G.R., Davidson, N., Ferdaña, Z.Z., Finlayson, M., Halpern, B.S., Jorge, M.A., Lombana, A., Lourie, S.A., Martin, K.D., Mcmanus, E., Molnar, J., Recchia, C.A., Robertson, J. 2007. Marine Ecoregions of the World: A Bioregionalization of Coastal and Shelf Areas. BioScience 57(7): 573-583. 13 Criptofíceas: um grupo pequeno de grande importância Karoline Magalhães (Universidade de São Paulo) Cryptophyceae, ou criptofíceas, é uma linhagem monofilética de organismos majoritariamente fotossintéticos. Algumas formas com plastídios sem cor (leucoplastos) podem ocorrer no gênero Cryptomonas. Há também espécies heterotróficas do gênero Goniomonas, que não possuem plastídios. Em estudos recentes, as criptofíceas são colocadas como irmãs de linhagens heterotróficas, como katableparídeos, telonemídeos e palpitia, que juntos formam o clado Cryptista. Entretanto, não há uma teoria consenso a respeito do relacionamento das criptofíceas com as demais linhagens de autótrofos cujos plastídios são derivados de algas vermelhas e ainda há debate na literatura cientifica a respeito deste tema. Inicialmente, o grupo foi classificado junto com as haptofíceas e heterocontes, como Chromista. Tal hipótese de classificação foi baseada em características compartilhadas pelos três grupos, como o armazenamento de β1-3 glicano no citoplasma, a presença de clorofila c nos tilacóides, aliado ao fato dos plastídios serem revestidos por quatro membranas (duas extras). A relação de ancestralidade dos plastídios dessas linhagens também foi confirmada por meio de dados filogenômicos dos cloroplastos. Entretanto, trabalhos filogenômicos utilizando os genomas do núcleo e da mitocôndria indicam que Cryptista (criptofíceas e outras linhagens heterotróficas) é grupo irmão de Archaeplastida. As criptofíceas são organismos unicelulares e biflagelados. Suas células são assimétricas, devido a inserção de um par de flagelos ligeiramente distintos. O flagelo maior (dorsal) é geralmente adornado por duas fileiras de mastigonemas, enquanto o flagelo menor com apenas uma fileira (Figura 1). Próximo a inserção dos flagelos, uma citofaringe, que é uma invaginação celular, se estende para o interior da célula. Alguns táxons podem ter uma abertura dessa citofaringe (gullet), chamada de sulco (furrow), que pode ser parcial ou total. Ejectiossômios, que são organelas explosivas, estão dispostos ao redor da região da citofaringe/ sulco. Eles também são encontrados entre as placas do periplasto em outras regiões da célula. Supõem- se que os ejectiossômios sejam organelas relacionadas a fuga e defesa contra injurias, e esses são diferentes dos tricocistos dos dinoflagelados. O periplasto cobre as células das criptofíceas e é organizado em duas camadas de proteínas que revestem a membrana plasmática por dentro (componente interno do periplasto-CIP) e por fora (componente externo do cloroplasto-CEP). As formas das placas do periplasto variam entre as CAPÍTULO 2 14 linhagens de criptofíceas e são muitas das vezes usadas como caracteres taxonômicos do grupo. A mitocôndria é unitária e tem forma tubular, que pode ser não ramificada à até complexas formas ramificadas. A mitocôndria se dispõe ao longo das demais organelas. O núcleo principal da célula está sempre disposto na parte antapical da célula (Figura 1). Figura 1. Morfologia básica das células fotossintetizantes de criptofíceas. (Am) amido, (Ci) citofaringe, (Cl) cloroplasto, (E) ejectiossômios, (F) flagelos, (M) mastigonemas, (Pi) pirenoide, (Nu) núcleo, (V) vestíbulo. As criptofíceas surgiram por meio de um processo de endossimbiose, cujo endossimbionte foi uma alga vermelha (Figura 2). Consequentemente, seus plastídios são complexos e têm algumas características únicas. Quatro membranas envolvem os cloroplastos das criptofíceas. Os dois pares de membranas externas correspondem ao retículo endoplasmático, e o par de membranas interno são do envelope do cloroplasto. A membrana formada pelo vacúolo durante o englobamento do endossimbionte parece ter se fundido com o envelope nuclear. A grande maioria das espécies tem um único cloroplasto parietal lobado, com um pirenoide conspícuo (Figura 1). Os pigmentos fotossintéticos do grupo são clorofilas a e c, ficobiliproteínas e carotenoides. As ficobiliproteínas não estão dispostas em ficobilissomos, a despeito das algas vermelhas e cianobactérias. Existem estudos que indicam que todos os tipos de ficobiliproteínas encontrados nas criptofíceas são originalmente derivados uma ficoeritrina, visto que a aloficocianina e ficocianina foram perdidas ao longo do processo evolutivo. 15 Figura 2. Representação esquemática do processo evolutivo que resultou no surgimento de Cryptophyta Nas células desse grupo, as ficobiliproteínas estão localizadas dentro dos tilacóides e apenas um tipo é encontrado por organismo. Sendo assim, ao se obter um extrato de ficobiliproteína de uma espécie é possível saber qual tipo de ficobiliproteína essa possui por meio de uma varredura em espectrofotômetro dentro dos comprimentos de onda da luz visível (400-750nm). O tipo de ficobiliproteína tem sido utilizado para auxiliar a taxonomia das criptofíceas e existe correlação entre o tipo do pigmento e a filogenia molecular. Nos grupos vermelhos de criptofíceas, as ficobiliproteínas são mais conservadas. Por exemplo, a ficoeritrina 545nm é encontrada nos gêneros Rhodomonas, Rhinomonas, Storeatula, Teleaulax, Hanusia, Guillardia, Proteomonas Plagioselmis e Geminigera. A ficoeritrina 566nm é exclusiva do Cryptomonas, assim como a ficocianina 569nm do gênero Falcomonas. Já nos gêneros Chroomonas e Hemiselmis têm variação do tipo de ficobiliproteína de acordo com a linhagem. Em Hemiselmis, cinco tipos diferentes de ficobiliproteinas já foram descritas, sendo que algumas são espécie-especificas (até o momento). Os cloroplastos das criptofíceas ainda retêm o núcleo vestigial do endossimbionte, chamado de nucleomorfo. Portanto, as células de criptofíceas possuem quatro genomas (Figura 3), dois eucariontes (núcleo e nucleomorfo), e dois procariontes (cloroplasto e mitocôndria). Enquanto os genomas da mitocôndria e do núcleo são heranças da célula hospedeira, os genomas do nucleomorfo e do cloroplasto advêm do endossimbionte (alga vermelha). Cada genoma comanda sua síntese de 16 proteínas em compartimentos celulares distintos e fazem intercambio de moléculas, o que requere um mecanismo de coordenação dos compartimentos celulares. O nucleomorfo das criptofíceas tem três cromossomos, mas o tamanho do genoma varia e não há correlações obvias entre a filogenia do grupo e o tamanho do genoma do nucleomorfo. O processo de compactação do material genético do nuclemorfo se iniciou há milhões de anos atrás, sendo responsável pela eliminação e transferência de quase todos os genes para o núcleo principal do hospedeiro. Além do mais, o nucleomorfo tem sido considerado muito importante para o entendimento dos processos de endossimbiose e origem dos cloroplastos, visto que é um estado intermediário de redução do núcleo do endossimbionte. As células de criptofíceas têm dois citoplasmas, um da célula hospedeira e outro do endossimbionte. O citoplasma do endossimbionte fica localizado entre as duas membranas internas e externas do cloroplasto, e é chamado de espaço periplastidial (EPP). Nessa região celular são encontrados grãos de amido, os ribossomos 80S e o nucleomorfo (Figura 3). Figura 3. Representação da célula de criptofíceas evidenciando os quatro genomas e dois citosois presentes em cada organismo. (Am) amido, (EPP) espaço periplastidial, (G) complexo de Golgi, (MT) mitocôndria, (NM) nucleomorfo, (Pi) pirenoide, (RER) retículo endoplasmático rugoso. Ehrenberg descreveu as primeiras espécies de criptofíceas em 1832. Outras espécies e gêneros foram sendo descritos ao longo do tempo. Entretanto, a grande maioria dos autores tinha dificuldade 17 de separar espécies e propor filogenias devido ao pequeno tamanho da maioria das espécies (menor que 40µm) e a falta de características morfológicas conspícuas. A partir da década de 60, trabalhos com criptofíceas utilizando microscopia eletrônica se tornaram mais comuns, o que aumentou o número de caracteres morfológicos para sistemática e filogenia do grupo. Muitos gêneros foram criados, entretanto, há uma grande divergência na literatura sobre quais caracteres morfológicos são válidos para estabelecer as categorias taxonômicas. Por meio de imagens de microscopia eletrônica, a reprodução sexuada foi reportada nas criptofíceas, sendo que em alguns gêneros, como Proteomonas, pode haver dimorfismo entre os haploides de diploides. A partir da década de 90, trabalhos utilizando inicialmente sequências moleculares ribossomais para inferência filogenética validaram muitos dos gêneros estabelecidos previamente com base em caracteres morfológicos. Outros táxons já foram invalidados, como Chilomonas, atribuído as espécies atualmente classificadas como Cryptomonas (que possuem leucoplasto). Para outros táxons, as filogenias moleculares indicaram para- ou polifilia, e, portanto, necessitam de revisão taxonômica para validar ou não esses grupos. O uso de sequências moleculares junto a dados morfológicos também possibilitou a identificação de dimorfismo dentro de uma mesma espécie, que anteriormente poderiam classificadas como duas espécies distintas. Tal fato já foi documentado para espécies do gênero Cryptomonas. As criptofíceas são encontradas em ambientes marinhos, salobros e dulcícolas desde ambientes tropicais até áreas polares. São frequentemente reportadas na comunidade planctônica de ambientes aquáticos, embora raras espécies tenham sido documentadas para o solo e gelo. Ocasionalmente, algumas populações podem se multiplicar rapidamente resultado em florações, que são rapidamente sucedidas por florações de seus predadores, como dinoflagelados e ciliados. As criptofíceas são importantes como fonte de alimento para animais e protistas, como larvas e ciliados. Sendo assim, para reduzir a predação, algumas espécies de Cryptomonas desenvolveram comportamento de migração vertical na coluna d’água em lagos. Durante o dia vão para a zona eufótica e durante a noite migram para ambientes anôxicos e com sulfito de hidrogênio. Atribui-se que tal mecanismo consiga reduzir as perdas da população por predação em 38%. Alguns organismos marinhos do plâncton marinho podem manter cloroplastos de criptofíceas como cleptoplastídeos por um período de tempo. Os hospedeiros assim se favorecem pelos produtos da fotossíntese. O ciliado Myrionecta rubra e alguns grupos de dinoflagelados, como Dinophysis, são conhecidos por manter temporariamente plastídios de criptofíceas. Os hospedeiros temporários dos plastídios das criptofíceas também são capazes de formar florações, já reportadas na costa do Brasil e outras partes do mundo. Entre os dinoflagelados hospedeiros de cleptoplastídeos de criptofíceas, há espécies potencialmente produtoras de toxinas que podem causar envenenamento humano. 18 A estimativa do número de espécies de criptofíceas é incerto e chega a próximo de 200, sendo que cerca de metade dessas são marinhas e outra metade dulcícola. As ordens mais diversas são Cryptomonadales (166 espécies) e Pyrenomonadales (40 espécies). O gênero Cryptomonas conta com o maior número de espécies descritas atualmente (54 espécies), seguido pelos gêneros Chroomonas, Rhodomonas e Hemiselmis. Entretanto, muitas dessas espécies necessitam de uma investigação mais detalhada devido a carências na tipificação. Estudos recentes utilizando abordagem metagenômica, amostrando os oceanos em uma escala global (ver TARAOCEANS), identificaram cerca de 150 unidades taxonômicas operacionais (UTO) para as criptofíceas usando bibliotecas da região V9 do 18S rRNA. Esses dados representam mais da metade da diversidade de espécies previamente estimada para o grupo nos ambientes marinhos. Adicionalmente a grande maioria das UTO (90%) encontradas para as criptofíceas foram dentro da fração do picoplâncton marinho. Entretanto, grande parte das espécies descritas de criptofíceas são da fração do nanoplâncton. Tais dados nos levam a supor que boa parte das espécies de criptofíceas marinhas ainda não foram descritas. A descrição de espécies do grupo numa perspectiva geral é bastante limitada. Todos os táxons descritos são resultados de coletas de oportunidade, o que resulta em uma baixa amostragem e representatividade numa perspectiva global. A imensa maioria das espécies descritas foram coletadas para o Hemisfério Norte. No Brasil, o conhecimento a respeito da flora das criptofíceas é ainda incipiente. Poucos trabalhos foram publicados e todos eles se baseiam apenas em descrições morfológicas obtidas por meio observações em microscopia de luz. Consequentemente, as estimativas do número de espécies em território nacional são incertas, uma vez que espécies crípticas são comumente descritas para o grupo. A escassez de taxonomistas para criptofíceas, aliado a problemas como falta de infraestrutura para microscopia eletrônica e biologia molecular, são fatores que contribuem para a carência de dados para o grupo em território brasileiro. Trinta e quatro espécies foram documentadas no Brasil, sendo 31 de ambientes continentais e duas de ambientes marinhos. Referências Burki, F., Kaplan, M. Tikhonenkov, D., Zlatogursky, V., Minh, B. Q., Radaykina, L., Smirnov, A., Mylnikov, A. P., Keeling, P. J. 2016. Untangling the early diversification of eukaryotes; a phylogenomic study of the evolutionary origins of Centrohelida, Haptophyta and Cryptista. Proceedings of the Royal Society Biological Sciences, v. 283, n. 1823, p. 20152802. De Vargas, C.; Audic, S.; Henry, N.; Decelle, J.; Mahe, F.; Logares, R.; Lara, E.; Berney, C.; Le Bescot, N.; Probert, I.; Carmichael, M.; Poulain, J.; Romac, S.; Colin, S.; Aury, J.-M.; Bittner, L.; Chaffron, S.; Dunthorn, M.; Engelen, S.; Flegontova, O.; Guidi, L.; Horak, A.; Jaillon, O.; 19 Lima-Mendez, G.; Luke, J.; Malviya, S.; Morard, R.; Mulot, M.; Scalco, E.; Siano, R.; Vincent, F.; Zingone, A.; Dimier, C.; Picheral, M.; Searson, S.; Kandels-Lewis, S.; Acinas, S. G.; Bork, P.; Bowler, C.; Gorsky, G.; Grimsley, N.; Hingamp, P.; Iudicone, D.; Not, F.; Ogata, H.; Pesant, S.; Raes, J.; Sieracki, M. E.; Speich, S.; Stemmann, L.; Sunagawa, S.; Weissenbach, J.; Wincker, P.; Karsenti, E.; Boss, E.; Follows, M.; Karp-Boss, L.; Krzic, U.; Reynaud, E. G.; Sardet, C.; Sullivan, M. B.; Velayoudon, D. 2015. Eukaryotic plankton diversity in the sunlit ocean. Science, v. 348, n. 6237, p. 1261605–1261605. Falkowski, P. G.; Katz, M. E.; Knoll, A. H.; Quigg, A.; Raven, J. A.; Schofield, O.; Taylor, F. J. R. 2004. The Evolution of Modern Eukaryotic. Science, v. 305, n. July, p. 354–360. Gantt, E.; Edwards, M. R.; Provasoli, L. 1971. Chloroplast structure of the Cryptophyceae. Evidence for phycobiliproteins within intrathylakoidal spaces. Journal of Cell Biology, v. 48, n. 2, p. 280– 290. Guiry, M. D.; Guiry, G. M. 2018. AlgaeBase. Disponível em: <http://www.algaebase.org>. Acesso em: 13 mai. 2018. Hoef-Emden, K. 2005. 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Atualmente elas são utilizadas na alimentação direta, em sopas, chás, saladas e sushi, como matéria-prima para produção de hidrocolóides, um espessante utilizado na indústria alimentícia, na composição de adubos, tintas, ração animal, na indústria farmacêutica, cosmética, nutracêutica e biotecnológica. Até a Idade Média, as algas eram provenientes de coleta em bancos naturais, mas a partir do século XVII com o surgimento dos primeiros substratos artificiais para criação de peixes marinhos, também se desenvolviam os primeiros cultivos de algas. Atualmente, a algicultura tem um papel fundamental no desenvolvimento da maricultura mundial, representa uma alternativa para suprir a demanda de mercado, no complemento de renda de diversas comunidades tradicionais e minimiza a sobreexplotação dos bancos naturais. De acordo com o último levantamento da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), a produção de algas em 2014 foi de 27.300 toneladas, que corresponde a 20% do total da produção mundial de organismos marinhos, com um valor de US$ 6,7 bilhões em 2014. A maior parte desta produção ocorre na Ásia, principalmente na China, Indonésia, Filipinas, Coréia, Japão, Malásia e Tanzânia. Entre os países ocidentais, destacam-se o Chile, com 99% da produção de Gracilaria spp. no continente americano, seguido dos países da África como a Tanzânia, Madagascar, África do Sul e Namíbia. As principais espécies cultivadas são Kappaphycus alvarezii, Eucheuma spp., Gracilaria spp., Laminaria japonica Areschoug (Kelps), Undaria pinnatifida (Harvey) Suringar, Porphyra spp. (Pyropia spp.) e Sargassum fusiforme (Harvey) Stechell. No Brasil, há registros de cultivos de Gracilaria spp. nos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, e da espécie Kappaphycus alvarezii (Doty) Doty ex. P. C. Silva no litoral do Rio de Janeiro e São Paulo. Apesar do potencial para produção de algas, condições ambientais favoráveis, demanda social e CAPÍTULO 3 21 diversos estudos desenvolvidos neste setor, os cultivos de algas no país ainda são em pequena escala e representa uma atividade incipiente. Tecnologias para produção de macroalgas marinhas As técnicas de cultivo de algas desenvolveram-se rapidamente nos últimos 70 anos, principalmente na Ásia e, mais recentemente, nas Américas e na Europa. No entanto, ainda há muitos desafios a serem superados relacionadas a técnicas de cultivo mais robustas e economicamente viáveis, especialmente para ambientes offshore, seleção e desenvolvimento de linhagens tolerantes a variações térmicas e de salinidade, resistentes a doenças e organismos epífitos e incrustantes, com altas taxas de crescimento e alta concentração de moléculas de interesse. De modo geral, o cultivo de algas é baseado na propagação vegetativa dos talos. As mudas de macroalgas são presas a cabos, redes ou colocadas em tanques onde ocorre um aumento da biomassa através de crescimento vegetativo. As mudas são originadas da coleta de bancos naturais, algas arribadas1, da produção do próprio cultivo ou da produção de esporos a partir de linhagens selecionadas. As algas vermelhas dos gêneros Gracilaria Greville, Gracilariopsis E.Y. Dawson, Kappaphycus Doty e Eucheuma J. Agardh são as mais cultivadas no mundo. Elas são produzidas a partir de quatro técnicas diferentes: (i) cultivos em cordas flutuantes em um sistema denominado tie- tie, (ii) balsas flutuantes ou semi-flutuantes com cordas ou redes tubulares, (iii) estacas presas ao fundo e (iv) em sistemas de tanques (Figura 1). As estruturas de tie-tie e balsas podem ser alocadas em baías protegidas ou mar aberto, enquanto que o método de estacas é utilizado em áreas rasas e protegidas, próximo à costa. O período de colheita varia de acordo com a espécie cultivada, geralmente varia entre dois a três meses. A técnica de cultivos em tanques possui a vantagem de controle do sistema, que garante uma produção com altos padrões de qualidade e biossegurança, no entanto, o custo elevado de manutenção torna esta técnica limitada. Atualmente a maior parte estoques de mudas de Gracilaria e Gracilariopsis são provenientes da coleta de bancos naturais, mas também são observadas a reposição de mudas a partir de talos jovens produzidos do cultivo ou de esporos (carpósporos e tetrásporos) provenientes de linhagens selecionadas. Esta última técnica é comumente utilizada no Chile para produção de Gracilaria chilensis C.J. Bird, McLachlan & E.C. Oliveira e outras regiões como o Havaí. A dependência de mudas a partir dos estoques naturais pode causar sérios problemas em virtude da variabilidade genética das populações de algas, além de ocasionar a sobre-explotação deste recurso natural. As 1 Algas arribadas são algas desprendidas do substrato pela força das correntes e que ficam atiradas a linha de praia durante a maré baixa. 22 mudas de Kappaphycus e Eucheuma são originadas de talos jovens do próprio cultivo. As espécies destes gêneros apresentam alta taxa de crescimento e facilidade de manejo do cultivo, por esta razão, estas espécies têm sido introduzidas em diversas regiões tropicais e subtropicais com objetivo de maricultura Figura 1. Técnicas de cultivo de algas dos gêneros Gracilaria, Gracillariopsis, Kappaphycus e Eucheuma. A) Sistema de cabo flutuante ou tie-tie, B) Balsas flutuantes onde as algas estão presas a cabos ou redes tubulares, C) Sistema de cabo presos no fundo. Os desafios da produção destas algas vermelhas é reduzir os problemas de incrustação, epifitismo e herbivoria. Geralmente, a manutenção dos cultivos é feita 2-3 vezes por semana para retirada de incrustantes e epífitas das estruturas e algas cultivadas. Algumas soluções bem-sucedidas incluem o enxágue das algas com água doce, determinação de densidade de algas ideal e cultivos em tanques. As doenças também são frequentes entre as espécies de Kappaphycus e Eucheuma, e que ameaça a produção de diversas fazendas de algas marinhas. A mais comum é denominada de ice-ice, devido ao surgimento de manchas brancas ao longo dos talos, que causa ruptura e morte celular. Ainda não se conhece ao certo o vetor desta doença, infecções bacterianas, virais ou estresse físico podem ser fontes potenciais. 23 O método de cultivo de Porphyra C. Agardh e Pyropia J. Agardh, comercialmente conhecidas como nori, envolve todo ciclo produtivo da alga. Na primeira fase, denominada conchocelis, ocorre a liberação e semeadura de esporos que se fixam em redes e são cultivados em tanques sobre condições controladas de temperatura, salinidade, pH e luminosidade. Na segunda fase, os talos gametofíticos (mudas) são transferidos para áreas maiores: tanques maiores, estacas fixas, redes e jangadas semi-flutuantes e flutuantes, que crescem por propagação vegetativa até atingir um tamanho comercial (Figura 2). As técnicas de controle de epífitas variam de acordo com os sistemas de cultivo. Podem ser através da dessecação com a exposição da estrutura de cultivo ao ar para matar epífitas e organismos incrustantes, através do controle do pH com aplicação de ácidos orgânicos nas redes. A produção das algas pardas Saccharina Stackhouse e Undaria Suringar, conhecidas como kelps, é semelhante as técnicas de produção do nori. Envolve a liberação e semeadura de esporos e crescimento de talos gametofíticos em tanques, e posterior instalação destas mudas em sistemas off- shore, onde os talos atingem até 5 metros de comprimento. Figura 2. Técnicas de cultivo de algas envolvendo todo reprodutivo. 24 Cultivo de algas multi-trofico Segundo a FAO, a produção no setor da aquicultura deve crescer 17% até 2025, em relação a safra de 2015, que foi de 166 milhões de toneladas. Está expansão na produção, gera apreensão com o uso sustentável dos corpos d’águas. Uma vez que as operações aquícolas podem causar impactos negativos como a eutrofização dos corpos d’água, devido ao aumento da concentração de nutrientes, o que pode provocar a hipóxia e acidificação das áreas sobre influência dos cultivos, afetando a diversidade dos organismos bentônicos e planctônicos, proliferando patógenos e ameaçando a saúde do ecossistema. Com isso, é relevante a aplicação de métodos de produção alinhados a bioeconomia, que visem, não apenas o crescimento econômico, mas também, uma maior abordagem ecológica e social, sendo fundamental para o desenvolvimento sustentável da atividade produtiva. Nesse contexto, é recomendável a utilização de métodos de produção que visem não apenas o crescimento econômico, mas também uma maior abordagem ecológica e social. Uma maneira para alcançar este objetivo é a implementação da Aquicultura Multi-Trófica Integrada Marinha (AMTIM). A AMTIM é uma abordagem que pode ser adotada para mitigar os possíveis efeitos negativos da monocultura. Esta estratégia de aquicultura baseia-se na produção aquática sob o conceito de reciclagem e reutilização. Em lugar de cultivar uma única espécie (monocultura) e incidir os esforços sobre suas necessidades, a AMTIM tenta imitar um ecossistema natural, combinando o cultivo de várias espécies com funções ecossistêmicas complementares, de modo que um tipo de alimento não consumido, por exemplo, resíduos, nutrientes e subprodutos, possam ser reaproveitados e convertidos em nutrientes, alimentos e energia para outras culturas, tendo a água como meio de conectividade entre os níveis tróficos. Sistemas AMTIM envolvem espécies como peixes ou camarões, que são alimentados com ração e/ou rejeitos de pesca (arraçoados), organismos filtradores de material orgânico particulado (MOP), como ostras, vieiras e mexilhões, e filtradores de compostos inorgânicos, como algas (Figura 3). Os peixes introduzem material orgânico na coluna d’água devido a alimentos não consumidos e produção de fezes, além de liberar compostos inorgânicos como NH4 +, PO4 -3 e CO2, devido à ação metabólica. Organismos filtradores de MOP podem ter um reforço na sua dieta devido ao abastecimento de resíduos particulados de alimentos e fezes provenientes dos organismos arraçoados, assimilando parte deste material em seu tecido. Assim, espécies filtradoras podem apresentar uma maior taxa de crescimento, acima das observadas em monocultora de filtradores. Como consequência, a integração dos filtradores possibilitaria a diminuição da carga de MOP para os arredores do cultivo. Por sua vez, os filtradores também introduzem compostos inorgânicos na água pelas suas vias metabólicas. Os compostos inorgânicos provenientes dos arraçoados, dos filtradores e do processo de biodegradação de material orgânico pela ação microbiana, são aproveitados pelos produtores 25 primários como as macroalgas que os usam na produção de compostos vitais para o seu desenvolvimento, como por exemplo, a produção de açúcares, proteínas e enzimas. Figura 3. Interações entre os organismos cultivados em sistema multitrófico No cultivo integrado, as macroalgas retiram da água compostos como NH4 +, PO4 -3 e CO2, que são provenientes das ações metabólicas dos organismos de níveis tróficos superiores, e os incorporam na sua biomassa, o que favorece o seu desenvolvimento, aumentando as taxas de crescimento. Estudos demostraram que as algas cultivadas em sistemas AMTIM apresentam um acúmulo de compostos de alta qualidade, como proteínas, polissacarídeos, pigmentos e compostos funcionais, contribuindo dessa forma na produção de biomassa de alta qualidade nutricional. Além disso, as macroalgas contribuem para o aumento da concentração de O2 dissolvido na água e estabilização do pH da água. Deste modo, o cultivo de algas integrado a outros níveis tróficos, não só favorece o aumento da produtividade da região, mas também contribui para a manutenção da saúde do ecossistema da área de cultivo e arredores. Aplicação das macroalgas O mercado global de algas marinhas movimentou cerca de US$ 6,7 bilhões em 2014, representando 20% do total de produção mundial de organismos aquícolas. Grande parte da população mundial consome algas marinhas ou produtos derivados dela, como laticínios, carnes e frutas processadas, iogurtes, flans, pudins, sorvetes, tintas, creme dental, cosméticos e produtos farmacêuticos. Os países asiáticos ainda representam o principal mercado de algas marinhas, especialmente na indústria alimentícia, no consumo direto e de aditivos. Todavia, a demanda nos mercados Americanos e Europeus tem crescido nos últimos anos, com aditivos e espessante de alimentos, novas fontes de proteínas, suplementos alimentares saudáveis e alimentos nutracêuticos. 26 Além disso, também são utilizadas na alimentação direta ou suplemento da ração animal como abalones, aves, porcos e peixes. A aplicação das macroalgas nas indústrias farmacêutica, cosmética e biotecnológica também tem crescido significativamente os últimos anos. As algas marinhas são ricas em compostos bioativos com propriedades anti-inflamatória, antioxidantes, antiviral, anticâncer, antifúngica e ação de proteção contra radiação ultravioleta. As algas ainda são utilizadas na agricultura para prevenção de patógenos, na produção de biopolímeros e na solução integrada de biorrefinarias para produção de biocombustíveis. Todavia, apesar da grande demanda de mercado e os esforços de pesquisas na área ainda são muitos os desafios para o desenvolvimento e expansão da indústria sustentável de algas marinhas. Diversos estudos têm sido realizados para desenvolver linhagens resistentes a doenças, epífitas, variações de temperatura e salinidade, alta taxa de crescimento, melhor propriedade nutricional e maior concentração de moléculas bioativas. Esforços também têm sido realizados para melhoria nos processos de manutenção, colheita, processamento, armazenamento das algas e desenvolvimento de fazendas offshore, com ampliação de áreas cultiváveis. Considerando as técnicas aquícolas atuais, as algas marinhas representam os organismos mais apropriados para o cultivo no mar. Comparado a outros organismos, são técnicas de baixo custo, requer menor esforço de trabalho para manutenção e colheita, menor tempo de ciclo de produção e baixo impacto ambiental. Além disso, representa uma alternativa de renda para diversas comunidades costeiras ao redor do mundo. Referências Alexander, K. A., & Hughes, A. D. 2017. A problem shared: Technology transfer and development in European integrated multi-trophic aquaculture (IMTA). Aquaculture 473: 13–19. Alveal, K., Ferrario, M.E., Oliveira, E.C. & Sar, E. 1995. Manual de Metodos Ficologicos. Universidad de Concepcion, Chile. 863p. Buschmann, A. H., Varela, D. A., Hernández-González, M. C. & Huovinen, P. 2008. 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Contudo, tem grande importância para os seres humanos, indo muito além de um prazeroso banho de mar. A maior parte da população mundial vive nas regiões costeiras, o que se relaciona diretamente com os inúmeros serviços que o oceano nos proporciona, como o fornecimento de alimentos, extração de petróleo, entre outros. Porém, esta proximidade e relações estreitas tornam este ambiente muito vulnerável, em parte pelo seu desconhecimento e seus ecossistemas. Com fronteiras sutis, os ecossistemas estão todos ligados, de forma que eventos ocorridos no continente influenciam o oceano, podendo citar o aporte de nutrientes e água doce. Assim, o ambiente marinho sofre diversas influências oriundas das atividades humanas, bem como: a queima de combustíveis fósseis libera gás carbônico (CO2) na atmosfera, que ao se dissolver no oceano acidifica a água, dificultando a formação de conchas e estruturas calcárias por moluscos (como o mexilhão), algas e corais. Atualmente é sabido que a profundidade média dos oceanos é 3.800 metros, e em locais mais profundos atingem quase 11.000 metros e possui cerca de 300 vezes mais espaço para a ocupação dos seres vivos do que os ambientes terrestres e de água doce combinados. Existem mais filos de animais no oceano do que em água doce ou em terra, embora cerca de 80% das espécies animais não sejam marinhas devido à grande diferença dos habitats terrestres. No entanto, o ambiente marinho possui duas grandes regiões: pelágica, (a coluna d’água) e a bentônica (o assoalho marinho). A região pelágica contém dois grupos, o plâncton e o nécton, e a região bentônica apenas o bentos (Figura 1). Dentre as regiões citadas, a pelágica agrupa os organismos da coluna d’água que vivem à deriva, ou seja, com poder limitado de locomoção, sendo transportados passivamente por correntes e massas d’água. O plâncton possui uma diversidade mais específica: zooplâncton (pequenos animais, animais de baixa mobilidade e larvas de peixes e organismos bentônicos, entre outros) e fitoplâncton (organismos fotossintetizantes do plâncton, como as microalgas) (Figura 2A). CAPÍTULO 4 30 Figura 1. Os grupos dentro dos Domínios Marinhos: Plâncton, Nécton e Bentos. Figura 2. Biodiversidade presente nos Domínios Marinhos: Plâncton: (A) fitoplâncton e zooplâncton; Nécton: (B) peixe e Bentos: (C) ouriço-do-mar, (D) mexilhões, (E) alga verde e (F) estrela-do-mar. Embora muito pequenas, as microalgas do fitoplâncton são responsáveis pela produção de aproximadamente cinquenta por cento do oxigênio disponível na atmosfera através do processo da 31 fotossíntese. O oxigênio liberado neste processo vem da quebra da molécula de água e a matéria orgânica resultante é construída a partir do dióxido de carbono (CO2). Além de liberar oxigênio, organismos fotossintetizantes também produzem matéria orgânica (alimento, na forma de glicose) a partir de gás carbônico (CO2), utilizando a energia do Sol. Por isso, são considerados produtores primários, que compõem a base da cadeia alimentar de quase todos os ecossistemas do planeta. Tratando-se do outro grupo da região pelágica, o nécton é composto por organismos que vivem na coluna d’água e que possuem órgãos eficientes para natação, possuindo então capacidade de locomoção e podendo nadar longas distâncias, independente de correntes e movimentos de massas d’água (Figura 2B). Por fim, os organismos bentônicos os quais fazem parte da região bentônica são os que vivem junto ao leito oceânico de diversas naturezas, sejam eles sésseis ou fixos, como os mexilhões e as algas verdes (Figura 2D e E) ou móveis, como as estrelas-do-mar e os ouriços-do-mar (Figura 2C e F). Além disso, existe uma grande diversidade de habitats marinhos e costeiros, resultando em um grande mosaico de diferentes tipos de ambientes. De forma geral, os ambientes marinhos são regiões sobre a influência do mar, cada qual com uma condição de pressão, salinidade, profundidade, temperatura, luminosidade e diversidade biológica. Entre os diversos ecossistemas marinhos e costeiros podemos destacar os recifes de corais, as fontes hidrotermais, os manguezais e marismas, as praias arenosas, os costões rochosos, ambientes de mar profundo, entre outros. Embora existam vários ecossistemas que estão presentes na região costeira, como os costões rochosos, os quais são considerados muito importantes por apresentar alta riqueza de espécies de importância ecológica e econômica, por exemplo: mexilhões, ostras, algas, crustáceos e uma variedade de peixes. Além disso, por receber grande quantidade de nutrientes proveniente dos sistemas terrestres, estes ecossistemas de transição entre o ambiente terrestre e marinho, apresentam uma grande biomassa e produção primária de microfitobentos e de macroalgas. Como resultado, os costões rochosos são locais de alimentação, crescimento e reprodução de muitas espécies. Entre outras características, existe limitação de substrato ao longo de um gradiente existente, favorecendo a ocorrência de fortes interações biológicas entre a grande diversidade de espécies presentes. A grande variedade de organismos e o fácil acesso tornaram os costões rochosos uns dos mais populares e bem estudados ecossistemas marinhos. Costões Rochosos Os costões rochosos são afloramentos de rochas cristalinas que em geral estão situadas na transição entre os ambientes terrestres e marinho e, por isso, sofrem influência da maré e de diversos 32 fatores relacionados ao oceano como a temperatura da água. Desta forma, há diversas formações rochosas, como por exemplo, as falésias, os matacões e os costões rochosos verdadeiros (Figura 3). Figura 3. Exemplos de Costões Rochosos: (A) Matacões em Itaguá – Ubatuba, SP e (B) Costões Rochosos Verdadeiros no Parque Estadual da Ilha Anchieta – Ubatuba, SP. Estes ecossistemas atuam como substrato para comunidades biológicas, e é considerado como um ambiente muito mais marinho que terrestre já que as espécies que o habitam estão muito mais relacionadas ao mar. No Brasil, as rochas possuem origem vulcânica e estão estruturadas de diversas formas, desde paredões verticais bastante uniformes (ex. a Ilha de Trindade/RJ) ou matacões de rocha (ex. a costa de Ubatuba/SP). Assim, encontramos ambientes de costa rochosa em quase toda costa brasileira. No entanto, a maior concentração dos verdadeiros costões rochosos na região Sul e Sudeste entre Cabo Frio (RJ) e o Cabo de Santa Marta (SC). Os costões rochosos podem apresentar muitas características complexas, mas de forma geral quanto maior sua complexidade, maior a diversidade de organismo ali encontrada. Por exemplo, existem costões rochosos expostos e outros protegidos que compreendem uma variação biológica distinta entre eles. Os costões expostos são aqueles que recebem frequente impacto de ondas e por isso são pouco fragmentados, aparentando-se a um paredão liso. Assim, possuem menor quantidade de habitats comparados aos costões protegidos, os quais estão localizados em baias abrigadas, podendo ou não ser orientadas para o continente. Além disso, por ser um ambiente que sofre com o alto hidrodinamismo (locais onde o embate de ondas é mais forte), não favorece a existência de organismos mais frágeis. No entanto, possuem alta produção primária devido ao fluxo de nutrientes que chega pela água, de modo que as algas (em geral de talos ramificados) se utilizam desta energia para realização da fotossíntese. Já os costões protegidos estão localizados em áreas em que o hidrodinamismo é menor, como por exemplo áreas no qual aconteceram rolamentos de matacões formando piscinas naturais. Assim, esses lugares apresentam alto nível de complexidade biológica, resultando numa grande riqueza de 33 espécies associadas. Nessas áreas podemos encontrar organismos maiores que os de costão exposto, como algas com talos bem desenvolvidos e com abundante biota associada a essas algas (algas, briozoários, esponjas, vermes, entre outros) e que conseguem viver ali. Zonação Ao se observar um costão rochoso pela primeira vez desde sua porção submersa até a porção rochosa exposta, um dos fatores mais notáveis é a disposição dos organismos em faixas ao longo de um perfil vertical deste ecossistema. A esta disposição vertical denominamos zonação, a qual resulta da influência de diversos fatores físicos e biológicos, como por exemplo, a variação das marés e a predação, respectivamente. No costão rochoso é possível observar três zonas distintas: Figura 4. Zonação em costões rochosos: Foto representativa de costão rochoso no Parque Estadual da Ilha Anchieta - Ubatuba/SP com esquema didático mostrando zonas de supra, médio e infralitoral. 1. Supralitoral: Zona na qual encontra-se organismos que nunca ficam submersos, mesmo na maré alta. Esta zona está sujeita apenas a borrifos de água e abriga uma comunidade de líquens, cianobactérias (algas azuis) e de alguns animais móveis, como pequenos moluscos (como a Echinolittorina sp.) e artrópodes (como a Lygia sp., a baratinha-do-mar); 2. Médiolitoral: Também chamada de zona “entremarés” é localizada logo abaixo da zona de supralitoral e é o nível no qual os organismos estão sujeitos à variação da maré, ficando expostos ao ar durante a maré baixa e submersos na água durante a maré alta. Na região superior do médiolitoral podemos observar organismos como cracas e mexilhões, que possuem adaptações ao fator abiótico SUPRALITORAL INFRALITORAL MEDIOLITORAL Foto: Bruno Sandy 34 como a dessecação, enquanto na parte inferior, ocorrem macroalgas, que ressecam durante o período de exposição e são reidratadas durante a maré alta. 3. Infralitoral: Esta zona localiza-se abaixo do médiolitoral onde encontra-se organismos que ficam sempre submersos, mesmo durante a maré baixa. Neste ambiente encontram-se todos os peixes e organismos que não são adaptados à perda d’água e altas temperaturas, como ouriços-do-mar, estrelas-do-mar e anêmonas. Influências para formação da zonação em costões rochosos Muitos dos organismos do costão são fixos ou de baixa mobilidade, o que faz com que eles dependam muito das condições da água para sua reprodução, dispersão (através de larvas planctônicas) e para sua alimentação (por serem fixos, portanto filtradores). Desta forma, a zonação observada na composição predominante de alguns organismos em cada faixa do costão rochoso é resultante de fatores físicos e biológicos que atuam como fatores seletivos de organismos aptos a ocuparem cada zona (infralitoral, médiolitoral e supralitoral). Entre esses fatores estão: as marés, a temperatura, radiação solar, hidrodinamismo, as interações biológicas, entre outros. Por muito tempo acreditou-se que a maré era o único fator responsável pela zonação que observamos no costão, hoje sabe-se que este seja um dos mais relevantes fatores que atuam sobre esse ela. No período de maré baixa, muitos organismos ficam emersos e expostos às condições adversas como dessecação e altas temperaturas (Figura 5). Os organismos que se fixam nas regiões mais altas do costão são os primeiros a ficarem expostos e os últimos a serem novamente submersos. Por isso, conseguimos observar uma clara divisão vertical entre as faixas de exposição, já que os organismos que se distribuem de acordo com suas adaptações para estas condições extremas. Figura 5. Exposição de organismos na maré baixa. Ao lado esquerdo: aquário natural, Parque Estadual da Ilha Anchieta. Ao lado direto: organismos de costão rochoso expostos durante a maré baixa. 35 Outros fatores físicos importantes são a radiação solar e a temperatura. Por exemplo, os cirripédios (cracas) que são crustáceos que ocupam a região do médiolitoral possuem envoltório resistente que abrem e fecham mantendo uma quantidade adequada de água para manter a temperatura do organismo, além de contribuir para que não se exponham à radiação solar. Outro exemplo são as baratinhas-da-praia que também são animais que ocupam a zona de supralitoral, neste caso além de possuírem exoesqueleto quitinoso que diminui o contato com a radiação solar, se locomovem muito bem o que facilita transitar neste ambiente. O hidrodinamismo pode ser um fator relevante para a predominância de algumas espécies, em particular no médiolitoral. Neste caso, um bom exemplo são as diferentes algas que podem ocupar essa região. Em áreas de alto hidrodinamismo observa-se a predominância de algas com talos ramificados pela movimentação das águas que impede a superposição, que causaria sombreamento dos talos inferiores. Os ambientes com baixo hidrodinamismo podem favorecer a fixação e estabelecimento de organismos, principalmente esporos e propágulos, proporcionando a existência de algas com talos não ramificados e outros organismos mais frágeis. Somado a esses fatores, as interações existentes entre os organismos também ajudam a determinar o padrão observado na zonação dos costões rochosos. Deste modo, fatores biológicos como a competição por espaço, predação e a herbivoria podem ser cruciais na zonação. Estudos mostraram que alguns gastrópodes predadores estendem-se desde a zona do médiolitoral até o infralitoral, dependendo do batimento das ondas ou da disponibilidade das presas. Essas interações biológicas têm relevância particular para a determinação da distribuição dos organismos na região do supralitoral, onde fatores abióticos são mais determinantes. Além dos fatores descritos, outros podem atuar como limitadores da distribuição dos organismos. Águas com alta turbidez, por exemplo, podem reduzir a presença de algas na região do infralitoral. Assim, a zonação dos organismos bentônicos num costão rochoso reflete a interação de vários fatores físicos e biológicos, estabelecendo limites precisos de distribuição. Cada costão possui características próprias que vão definir a importância relativa dos fatores abióticos e bióticos na estrutura das comunidades bentônicas presentes. De todo modo, este padrão de zonação é comum nos costões rochosos do mundo inteiro. As espécies que ocorrem em cada zona podem variar em função das diferentes latitudes, níveis de maré e exposição ao ar, entre outros, porém mostram adaptações especiais para viverem nesta área, sendo a zonação, a estrutura básica reconhecida na maior parte dos ambientes de costões rochoso. Ameaças aos Costões Rochosos 36 Atualmente, os costões rochosos sofrem diversos impactos antropogênicos, por exemplo, poluição orgânica, industrial, derrame de óleo, sedimentação de áreas portuárias, captura excessiva, introdução de espécies exóticas, turismo descontrolado, desmatamento das matas de encosta e até mesmo efeitos das mudanças climáticas. Nesse último caso, temos efeitos diversos, incluindo aumento da temperatura, resultando em perda de diferentes espécies como, por exemplo, o branqueamento de corais (fenômeno que acontece com a perda algas que vivem em simbiose com estes organismos e morrem pelo aumento da temperatura ou contaminação de patógenos). Outro efeito importante das mudanças climáticas sobre todo o oceano é sua acidificação, podendo ocasionar, entre outros impactos, a não calcificação de estruturas calcárias de diferentes espécies. Este efeito acontece quando a água (H2O) e o gás se encontram formando o ácido carbônico (H2CO3) que se dissocia no mar, formando íons carbonato (CO3 ²-) e hidrogênio (H+). O nível de acidez se dá através da quantidade de íons H+ presentes em uma solução – nesse caso, a água do mar. Quanto maior as emissões, maior a quantidade de íons H+ e,mais ácido os oceanos ficam. Em quantidades normais de absorção de CO2 pelo oceano, as reações químicas favorecem a utilização do carbono na formação de carbonato de cálcio (CaCO3) utilizado por diversos organismos marinhos na calcificação. O aumento intenso das concentrações de CO2 na atmosfera, e consequentemente, a diminuição de pH das águas oceânicas acaba por alterar o sentido destas reações, fazendo com que o carbonato dos ambientes marinhos se ligue com os íons H+, ficando menos disponível para a formação do carbonato de cálcio, essencial para o desenvolvimento de organismos calcificadores. A diminuição das taxas de calcificação afeta, por exemplo, o estágio de vida inicial destes organismos, bem como sua fisiologia, morfologia, reprodução, distribuição geográfica, crescimento, desenvolvimento e tempo de vida. Além disso, afeta também a tolerância às alterações na temperatura das águas oceânicas, tornando-os mais sensíveis e interferindo na distribuição de espécies. Somado a todos esses impactos que foram superficialmente citados, ainda há uma falta de maiores esclarecimentos a respeito destes ecossistemas. De forma geral, conhecemos pouco dos costões rochosos brasileiros, tendo mais informações ecológicas de curto prazo no litoral de São Paulo, alguns pontos da Baía de Guanabara, a costa norte do Rio de Janeiro e em Cabo Frio (RJ). De modo que expandir a pesquisa para outras áreas, considerar monitoramentos e estudos de longo prazo ainda é uma necessidade. Além disso, é igualmente importante que tenha um embasamento mais relevante a respeito das espécies que habitam, tendo em vista que o conhecimento é mais aprofundado quando consideramos as macroalgas bentônicas. Pesquisa em Ecologia de Costões Rochosos 37 Realizar estudos ecológicos em costões rochosos apresenta muitos desafios. O próprio ambiente, em si, já é um fator limitante para o pesquisador. A maioria dos estudos em costões rochosos no mundo foi realizada na zona do médiolitoral. Estudos neste ecossistema devem ser planejados para serem executados durante as poucas horas do dia em que a maré está baixa, quando a região está acessível. Estudar o infralitoral também tem suas complicações. Como a amostragem nesta região é feita, geralmente, com mergulho autônomo, o tempo de amostragem é limitado pelo consumo de ar do mergulhador-pesquisador. A grande complexidade física e biológica destes ambientes resulta em uma grande variabilidade em quase todos os parâmetros medidos, mesmo numa pequena escala, seja ela vertical ou horizontal. Por isso, as características únicas deste ambiente devem ser levadas em consideração antes de definir um desenho amostral, para então selecionar os procedimentos mais adequados. Diversos parâmetros contribuem para a alta variabilidade na distribuição dos organismos de costão rochoso. São muitos os gradientes afetando as comunidades, como grau de exposição a ondas e correntes, proximidade de rios, a amplitude de maré e uma variação topográfica muito alta. A paisagem de costão rochoso é muito heterogênea, compondo diversos micro-habitat. Por exemplo, fendas, matacões, paredões ou poças de maré. Fatores como inclinação e rugosidade do substrato e incidência de luz também contribuem para uma grande variabilidade espacial. Além de variar em diversas escalas espaciais, os organismos de costão rochoso também apresentam uma considerável variação temporal, que pode levar de anos a décadas. Estas fontes de variabilidade devem ser cuidadosamente analisadas e levadas em conta antes de selecionar os métodos de coleta e desenho amostral. Se a variabilidade natural do sistema não for corretamente avaliada, esta pode gerar um ruído na interpretação dos dados, confundindo os resultados. Isto impede o pesquisador de detectar causas alternativas de variação na estrutura das comunidades como, por exemplo, as resultantes de impactos antrópicos. Estudos de campo podem ser classificados de diferentes formas. Entre eles estão: Estudos de base, que tem como objetivo definir o status presente de alguma condição biológica; Estudos de impacto, que incluem detectar e relacionar alterações biológicas com perturbações; Monitoramentos, que consistem em acompanhar determinados parâmetros ao longo do tempo para detectar mudanças; e Estudos ecológicos, que avaliam padrões e processos, onde padrões biológicos são descritos para determinar os fatores que os causam. A pesquisa em ecologia de costão rochoso, hoje em dia, frequentemente envolve experimentos controlados. Entretanto, amostrar padrões de distribuição e abundância por si só ou em conjunto com experimentos é ainda muito importante. Amostragem em Costão Rochoso 38 Para desenhar um método de amostragem em campo adequado, o pesquisador deve ter claros os objetivos e perguntas do estudo. Isso permitirá uma melhor definição das hipóteses a serem testadas e dos parâmetros que devem ser medidos, para assim definir o local de estudo, posicionamento de unidades amostrais e unidades biológicas utilizadas. Desta forma, o desenho amostral pode ser definido de maneira eficaz, com poder estatístico suficiente para responder às perguntas em questão. Independente dos objetivos do estudo, um desenho amostral deve incluir controles tanto no tempo quanto no espaço, replicação de todos os níveis de amostragem, múltiplos locais de amostragem, garantia de réplicas independentes e preferencialmente aleatórias e os resultados devem ser expressos em medidas de variabilidade estatística. A análise, para ser considerada válida, deve possuir poder estatístico. Este diminui à medida que aumenta a variabilidade intrínseca do sistema. Isto reflete diretamente no número de réplicas a serem amostradas no estudo. Seleção dos locais de estudo Os locais de coleta de dados ecológicos devem ser cuidadosamente selecionados. Para que possam ser consideradas réplicas, os locais devem possuir características parecidas
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