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Indaial – 2020 Políticas e Gestão da saúde Pública Prof.a Talita Cristiane Sutter 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof.a Talita Cristiane Sutter Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: S967p Sutter, Talita Cristiane Políticas e gestão da saúde pública. / Talita Cristiane Sutter. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 188 p.; il. ISBN 978-65-5663-025-0 1. Saúde - Administração. - Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 362.11068 III aPresentação A Saúde Pública no Brasil ao longo do tempo ainda se apresenta com inúmeros desafios para ser alcançada com qualidade dentro de um serviço organizado, em um modelo de gestão que atenda todos os princípios organizativos do Sistema Único de Saúde (SUS) e com profissionais atuantes nas necessidades das famílias no território em que estão inseridas. Neste livro didático será elucidado um breve resgate histórico da situação da Saúde Pública no Brasil, buscando compreender a partir da história natural das doenças os fatores que podem ocasionar doenças e principalmente a importância da prevenção dos agravos. Os determinantes de saúde e o processo de saúde doença também farão parte do conteúdo, trazendo como conhecimento as condições socioeconômicas, culturais e ambientais responsáveis pelo adoecimento. Atualmente, a Saúde Pública no Brasil está organizada como Redes de Atenção à Saúde (RAS), já que as necessidades dos usuários são atendidas, avançando os níveis primário, secundário e terciário, conforme a complexidade de cada caso. Também estudaremos o Programa de Estratégia de Saúde da Família e o Núcleo Ampliado de Saúde da Família, assim como a Política Nacional de Humanização que no dia a dia é utilizada como ferramenta de análise e diálogo sobre os processos de trabalho implantada nesses Programas. Com a recente implantação das Práticas Integrativas e Complementares de Saúde (PICS) no SUS, descreveremos sobre algumas já instituídas nas unidades de saúde. As PICS tornam-se uma estratégia de ampliação da oferta de recursos terapêuticos através de profissionais habilitados que atuam na rede de saúde do município. Por fim, refletiremos sobre a formação do profissional de saúde e seus desafios, o fazer saúde na comunidade através da educação popular em saúde e a importância do olhar para a saúde de quem cuida. Bom estudo a todos! Prof.a Talita Cristiane Sutter IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE VII UNIDADE 1 – A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL ...............................................................................1 TÓPICO 1 – BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA ................................................................3 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................3 2 HISTÓRIA NATURAL DAS DOENÇAS E PREVENÇÃO DOS AGRAVOS ............................4 2.1 DETERMINANTES DE SAÚDE E O PROCESSO DE SAÚDE – DOENÇA .............................6 2.2 QUALIDADE DE VIDA E SAÚDE .................................................................................................9 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................22 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................23 TÓPICO 2 – A SAÚDE COMO DIREITO DO CIDADÃO .............................................................25 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................25 2 HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO DO SUS....................................................................................26 2.1 O BRASIL ANTES DO SUS ............................................................................................................26 2.2 MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA ..............................................................................32 2.3 LEGISLAÇÃO ESTRUTURANTE .................................................................................................35 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................42 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................43 TÓPICO 3 – PRINCÍPIOS E FUNÇÕES DO SUS .............................................................................45 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................45 2 PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS .......................................................................................................45 2.1 UNIVERSALIDADE ........................................................................................................................46 2.2 EQUIDADE ......................................................................................................................................46 2.3 INTEGRALIDADE .........................................................................................................................47 3 PRINCÍPIOS ORGANIZATIVOS ....................................................................................................47 3.1 REGIONALIZAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO ............................................................................47 3.2 RESOLUBILIDADE .........................................................................................................................48 3.3 DESCENTRALIZAÇÃO .................................................................................................................48 3.4PARTICIPAÇÃO POPULAR ..........................................................................................................49 3.5 COMPLEMENTARIEDADE DO SETOR PRIVADO ..................................................................49 4 FUNÇÕES DO SUS ..............................................................................................................................50 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................54 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................56 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................57 UNIDADE 2 – MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE ........................................................................59 TÓPICO 1 – NÍVEIS DE ATENÇÃO À SAÚDE ................................................................................61 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................61 2 ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE ....................................................................................................63 3 ATENÇÃO SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA À SAÚDE ..................................................................68 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................71 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................72 sumário VIII TÓPICO 2 – PRINCIPAIS AÇÕES, PROGRAMAS E ESTRATÉGIAS DE SAÚDE...................73 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................73 2 ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA (ESF) .............................................................................73 2.1 EQUIPE DO ESF...............................................................................................................................74 2.2 ORGANIZAÇÃO E FUNÇÃO ......................................................................................................75 3 NÚCLEO AMPLIADO DE SAÚDE DA FAMILIA E ATENÇÃO BÁSICA (NASF-AB) .........76 3.1 EQUIPE DO NASF...........................................................................................................................77 3.2 ORGANIZAÇÃO E FUNÇÃO ......................................................................................................77 4 POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO ............................................................................79 4.1 DIRETRIZES .....................................................................................................................................80 5 PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES DE SAÚDE ..........................................81 5.1 MEDICINA TRADICIONAL CHINESA – ACUPUNTURA .....................................................83 5.2 PLANTAS MEDICINAIS E FITOTERAPIA .................................................................................84 5.3 REIKI .................................................................................................................................................86 5.4 DANÇA CIRCULAR .......................................................................................................................87 5.5 ARTETERAPIA ................................................................................................................................89 5.6 YOGA ................................................................................................................................................90 5.7 MEDITAÇÃO ...................................................................................................................................91 5.8 TERAPIA COMUNITÁRIA ............................................................................................................93 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................95 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................96 TÓPICO 3 – PRINCIPAIS REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE ........................................................97 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................97 2 REDE CEGONHA .................................................................................................................................97 3 REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ..........................................................................................99 4 REDE DE CUIDADOS À PESSOA COM DEFICIÊNCIA ..........................................................105 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................109 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................112 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................113 UNIDADE 3 – PROCESSOS DE TRABALHO NO SUS ................................................................115 TÓPICO 1 – FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE .................................................117 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................117 2 A INTEGRALIDADE NA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE ......................118 3 POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE ................................122 4 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO PELO TRABALHO PARA A SAÚDE (PET SAÚDE) .........124 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................128 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................129 TÓPICO 2 – ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE......................................................131 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................131 2 TRABALHO COM GRUPOS ...........................................................................................................131 3 EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE .............................................................................................136 4 COMUNICAÇÃO EM SAÚDE ........................................................................................................142 5 TRABALHO INTERDISCIPLINAR EM EQUIPE ........................................................................144 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................149 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................150 IX TÓPICO 3 – SAÚDE DO TRABALHADOR DO SUS ....................................................................151 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................151 2 DESAFIOS NA ATUAÇÃO COM A COMUNIDADE ................................................................151 3 SAÚDE DO TRABALHADOR E PRÁTICAS PARA UM ESTILO DE VIDA SAUDÁVEL .....158 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................163 RESUMODO TÓPICO 3......................................................................................................................166 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................167 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................169 X 1 UNIDADE 1 A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender o processo histórico da Saúde Pública; • identificar os determinantes sociais de saúde; • conhecer o surgimento do SUS; • compreender os princípios e as diretrizes do SUS. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA TÓPICO 2 – A SAÚDE COMO DIREITO DO CIDADÃO TÓPICO 3 – PRINCÍPIOS E FUNÇÕES DO SUS Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA 1 INTRODUÇÃO Analisar o atual cenário da saúde pública no Brasil requer compreender os problemas coletivos de saúde do passado. É na vida social que se reconheceu a importância e a necessidade de promover a saúde e tratar as doenças, é nessa consciência que se aloja a saúde pública, passando pela idealização higienista até a participação popular nas decisões de se fazer saúde. Nas mais antigas civilizações já foram constatados banheiros e esgotos nas construções dos povos antigos e encontrados através de escavações. Toda edificação era elaborada com materiais que eles tinham à disposição na época, como tijolos cimentados com argamassa de barro e canos de drenagem feitos com cerâmica e emplastro de gesso. O abastecimento da água também era uma preocupação e em muitas ruínas foram encontrados poços públicos para a retirada da água (ROSEN, 1994). Tais medidas já eram estabelecidas como uma forma de engenharia sanitária da época, em que o ambiente físico estava sendo considerado como uma ameaça à saúde da população. A limpeza pessoal estava mais ligada às crenças e práticas religiosas, as pessoas se mantinham limpas para se apresentarem puras para os seus deuses e não por uma questão de higiene, mas de aparência para aquele que se tem por adoração. O povo inca, a cada ano, realizava a Cerimônia da Saúde, além das orações e oferendas aos deuses, também limpavam todos os lares (ROSEN, 1994). Foi somente na época do Renascimento (1300-1600) que iniciou a suspeita de que o surgimento das doenças poderia advir também pelo fator ambiental. Os gases emitidos da putrefação de materiais orgânicos e expostos nas ruas penetravam no corpo e adoeciam as pessoas. Esse fenômeno era designado como miasmas. Após a descoberta dos microrganismos, em 1674, a teoria dos miasmas foi sendo superada pelo conhecimento científico, já que na microbiologia pode-se afirmar que “cada doença tem por agente causal um organismo específico, que poderia ser identificado, isolado e ter suas características estudadas” (CRUZ, 2009, p. 25). Podemos evidenciar que a saúde sempre foi uma questão relevante para o ser humano na organização do ambiente, espiritualidade e para a manutenção da sua vida. UNIDADE 1 | A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 4 FIGURA 1 – QUADRO REPRESENTANDO DOENÇAS CAUSADAS POR FATORES AMBIENTAIS FONTE: <https://www.unifesp.br/reitoria/dci/images/DCI/revistas/Entreteses/materias-ed06/ p027_quadro.jpg>. Acesso em: 9 ago. 2019. 2 HISTÓRIA NATURAL DAS DOENÇAS E PREVENÇÃO DOS AGRAVOS Leavell e Clark (1977) foram os precursores nos estudos sobre o modelo da história natural das doenças e os níveis de prevenção (primária, secundária e terciária). Eles afirmavam que toda condição de saúde e doença no homem tem sua origem em outros processos, antes mesmo que o homem esteja envolvido. Fatores hereditários, sociais, econômicos ou do meio ambiente podem estar criando estímulos patogênicos muito antes que o homem e o estímulo comecem a interagir para produzir a doença. Essa interação preliminar dos fatores relacionados com o agente potencial, o hospedeiro e o meio ambiente na produção da doença são denominados de período pré-patogênese. A fase patogênica é identificada a partir da primeira integração com os estímulos que provocaram a doença até as mudanças na função ou forma evoluindo até a morte. É a evolução de um distúrbio sem o tratamento com o aparecimento dos sinais e sintomas. A combinação destes dois processos (pré-patogênese e patogênese) é referida como a história natural das doenças e pode ser utilizada para a finalidade de prevenção dos agravos. TÓPICO 1 | BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA 5 FIGURA 2 – PERÍODOS DE PRÉ-PATOGÊNESE E PATOGÊNESE DA HISTÓRIA NATURAL FONTE: Leavell e Clark (1977, p. 15) HISTÓRIA NATURAL DE QUALQUER PROCESSO MÓRBIDO NO HOMEM Período de pré-patogênese Período de patogênese Antes de o homem adoecer Interação de: O curso da doença no homem Fatores ambientais que produzem ESTÍMULO à doença Agente da doença Hospedeiro humano Morte Estado crônico Invalidez Recuperação HORIZONTE CLÍNICO Patogênese precoce Doença precoce discernível Doença avançada Convalescença Interação HOSPEDEIRO- ESTÍMULO A prevenção da doença pode ser realizada no período de pré-patogênese, através de medidas destinadas a desenvolver a saúde integral pela proteção específica do homem contra os agentes patológicos ou pelas ações contra os agentes do meio ambiente. Trata-se do modelo de atenção primária. Após o diagnóstico da doença, no início da patogênese, o tratamento deve ser iniciado para minimizar os agravos, denominada de prevenção secundária. Ao se instalar os efeitos das sequelas e limitações, a reabilitação se faz necessário através da prevenção terciária (LEAVELL; CLARK, 1977). Cada fase não é estática, é uma progressão caso não for resolvida dentro de cada etapa. QUADRO 1 – NÍVEIS DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS PREVENTIVAS NA HISTÓRIA NATURAL DAS DOENÇAS FONTE: Leavell e Clark (1977, p. 17) Nível de atenção Medidas Prevenção primária • Promoção da Saúde• Proteção Específica Prevenção Secundária • Diagnóstico e Tratamento Precoce• Limitação da Invalidez Prevenção terciária • Reabilitação UNIDADE 1 | A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 6 2.1 DETERMINANTES DE SAÚDE E O PROCESSO DE SAÚDE – DOENÇA Os fenômenos sociais, inclusive a saúde e a doença dos indivíduos, são resultados de uma interação com múltiplos fatores. “As pessoas sofrem a influência, mas também reagem aos fatores e sujeitos com quem interagem” (CAMPOS et al., 2007, p. 42). Tais fenômenos são considerados complexos, já que a sua interação consiste entre os indivíduos e a coletividade. Campos et al. (2007) classificam como coprodução do processo saúde-doença três fatores. São eles: campos de coprodução, modos de intervenção e fatores de coprodução. QUADRO 2 – COPRODUÇÃO DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA FONTE: Adaptado de Campos et al. (2007) Campos da coprodução Modos de intervenção Fatores de coprodução Particular --------------------------- Biológicos Subjetivos: desejo e interesse. Singular Política, Gestão, Trabalho, Práticas Cotidianas. Interferência dos sujeitos no mundo e em si mesmo. Universal Transcendente ao sujeito. Necessidades sociais, instituições e organizações, contexto econômico, cultural e social, ambiente. O ser humano busca compreender a si mesmo e ao mundo, esse processo pode ser de maneira espontânea pela rotina, vida cotidiana ou sistemática através do pensamento científico. Neste, a condição de interferir sofre os fatores são oriundos de uma capacidade reflexiva desenvolvida. É identificada no campo singular, já que o particular expressa os desejos e os interesses individuais(CAMPOS et al., 2007). É no campo universal que está a dinâmica dos determinantes sociais do processo saúde-doença, que reflete a importância da organização social e sanitária nos territórios e em um período específico. Dessa forma, fatores econômicos como renda, emprego e organização da produção interferem positiva ou negativamente na saúde da população (CAMPOS et al., 2007). Diversos estudos foram e são publicados com o objetivo de analisar a saúde pública e as desigualdades nas condições de vida da população. Para representar os fatores que implicam no processo saúde-doença, o modelo apresentado por Dahlgren e Whitehead (1991) é o mais difundido e utilizado até hoje. TÓPICO 1 | BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA 7 FIGURA 3 – DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE FONTE: Dahlgren e Whitehead (1991, p. 28) As disposições das camadas na Figura 3 dispõem sobre a base das redes sociais e comunitárias, sendo que o apoio da participação popular está sendo ancorado como fundamento desse processo. Buss e Filho (2007) expressam o conceito elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre os determinantes sociais. Resumidamente, podemos considerar que são as condições sociais em que as pessoas vivem ou trabalham. Dahlgren e Whitehead (1991) esclarecem que as condições sociais não podem ser generalizadas, ou seja, pensar e agir no âmbito da saúde do mesmo modo para todos os grupos populacionais. Não há um modelo de política de saúde que possa ser aplicado da mesma forma em todos os países. Para elaborar uma estratégia de ação, devemos analisar alguns dados: • Fatores de risco para o desenvolvimento de determinada doença. • Considerar as desigualdades regionais para fazer saúde. • Condições de pobreza da comunidade. • Condições inadequadas de moradia. • Condições impróprias para o trabalho. • Desemprego. • Restrição de acesso a nutrientes. • Dificuldades de acesso a serviços essenciais (água, esgoto, eletricidade...). • Apoio social e comunitário fragilizados. Para Borde et al. (2015, p. 847), a determinação social dos processos saúde- doença implica “reconhecer as dinâmicas sociais que engendram os processos UNIDADE 1 | A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 8 de produção e reprodução dos padrões estruturais de dominação, exploração e marginalização nas sociedades concretas, moldam os modos de vida e se expressam nos processos saúde-doença”. Michel (2004) relata que o social é que liga os indivíduos, tornando-os aliados e estabelecendo suas próprias regras e códigos. As relações sociais são consideradas como tais na medida em que são normalizadas segundo os acordos implícitos estabelecidos pelo grupo. A língua comum é considerada a melhor expressão do social, já que possibilita a comunicação entre os membros do grupo a se reconhecerem e realizarem ações consensuais. Em qualquer comunidade é evidenciado suas normas e regras, porém, muitas vezes, para conhecê-la, o profissional da saúde necessita identificar as lideranças desse grupo para poder trabalhar de forma conjunta as ações de saúde. O fazer saúde na coletividade não é possível pelo conhecimento isolado, este precisa ser colocado na prática em conjunto, tecendo parcerias e sobretudo estabelecendo vínculos com a comunidade. Minayo (2004, p. 15) ressalta que “a saúde enquanto questão humana e existencial é uma problemática compartilhada por todos os segmentos sociais”. Deve- se avaliar em qualquer situação as condições de vida e de trabalho, já que qualificam de forma diferenciada a maneira pela qual as classes e seus segmentos pensam, sentem e agem a respeito dela. A saúde e a doença perpassam o corpo individual e social, confrontando com os problemas do ser humano na sua totalidade. “Os processos saúde-doença e a determinação social das iniquidades são reduzidas a uma combinação aleatória de eventos relacionados, porém discretos (políticas ‘ruins’, práticas discriminatórias, baixa renda etc.), reforçando uma visão descontextualizada das iniquidades sociais em saúde” (BORDE et al., 2015, p. 853). IMPORTANT E Podemos compreender a partir dessa análise que uma gestão política estruturada na equidade, justiça social, oportunidades de emprego e educação corroborariam para uma mudança no espectro da determinação social do processo saúde-doença. Como vimos anteriormente, muitos problemas identificados como fatores de risco para as doenças, instituído no espectro de Dahlgree e Whiterhead (1991), poderiam ser sanados a partir de uma política visando à equidade social. TÓPICO 1 | BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA 9 2.2 QUALIDADE DE VIDA E SAÚDE A expressão “qualidade de vida” se tornou popular e disseminado por todos, porém o seu conceito é complexo e exige a compreensão através da relação que temos com a saúde. Esse campo está inter-relacionado com o biológico, social, político e econômico e não só voltado para o discurso publicitário do bem-estar e atividade física (ALMEIDA et al., 2012). A qualidade de vida deve ser compreendida de forma mais ampla, envolvendo os determinantes sociais de saúde e principalmente avaliando as possibilidades da mudança de estilo de vida dentro da realidade em que se vive. O consumo do álcool é um problema de saúde pública que afeta diretamente a qualidade de vida de todos. IMPORTANT E Os fatores de risco relacionado ao comportamento são identificados como uma opção para o indivíduo, sugerindo que ele cometa a mudança de hábitos e transforme o seu estilo de vida. Sabe-se que, na realidade, o ambiente e os fatores econômicos implicam nesse processo, inclusive de reconhecimento de um estilo de vida saudável (FILHO, 2011). Podemos analisar o consumo do álcool como um exemplo de fator de risco para muitas doenças e situações de violência, afetando a vida não só do indivíduo, mas de toda a sua família e comunidade. A pessoa alcoolista, muitas vezes, utiliza essa substância como um escape de uma situação que lhe traz sofrimento. O consumo excessivo de álcool está relacionado ao impacto da iniquidade em saúde, os trabalhadores manuais, em comparação com outras profissões, possuem o hábito de beber excessivamente nos finais de semana, sendo que os demais distribuem o seu consumo de forma regular durante a semana. “A natureza do trabalho faz com que trabalhadores manuais sejam mais propensos a acidentes e traumatismos relacionados com o álcool” (FILHO, 2011, p. 1). A Organização Pan Americana de Saúde (2019) divulgou a atual situação mundial: três milhões de mortes por ano resultam do uso nocivo do álcool, representando 5,3% de todas as mortes. O uso nocivo de álcool é um fator causal para mais de 200 doenças e lesões. UNIDADE 1 | A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 10 O consumo de álcool causa morte e incapacidade relativamente cedo na vida. Na faixa etária de 20 a 39 anos, aproximadamente 13,5% do total de mortes são atribuíveis ao álcool. Além das consequências para a saúde, o uso nocivo do álcool provoca perdas sociais e econômicas significativas para os indivíduos e para a sociedade em geral. FIGURA 4 – ÁLCOOL E SUAS COMPLICAÇÕES FONTE: <https://www.grupovidasorocaba.com.br/images/blog/EFEITOS-DEVASTADORES-DO- ALCOOLISMO.jpg>. Acesso em: 30 jul. 2019. Os países têm a responsabilidade de formular, implementar, monitorar e avaliar as políticas públicas para reduzir o uso nocivo do álcool, desenvolvendo as seguintes estratégias: • Regular a comercialização de bebidas alcoólicas. • Regular e restringir a disponibilidade de álcool. • Promulgar políticas adequadas de condução sob os efeitos do álcool. • Reduzir a demanda por meio de mecanismos de tributação e preços. • Sensibilização para os problemas de saúde pública causados pelo uso nocivo do álcool e garantia do apoio a políticas eficazes. TÓPICO 1 | BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA 11 • Fornecer tratamento acessível para pessoas com transtornos relacionados ao uso de álcool. • Implementar em serviços de saúde programas de identificação e intervenção breve para consumo perigoso enocivo de álcool Organização Pan Americana de Saúde (2019). O vício em álcool também é um fator de risco para o desenvolvimento da depressão. Um transtorno psiquiátrico que pode ocorrer em pessoas de qualquer idade e sexo. Nesse transtorno, há a prevalência do desânimo e outros sintomas que são ligados a desequilíbrios cerebrais, quando há a diminuição de neurotransmissores como a serotonina, um hormônio que é ligado à sensação de prazer e bem-estar. A depressão é diferente da tristeza, pois mesmo se algo positivo acontece na vida da pessoa, ela continuará profundamente triste e poderá também desenvolver pensamentos suicidas. Essa doença já é considerada pela Organização Mundial da Saúde como o “Mal do Século” (BRASIL, 2019b). Outros fatores de risco para o desenvolvimento de depressão (BRASIL, 2019b, p. 1): • Histórico familiar. • Transtornos psiquiátricos correlatos. • Estresse crônico. • Ansiedade crônica. • Disfunções hormonais. • Excesso de peso. • Sedentarismo e dieta desregrada. • Vícios (cigarro, álcool e drogas ilícitas). • Uso excessivo de internet e redes sociais. • Traumas físicos ou psicológicos. • Problemas cardíacos. • Separação conjugal. • Enxaqueca crônica. A depressão é um transtorno que acomete pessoas em todo o mundo. Cerca de 300 milhões de pessoas possuem o diagnóstico dessa doença. “Ela pode causar à pessoa afetada um grande sofrimento e disfunção no trabalho, na escola ou no meio familiar. Na pior das hipóteses, a depressão pode levar ao suicídio” (OPAS, 2018a, p. 1). Cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano – sendo essa a segunda principal causa de morte entre pessoas com idade entre 15 e 29 anos. Poucas pessoas em todo o mundo (menos de 10%) recebem o tratamento adequado para a depressão. A dificuldade está na falta de recursos, estigma social sobre problemas mentais e a falta de profissionais capacitados que acarretam numa avaliação imprecisa e tratamentos inadequados. “A carga da depressão e de outras condições de saúde mental está em ascensão no mundo. Uma resolução da Assembleia Mundial da Saúde, aprovada em maio de 2013, exigiu uma resposta integral e coordenada aos transtornos mentais em nível nacional” (OPAS, 2018a, p. 1). UNIDADE 1 | A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 12 A depressão pode ser prevenida de várias formas, é importante estar atento aos fatores de risco já descritos para poder intervir buscando uma rede de apoio para auxiliar a pessoa em sofrimento. • Alimentação saudável. • Prática de atividades físicas regulares. • Saber lidar com o estresse. • Compartilhar os problemas com amigos e familiares. • Praticar Meditação e Yoga. • Ter um tempo para si (ler, ter hobbies e se divertir). • Aprender a fazer coisas novas. • Manter a mente ativa com pensamentos positivos (BRASIL, 2019b, p. 1). Por desconhecimento, a depressão muitas vezes pode ser percebida pelas pessoas próximas à vítima como um estado de preguiça e desmotivação, já que o indivíduo apresenta falta de vontade para realizar as coisas, se sente inativa e sem perspectivas futuras. É importante não julgar, reprimir ou comparar o seu estado com o das outras pessoas. Toda ação nesse sentido será inútil e não ajudará no processo de recuperação. É importante o indivíduo estar sob os cuidados de um profissional especializado como psicólogo ou psiquiatra. Muitas vezes, a resolução para o problema é identificada nas sessões de terapia, dissolvendo a causa do sofrimento e reforçando as habilidades de lidar com as situações estressoras. Abraham Maslow era psicólogo e em 1954 elaborou a Teoria da Hierarquia Necessidades Humanas, que definiu cinco categorias de satisfação pessoal e profissional (básicas, segurança, sociais, autoestima e autorrealização). “A natureza interna de cada pessoa é, em parte, singularmente sua e, em parte, universal na espécie” (MASLOW, 1962, p. 23). Ele acreditava ser possível estudar cientificamente essa natureza interna e identificar a sua constituição. Essa teoria é utilizada até hoje inclusive na área da saúde. Podemos exemplificar as categorias conforme a pirâmide de Maslow, que traz a hierarquização nas necessidades básicas até a autorrealização. TÓPICO 1 | BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA 13 FIGURA 5 – PIRÂMIDE DE MASLOW FONTE: <https://cristinamonte.com.br/wp-content/uploads/2018/11/REVISANDO-A- HIERARQUIA-DAS-NECESSIDADES-DE-MASLOW___.png> Acesso em: 30 jul. 2019. A base da pirâmide compreende as necessidades de nível baixo, que são as necessidades fisiológicas e de segurança; o topo da pirâmide é constituído pelas necessidades de nível alto, representantes da busca pela individualização do ser, são as necessidades sociais, de estima e de auto realização. À medida que um nível de necessidade é atendido, o próximo torna-se dominante (FERREIRA; DEMUTTI; GIMENEZ, 2010 p. 4). QUADRO 3 – NÍVEIS DA PIRÂMIDE DE MASLOW FONTE: Adaptado de Robbins (2002 apud FERREIRA; DEMUTTI; GIMENEZ, 2010) Nível Características 1. Fisiológicas Incluem fome, sede, abrigo, sexo e outras necessidades corporais. 2. Segurança Inclui segurança e proteção contra danos físicos e emocionais. 3. Sociais Incluem afeição, aceitação, amizade e sensação de pertencer a um grupo. 4. Estima Inclui fatores internos de estima, como respeito próprio, realização e autonomia; e fatores externos de estima, como status, reconhecimento e atenção. 5. Autorrealização A intenção de tornar-se tudo aquilo que a pessoa é capaz de ser; inclui crescimento, autodesenvolvimento e alcance do próprio potencial. A saúde emocional depende de múltiplos fatores, algumas genéticas e outras ambientais que interagem como o indivíduo reage frente à vida. Por um lado, pode haver a vulnerabilidade ao estresse que predispõe a pessoa a ser sensível a situações no dia a dia que se tornam fontes de angústia e debilitam o emocional. Pode também adquirir a forma de predisposições à depressão, ansiedade e doenças mentais que permanecem latentes até serem desencadeadas de acordo com a programação genética ou por eventos estressores significativos que precipitam o seu desenvolvimento (LIPP, 2015). UNIDADE 1 | A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 14 Campos et al. (2007 p. 68) ressaltam que o conhecimento do profissional sobre essas generalidades não é suficiente, caso o trabalhador não consiga reconstruir tais situações diagnósticas e terapêuticas em função da circunstância específica. O autor aponta como caminho: “a incorporação do saber e da vontade do usuário na construção do projeto coletivo ou clínico”. Toda resolução em saúde requer envolvimento do coletivo. É esperado que o profissional desenvolva suas ações respaldado no conhecimento além da técnica, envolvendo os usuários no processo do tratamento. Para isso ocorrer de forma resolutiva, o indivíduo necessita compreender o processo e fazer parte das decisões. A saúde, enquanto estado vital, setor de produção e campo do saber está articulada à estrutura da sociedade através das suas instâncias econômicas, político-pedagógicas e históricas. “As ações de saúde (promoção, proteção, recuperação e reabilitação) constituem em uma prática social e trazem consigo as influências dos relacionamentos dos grupos sociais” (ROUQUAYROL; GURGEL, 2018, p. 21). Passamos a ideia de que as pessoas não têm saúde porque não querem, porque não se esforçam, porque não tem vontade de ter saúde. Faltam condições de viver e saúde para a maioria da população brasileira, não porque ela ou eu nos descuidamos, mas porque as autoridades não usam o dinheiro público de acordo com os nossos interesses (MINAYO, 1986, p. 22). Avaliar o impacto das doenças e o comprometimento destas na rotina diária dos usuários sempre foi um desafio. A elaboração de um instrumento válido que seja capaz de avaliar a qualidade de vida somente foi implantado pelo Ministério da Saúde em 1995. Foi constituído um grupo de qualidade de vida (WHOQOL) com o objetivo de desenvolver instrumentos numa perspectiva internacional. O conceito gerado pelo grupode estudos sobre qualidade de vida foi “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (FLECK, 2000, p. 1). As aplicações desses instrumentos são amplas e incluem não somente a prática clínica individual, mas também a avaliação de efetividade de tratamentos e de funcionamento de serviços de saúde. Além disso, podem ser importantes guias para políticas de saúde (FLECK, 2000, p. 1). Foi no ano de 1964 que o termo qualidade de vida foi expressado publicamente pelo presidente dos Estados Unidos Lyndon Jhonson, que declarou: “os objetivos não podem ser medidos através do balanço dos bancos. Eles só podem ser medidos através da qualidade de vida que proporcionam às pessoas” (FLECK et al., 1999, p. 2). A partir desse momento, tal expressão chamou a atenção dos cientistas sociais, filósofos e políticos, que se interessaram em estudar o conceito de qualidade de vida. TÓPICO 1 | BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA 15 A expressão “qualidade de vida” é mais ampla do que condições de saúde e funcionamento social e inclui “condições que podem afetar a percepção do indivíduo, seus sentimentos e comportamentos relacionados ao seu funcionamento diário” (BULLINGER, 1993 apud FLECK et al., 1999, p. 20). Kluthcovsky e Takayanagui (2006), em seus estudos sobre os aspectos conceituais da qualidade de vida, identificaram que esse termo surgiu nas bases de dados da Medline (base de dados de estudos científicos da área da saúde) a partir de 1977 e foram mais de 50.000 artigos publicados com esse tema depois de 1987. Ficou evidenciado, no estudo, que até hoje não existe um consenso na conceituação sobre qualidade de vida; segundo as autoras, isso se dá por envolver aspectos objetivos e subjetivos multidimensionais e relevante quando relacionado à promoção da saúde. As considerações amplas trazidas nesse conteúdo acerca da abordagem sobre qualidade de vida se distanciam da responsabilidade única do indivíduo em conquistar esse estado. Já a compreensão do Ministério da Saúde minimiza tais fenômenos, orientando o sujeito a seguir um passo a passo para adquiri-la. O Ministério da Saúde instituiu os cinco passos para obter a qualidade de vida, que inclui: • 1º Passo: adotar hábitos saudáveis como não fumar, não ingerir bebidas alcoólicas, dormir no mínimo oito horas por dia, fazer atividades físicas e lazer, resolver os problemas de forma racional com positividade, administrar o tempo fazendo uma atividade de cada vez e cultivar o bom humor. • 2º Passo: no trabalho, procure tirar férias anuais, não levar serviço para casa, manter o ambiente do trabalho limpo, ventilado e iluminado, ter um local sem barulho e sem poluição, e em momentos de tensão fazer respiração lenta e pausada. • 3º Passo: fazer 30 minutos de atividade física diariamente, escutar música, sair com os amigos e família, fazer passeios ao ar livre e tirar um tempo para si. • 4º Passo: pegar sol com os devidos cuidados: busque as horas mais frescas do dia e evite exposição prolongada ao sol; use sempre protetor solar nas áreas expostas ao sol; use óculos escuros e roupas claras, chapéu ou boné para proteger-se. • 5º Passo: alimentação: coma frutas, legumes e verduras (mínimo cinco refeições diárias); evite refrigerantes e salgadinhos; beba pelo menos dois litros (6 a 8 copos) de água por dia; faça as refeições em ambiente calmo e nunca assistindo televisão; evite comer em excesso quando estiver nervoso ou ansioso (BRASIL, 2015b, p. 1). UNIDADE 1 | A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 16 FIGURA 6 – HÁBITOS SAUDÁVEIS FONTE: <https://www.hojeemdia.com.br/polopoly_fs/1.718966!/image/image.jpg_gen/ derivatives/landscape_653/image.jpg>. Acesso em: 9 ago. 2019. Reserve um tempo para curtir a vida e a convivência com os outros Viva intensamente seus momentos em família Pratique atividades físicas Mantenha uma alimentação saudável Reforce seus laços de amizade Não abra mão de boas noites de sono Não tenha vergonha de buscar ajuda de profissionais E lembre-se: você não é um per-herói. Reconheça seus limites e viva a vida intensamente! Na saúde pública, devemos pensar no coletivo, muitas vezes uma família não tem como fazer cinco alimentações em um dia, nem cultivar o bom humor frente ao desemprego, nem estar morando longe do barulho e da poluição, nem ter a prioridade de comprar protetor solar. Essas questões devem ser analisadas quando se está trabalhando com a comunidade. Conhecer a realidade da população que estamos atendendo é fundamental para a resolução dos problemas. TÓPICO 1 | BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA 17 FIGURA 7 – INSTRUMENTO PARA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA FONTE: Fleck (2000, p. 1) Quadro 1 Domínios e facetas do WHOQOL. Domínio I – domínio físico 1. dor e desconforto 2. energia e fadiga 3. sono e repouso Domínio II – domínio psicológico 4. sentimentos positivos 5. pensar, aprender, memória e concentração. 6. autoestima 7. imagem corporal e aparência 8. sentimentos negativos Domínio III – nível de independência 9. mobilidade 10. atividades da vida cotidiana 11. dependência de medicação ou de tratamentos 12. capacidade de trabalho Domínio IV – relações sociais 13. relações pessoais 14. suporte (apoio) social 15. atividade sexual Domínio V – meio ambiente 16. segurança física e proteção 17. ambiente do lar 18. recursos financeiros 19. cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e qualidade 20. oportunidade de adquirir novas informações e habilidades 21. participação em e oportunidade de recreação / lazer 22. ambiente físico (poluição / ruído/ trânsito/ clima) 23. transporte Domínio VI – aspectos espirituais/religião/ crenças pessoais 24. espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais Na Figura 7, consta o instrumento WHOQOL -100, que integra as perguntas relacionadas aos vários campos individuais e sociais para poder avaliar a qualidade de vida do ser humano. As categorias estão separadas por domínio físico, domínio psicológico, nível de independência, relações sociais, meio ambiente e aspectos espirituais. Todos os domínios categorizados no instrumento para a avaliação da qualidade de vida são considerados como necessidades tangíveis para poder viver plenamente. No meio social, é perceptível as diferenças culturais entre os grupos sociais, separados pela história ou por origens étnicas. A multiculturalidade UNIDADE 1 | A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 18 expressa um desafio “perante a concepção do termo qualidade de vida e, principalmente, sobre instrumentos de quantificação, devido à relatividade de compreensão e a expectativa sobre o que é um bom nível de vida” (ALMEIDA et al., 2012, p. 29). A atuação na área da saúde requer esse olhar dinâmico que deveria acolher a todos, sem partir de julgamentos da cultura ou origem de cada indivíduo. O fazer saúde implica ser dinâmico nas percepções para o planejamento das ações. A saúde coletiva é considerada um campo transdisciplinar, de (re) construção de saberes a partir de novos olhares exercidos pelos profissionais da saúde frente ao cenário que se encontram. Também deve ser um campo para viabilização de novas ideias e projetos a fim de consolidar resultados satisfatórios através de ações inovadoras. A temática sobre qualidade de vida adquiriu relevância na área da saúde devido a três fatores (GIANCHELLO, 1996 apud OGATA, 2015, p. 93): • Evolução tecnológica que aumentou a sobrevida. • Mudança no perfil epidemiológico das doenças, com grande prevalência de doenças crônicas, onde não há cura, mas necessidade de se conviver com as limitações. • Necessidade de se considerar as pessoas como seres biopsicossociais. Não podemos deixar de citar sobre ambientes saudáveis quando tratamos de qualidade de vida. Campos et al. (2007) exploram sobre a importância dos ecossistemas saudáveis numa abordagem de ecologia da promoção da saúde humana. “O objetivo desse enfoqueé desenvolver novos conhecimentos sobre a relação saúde e ambiente, em realidades concretas, de forma que permita ações adequadas, apropriadas e saudáveis das pessoas e para as pessoas que ali vivem” (CAMPOS et al., 2007, p. 92). Não é possível ter qualidade de vida vivendo em um ambiente insalubre, sem ventilação, sem luz solar, sem água potável, sem ter contato com a natureza, se alimentando de forma precária ou sem ingerir alimentos com os nutrientes que nosso organismo necessita, sem respirar ar puro etc. Todas essas questões estão ligadas à natureza e a nossa própria sobrevivência. “A Saúde é fator fundamental para o desenvolvimento, cujos efeitos corroboram para uma vida saudável” (CAMPOS et al., 2007, p. 93). IMPORTANT E TÓPICO 1 | BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA 19 A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) é o órgão responsável pela fiscalização e monitoramento dos agrotóxicos utilizados nos alimentos. O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) foi criado em 2001 e já analisou mais de 30 mil amostras referentes a 25 tipos de alimentos de origem vegetal. No último relatório apresentado no período de 2013 a 2015 do total das amostras monitoradas, 9.680 amostras (80,3%) foram consideradas satisfatórias, sendo que 5.062 dessas amostras (42,0%) não apresentaram resíduos dentre os agrotóxicos pesquisados e 4.618 (38,3%) apresentaram resíduos de agrotóxicos dentro do Limite Máximo de Resíduos (LMR), estabelecido pela Anvisa. Foram consideradas insatisfatórias 2.371 amostras (19,7%), sendo que 362 destas amostras (3,00%) apresentaram concentração de resíduos acima do LMR e 2.211 (18,3%) apresentaram resíduos de agrotóxicos não autorizados para a cultura (ANVISA, 2016). Somente no primeiro semestre do ano de 2019 foram liberados 290 agrotóxicos pelo Ministério da Agricultura. Desses, 32% foram proibidos de serem utilizado na Europa. “O Ministério da Saúde registrou 4.003 casos de intoxicação aguda por agrotóxicos em 2017 – quase 11 por dia – e 148 mortes. De 2015 a 2017, foram confirmados 1.141 casos de intoxicação crônica” (DAMASIO, 2019, p. 1). Um dos pesticidas utilizados (sulfoxaflor) é o responsável pelo declínio dos enxames de abelhas por todo o Brasil (MEIRELLES, 2019). “Por mais que a agricultura ainda dependa de agrotóxicos, [é necessário] que ela venha a depender de agrotóxicos de menor toxicidade e que faça um manejo mais ecológico e sustentável, em vez de optar pelo uso desenfreado de veneno, pautando seu modo de produção em cima disso” (MEIRELLES, 2019, p. 1). FIGURA 8 – EXTERMINAÇÃO DAS ABELHAS PELO USO DOS AGROTÓXICOS FONTE: ABRASCO (2019, s.p.) A água é fonte essencial para a vida humana e de todo ecossistema. É uma questão de saúde pública pois está ligada à manifestação de várias doenças, quando não está apta para o consumo. Entre as doenças transmitidas através da água por agentes biológicos destacam-se: UNIDADE 1 | A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 20 • Doenças veiculadas pela ingestão da água: febre tifoide, febre paratifoide, cólera, dissentiria bacilar, amebíase, enteroinfecções em geral, hepatite infecciosa, giardíase e poliomielite. • Doenças veiculadas pelo contato da água com pele ou com as mucosas: esquistossomose, doenças de pele, infecções de ouvido, olhos, nariz e garganta (ROUQUAYROL; GURGEL, 2018, p. 366). Dados da ONU indicam que 3,5 milhões de pessoas morrem no mundo anualmente, devido à distribuição inadequada de água, falta de saneamento e ausência de políticas de higiene. A falta de saneamento básico é um dos principais determinantes da redução da potabilidade da água: apenas 46% dos domicílios têm coleta de esgoto, grande parte sem tratamento adequado. Desmatamento, impermeabilização do solo, degradação e contaminação dos rios e desperdício são alguns outros fatores. “Não se trata de um capricho da natureza, mas do resultado de escolhas sociais e econômicas insustentáveis. Quem demanda mais mercadoria paga menos. O consumo humano fica em segundo plano” (ROCHA, 2014, p. 3). Precisamos de um meio ambiente saudável e em equilíbrio para a nossa sobrevivência. A Saúde Pública abrange todas as esferas relacionadas à saúde da população. Nesse sentido, o Ministério da Saúde instituiu a normativa 01/2005 sobre a importância da saúde ambiental. Trata-se de um campo de práticas intersetoriais e transdisciplinares voltadas para os reflexos, na saúde humana, das relações ecogeossociais do ser humano com o ambiente com vistas ao bem- estar, à qualidade de vida e à sustentabilidade, a fim de orientar políticas públicas formuladas com a utilização do conhecimento disponível e com a participação e controle social (BRASIL, 2009). Em 1997, foi implantada a Lei das Águas, lei federal que estabelece a gestão dos recursos hídricos, sendo que se estabeleceu a partir desta data a Política Nacional de Recursos Hídricos. Um dos principais fundamentos do documento é que “a água é considerada um bem de domínio público e um recurso natural limitado, dotado de valor econômico” (BATALHA, 2018, p. 13). A Política Nacional de Recursos Hídricos prevê inclusive que, em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e de animais e a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades (BRASIL, 1997). A Cidade do Cabo, na África do Sul, com 4 milhões de habitantes, passou por uma situação crítica de acesso à água. Uma cidade turística e populosa sem nenhuma gota de água na torneira. Com a escassez da chuva por três anos, em 2018 teve seus reservatórios com menos de 25% de água e uma contagem regressiva para evitar o temido dia sem ter água nas torneiras e cada morador terá direito somente a 25 litros de água por dia, fornecidos em fontes públicas espalhadas pela cidade. “O atual racionamento permite que o gasto diário seja de até 50 litros. De acordo com a ONU, o consumo médio em condições normais é de 110 litros por TÓPICO 1 | BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA 21 pessoa. Um bilhão de pessoas no mundo não têm acesso à quantidade de água suficiente para abastecimento mínimo diário, que é de 20 litros por dia; segundo a Organização Mundial da Saúde” (BATALHA, 2018, p. 14). “Os governos têm o dever e a responsabilidade de executar políticas eficazes e eficientes, sem negligenciar nenhuma agenda ambiental” (BOCHUHY, 2019, p. 1). Com o objetivo de demonstrar as maiores lacunas e obrigações a fazer, o Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) apresentou subsídios sobre as demandas (mínimas/básicas) para a construção de um plano ambiental geral para o Brasil (BOCHUHY, 2019). 22 Neste tópico, você aprendeu que: • É na vida social que se reconheceu a importância e a necessidade de promover a saúde e tratar as doenças, é nessa consciência que se aloja a saúde pública, passando pela idealização higienista até a participação popular nas decisões de se fazer saúde. • Leavell e Clark (1977) foram os precursores nos estudos sobre o modelo da história natural das doenças e os níveis de prevenção (primária, secundária e terciária). • A combinação dos dois processos: pré-patogênese e patogênese é referida como a história natural das doenças e pode ser utilizada para a finalidade de prevenção dos agravos. • A prevenção da doença pode ser realizada no período de pré-patogênese, através de medidas destinadas a desenvolver a saúde integral pela proteção específica do homem contra os agentes patológicos ou pelas ações contra os agentes do meio ambiente. Trata-se do modelo de atenção primária. • Após o diagnóstico da doença, no início da patogênese, o tratamento deve ser iniciado para minimizar os agravos, é denominada de prevenção secundária. • Ao se instalar, os efeitos das sequelas e limitações, a reabilitação se faz necessário através da prevenção terciária. • A qualidade de vida deve ser compreendida de forma mais ampla, envolvendo osdeterminantes sociais de saúde e, principalmente, avaliando as possibilidades da mudança de estilo de vida dentro da realidade em que se vive. • A saúde coletiva é considerada um campo transdisciplinar, de (re)construção de saberes a partir de novos olhares exercidos pelos profissionais da saúde frente ao cenário que se encontram. Também deve ser um campo para viabilização de novas ideias e projetos a fim de consolidar resultados satisfatórios através de ações inovadoras. RESUMO DO TÓPICO 1 23 1 Como a manifestação da doença era percebida na época do Renascimento? 2 Analise as sentenças a seguir e classifique V para verdadeiro e F para falso: ( ) Os níveis de atenção da prevenção das doenças são considerados como primário, secundário e terciário. ( ) Na atenção secundária, é prevista a reabilitação. ( ) Moradia e emprego são considerados fatores dos determinantes sociais do processo saúde-doença. ( ) O consumo de álcool é um problema de saúde pública no Brasil e fator de risco para várias outras doenças, inclusive a depressão. 3 Descreva pelo menos três aspectos que integram o instrumento na avaliação da qualidade de vida. AUTOATIVIDADE 24 25 TÓPICO 2 A SAÚDE COMO DIREITO DO CIDADÃO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Imagine que você se envolva em um acidente de trânsito, a primeira reação de qualquer cidadão que presencie o acontecimento é ligar para o Serviço Móvel de Atendimento de Urgência (SAMU), este chegará ao local da ocorrência para prestar o atendimento de urgência/emergência, e encaminhará, se necessário, os feridos para um hospital. No hospital, as vítimas poderão passar por uma série de exames e até serem submetidas a intervenções cirúrgicas e permanecerem internadas por um determinado tempo. Todos esses serviços são gratuitos. Segundo o Conselho Federal de Medicina (2019), os acidentes de trânsito no Brasil já deixaram mais de 1,6 milhões de feridos nos últimos dez anos e tiveram um custo direto de quase R$ 3 bilhões para o Sistema Único de Saúde (SUS). Além da emergência, outros serviços são prestados aos cidadãos sem custo, por exemplo: vacinas, transplante de órgãos, hemodiálise, tratamento para HIV, fiscalização da água e de alimentos, entre outros. Tudo isso só é possível porque no Brasil a saúde passou a ser considerada – como veremos nesta unidade com mais detalhes – um direito do cidadão e dever do Estado. Para um sistema tão complexo, o SUS é relativamente jovem e tem muitos desafios pela frente para o aperfeiçoamento do serviço. Em países como Canadá, Inglaterra e França, o atendimento médico também é gratuito e tem qualidade. No entanto, nos Estados Unidos, por exemplo, onde não há um serviço de saúde pública, a situação de acidentes como descrito antes seria totalmente custeada pela vítima ou pelo seu plano de saúde. Sem falar dos casos de doenças como o câncer, que necessitam de um tratamento caro e muitas vezes de longo prazo, fazendo com que as pessoas vendam o seu patrimônio para obter alguma chance de cura. Avançando os estudos nesse sentido, refletiremos sobre o seguimento da saúde pública no Brasil com o olhar crítico do que ainda pode ser melhorado, mas com a compreensão de que o SUS é uma conquista que deve ser preservada. A seguir, estudaremos sobre o histórico da construção do SUS, procurando entender como era o sistema de saúde do Brasil antes dessa conquista, o percurso da sua criação, passando pelo movimento da reforma sanitária até a identificação das legislações que hoje compõem o sistema. UNIDADE 1 | A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 26 2 HISTÓRICO DA CONSTRUÇÃO DO SUS No longo caminho da constituição do SUS, existem marcos que foram necessários para que pudéssemos criar o sistema de saúde que temos hoje. Legislações específicas foram criadas ao longo dos anos, para que, aos poucos, conseguíssemos estruturar o sistema de maneira sólida. 2.1 O BRASIL ANTES DO SUS Desde a época do Brasil Colônia, o acesso para a cura individual de doenças era voltado somente para as pessoas com bom nível socioeconômico, que poderiam pagar pela totalidade do tratamento. A outra parcela da população, menos favorecida, recorria ao saber popular como meio de assistência. Segundo Andrade et al. (2018, p. 444), “mais precisamente até meados do século XIX, os problemas de saúde e higiene ficavam sob a responsabilidade das localidades com a execução de medidas contra a imundície nas ruas e quintais”. A assistência à população pobre e indigente ficava sob os cuidados da iniciativa filantrópica de figuras de importância econômica e social e de instituições beneficentes ligadas à Igreja Católica, como as Santas Casas de Misericórdia. A parcela restante da população buscava socorro dos médicos existentes, ou então de cirurgiões, barbeiros, sangradores, empíricos, curandeiros, parteiros e curiosos (COSTA, 1985 apud ANDRADE et al., 2018, p. 444). Com a chegada das Santas Casas de Misericórdia, que foram instituições criadas pelo Estado português, que depois se instauraram também no Brasil, a fim de prestar assistência social, é que os menos favorecidos começaram a ter algum tipo de atendimento (ABREU, 2001). FIGURA 9 – SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO PAULO FONTE: <https://santacasasp.org.br/upSrv01/up_publicacoes/12516/24080_Hospital%20 Central_009.jpg>. Acesso em: 22 out. 2019. TÓPICO 2 | A SAÚDE COMO DIREITO DO CIDADÃO 27 O vocábulo “misericórdia” tem sua origem no latim e significa em sentido estrito “doar seu coração a outrem” (“misere” e “cordis”). Em sentido mais amplo quer dizer “doar a quem necessita”. As Santas Casas de Misericórdia trabalham com o objetivo de atender este princípio, recebendo os mais necessitados (CMB, 2019, p. 1). Depois de criadas, logo após o descobrimento do Brasil, as Santas Casas atendiam aos enfermos, e sua assistência também era voltada ao amparo à velhice, às crianças vulneráveis, aos portadores de hanseníase, entre outros. Destaca-se também que essas instituições foram responsáveis em vários países, inclusive no Brasil, pela implantação e exercício dos primeiros cursos de Medicina e Enfermagem, e hoje atuam como responsáveis pelo maior número de residências médicas, contribuindo para a formação destes profissionais da saúde (CMB, 2019). Iniciando a abordagem sobre a reforma higienista, deve-se considerar que o Brasil sofreu um golpe de Estado, no qual se instaurou o regime republicano com lugar de destaque para a elite cafeeira. Nessa época, a situação sanitária do país era muito precária e como não havia nenhuma medida para controlar a situação, as doenças endêmicas e graves epidemias ocorriam, sem falar das doenças pestilenciais como: cólera, febre amarela, varíola, entre outras e as de origem infecto-parasitárias como: tuberculose, hanseníase e febre tifoide (VERDI; COELHO, 2005). Nesse contexto da política republicana com a entrada do capitalismo, começou a preocupação de mudar a imagem do Brasil perante os investimentos estrangeiros, pois era considerado um país sujo e pestilento (COSTA, 1985 apud VERDI; COELHO, 2005). Em 1903, o médico Oswaldo Cruz foi nomeado para a Diretoria Geral de Saúde Pública. Sua designação ao cargo foi fundamental para a saúde pública do país e com inúmeros desafios para controlar as doenças transmissíveis que estavam disseminadas naquele período. O principal problema da época era a febre amarela, que matou quase mil pessoas somente em 1902 na cidade do Rio de Janeiro. Oswaldo Cruz era adepto da teoria do médico cubano Juan Carlos Finlay, que dizia que a febre amarela se dava pela picada do mosquito Stegomyia fasciata (hoje o conhecemos como Aedes aegypti). Várias estratégias e planos de ação contra os focos do mosquito foram iniciados, ele criou inclusive brigadas sanitárias, que desinfectavam todos os locais diariamente onde poderiam haver focos. Também buscou educar a população entregando folhetos informativos sobre as medidas que estavam sendo tomadas. Em 1907, já não se comentava mais sobrea febre amarela, a epidemia aos poucos foi perdendo força (FIOCRUZ, 2019b). UNIDADE 1 | A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 28 FIGURA 10 – OSWALDO CRUZ FONTE: <http://www.oswaldocruz.com/site/images/artigos/osvaldocruzreproducao.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2019. FIGURA 11 – GUARDAS SANITÁRIOS E APARELHOS UTILIZADOS NO CONTROLE DOS FOCOS DE MOSQUITOS E DE RATOS FONTE: <http://oswaldocruz.fiocruz.br/images/igallery/resized/301-400/74-356-900-606-100.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2019. Após a campanha da febre amarela, esforçou-se pela erradicação da peste bubônica. Entretanto, toda a polêmica ocorreu no caso da varíola. Em 1904, Oswaldo Cruz sancionou uma lei em que os habitantes do Rio de Janeiro e cidades com maior quantidade de habitantes eram obrigados a se vacinarem. Esse projeto tinha medidas autoritárias, exigindo inclusive atestados de vacinação para matrículas em escolas, empregos públicos, entre outros. Caso fosse constatado que a pessoa não tinha se vacinado, ela podia sofrer algum tipo de punição (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, 2001 apud VERDI; COELHO, 2005). O fator imediatamente deflagrador da Revolta da Vacina foi a publicação, no dia 9 de novembro de 1904, do plano de regulamentação da aplicação da vacina obrigatória contra a varíola [...]. TÓPICO 2 | A SAÚDE COMO DIREITO DO CIDADÃO 29 O argumento do governo era de que a vacinação era de inegável e imprescindível interesse para a saúde pública. E não havia como duvidar dessa afirmação, visto existirem inúmeros focos endêmicos da varíola no Brasil, o maior deles justamente na cidade do Rio de Janeiro (SEVCENKO, 2010, p. 8). A população, ao perceber que o poder público agiu de forma autoritária, revoltou-se contra as medidas sanitárias, processo que foi chamado de Revolta da Vacina. Milhares de manifestantes durante uma semana se organizaram em torno de uma liga que chamavam “Liga contra a Vacina Obrigatória”, parando a cidade, protestando nas ruas etc. Esse modelo do sanitarismo higienista permaneceu até os anos 1920 (VERDI; COELHO, 2005). Segundo Sevcenko (2010, p. 12), a charge a seguir “mostra o senador Lauro Sodré e o personagem popular ‘Zé Povinho’ contra o sanitarista Osvaldo Cruz e o presidente Rodrigues Alves”. FIGURA 12 – CHARGE: REVOLTA DA VACINA FONTE: Sevcenko (2010, p. 12) sociedade brasileira, nos fornece uma visão particularmente esclarecedora de alguns elementos estruturais que preponderaram em nosso passado recente – repercutindo até mesmo nos dias atuais. A constituição de uma sociedade predominantemente urbanizada e de forte teor burguês no início da fase republicana, resultado do enquadramento do Brasil nos termos da nova ordem econômica mundial instaurada pela Revolução Científico-Tecnológica (por volta de 1870), foi acompanhada de movimentos convulsivos e crises traumáticas, cuja solução convergiu insistentemente para um sacrifício cruciante dos grupos populares (SEVCENKO, 2010, p. 5). UNIDADE 1 | A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 30 Em 1923, foi criada a Lei Eloy Chaves, consolidando a base do sistema previdenciário brasileiro “determinando a criação de uma Caixa de Aposentadorias e Pensões – CAP, para os trabalhadores de ferrovias” (BATICH, 2004, p. 1). No artigo 9º da lei, constam os direitos que foram obtidos pelos empregados ferroviários: 1º a socorros médicos em casos de doença em sua pessoa ou pessoa de sua família, que habite sob o mesmo teto e sob a mesma economia; 2º a medicamentos obtidos por preço especial determinado pelo Conselho de Administração; 3º aposentadoria; 4º a pensão para seus herdeiros em caso de morte (BRASIL, 1923, p. 1). Dessa forma, podemos analisar que, a partir dessa lei, começaram as discussões sobre atender às necessidades dos empregados. Nos anos posteriores, estendeu-se para outras classes de trabalhadores, em 1926 o regime da lei foi estendido aos portuários e marítimos; em 1928, aos trabalhadores dos serviços telegráficos e radiotelegráficos; em 1930, para os empregados nos serviços de força, luz e bondes; em 1931, aos empregados dos demais serviços públicos concedidos ou explorados pelo Poder Público, em 1932 os trabalhadores nas empresas de mineração (BRASIL, 2015a). FIGURA 13 – LEI ELOY CHAVES FONTE: A autora Ano 1923 Lei Eloy Chaves Caixa de aposentadoria e pensão - CAP Beneficiava poucas categorias profissionais Organizadas por empresas Haviam diferenças entre os planos de benefícios das CAPs, pois como não existiam regras comuns de funcionamento técnico e administrativo para elas, cada órgão podia formar sua própria norma. Para substituir esse sistema, foram fundados os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs), aliando os trabalhadores de um dado ofício ou setor de atividade (MERCADANTE, 2002). A partir desse momento, a filiação era dada sobre as categorias profissionais, diferente das CAPs, que se organizavam por empresas. No entanto, essa decisão novamente era voltada somente para trabalhadores, que teriam exclusivamente o acesso à medicina previdenciária. TÓPICO 2 | A SAÚDE COMO DIREITO DO CIDADÃO 31 FIGURA 14 – CRIAÇÃO DO IAPS FONTE: A autora Ano 1932 Institutos de Aposentadoria e Pensão IAPS Organizados por categorias profissionais Criado a partir da fusão das CAPS e IAPS Posteriormente, em 1966, todos os IAPS foram fundidos no Instituto Nacional da Previdência Social (INPS) através do Decreto-Lei nº 200 de 1967, esse também atribuiu a função de formular a política nacional de saúde ao Ministério da Saúde (criado em 1953), porém, seu orçamento ainda era precário. Em 1977, foi criado o Sistema Nacional da previdência Social (SINPAS), esse novo sistema transferiu funções que eram exercidas pelo INPS para duas outras instituições: Instituto de Administração da Previdência Social (IAPAS), que faria a gestão financeira, e o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) que asseguraria a assistência médica somente aos trabalhadores de carteira assinada e seus dependentes, o que resultou na construção de unidades de atendimento ambulatorial e hospitalar. No INPS, permaneceu apenas a competência para a concessão de benefícios (FGV, 2019; BRASIL, 2002a; VERDI; COELHO, 2005). FIGURA 15 – CRIAÇÃO DO INAMPS FONTE: A autora Ano 1977 Sistema Nacional da Previdência Social - SINPAS Constituição do INAMPS: Assistência médica para trabalhadores de carteira assinada Como o sistema do INAMPS beneficiava somente os trabalhadores de carteira assinada, uma parte da população brasileira continuava sem direito à saúde. Nessa época, os brasileiros, com relação à assistência à saúde, estavam divididos em três categorias, a saber: • “Os que podiam pagar pelos serviços. • Os que tinham direito a assistência prestada pelo INAMPS. • Os que não tinham nenhum direito” (BRASIL, 2002a, p. 12). UNIDADE 1 | A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 32 Em 1978, houve a Conferência Internacional sobre Atenção Primaria de Saúde, realizada na cidade de Alma-Ata, no Cazaquistão, organizada pela Organização Mundial da Saúde, fundamentando-se na necessidade de promover saúde a todos os povos do mundo. A partir dessa conferência, foi criada a Declaração de Alma Ata, que se compõe por dez itens, salientando a busca por uma solução dos problemas de saúde mundiais, enfatizando a importância da atenção primária. Seguem os dois primeiros tópicos da declaração: A Conferência reafirma enfaticamente que a saúde – estado de completo bem estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade – é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor da saúde. A chocante desigualdade existente no estado de saúde dos povos, particularmente entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, assim como dentro dos países, é política, social e economicamente inaceitável e constituipor isso objeto da preocupação comum de todos os países (BRASIL, 2002b). Em março de 1986 foi realizada a VIII Conferência Nacional de Saúde, com forte participação social, que deu espaço para mais tarde ser possível a criação dos sistemas unificados e descentralizados de saúde (SUDS). 2.2 MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA O médico Dr. Sergio Arouca é considerado o precursor do movimento da reforma sanitária no Brasil. Ele se referia a esse movimento como nascido da luta contra a ditadura, no final dos anos 1960 e começo dos anos 1970, um período de grande repressão no país. Nessa época, o setor da saúde se preocupava em como as doenças eram transmitidas, e era embasado nas ciências biológicas. A grande mudança dessa visão aconteceu quando foi incorporada a teoria marxista, o materialismo dialético e o materialismo histórico, que nos mostra que a doença está socialmente determinada. Nos debates prévios da 8ª Conferência Nacional de Saúde, o termo “reforma sanitarista” foi utilizado para falar sobre ideias que se tinham sobre as modificações que eram necessárias na área da saúde, em que o objetivo seria a melhoria das condições de vida da população, ou seja, um grupo de pessoas tinham ideias comuns para o setor da saúde estavam nessa ação social. Com o fim da ditadura militar, o movimento, que já tinha suas propostas, conseguiu se pronunciar em um documento chamado “Saúde e Democracia” e enviou para a aprovação do Legislativo. Uma das ideias centrais era a transferência do INAMPS para o Ministério da Saúde. Esse documento foi apresentado na 8ª conferência Nacional de Saúde, depois Arouca foi eleito deputado federal e designado relator da extinção do INAMPS (FIOCRUZ, 2019a). TÓPICO 2 | A SAÚDE COMO DIREITO DO CIDADÃO 33 FIGURA 16 – SÉRGIO AROUCA FONTE: <http://www.ccs.saude.gov.br/cns/images/arouca.jpg>. Acesso em: 23 jul. 2017. No processo de “resistência democrática” ao governo autoritário, no período de 1960/1970 até o início dos anos 1980, fruto de análise crítica da política de saúde hegemônica naquela época, nasceu e desenvolveu- se o chamado movimento sanitário, que se consolida em meados da década de 1970 e, progressivamente, politiza a questão da saúde, procurando agrupar a oposição com base nua proposta reformadora para o setor. Esse movimento amplia sua proposta, evoluindo para um projeto de sistema de saúde em que o princípio central é “saúde: direito de todos e dever do Estado, envolvendo a universalização. Integração, equidade e descentralização com efetiva participação da população. Surge, então, a proposta da Reforma Sanitária” (AROUCA, 1991, COHN, 1991, HEIMANN, 1992; ALMEIDA, 1995 apud ANDRADE et al., 2018, p. 445). Em março de 1986, aconteceu a VIII Conferência Nacional de Saúde, ela conseguiu uma grande representatividade, “cumpriu o papel de sistematizar tecnicamente e disseminar politicamente um projeto democrático de reforma sanitária” (FGV, 2019, p. 1). FIGURA 17 – 8a CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE SAÚDE FONTE: <https://apsp.org.br/wp-content/uploads/2016/03/8%C2%AA-Confer%C3%AAncia-1.jpg>. Acesso em: 23 jul. 2019. UNIDADE 1 | A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL 34 Sérgio Arouca referiu que “a saúde enquanto projeto pode ser demarcada antes e depois da Oitava, onde novamente discutimos o valor da participação da população, o valor do controle social, o valor da democracia direta e da luta pela redemocratização do país” (BRASIL, 2019a, p. 1). A Comissão Nacional da Reforma Sanitária elaborou um documento no ano de 1987, composto pelo conjunto de estudos que subsidiaram os seus trabalhos, que tomou como base o relatório final da 8ª Conferência Nacional de Saúde, segue um trecho do documento: A Reforma Sanitária é, portanto, o movimento de construção do novo Sistema Nacional de Saúde, a partir das principais conclusões e recomendações da 8ª Conferência Nacional de Saúde. Isto pressupõe que: • A saúde seja entendida como um processo resultante das condições de vida e a atenção à saúde não se restrinja à assistência médica, mas a todas as ações de promoção, proteção e recuperação; • A saúde seja um direito de todos e um dever do Estado, assegurados constitucionalmente, daí decorrendo a natureza social das ações e serviços de saúde, subordinados ao interesse público; O setor saúde seja reorganizado e redimensionado, de forma a permitir o acesso universal e igualitário de toda a população a todas as ações e serviços necessários, dentro do conhecimento e da tecnologia disponíveis (COMISSÃO NACIONAL DA REFORMA SANITÁRIA, 1987, p. 11). Nesse mesmo documento, além do citado, foram apresentados as diretrizes e os princípios que após serão contemplados no sistema que estava por vir, o SUS. Dessa forma, podemos perceber o SUS estava sendo desenhado. O SUS é um produto da Reforma Sanitária Brasileira, originada do movimento sanitário, processo político que mobilizou a sociedade brasileira para propor novas políticas e novos modelos de organização de sistema, serviços e práticas de saúde. Uma realização importante desde processo foi a inserção no texto constitucional da saúde como direito de cidadania e dever do Estado, o que realçou e deu força jurídica de relevância pública às ações e serviços de saúde (VASCONCELOS; PASCHE, 2007, p. 532). Em 1987, foram criados os sistemas unificados e descentralizados de saúde (SUDS), momento marcante na história, pois foi a primeira vez que o Governo Federal repassou recursos para estados e municípios ampliarem a rede de serviços. Além disso, em suas diretrizes já constavam algumas que seriam utilizadas posteriormente no SUS (REIS et al., 2017). Na prática, a implantação do SUDS gerou polêmica, pois foram mantidos mecanismos de controle centralizados que favoreceram a manipulação política e a reprodução da lógica privatizante. Desta maneira, o SUDS não alterou o modelo assistencial vigente, persistindo a desigualdade de acesso aos serviços, a baixa resolutividade e produtividade dos recursos, a estrutura inadequada de financiamento do setor e a ausência da integralidade das ações (ESCOREL, 1998 apud VERDI; COELHO, 2005, p. 57). TÓPICO 2 | A SAÚDE COMO DIREITO DO CIDADÃO 35 Pode-se dizer que o SUDS era um ensaio para o SUS, ainda era preciso definições constitucionais e uma lei complementar. Como a prática do SUDS era por meio da celebração de convênio, a participação do Governo dos Estados era opcional. Então cada Estado poderia decidir se continuaria com o INAMPS ou com o SUDS (BRASIL, 2003a). Mesmo com essa análise crítica, o SUDS com certeza foi quem facilitou a constituição do SUS na Constituição Federal de 1988 (ANDRADE et al., 2018). Então, em 1988, por intermédio do Movimento da Reforma Sanitária, ocorreu a definição na Constituição Federal relativa ao setor da saúde, que hoje fazem parte dos fundamentos legais do SUS. Falaremos no próximo tópico sobre a legislação que estrutura o nosso sistema de saúde atualmente. A concepção ampliada da saúde que podemos identificar no discurso de Arouca, a seguir, busca a superação da visão dominante em que a saúde era vista somente pela doença antes da reforma sanitarista. “Saúde não é simplesmente ausência de doenças, é muito mais que isso. É bem-estar mental, social, político. As sociedades criam ciclos que, ou são ciclos de miséria, ou são ciclos de desenvolvimento” (BRASIL, 2019a, p. 1). Algumas conquistas do movimento: Universalização da saúde. Definição do dever do Estado e função complementar da saúde privada. A ideia de que a saúde deve ser planejada com base em conferências. A formalização dos conselhos de saúde como parte do SUS, com 50% de usuários. A formação da Comissão Nacional da Reforma Sanitária (FIOCRUZ, 2019a, p. 1). 2.3 LEGISLAÇÃO ESTRUTURANTE Afinal, em que momento o SUS “nasce”? Pode-se dizer que com o texto da Constituição Federal, e que, após ele, foi regulamentado, instituído, pela Lei n° 8.080/90 e Lei n° 8.142/90. Os fundamentos legais do SUS estão explicitados
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