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CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E CÓDIGO CIVÍL

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FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO DE SANTA CRUZ DO RIO PARDO – FASC
ORGANIZAÇÃO APARECIDO PIMENTEL DE EDUCAÇÃO E CULTURA – OAPEC
DIEGO MARTINS CARVALHO
DEFEITOS E VÍCIOS
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR VS. CÓDIGO CIVÍL
SANTA CRUZ DO RIO PARDO
2020
1. Introdução
O Código Civil é a lei que estabelece a ordem jurídica infraconstitucional, promulgado em 1 de janeiro de 1916, foi editado na vigência da Constituição de 1891, em razão disso, a legislação possuía um grande viés político, e que continuou vigorando sob as Constituições de 1930, 1937, 1946, 1967, 1969 até 1988. As ideias dos Direitos regidos pelo antigo Código Civil com certeza são diferentes do que vivenciamos no Direito atual. 
A finalidade do Código Civil atual é tratar dos sujeitos de direitos, dos bens, dos negócios jurídicos e qualquer outro fato jurídico produzido na relação entre as pessoas, toda essa especificidade está elencada nos diferentes livros que tratam das obrigações, dos contratos, dos direitos das coisas, da família e sucessões. Ou seja, o Código Civil estabelece a disciplina de cada instituto de Direito Privado.
O Código de Defesa do Consumidor surgiu em 1990, sob a plenitude democrática, tocada pela nova Constituição Federal, que inclusive estabelecia no seu art. 5, inciso XXXII, que era dever do Estado promover a defesa do consumidor, pressupondo-se que há desigualdade entre o fornecedor e o consumidor, em desfavor deste. O Código de Defesa do Consumidor por sua vez regula uma relação específica e tem seus princípios e regras, alguns desses princípios são: a proporcionalidade, publicidade, igualdade, equivalência das prestações, informação, consentimento informado, defesa do hipossuficiente etc., e os usou com certa frequência.
Ele trata o consumidor como ocupante de uma posição de vulnerabilidade e fragilidade, devendo, por isso, ser protegido. Além disso, busca também estabelecer uma política nacional de consumo, uniformizando o direito aplicável nas relações consumeristas e promover a igualdade substancial nessas relações.
Podemos perceber que o Código de Defesa do Consumidor é uma lei estruturada no próprio Código Civil, utilizando os seus princípios e cláusulas gerais. Já o Código Civil é uma norma de disciplina social, com regras tipificadoras de consultas e disciplinantes de várias espécies de contratos.
Mesmo que o Código de Defesa do Consumidor utilize do Código Civil como suas principais fontes, muito ele interferiu no direito privado. Com isso, claro que surgiram desencontros de ideias sobre os limites de aplicação do CDC, pois muito dele começou a ser utilizado no lugar do CC.
Contudo, o CDC não disciplina nenhum contrato, nem mesmo o de compra e venda, quem disciplina os contratos é o CC, contrato de compra e venda, de seguro, de transportes por exemplo.
Diante do exposto, a presente pesquisa, visa trazer à tona os possíveis defeitos e vícios existentes entre o Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, visto que se tratam de legislações muito semelhantes, e que tratam do mesmo tema, em especial no que diz respeito as relações de consumo e contratos, e que comumente o legislador não se atenta ao criar as legislações.
2. Código de Defesa do Consumidor
Como produto da pós-modernidade, provocou o Código de Defesa do Consumidor uma implosão na Teoria Geral dos Contratos de tal ordem que, passados mais de dez anos de sua existência, ainda há resistência e um certo desconhecimento das diretrizes desse microssistema.
Não se tem mais dúvida de que o CDC é uma arma garantidora dos direitos de cidadania na esfera das relações de consumo, até então regradas pelo Código Civil de 1916.
E, para que se possa entender bem este instrumento de pós-modernidade, é necessário que não se veja nele um substitutivo moderno do Código Civil, mas o seu complemento a reger, especificamente, as relações de consumo numa economia cada vez mais sofisticada e oligopolizada.
Trata-se de sistema jurídico inteiramente novo, no qual se podem fazer os seguintes destaques:
1) inovação da técnica legislativa, definindo concretamente os seus objetivos, baseados nas diretivas políticas constantes dos arts. 5º. XXXII e 170 da CF/88, conforme explicitado no art. 4º do Código.
No passado, somente pela Exposição de Motivos era possível saber o intérprete quais as razões políticas que alicerçaram a produção legislativa;
2) adoção de linguagem menos jurídica e mais setorial. É o caso do termo “hipossuficiente”, usado menos em sentido jurídico e mais no sentido econômico, dando conotação de deficiência econômica, cultural, técnica, enfim, as características de consumidor em contraposição ao fornecedor;
3) apresentação do novo papel do legislador, pois a norma procura mostrar e oportunizar as vantagens de sua aplicação aos destinatários. Assim, a regra do inciso VIII do artigo 6º consagra a inversão do ônus da prova em favor do consumidor;
4) o princípio da boa-fé, prestigiado no Projeto Reale do Código Civil, é no CDC a pedra de toque na proteção do consumidor, abrandando a estrutura rígida do contrato tradicional, fincado sob o princípio pacta sunt servanda – autonomia da vontade. Além disso, sedimenta o princípio da boa-fé objetiva, que ganhou dimensão a partir da CF/88;
5) as relações contratuais, quase sempre bilaterais, passam a ser pluralistas, abrigando terceiras pessoas, inclusive os terceiros voluntários e os terceiros acidentais, pela cadeia formada pela responsabilidade objetiva de todos os componentes da relação. Temos pluralidade de vínculos em um só contrato.
Os destaques analíticos são meramente exemplificativos e servem para sedimentar a realização de uma determinação política, contida no art. 48 do ADCT, a qual sinalizava para que se fizesse um Código de Defesa do Consumidor, cumprindo-se, assim, um dos direitos fundamentais do art. 5º da CF/88 : “XXXII - O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.”
3. Código Civil
O Código Civil de 1916 teima em não desaparecer, mesmo quando já aprovada e em período de vacatio legis a Lei 10.406/02, falando-se até mesmo no adiamento da entrada em vigor do novo diploma civil. Mas qual a razão da resistência?
Uma parece-me óbvia: o Código Civil de 1916 foi obra de dois gênios. Um gênio jurista, Clóvis Beviláqua, que o elaborou, e um outro gênio, no Legislativo, que conduziu a sua aprovação – Ruy Barbosa.
O Código em espera, em verdade, não foi capaz de avançar na disciplina dos institutos, tornando-se óbvio demais para o futuro e, o que é pior, sem querer ter com o amanhã maiores comprometimentos. Daí as regras que orientaram a sua elaboração, cujas diretrizes são:
1) preservação do que fosse possível do Código de 16 e aproveitamento dos anteprojetos antecedentes.
2) Introdução de valores essenciais, tais como:
· Eticidade – fora o formalismo jurídico do Direito português e da Escola Germânica;
· Sociabilidade – superação do caráter individual;
· Operabilidade – eliminação das dúvidas conceituais e interpretativas;
3) disciplinamento exclusivo de matéria já consolidada e sedimentada, deixando fora, porque ainda não acabada, a pesquisa científica em torno da clonagem, barriga de aluguel, inseminação artificial, congelamento de embriões, eutanásia, internet, transsexualidade ou mudança de sexo etc.
4) unificação das obrigações, inclusive em relação às derivadas das relações de comércio.
Como princípios, estabeleceu:
· boa-fé (art. 113);
· usos e costumes locais (art. 187);
· probidade (art. 422);
· função social dos contratos.
Dentre as inovações, destacam-se:
1) flexibilização das normas;
2) liberdade para o juiz;
3) conceituação do negócio jurídico;
4) conceituação de lesão, abuso de personalidade jurídica;
5) abuso do direito como elemento subjetivo;
6) enfatização do contrato como função social;
7) unificação do direito das obrigações;
4. Limites de aplicação do CDC e do CC
Quando se pretende fazer uma análise comparativa, deve-se ter em mente que o CDC é produto legislativo da pós-modernidade, em que se procura estabelecer os regramentos, apreendendoo mais possível as características de cada um. Daí a posição de serem estabelecidos diversos microssistemas.
Como o CDC surgiu em uma época de grande defasagem do direito civil perante a realidade social, ocupou um espaço que não era exatamente o seu, principalmente no que toca à parte principiológica do Direito das Obrigações.
E essa invasão do CDC nas relações do direito civil foi o reflexo do trabalho da jurisprudência. Daí por que dizem os juristas que a entrada em vigor do Novo Código Civil, paradoxalmente, contribuirá para um redimensionamento de muitas questões até então confusas.
O primeiro destaque que faço, nesse trabalho de realinhamento, é para o fato de que o CDC, em princípio, só disciplina as relações de consumo.
E o que vem a ser relação de consumo? O CDC não a conceitua, limitando-se em estabelecer o conceito de consumidor.
Pretendeu o legislador brasileiro proteger o consumidor, optando por dar um enfoque pluralista à expressão, que abrange o consumidor médio, mais ou menos atento, incluindo-se na dimensão o consumidor sem instrução, sem recursos financeiros. É o consumidor em potencial.
Assim, encontramos no CDC, ao lado da definição do que seja consumidor (art. 2º, caput), a figura do:
1) CONSUMIDOR VULNERÁVEL (pobre e fraco – art. 4º, I);
2) CONSUMIDOR VÍTIMA EM GERAL (art. 17); e
3) CONSUMIDOR representado por pessoas expostas a práticas abusivas de mercado (art. 29).
Temos, então, o CONSUMIDOR propriamente dito e o CONSUMIDOR EQUIPARADO, mas, em verdade, só se trata de consumo a aquisição ou a utilização de um bem, sem importar qual o destino desta utilização, se vinculada direta ou indiretamente a uma atividade econômica. Retirou o produto de circulação, é consumidor. E a polêmica ainda mais se amplia, quando se procuram as diferenças entre ADQUIRENTE e USUÁRIO, sendo certo que ambos se utilizam do bem adquirido.
A abstração é própria dos chamados MAXIMALISTAS, que se contrapõem aos FINALISTAS, para quem CONSUMIDOR é o destinatário econômico que se encontra na etapa derradeira da atividade econômica.
A jurisprudência tem se inclinado com maior insistência para a corrente MAXIMALISTA, o que se pode bem verificar na jurisprudência do STJ, que, em relação aos contratos bancários, não indagou se consumidor stricto sensu, ou se consumidor equiparado, quando proclamou:
As instituições bancárias são regidas pela disciplina do CDC, sendo possível a revisão dos contratos sob a sua ótica. (REsp 341.672/RS)
O CDC é aplicável sobre todos os contratos de financiamento bancário firmados entre as instituições financeiras e seus clientes. (REsp 334.175/RS)
Presentemente, enfrenta o STF, na ADIn 2591/2001, controvérsia para classificar as relações dos poupadores de cadernetas de poupança, dos usuários de cartões de crédito, de seguro, e de todas as operações bancárias, à luz do art. 192 da Carta Magna. O questionamento está no fato de tais relações observarem o comando legal de lei complementar e não o CDC, que é lei ordinária.
A polêmica encontrará solução no Código Civil, que, ao promover a unificação das obrigações civil e comercial, encampou o conceito de empresário (aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens ou serviços - art. 966). O conceito coincide com o conceito de fornecedor do CDC.
Dentro desse prisma, fala-se em fontes do Direito, em campos de incidência de dois diplomas legislativos. Para isso, é preciso compreender, como ensina Canaris, que o Direito constitui-se, inegavelmente, em um sistema. E sistema sempre dá a ideia de unidade. Unidade que tem de conviver com pluralidade de fontes, as quais têm que coexistir em harmonia. No sistema solar, por exemplo, há uma série de planetas que circulam em torno do sol, com rota determinada harmonicamente, canalizando energia para que o sistema possa sobreviver. Tumulto haveria se os planetas mudassem de rota ou se o sol emitisse radiação de forma desordenada: ora mais, ora menos. Então, sistema pressupõe unidade. Unidade sobre uma ideia, sobre conhecimentos. Sistema pressupõe a ordenação de várias realidades, de vários conhecimentos. E, no caso do sistema jurídico, de vários conhecimentos jurídicos em função de um ponto de vista unitário.
É verdade que o Direito pertence a uma categoria de realidade dada paulatinamente e que evolui no tempo, mas é preciso ter em conta que o sistema pressupõe pluralismo. Hoje, um pluralismo pós-moderno, em que as diversas fontes,
os diversos diplomas legais devem conviver harmonicamente.
No passado, sempre que surgia uma lei, examinava-se se ela não estava derrogando algum dispositivo de outra lei ou revogando outra norma. A ideia era sempre de se analisar a anterioridade, a especialidade e a hierarquia para ver se a lei nova estava em antinomia com a anterior, se a revogava ou se havia espaço de convivência.
Modernamente não é mais assim. Propõe-se, em face da pluralidade de leis, novo desafio ao aplicador do Direito. Antes de pensar em derrogação, antes de pensar em eliminação de normas do sistema, deve ele procurar superar esse conflito, estabelecendo os campos de incidência das normas.
Será que o Código Civil, por tratar de matérias que são tratadas no Código de Defesa do Consumidor, estaria a revogar os dispositivos deste? Levando-se em conta o princípio da especialidade, a resposta é não. Mas, se aplicado o princípio da anterioridade, pode-se dizer que sim. Considerando-se o princípio da hierarquia, a discussão irá convergir para uma questão controvertida: os consumeristas dizem que o CDC é norma supralegal ou é hierarquicamente superior ao Código Civil. Data venia, não é assim. Esse não é o tratamento dado pela Constituição Federal. O Código de Defesa do Consumidor não é lei complementar, é lei ordinária, assim como o Código Civil. O fato de a Constituição mencionar que as relações de consumo serão regidas por lei especial não atribui status hierárquico superior a tal lei. Se assim fosse, seria forçoso dizer que a Lei de Diretrizes Orçamentárias é lei de categoria superior à lei orçamentária ou à qualquer outra lei, e não é.
Basta um olhar sobre o sistema constitucional brasileiro para concluir que é a Constituição – a norma fundamental, a norma que baliza, que plasma todas as demais – que define a matéria a ser regulada por lei complementar. Deve-se ressaltar que lei complementar não é hierarquicamente superior à lei ordinária. Lei complementar é diferente de lei ordinária no que diz respeito ao quórum de aprovação. A diferença é formal. Ademais, lei complementar não se contenta só com o quórum especial de aprovação; requer algo mais: a aplicação do princípio da reserva.
Quando se insere, no entanto, em uma lei complementar, como o Código Tributário Nacional, alguma matéria que não está submetida ao princípio da reserva, o dispositivo que dela trata, embora tenha sido veiculado em lei complementar formalmente aprovada, é, na sua essência, norma que se categoriza como lei ordinária e, nessa parte, derrogável por lei ordinária.
Somente a Constituição Federal diz quais matérias serão regulamentadas por lei complementar. Não cabe ao legislador querer dar status maior à lei, ou seja, imprimir-lhe eficácia duradoura, impondo-lhe um quórum de aprovação maior formalmente, se a matéria nela tratada não está reservada para a lei complementar na Constituição.
O fato de se tratar, em lei complementar, de matéria que poderia ser disciplinada em lei ordinária não causa nenhum prejuízo, segundo o princípio de que o que abunda não prejudica. Também o fato de o quórum de aprovação ser maior não leva à invalidade da norma. O contrário sim: quando a matéria de lei complementar é tratada em lei ordinária, os dispositivos são írritos, são nulos, porque inconstitucionais na medida em que não se observou o princípio da reserva.
Por exemplo, o Código Tributário Nacional, aprovado em 1966 como lei ordinária, certamente foi, em razão do princípio da reserva da matéria, recepcionado como lei complementar pela Constituição, segundo a qual as matériastributárias, nele tratadas de um modo geral, devem ser reguladas em lei complementar.
O mesmo acontece com a Lei 4.595/1964, que regula o Sistema Financeiro. Tal lei, que era ordinária, não se transmutou automaticamente em lei complementar, continua sendo lei ordinária, mas há um detalhe: a matéria nela versada agora só pode ser modificada por lei complementar.
É necessário que se compreenda, de uma vez por todas, que a matéria reservada à lei complementar não pode ser tratada em lei ordinária. Basta fazer o confronto com a Constituição: se o tema está submetido ao princípio da reserva, só lei complementar pode sobre ele dispor. Se não está, é lei ordinária, não importa se foi o diploma votado e aprovado no Congresso Nacional como lei complementar.
Não é dado ao legislador eleger determinada matéria como de lei complementar se a Constituição não a definir como tal. Se isso ocorresse, estar-se-ia mudando a Constituição por lei complementar. Daí se entender que o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor são leis ordinárias.
Considera-se a matéria de consumo como direito fundamental, mas nem todos os direitos fundamentais são regulados por lei complementar. Entende-se, então, que o constituinte, ao estabelecer, no art. 170, V, da CF, o princípio de defesa do consumidor, fez uma norma direcionada para o legislador. Matéria de consumo deve ser regulada por princípios próprios, aplicando-se as regras dos direitos fundamentais; daí a necessidade de se aplicar um microssistema com proteção própria, com tratamento diferenciado.
Não se pode dizer, portanto, que prevalece o Código de Defesa do Consumidor sobre o Código Civil, porque o Código Civil é lei ordinária e o Código de Defesa do Consumidor tem referência na Constituição, porque trata de direito fundamental. Essa conclusão, data venia, não encontra respaldo no ordenamento constitucional brasileiro.
Porém, na averiguação do sistema que passa pela interpretação das normas, busca-se, de forma rotineira na doutrina, muito mais harmonizar as fontes, os diplomas legislativos, do que derrogar uma lei. Hoje, a preocupação está em harmonizar as fontes com relação à subsidiariedade e complementariedade de aplicação, e não em derrogar ou revogar, como no velho sistema.
Não há mais espaço hoje para interpretar as leis novas com a preocupação de derrogação de normas anteriores. Quando se fala em sistema harmônico, a preocupação do intérprete deve ser com a conciliação, com a convivência das fontes, para que elas dialoguem entre si. A preocupação hoje é com a coerência. A doutrina moderna está muito mais voltada para o aspecto de coordenação e harmonia entre as normas que compõem o ordenamento jurídico. Fala-se, a exemplo de Cláudia Lima Marques, em coerência derivada (ou restaurada), no sentido de se buscar, entre as diversas fontes legislativas que integram o sistema, uma coerência. Para isso, é necessário superar conflitos. É preciso inovar, abandonando a ideia de anterioridade, especialidade e hierarquia, e agregar outra, que é a da convivência, da conciliação.
Em se tratando do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, ressalta-se que não há divergência de princípios. Examinados os princípios plasmados no Código Civil relativos aos contratos, vê-se que estão em consonância com o Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, se algum princípio ali ainda divergisse, a solução se daria pela verificação do campo de incidência de cada norma.
Isso quer dizer que, no Brasil, existe um sistema com uma lei geral, que é o Código Civil. De que trata o Código Civil se não de relações entre iguais? Procura igualar o tratamento entre os empresários, entre as pessoas físicas. O princípio é o da igualdade. E o microssistema do Código de Defesa do Consumidor, elaborado tendo em conta sempre a posição do sujeito? Quando se está pensando no sujeito da relação, não se está pensando mais em igualdade, está-se, ao contrário, tratando pessoas desiguais de forma desigual.
Considerando a moderna interpretação, convém entender que as pessoas têm o direito de ser diferentes e, por isso, de serem tratadas de forma diferente. Algumas vezes, no entanto, é a lei que elege uma categoria de sujeitos como diferentes, a quem dá tratamento diverso, como ocorre no Código de Defesa do Consumidor. Tal Código trata, de forma desigual, pessoas diferentes. Trata distintamente o consumidor, protegendo-o, em face da sua vulnerabilidade, do empresário, tido como expert.
Todavia, essas fontes, que tratam sujeitos diferentes com base em princípios por vezes diferentes e por vezes iguais no sistema geral, nem sempre estão em choque. Às vezes é preciso buscar conceitos, para melhor aplicar o Código de Defesa do Consumidor, em dispositivos do Código Civil. O Código de Defesa do Consumidor não trata do conceito de decadência, de prescrição e de uma série de outros institutos que são aplicados basicamente de forma igual. Outras vezes esses conceitos são adaptados à realidade dos sujeitos da relação sem que isso importe em um derrogar o outro; pelo contrário, existe uma relação ou de complementariedade ou de subsidiariedade. Quando se fala em relação de complementariedade, fala-se na possibilidade de aplicação de duas normas simultaneamente; quando se fala em relação de subsidiariedade, fala-se de norma que não tem conteúdo suficiente para regular a hipótese em questão, devendo-se, então, buscar a solução em outra fonte normativa.
O mesmo ocorre com o Código Civil. Ele não trata da relação de consumo; quando cita essa expressão, está unicamente se referindo ao consumo das coisas. Por isso, às vezes vem buscar conceitos no Código de Defesa do Consumidor. É lógico que, no passado, no início da vigência do Código do Consumidor, com a teoria da interpretação maximalista, foi aplicado o art. 29 às relações civis. A jurisprudência andou nesse caminho, embora não pacificamente. Mas, com a chegada do novo Código Civil, que trouxe princípios próprios para as relações entre os iguais, não mais foi necessária, ou não mais se permite, a aplicação de interpretação maximalista do Código do Consumidor às relações civis.
O Código Civil trata do princípio da boa-fé objetiva, como trata da função social do contrato. Ele tem normas próprias agora. Interpretando o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, percebe-se que aqueles institutos não diferem em nada. Não há diferença do princípio da boa-fé no Código de Defesa do Consumidor no que tange às relações civis. Na verdade, o princípio da boa-fé objetiva aplica-se aos dois lados da relação jurídica. Ao hipossuficiente também, inclusive àquele que não paga todas as prestações, mas não quer devolver o bem financiado, por exemplo.
Boa-fé objetiva, quer nas relações de consumo, quer nas relações obrigacionais comuns, com incidência de Código Civil, aplica-se aos dois lados da relação. Quem está na relação obrigacional deve conduzir-se com a boa-fé objetiva. É preciso entender que esses dois diplomas têm muito mais conflitos aparentes do que reais. Na verdade, seria mais correto afirmar que não há conflito, pois os princípios do Código Civil aplicáveis às relações de consumo estão em coerência com o Código de Defesa do Consumidor.
Havendo conflito de normas, resolve-se também pelo campo de incidência. Na relação de consumo, há normas reguladas no microssistema do Código de Defesa do Consumidor, que trata as pessoas de forma diferente, que tem preocupação coletiva. O Código de Defesa do Consumidor é subsistema que leva sempre em conta o sujeito da relação jurídica ou uma pluralidade de sujeitos: aquilo que se dá a um deve dar-se sempre, na medida do possível, a todos.
O Código Civil tem outro princípio, o da igualdade. Trata as pessoas que estão diante da mesma situação com base no mesmo princípio. Mas, às vezes, conceitos constantes do Código de Defesa do Consumidor que também estão no Código Civil sofrem alterações. O conceito de abusividade no Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, é muito mais amplo do que no Código Civil.
Verifica-se que, quando se tratada relação de seguro, o Código de Defesa do Consumidor tem caráter muito mais protetivo – o abuso se caracteriza com muito mais facilidade, até mesmo pelo dever de informar – do que na relação entre empresas de seguro. Isso não quer dizer que, em relação ao Código Civil, teria havido derrogação dessa parte das normas securitárias. O Código Civil regulou o seguro para os iguais. Portanto, a abusividade que se verifica no Código Civil não é a mesma do Código de Defesa do Consumidor em razão do princípio da especialidade. Tendo em conta o sujeito da relação jurídica, o legislador quis que a abusividade se caracterizasse de modo mais amplo, na proteção efetiva do hipossuficiente, da parte mais fraca e desprovida de informação em relação ao expert.
Isso é diálogo das fontes. O que está sendo construído com essa teoria é a superação da antiga regra segundo a qual a lei nova revoga simplesmente a anterior. Ao invés disso, deve-se olhar a conciliação, a consideração que se dá pelo campo de incidência, pela complementariedade, pela aplicação subsidiária. É esse o caminho. Portanto, a teoria do diálogo das fontes, acerca da qual bem discorreu Erik James, quis apenas trazer aos intérpretes do Direito uma ideia de superação de paradigmas e substituição do princípio de exclusão de normas pelo da convivência. Se se considera o Direito um sistema, a teoria do diálogo das fontes faz com que esse sistema seja mais fluido, já que ele é plural, mutável, complexo. E essa fluidez permite escolher sempre o diploma aplicável sem que isso importe na derrogação dos anteriores.
Dessa forma, o que a teoria do diálogo das fontes propõe é a coordenação entre as diversas fontes normativas. E, nesse sentido, deve o intérprete pautar-se na escolha da norma aplicável ao caso, tendo em vista sempre o respeito ao direito posto, sendo-lhe vedado, num juízo de ponderação de valores ou princípios de que fala Robert Alexy, criar uma norma nova para reger o caso concreto que se encontra submetido a julgamento. Penso, assim, que a segurança jurídica recomenda valer-se o intérprete da lição de Dworkin, o qual, ainda que estabelecendo a distinção, na interpretação das normas, entre regras e princípios, entende que o sistema jurídico está sempre preocupado com a segurança e deve dar estabilidade às relações. Dworkin diz que as regras são de aplicação obrigatória, enquanto os princípios permitem juízo de adequação. Ele chama a atenção para um ponto: nesse juízo de adequação, não pode o intérprete infirmar as regras existentes ou manipular os princípios para torná-los aplicáveis ao caso concreto. O que defende Robert Alexy hoje é contestado por Habermas, que mostra o perigo daquela teoria para a estabilidade das relações jurídicas.
Por que há diálogo das fontes? Porque existem influências recíprocas entre elas, porque há aplicação de duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso. Há ainda uma aplicação que se dá, seja por complementariedade, seja por subsidiariedade, também para que seja permitida às partes opção voluntária a respeito da fonte prevalente. O diálogo possibilita solução flexível da interpretação ou mesmo a solução mais favorável ao mais fraco da relação jurídica.
Isso permite buscar, no Código Civil, regras que não divirjam do Código de Defesa do Consumidor, regras que favoreçam aquele tido como mais fraco. No entanto, aqui cabe um parêntese: há muitos julgados em que o aplicador do Direito vai buscar, ora no Código de Defesa do Consumidor, ora no Código Civil, as normas mais favoráveis ao consumidor. Dessa forma, quebra-se a ideia de sistema. Vale buscar, no Código Civil, somente aquilo que não está regulado no Código de Defesa do Consumidor ou tem espaço para ser comutado ou preenchido por outra fonte. Não deve o aplicador adotar, no caso concreto, apenas o que deseja. Não é essa a proteção que a lei dá. Isso colocaria a segurança jurídica do sistema em xeque, destruindo-o porque não existiria a ideia de harmonia. Esse cuidado deve ser tomado pelo intérprete.
Discutiu-se, há pouco tempo, no STJ, um caso de responsabilidade civil no tabagismo em que a relação era de consumo e ao qual se aplicou o prazo decadencial da relação de consumo, previsto no CDC, e não a prescrição vintenária do Código Civil. E por que a Corte assim agiu? Porque existe um sistema protetivo, o CDC, que deve ser observado. O juiz não protege o consumidor, o juiz não protege o mais fraco, quem protege é a lei. O juiz aplica a lei, interpreta a lei, preenche o espaço deixado pela lei, mas é a lei que protege. Essa proteção é dada pelo sistema. Não é dada pelos juízes. É lógico que, construindo dentro do sistema, construindo sobre espaços vazios deixados pela regulação normativa, a jurisprudência evoluiu muito em matéria de consumo, mas não se pode abandonar a lei para se criar jurisprudencialmente a norma. Isso seria pôr em xeque todo o sistema.
Cláudia Lima Marques diz, com muita propriedade, que há três tipos de diálogo possíveis entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. O primeiro, a aplicação simultânea das duas leis, a que chama diálogo sistemático de coerência. O segundo, a incidência coordenada de duas leis – uma lei pode complementar a aplicação de outra a depender do caso concreto –, o que vale também para os princípios. O terceiro, o diálogo de influências recíprocas como uma possível redefinição do campo de aplicação de uma lei, de que é exemplo a definição de consumidor stricto sensu e a de consumidor equiparado, que pode sofrer influência finalística do novo Código Civil à medida que este vem justamente para regular as relações entre iguais consumidores ou entre dois iguais fornecedores.
Veja-se, como exemplo, um caso que foi julgado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça: em São Paulo, um cidadão caminhava sobre uma caixa por onde passam fios de telefone que estava aberta e caiu, machucando-se. A companhia telefônica disse não ter responsabilidade quanto ao evento, sustentando não ter sido ela quem abrira a caixa e não haver, entre a empresa e o cidadão, relação de consumo. A Corte aplicou ao caso o conceito de consumidor equiparado: o cidadão sofreu acidente em razão da exploração de atividade pela companhia, e aquilo influenciava a vida do jurisdicionado, como a de todos os cidadãos. Por isso, a essa relação foi aplicado, por extensão, o conceito de consumidor equiparado; em princípio, não se tratava de consumidor, mas de alguém que se equiparava a consumidor para fins de indenização. Essa foi a decisão do colegiado.
Em síntese, nos dias atuais, antes de pensar em exclusão, deve-se pensar em convivência, em harmonia, considerando e entendendo o Direito como sistema. Nessa conciliação, todavia, não pode haver juízo de parcialidade – “busco aquilo que interessa e desprezo aquilo que não convém”. Caso haja, a busca da conciliação perderá sua real finalidade, gerando crise no sistema, que precisa, para reger a sociedade como um todo, de constante e perene harmonia.
Há quem defenda que o Código Civil de 2002 adotou os mesmos princípios do Código do Consumidor, alinhando a ordem jurídica civilista, causando uma maior aceitação dos princípios consumeiristas. Como exemplo, podemos citar o princípio da boa-fé, previsto expressamente no artigo 6º, inciso VIII e artigo 51, inciso IV, mas ressaltado várias vezes pelo Código do Consumidor. O novo Código Civil também prevê, como antes visto, o princípio da boa-fé como instrumento básico para interpretação dos contratos (mesmo aqueles que não estipulam relações de consumo), só que de modo mais veemente do que na Lei nº 8.078/1990. É por isso que a eticidade passou a ser uma das principais características do novo Código. Toda essa mudança legislativa que ocorreu com a publicação do Código do Consumidor e do novo Código Civil deve-se a uma reação ao liberalismo desenfreado, onde se pregava a igualdade de tratamento das partes, apesar de não o serem, e a busca do lucro que muitas vezes usava de métodos que ludibriavam as pessoas e lesavam os mais fracos.
Portanto, a nova ordem jurídicatenta resgatar valores éticos e morais também para o mundo negocial através do princípio da boa-fé. A boa-fé, além de medida de decisão judicial é também medida objetiva de conduta, paradigma não só para os contratantes como também para qualquer pessoa titular de direitos, segundo interpretação do artigo 187 do Código Civil.
Não há incompatibilidade entre a boa-fé do novo Código Civil e do Código do Consumidor, pois além de ser necessária a boa-fé nas relações de consumo, também é nas relações empresariais, mesmo quando as partes ocupam posição de igualdade substancial e material.
Outra consequência da boa-fé é o dever de informar, que nas relações de consumo se aplicam ao fornecedor do produto ou serviço, que tem a obrigação de não esconder nada, enquanto no Código Civil todas as partes terão o dever de informar, ampliando a abrangência do princípio trazido para defender os consumidores.
Também pode-se constatar influência do Código do Consumidor sobre o Código Civil na redação do artigo 423 que dispõe:
“Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-à adotar a interpretação mais favorável ao aderente.”
Ve-se que esse artigo nada mais é do que a regra contida no art. 47 do CDC, só que em outros termos, pois este assim coloca:
“Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.
Portanto, pode-se afirmar que o princípio da boa-fé incide a todo momento nas disposições tanto do Código Civil como do Código do Consumidor.
Ademais, outros princípios previstos no Código do Consumidor foram também repetidos no Código Civil, tal como a equidade, também chamada de “equivalência material das obrigações”. No CDC há previsão no artigo 6º, inciso III, que permite a revisão do contrato se houver desequilíbrio acentuado contra o consumidor. È a cláusula específica das relações de consumo porque pressupõe que o consumidor é a parte mais vulnerável da relação. Entre iguais, tal disposição não haveria de existir. No entanto, a prática demonstra que não é bem assim, pois mesmo entre pessoas iguais poderão advir razões externas que acarretem o desequilíbrio nas prestações contratuais. Assim, o Código Civil nos artigos 317 e 478 traz disposição com a mesma ratio do Código do Consumidor.
Outro princípio que está previsto, ainda que implicitamente, no Código do Consumidor e foi repetido no Código Civil de 2002 é o da função social do contrato, previsto expressamente no artigo 421. A autonomia da vontade de contratar o que se quer e com quem se quer está, agora, limitada à função social do contrato. Importante lembrar que a própria Constituição Federal de 1988 já previa a função social da propriedade como limite à sua exploração, não sendo mais um direito absoluto, tal como o era na Idade Média. Desta forma, não se pode utilizar da propriedade de forma a contrariar sua função social. Do mesmo modo, a função social dos contratos limita a sua utilização, ou seja, nenhuma convenção particular poderá ir de encontro à função social do contrato.
Ainda, em termos de responsabilidade civil os dois códigos também adotaram entendimentos semelhantes. O novo Código Civil traz, em seu artigo 927, parágrafo único, disposição que consagra a responsabilidade objetiva do ofensor quando a lei (especial) assim prever. Esta é a responsabilidade também prevista nos artigos 12 e 14 do Código do Consumidor, só que neste é mais bem especificado o que é serviço defeituoso e quando ele é defeituoso, pois o Código Civil nada diz a respeito.
Da análise exposta, pode-se concluir que o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor seguem a mesma linha jurídica. Para o Código do Consumidor foi mais difícil enfrentar a mudança de paradigma, pois encontrou uma ordem jurídica baseada em princípios liberais e muitas vezes, antiética, o que gerou muita resistência à sua aplicação.
Mas hoje, com a sincronia da legislação, os princípios do CDC e do CC estão sedimentando-se, mas é importante frisar que aquele continuará a ser aplicado apenas quando houver relação de consumo.
 
                  O novo Código Civil não suprime ou derroga qualquer dos princípios do estatuto do consumidor. Lembre-se, ademais, que a lei do consumidor consagra um microssistema, dentro de um compartimento que a doutrina denomina de direito social, a meio caminho entre o direito público e o direito privado. Desse modo, ainda que se admita que algum princípio do novo Código Civil conflite com o Código de Defesa do Consumidor, este último prevalecerá. Assim ocorre com os microssistemas em geral, como, por exemplo, na Lei do Inquilinato.
 
                  A verdade é, porém, que os princípios do novo Código Civil se harmonizam com a lei consumerista. O novo estatuto civil busca um novo direito social e como tal, uma função social do contrato, em oposição aos princípios patrimonialista e individualista do Código Civil de 1916. Ressalte-se, por exemplo, dentre os princípios gerais dos contratos, os artigos 421 e 422 do novo código. Pelo primeiro desses dispositivos, estatui-se que "a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato". Ora, essa mesma função social do contrato é buscada pela lei do consumidor ao atender ao princípio de sua vulnerabilidade. O elenco de práticas abusivas dos artigos 39 a 41 e o rol de cláusulas abusivas do artigo 51 do CDC são exemplos da procura pela função social do contrato. O artigo 422 dá destaque ao que a doutrina denomina cláusula aberta no contrato, qual seja, cláusula de boa-fé objetiva, também já presente na lei do consumidor.
 
                  Observe-se, a título de maior esclarecimento, que o instituto da lesão nos negócios jurídicos, que volta à nossa legislação civil, no artigo 157 do novo código, já fora delineada e definida no CDC. Assim, pelo artigo 39, IV do CDC é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços "prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe produtos ou serviços". Da mesma forma, segundo o inciso V do mesmo artigo, não pode o fornecedor de produtos ou serviços "exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva". Ora, essas dicções nada mais são do que aplicação do princípio geral da lesão, descrita no artigo 157: "Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta".
 
                  O mesmo se diga também a respeito do contrato de adesão, tão utilizado em relação de consumo. O artigo 423 descreve que "quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-ão adotar a interpretação mais favorável ao aderente". Ora, é evidente que esse dispositivo vem em socorro ao consumidor, que é o aderente nas relações de consumo. Esse artigo igualmente se harmoniza com as disposições a respeito do contrato de adesão presentes no CDC, no artigo 54. O artigo descreve, no caput, o que se entende por contrato de adesão e nos parágrafos especifica que: a) a inserção de cláusula em formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato; b) nos contratos de adesão admite-se a cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no tópico anterior; c) os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor e d) as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
 
                  Pois bem, essas disposições a respeito do contrato de adesão no CDC constitui uma das hipóteses que extrapola as próprias relações de consumo. Afora o fato de que a grande maioria dos contratos com cláusulas predispostas se situarem nas relações de consumo, não há dúvida que os julgados entenderão que todos os aderentes devem ser protegidos dessaforma com relação ao predispodente, seja ou não a relação típica de consumo, conforme apontamos acima.
 
                  Não há qualquer alteração sensível em matéria de proposta no Código Civil. Desse modo, os princípios amplos que dizem respeito à vinculação da oferta, dentro do CDC (artigos 30 a 35) mantêm-se com pleno vigor.
 
                  Em matéria de vícios redibitórios, o novo Código Civil introduz disposições diversas do estatuto de 1916. Como já enfatizamos, em nossa obra sobre teoria geral dos contratos, nesse passo temos um dicotomia indesejável em ambos os diplomas legais, o que foi mantido pelo novo código. O novo Código Civil mantém os mesmos princípios tradicionais dos vícios ocultos, que permitem rejeitar a coisa ou pedir abatimento do preço (artigo 441). Em matéria de prazos decadenciais, há novidades.
 
                  No entanto, embora o novo Código Civil não se refira expressamente ao Código de Defesa do Consumidor, não haverá arestas de difícil transposição quanto à aplicação da lei do consumidor perante o novo Código Civil.
	
Introdução
O sistema jurídico do Brasil é fruto de um passado colonialista e de uma cultura permeável às idéias e conceitos oriundos do Direito estrangeiro.
A tendência não se modificou, quando da modernização do País, com a adoção de microssistemas especiais.
Assim, o Direito Civil, que é o direito dos iguais, dos homens livres e dos fraternos, herdou um forte embasamento do Direito francês e, com essa tendência, abriu as portas à modernidade.
Na concepção moderna, temos o Estado na sua clássica divisão de poderes, em que as normas são editadas de forma rígida, fechada e exclusiva, com o propósito de deixar contido no regramento estatal tudo que possa ocorrer na sociedade. É a plenitude do ordenamento jurídico de que falava Kelsen.
Dentro desse contexto, cabe ao Estado-Juiz dizer o direito posto, porque é ele, o juiz, a “boca da Lei”.
A visão tripartite do Estado é moderna, civilizada e democrática, herdada da Revolução Francesa, mas o modelo entrou em crise no final do século XX, cedendo lugar a um ceticismo sem precedentes.
A questão maior foi a descrença de que a ciência jurídica seria capaz de construir um sistema normativo com respostas adequadas à solução dos problemas sociais, em uma sociedade que sofre as agruras de uma absurda concentração de renda que gera uma incômoda e quase insuportável exclusão social.
Aliada aos problemas sociais, a assustadora velocidade da vida leva à superação das certezas de ontem, com informações prestadas, quase imediatas, põe em cheque as verdades de hoje e põe em dúvida os caminhos do amanhã. Nesta fase tudo leva a um comportamento que valoriza o abstrato, o transitório, o lazer, os serviços, em uma tendência que não mais se acomoda no figurino da modernidade herdado da Revolução Francesa.
A tendência veloz rompe com a modernidade, implode o direito posto e inaugura a era da pós-modernidade, com valores e referenciais inteiramente novos, quebrando-se os paradigmas do ordenamento jurídico.
Dentro da visão da pós-modernidade, procura-se estabelecer novos valores, novos princípios e o direito dos iguais e dos fraternos, o Direito Civil, passa a sofrer uma profunda influência do Direito Público.
Afinal, a sedimentação dos direitos fundamentais e a questão da liberdade individual, com o surgimento de novas e diferentes necessidades, transformadas em direitos individuais, passam a ser a pedra de toque do direcionamento político.
Abre-se um campo profícuo para a valorização da transparência, da verdade, da sinceridade, com ênfase aos laços fraternos. Abandona-se a igualdade formal da Revolução Francesa, a igualdade substancial que marcou o final da era da modernidade, porque o importante não é a igualdade, e sim a eqüidade. O Estado do bem-estar social está em crise e mergulha no ceticismo do vazio, das soluções individualistas e da insegurança jurídica, convivendo com o pluralismo de fontes legislativas, implodindo os sistemas genéricos normativos.
Assim, o Direito Civil já não é mais tão privado e o Direito Público, tão político e público pela mescla de interesses em ambas as esferas.
É dentro desse panorama provocado pelos ares da Constituição de 1988 que surge um dos mais modernos instrumentos legislativos, o Código de Defesa do Consumidor.
Disposições Convergentes, Divergentes e Complementares
Disposições Convergentes
Aquelas que o CDC adotou do Código de 1916, tais como: a) princípios da probidade e da boa-fé – art. 421 e 422; e b) abuso da personalidade jurídica – art.50 CC.
Disposições Divergentes
a) O CDC prevê como cláusula de revisão contratual a desproporcionalidade das prestações (art. 6º, V) e como prática abusiva prevalecer-se o fornecedor da fraqueza ou inexperiência do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social.
O Código Civil inclui a lesão entre os defeitos do negócio jurídico, definindo-a como a assunção da obrigação desproporcional, mas, nesse caso, exige-se o dolo.
b) O art. 423 do Código Civil dispõe sobre os contratos de adesão e afirma que devem ser interpretados de maneira mais favorável ao aderente quando houver cláusulas ambíguas ou contraditórias.
O art. 47 do CDC determina que a interpretação das cláusulas contratuais deve sempre ser mais favorável ao consumidor.
c) O Código Civil prevê resolução do contrato por onerosidade excessiva, quando o contrato se desequilibrar em razão de vantagem extrema provocada por fatos extraordinários e imprevisíveis – teoria da imprevisão.
O CDC deixa o exame a critério do juiz sem exigir a imprevisibilidade e a extraordinariedade.
Disposições Complementares
a) O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil impõe a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos que especifica ou quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar risco para os direitos de outrem.
As regras de responsabilidade civil do fornecedor pelo FATO DO PRODUTO ou DO SERVIÇO independe de culpa.
b) o art. 156 do Código Civil prevê o chamado ESTADO DE PERIGO quando alguém, premido por necessidade de salvar-se, ou a pessoa da família, de grave dano, assume obrigação excessivamente onerosa.
O Código considera esse estado de perigo como defeito do negócio jurídico capaz de anular o negócio.
O CDC não tem a disposição, mas pode ser aplicável supletivamente.
Conclusões
1) A vigência do Código Civil não trará prejuízo aos consumidores.
2) O Código Civil, ao incorporar no seu texto o conceito de empresário, do Código Comercial, pôs fim à polêmica entre maximalistas e finalistas. Agora, ficará o CDC reservado ao destinatário final econômico.
3) Quando o Código Civil estipular proteção inferior à estabelecida no CDC, o consumidor não será afetado, pois prevalecerá a lei especial.
4) Normas convergentes ou complementares do CDC podem ser aplicadas.
5. Referências
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JÚNIOR, Ruy R. De Aguiar. O Novo Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor (Pontos de Convergência). Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, v. 6, n. 24, dec. 2003. ISSN 1415-4951. Disponível em: <https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista24/revista24_15.pdf>.Acesso em: 20 de set. 2020.
PASQUALOTTO, Adalberto. O Código de Defesa do Consumidor em face do Novo Código Civil. Disponível em: < http://tmp.mpce.mp.br/orgaos/CAOCC/dirConsumidor/artigos/Artigo.Consumidor-O.CDC.em.face.do.Novo.Codigo.Civil.pdf>. Acesso em: 20 de set. 2020.
BRASIL. Projeto de Lei n° 1397, de 01 de abr. de 2020. Poder Legislativo, Brasília, DF, 21 de mai. de 2020. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2242664>. Acesso em: 25 de mai. 2020.

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