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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Registro: 2021.0000165282 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326, da Comarca de Lucélia, em que é apelante FERNANDO VINICIUS MARONAII DO NASCIMENTO, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Rejeitada a preliminar, NEGARAM PROVIMENTO ao apelo. V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores SÉRGIO COELHO (Presidente sem voto), SILMAR FERNANDES E CÉSAR AUGUSTO ANDRADE DE CASTRO. São Paulo, 8 de março de 2021. ALCIDES MALOSSI JUNIOR Relator Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 2 APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1500581-69.2019.8.26.0326. Apelante: FERNANDO VINICIUS MARONAI DO NASICMENTO (Advogado, Dr. Leonardo Cazu). Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo. Sentença: Juiz de Direito Dr. André Gustavo Livonesi. Comarca: Lucélia. VOTO nº 20.024. PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. LESÃO CORPORAL, AMEAÇA, DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. CONDENAÇÃO. RECURSO DA DEFESA. Arguida preliminar de conversão do julgamento em diligência para instauração de incidente de insanidade mental, com pleito, no mérito, de absolvição por falta de provas. Descabimento. 1.- Preliminar. Conversão do julgamento em diligência em favor da instauração de incidente de insanidade mental. Descabimento. Ponto bem analisado na instância de piso. Inexistência de razões concretas para deflagração do expediente previsto no art. 149 e ss. do CPP. Prerrogativa judicial de dilação probatória, conforme necessidade e pertinência, “ex vi” art. 156, II, do CPP. Mera ilação sobre distúrbio mental, sequer devidamente comprovada, que não justificaria, “de per PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 3 si”, a instauração do incidente. Preliminar rejeitada. 2.- Pertinência da condenação. (i) Mérito. Provas. Materialidade. Laudos periciais de exame de corpo de delito, no caso da lesão corporal (vítima C.A.A.), presentes ainda as próprias peças de instrução no caso dos demais delitos. Autoria certa. Precisa identificação do acusado, que pretendia firmar namoro com a filha adolescente das duas vítimas, L.A.S. e seu esposo C.A.A.. Confissão judicial quanto ao delito de descumprimento das medidas protetivas de afastamento do lar das vítimas e de proibição de contato. Versão acusatória demonstrada, mais assertivamente, pelos relatos judiciais de C.A.A. e de duas testemunhas policiais, equidistantes às partes e desinteressadas no desate. Pertinência, apesar da versão obtemperada de L.A.S. e do réu, das conclusões judiciais. Condenação mantida. Negado provimento. VISTO. Trata-se de “APELAÇÃO CRIMINAL”, interposta por FERNANDO VINICIUS MARONAI DO NASCIMENTO, contra r. sentença condenatória de lavra do Juízo de Direito da 2ª Vara Judicial da Comarca de PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 4 Lucélia (cf. certidão de publicação, em 17.12.2019 fls. 234). Segundo o descrito na inicial acusatória, o réu Fernando (qualificado às fls. 23) foi, inicialmente, denunciado por lesão corporal, ameaça (por duas vezes) e descumprimento de medidas protetivas, todos praticados no âmbito da violência familiar e doméstica contra a mulher, porque, em 02.07.2019, por volta das 11h20min, na Rua Manoel Rodrigues, nº 491, bairro Vila Rancharia, na cidade e Comarca de Lucélia, prevalecendo- se das relações domésticas e familiares: (i) descumpriu decisão judicial que havia deferido medidas protetivas de urgência nos moldes da Lei nº 11.340/2006 (Autos nº 1500560- 93.2019.8.26.0326, proferida em 25.06.2019 fls. 18/20); (ii) ameaçou, por meio de palavras, Luzia Alves da Silva e Claudemir Aparecido Alves, de mal injusto e grave; e (iii) ofendeu a integridade corporal de Claudemir, causando-lhe lesões corporais de natureza leve (cf. laudo pericial de exame de corpo de delito fls. 29/30) (cf. denúncia, fls. 76/78, recebida na data de 04.07.2019 fls. 80/81). PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 5 Segundo consta dos autos, Fernando havia namorado, por cerca de três anos, a menor J.A.S.A., adolescente de, então, catorze anos de idade, filha do casal Luzia e Claudemir. Ocorre que, em data não informada, mas ainda no ano de 2019, Fernando e a namorada desentenderam-se e, em razão do entrevero, o rapaz chegou a agredi-la fisicamente com um soco no rosto. Em virtude desse fato, e por crer que J.A.S.A. nutrisse medo em relação ao acusado, Luzia buscara respaldo junto às autoridades e obtivera, por meio de decisão judicial de 25.06.2019 (fls. 18/20), a concessão de diversas medidas protetivas de urgência, nos termos da Lei nº 11.340/2006, dentre as quais, as de proibição de aproximação física da residência das ora vítimas Luzia e Claudemir, bem como de contato com elas ou a menor J.A.S.A, por qualquer meio de comunicação. Fernando foi regularmente intimado da r. decisão (fls. 06). Ocorre que o inconformismo com o desfecho do liame amoroso levou o acusado a rumar à casa das vítimas, descumprindo as determinações judiciais, pois. Ao ali chegar, ultrapassou o muro de alvenaria que cercava a propriedade em relação à via pública, destruindo-o parcialmente. Em seguida, passou a arremessar tijolos contra o local, danificando lâminas de vidro de uma das PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 6 janelas e provocando um rombo no telhado de amianto (cf. laudo pericial fls. 62/70). Pôs-se, então, a vociferar ameaças, dirigidas contra as vítimas, indistintamente: “Eu vou matar vocês tudo!”. Luzia, amedrontada, chamou por Claudemir por telefone, o qual rapidamente retornou ao lar, onde se deparou, de pronto, com Fernando, que, além de reiterar a ameaça acima verbalizada, ainda o agrediu com um caibro de madeira, provocando lesões que se aferiram pericialmente (fls. 29/30). Mesmo após chegar a força policial, o acusado continuou a incessantemente proferir as ameaças. Dispendidos os esforços físicos necessários, Fernando foi contido e, em virtude das circunstâncias, autuado em flagrante (fls. 01). Após regular processamento, a ação penal foi julgada PROCEDENTE e o réu Alfredo, então, condenado como incurso no artigo 129, § 9°, do Código Penal, e no artigo 147, caput, c/c artigo 61, II, “f”,(por duas vezes, em concurso formal), todos do Código Penal, e, ainda, no artigo 24-A, da Lei nº 11.340/2006, tudo na regra do cúmulo material, às penas totais de 07 (sete) meses e 12 (doze) dias de detenção, em regime inicial aberto, PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 7 com indeferimento, por conta da reincidência (fls. 85/86), de benesses penais (fls. 222/232). Fernando está SOLTO atualmente. De legalidade reconhecida, o flagrante fora convolado em prisão preventiva (cf. termo de audiência de custódia, datada de 03.07.2019 fls. 38/40). A constrição cautelar persistiu até que, ante espontânea manifestação pelas vítimas pelo levantamento das medidas protetivas (judicialmente deferido em 04.12.2019 fls. 206, sem oposição ministerial, cf. fls. 205), foi concedida ao réu a liberdade provisória, por meio de decisão de 27.11.2019 (fls. 169/170), cumprido o alvará de solturaclausulado no dia seguinte (fls. 178). A r. sentença passou em julgado para a Acusação em 23.01.2020 (cf. certidão fls. 264). PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 8 Apelo defensivo, com preliminar de conversão do julgamento em diligência, objetivando a instauração de incidente de insanidade mental, e, no mérito propriamente dito, pela absolvição do réu por insuficiência probatória (fls. 244/249). Contrarrazões pelo não provimento do recurso (fls. 256/261), com parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça em idêntico sentido (fls. 270/271). É o relatório. O apelo não comporta provimento. Colhidos os depoimentos de interesse na etapa inquisitiva (fls. 02, 03, 04, 05, 06). Autos formados pelas PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 9 peças de instrução, destacando-se: os exames nosocomiais de lesões físicas para Fernando (fls. 21) e Claudemir (fls. 22), em adendo aos correspondentes laudos periciais de exame de corpo de delito (fls. 31/32, 29/30), além do laudo perinecroscópico (fls. 62/70). Em juízo, foram inquiridas as vítimas Luzia Alves da Silva e Claudemir Aparecido Alves, além das testemunhas Marcos Aurélio dos Reis Pinto, Valmir de Jesus Fernandes, Valdemir Batista do Nascimento e Wanderlei Almerito, interrogando-se o réu Fernando (cf. mídia anexa aos autos digitais). Inicio pela defesa indireta de mérito, com o objetivo de, aqui, AFASTÁ-LA. Em que pese o elogiável esforço argumentativo do d. Defensor, não há como se acolher a preliminar suscitada, descabendo a conversão do julgamento em diligência. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 10 Do quanto extraído do caso, havia sido suscitada, ainda por meio da defesa prévia (fls. 97), a instauração do incidente de insanidade mental porque, “conforme noticiado pelo genitor do Acusado, ultimamente este passou a apresentar um comportamento diverso do de costume, levando o primeiro a suspeitar que o filho possa ter desenvolvido alguma doença mental”. A apreciação do tema foi dilatada à fase de colheita das provas orais, a fim de que o julgador de Primeiro Grau pudesse eventualmente concluir pela pertinência da medida (decisão de 02.08.2019 fls. 107). Porém, ao cabo da instrução, já na sentença, foi sumamente rechaçada a pretensão, à míngua de dados bastantes a respeito. Com acerto o piso. A dilação probatória, sobretudo, com vistas à instauração de incidente, como o de insanidade mental, repousa na discricionariedade do magistrado, que, além de incumbido de conferir o impulso oficial ao feito, ainda deve deliberar, sempre de forma bem PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 11 fundamentada (como observado na espécie, à simples leitura da r. sentença), pela necessidade e pertinência da produção de outras provas que tomar por indispensáveis à formação de seu convencimento. Assim sendo, destituída de qualquer ilegalidade está a decisão ora objurgada, apenas por conta do mero indeferimento da pretensão defensiva, ora reiterada na esfera recursal, não se observando malferidas as garantias fundamentais do acusado, até por conta da postergação de um convencimento sobre a necessidade do incidente senão ao derradeiro ato processual de colheita probatória, o de realização do interrogatório do réu (artigo 400 do Código de Processo Penal). Em uma dimensão substancial, no mais, tampouco se veria a r. sentença desprovida de adequada fundamentação idônea ao indeferimento, respeitada a cláusula constitucional que impõe a motivação judicial adequada (artigo 93, IX, da Carta Magna de 1988). De um lado, Fernando nada alegou, nem demonstrou, no plano comportamental, que pudesse levar a deduzi-lo como portador de qualquer distúrbio PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 12 mental. Conforme consta da r. sentença (fls. 224): “O acusado, durante seu interrogatório, respondeu aos questionamentos de forma clara e objetiva, mantendo uma linha de raciocínio mesmo quando interrompido por perguntas feitas pelo Magistrado.”. D'outra banda, os demais elementos indicativos no sentido acenado pela Defesa diluíram-se no contexto da instrução. Como verificado, a i. Defesa apenas postulara pela instauração do incidente previsto no artigo 149 do Estatuto Processual, em virtude de declaração, neste sentido, do genitor do acusado, Valdemir Batista do Nascimento. Sem apor dúvida sobre a idoneidade do nobre advogado, por certo, as informações prestadas por Valdemir, que é pai do réu e, por isso, direto interessado no desfecho do caso, se arrimariam em meras “suspeitas” sobre o surgimento de doença mental em razão de oscilações no comportamento do filho, as quais não foram, ao cabo da instrução, nem explanadas, muito menos demonstradas. Aliás, em juízo, Valdemir apenas confirmou a existência de pessoas na família com “problemas mentais”, nada de específico se comprovando sobre Fernando. Outra testemunha arrolada pela Defesa, Wanderlei Almerito, que talvez detivesse ressentimentos contra Claudemir (o primeiro alegou em juízo ter sido “ameaçado” pela referida vítima na sala de espera do distrito policial, fato não comprovado), limitou-se a dizer que PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 13 acreditava que o acusado “não batia bem da cabeça”. Noutros termos, os possíveis dados de convicção nesse sentido, sequer se alcandorando ao patamar de indícios concretos (artigo 239 do Código de Processo Penal), provaram-se tíbios e inconsistentes, a ponto de justificar a procrastinação do resultado judicial por meio da instauração de incidente de insanidade. Em conclusão, bem afastada, no piso, a questão ora alinhavada, aqui urgindo, portanto, REJEITAR a preliminar postulada. No mérito propriamente dito, o pleito concentra-se pela absolvição por falta de provas. O reexame do caderno probatório desautoriza a conclusão sustentada pela Defesa, em que a dissonância relativa nas provas orais. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 14 Materialidade arrimada, no caso dos delitos de ameaça e descumprimento de medidas protetivas de urgência, nas próprias peças de instrução, de um modo geral, sem prejuízo do condão probatório, também quanto à existência do substrato fático para uma e outra infração penal, extraído das provas orais. Mais especificamente quanto à lesão corporal, coadunam-se as conclusões do laudo pericial de exame de corpo de delito realizado em Claudemir (fls. 29/30) com a versão acusatória. De fato, em confirmação ao laudo nosocomial (fls. 22), o exame pericial de corpo de delito confirmou, naquela vítima, a existência de lesão leve consistente em equimose com escoriação em região peitoral à direita. Noutros termos, a conclusão médico- legal reafirma a dinâmica fática, tal como exposta na denúncia, quanto à agressão desfechada pelo réu, que se muniu de caibro de madeira (não apreendido), para agredir Claudemir, após descumprir as medidas protetivas de aproximação e contato, e vociferar ameaças de morte às portas da casa dos ofendidos, igualmente danificada no muro, numa janela e no telhado, por meio de arremessos de pedaços de tijolo (conclusão aferida, pericialmente cf. laudo perinecroscópico, fls. 62/70). PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 15 Autoria certa.As provas orais, em geral, consolidam-na, tampouco se aferindo maior desafio neste ponto, em virtude da natureza dos crimes praticados, instilados por conta do liame parental entre as duas vítimas e J.A.S.A., adolescente que mantivera um namoro com o acusado. A identificação deste tampouco deu margem a dúvidas, tendo em vista a própria existência da decisão judicial concessiva de medidas protetivas (fls. 18/20), já tornando segura a confirmação do algoz, que, ademais, tanto na fase policial (fls. 06), como em juízo, CONFESSOU, ao menos, a prática do delito previsto no artigo 24-A, da Lei nº 11.340/2006, como bem reconhecido na sentença. Este aspecto do caso, igualmente trazido com segurança à lume por conta dos sobejos indícios iniciais de autoria atrelados à autuação em flagrante (fls. 01), não encontrou maior contumélia nas demais provas orais. Os ofendidos Luzia e Claudemir, embora não tenham apresentado narrativas perfeitamente concêntricas sobre todos os fatos, confirmaram, em juízo, a presença de Fernando na residência deles, o que tornou cabal, pois, a violação das medidas protetivas de proibição de aproximação das vítimas (a r. decisão judicial de fls. 18/20, embora nominalmente se tenha referido apenas a Luzia, PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 16 estendeu-a a quaisquer familiares desta, aqui se incluindo, por dilação do conceito civil de parentela, o cônjuge varão) e, consequentemente, de contato da mesma forma, inclusive para se evitar ofensa à integridade física e psíquica daquelas (Claudemir foi fisicamente agredido, e ambos os genitores de J.A.S.A., ameaçados de morte pelo réu). Não obstante tenha Luzia confirmado as ameaças apenas contra Claudemir, em juízo, ponderando, enfim, que o entrevero com o réu se limitaria àquele último (por ele não aceitar o namoro da filha com Fernando), a depoente não soube explicar, então, o porquê de ter ligado ao marido pedindo por socorro. Sua narrativa judicial contrariou, inclusive, o relato prestado na etapa inquisitiva (fls. 04), quando não só admitira ter ela própria sofrido ameaças, como ainda representara contra o réu (caso contrário, sequer se teria preenchido, ao menos neste caso, condição de procedibilidade à ação penal para o delito em comento). Ademais, tampouco se poderia acolher, genuinamente, a versão judicial de Luzia (abrandada por razões não esclarecidas), tendo em vista que havia sido ela própria a buscar apoio institucional nos moldes da PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 17 Lei Maria da Penha, tendo protagonizado as informações que embasaram a decisão judicial concessiva de medidas protetivas (fls. 18/20), proferida aproximadamente uma semana antes dos crimes aqui averiguados. Claudemir, que também representara contra Fernando (fls. 05), já trouxe relato mais assertivo, eis que plenamente confirmatório de suas primeiras declarações, além de respaldado pelos testemunhos policiais. Claudemir tanto confirmou ter sido agredido por Fernando com uma “paulada no peito” (o que se harmoniza plenamente com as confirmações periciais, como visto), como ainda, corroborando o crime de descumprimento de medidas protetivas (confessado pelo réu em juízo, torno a salientar), assinalou ter recebido ameaças de morte. As testemunhas de defesa, Valdemir (pai do réu, portanto, a rigor, suscetível de ser dispensado de compromisso) e Wanderlei nada presenciaram sobre os fatos propriamente ditos, não tendo podido sobre eles prestar esclarecimentos específicos. Embora aquele último tenha declarado, em juízo, que vira Claudemir e outros três ou quatro PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 18 indivíduos, armados com pedaços de pau, em perseguição a Fernando, observo que tal narrativa permaneceu isolada no contexto das provas, sem ressonância no relato obtemperado de Luzia, e com respaldo, apenas, no próprio interrogatório de Fernando. Todavia, observo que o increpado não chegara a declinar o cenário fático acima descrito em suas primeiras declarações (fls. 06), nas quais, para além afirmar sua intenção em conversar com a então namorada J.A.S.A., se limitou a negar todos os crimes, inclusive o de ter danificado a residência das vítimas (o que foi atestado pelas provas orais e pelo laudo pericial de fls. 62/70). Noutros termos, sobressai, entre os dois relatos de Fernando contradição que, assim como se dá com o testemunho de Wanderlei, exige que se acolham as narrativas judiciais nessa linha com considerável cautela. Ademais, Wanderlei, por deter vínculo pessoal com a família do réu e, quiçá, nutrir ponto desfavorável contra Claudemir (em razão da suposta ameaça na delegacia), como explanado, igualmente deve ter suas declarações analisadas cuidadosamente, já que não se provou equidistante das partes. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 19 Situação diametralmente oposta é a das policiais militares Marcos e Valmir, os quais, tendo atuado, por dever de ofício, na autuação em flagrante de Fernando, não detinham qualquer interesse direto (que se tenha, ademais, arguido, menos ainda, comprovado) no desate da causa. E, confirmando a versão de Claudemir, os brigadianos salientaram que nenhuma das duas vítimas aceitava o namoro do acusado com a filha delas, tanto que também fizeram menção, em juízo, à decisão judicial concessiva de medidas protetivas de urgência (fls. 18/20). Além disso, enquanto Marcos particularmente ressaltou que a própria Luzia contatara Claudemir por telefone (cônjuge do qual estava, em verdade, separada de fato, e chamara para dormir na casa dela), por conta de ameaças anteriores de Fernando, Valmir destacou ter bem observado, na data dos fatos, as lesões no peito de Claudemir. Ademais, em tom uníssono, os dois policiais aduziram, sob o pálio do contraditório, que Fernando gritava, a todo momento, que iria “matar todo mundo”, o que veio consolidar a confirmação dos delitos de ameaça para ambas as vítimas do presente caso. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 20 No mais, impende recordar, como bem exposto na própria r. sentença, que o delito de ameaça perfaz CRIME FORMAL, consumando-se com a própria exteriorização, por palavras ou gestos, de mal injusto e grave. Assim, é irrelevante que Claudemir não se tenha deixado abater pelas promessas de mal grave vociferadas pelo acusado. Ademais, considerando a virulência da investida, como se nota dos danos à casa (fls. 62/70) da confirmação judicial, pelos policiais, da necessidade de desforço físico para contenção do réu, estaria Claudemir não só albergado pelo manto da legítima defesa (própria e de terceiro), como também pela autorização legal de autotutela, em se cuidando de “invasão” domiciliar perpetrada pelo desafeto Fernando, sobretudo em confessada circunstância de descumprimento de ordem judicial impondo medidas protetivas em favor das vítimas. Por outro lado, estas últimas, como qualquer medida jurídica de natureza cautelar, sustentam-se conforme a necessidade, em virtude de comportarem parcial cerceamento de direitos individuais; PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 21 o fato de terem sido posteriormente levantadas (fls. 206) em nada compromete, portanto, o reconhecimento técnico da prática de crimes de ameaça. A concordância ministerial reflete a posição técnica da instituição, que não só atua comoparte no processo penal, como também está investida pelo dever de tutela dos interesses sociais e dos direitos, tanto individuais, como coletivos (em sentido lato). Logo, ao declinar aval ao levantamento das medidas protetivas, sob os critérios da necessidade, adequação e estrita proporcionalidade, o Ministério Público apenas atua em consonância com uma de suas atividades-fim, diversa da acusatória, o que não perfaz contradição lógica ou técnica. Do quanto observado do caso, em suma, de rigor o reconhecimento da aptidão condenatória do acervo de provas. Passo às penas. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 22 Recapitulado o dimensionamento das penas, traz-se trecho relevante com as vênias de estilo (fls. 230/232): “I- Quanto ao delito de Ameaça. Primeira etapa: Ao analisar as circunstâncias judiciais do réu verifico que ele ostenta condenação criminal anterior com trânsito em julgado (fls. 85/86) a qual será sopesada em fase própria, a fim de não se incorrer em bis in idem. Fixo, assim, a pena base em 01(um) mês de detenção. Segunda etapa: Ausentes circunstâncias atenuantes. Presente a agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea "f" e a reincidência (art. 61, inciso I, do CP - fls. 85/86), razão pela qual exaspero a pena em 1/5, perfazendo 01 (um) mês e 06 (seis) dias de detenção. Terceira etapa: Ausentes causas de diminuição da pena. Incide causa de aumento do concurso formal de crimes, uma vez que o delito foi praticado contra vítimas distintas. Assim, aumento a pena em 1/6, perfazendo a reprimenda em 01 (um) mês e 12 (doze) dias de detenção. II- Quanto ao delito de Lesão corporal. Primeira etapa: Ao analisar as circunstâncias judiciais, verifico que o réu ostenta condenação criminal anterior com trânsito em julgado (fls.85/86), a qual será sopesada em fase própria, a fim de não se incorrer em bis in idem. Fixo a pena base em 03 (três) meses de detenção. Segunda etapa: Presente a atenuante da confissão e agravante da reincidência (art. 61, inciso I, do CP - fls. 85/86), razão pela qual faço a devida compensação mantendo a pena acima fixada. Terceira etapa: Ausentes causas de aumento ou de diminuição da pena, razão pelo qual fixo a pena definitiva em 03 (três) meses de detenção. III - Em relação ao delito de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência (Art. 24-A da lei nº 11.340/06). Primeira etapa: Ao se analisar as circunstâncias judiciais do réu, verifico que ele possui condenação criminal anterior com trânsito em julgado (fls. 85/86), a qual será sopesada em fase própria, a fim de não se incorrer em bis in idem. Assim, fixo a pena base em 03 (três) meses de detenção. Segunda etapa: Presente a atenuante da confissão e PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 23 agravante da reincidência (art. 61, inciso I, do CP - fls. 85/86), razão pela qual faço a devida compensação mantendo a pena acima fixada. Terceira etapa: Ausentes causas de aumento ou de diminuição da pena, razão pelo qual fixo a pena definitiva em 03 (três) meses detenção. Por ter o réu praticado os crimes em concurso material, na forma do artigo 69, caput, do Código Penal, é de rigor a aplicação cumulativa das penas acima fixadas, o que resulta na pena de 07 (sete) meses e 12 (doze) dias de detenção. Regime inicial de cumprimento: considerando o período de prisão preventiva, adequado o regime inicial aberto, conforme artigo 33, §2º, do Código Penal. Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito (artigo 44 do Código Penal): Ante a reincidência, incabível a substituição do art. 44 do CP ou a suspensão condicional da pena (CP, art. 77). Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação penal e CONDENO FERNANDO VINICIUS MARONAI DO NASCIMENTO à pena de 07 (sete) meses e 12 (doze) dias de detenção, em regime inicial aberto, por ter infringido os artigos 129, caput, 147 (por duas vezes), ambos do Código Penal, e artigo 24-A da Lei n° 11.340/06, caracterizado o concurso material, nos termos do artigo 69 do Código Penal. Concedo ao acusado o direito de apelar em liberdade, tendo em vista que não estão presentes os requisitos para decretação da prisão preventiva. Comunique-se as vítimas na forma preceituada no artigo 201, § 2º, do Código de Processo Penal. Condeno o acusado ao pagamento das custas e despesas processuais. Observe-se a assistência judiciária gratuita, uma vez que lhe foi nomeado Defensor pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Expeçam-se as certidões de honorários advocatícios nos termos do Convênio DPE/OAB para essa espécie processual. Oportunamente, com o trânsito em julgado, procedam-se às comunicações necessárias aos institutos de Identificação Criminal, ao Cartório Distribuidor local e ao Tribunal Regional Eleitoral acerca do veredicto condenatório. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se..”. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 24 Bem fundamentada, a dosimetria das penas revelou-se acertada, inexistindo necessidade de reparo em qualquer medida. O dimensionamento punitivo das três infrações penais comportou acerto, na primeira fase, porquanto não apurados, de fato, elementos específicos que ensejassem o incremento. Com efeito, já pesa contra o réu condenação definitiva por delitos de resistência e desobediência (cf. certidão de fls. 85/86 - Processo n° 0003932-32.2016.8.0326 trânsito em julgado na data de 30/01/2019), o que comprova, de maneira irrefutável a reincidência, bem sopesada na fase adequada. Enquanto, para a lesão corporal e o descumprimento de medida protetiva, só se fazia sentir a aludida agravante na segunda fase, os demais crimes ainda contavam com a igualmente reconhecida agravante do artigo 61, II, “f”, do Código Penal, atrelada à opressão de gênero, escalonada às vítimas, em vista do móvel de PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 25 opressão de gênero dirigido contra Luzia. Em relação ao delito previsto no artigo 24-A da Lei Maria da Penha, reconheceu-se, ainda, com acerto, a atenuante da confissão, eis que preservada ao longo da instrução processual e contributiva à formação do convencimento judicial (artigo 65, III, “d”, do Código Penal, c/c Súmula nº 545 do C. Superior Tribunal de Justiça), o que produziu a compensação integral. Quanto à lesão corporal, admitido o fato com temperamentos pelo réu, que o negara na etapa policial (fls. 06), apenas persiste o reconhecimento da confissão, qualificada, à míngua de impugnação recursal pela Acusação, ora nada restando a fazer. Mantido, até porque não excessivo, logo proporcional, o acréscimo em 1/5 para o crime de ameaça neste estágio da dosimetria. Na terceira fase, nada mais havia que se considerar quanto aos crimes praticados, à exceção do reconhecimento do concurso formal (a despeito da pluralidade - duas vítimas) para as ameaças, o que, à falta de insurgência recursal, deve ser preservado; CORRETO, porém, na ótica da proporcionalidade, o derradeiro aumento em 1/6. Uma vez que se mostraram, ainda, PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 26 corretos os cálculos das reprimendas de cada crime, posteriormente somadas no cúmulo material por se tratar de delitos de espécies distintas, o “quantum” final de pena é insuscetível de modificação. No que diz respeito ao regime inicial de cumprimento de pena, fixou-se, com relativo acerto, o regime inicial aberto, em coerência com a natureza e a quantidade das penas impostas, individualmente ou na soma, a despeito da reincidênciado réu, nos termos do artigo 33, § 2°, “c” do Código Penal. Como bem se observa aqui, somada à reincidência (artigo 44, II, do Código Penal), a natureza dos delitos de lesão corporal e ameaça, cometidos com violência real e moral contra a pessoa, e consolidado entendimento pretoriano na matéria Súmula n° 588 do C. Superior Tribunal de Justiça obstam a substituição da pena corporal por restritivas de direitos, incompatíveis também por não serem socialmente recomendáveis, o PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 27 que se estendeu ao indeferimento do “sursis” das penas, nos termos do artigo 77 do Codex. Inaplicável, por derradeiro, o disposto no artigo 387, § 2°, do Código de Processo Penal, a despeito do período de segregação cautelar, porque irrelevante o período de encarceramento provisório, estipulado com finalidade cautelar, à fixação do regime inicial, neste caso, o qual, ademais, já foi imposto na modalidade mais branda, apesar da reincidência do acusado, reservando-se eventuais incidentes ao competente Juízo das Execuções. NOTIFIQUE-SE a vítima Luzia Alves da Silva, a única de gênero feminino, acerca da decisão encartada no v. acórdão, nos termos do artigo 21, caput, da Lei n° 11.340/2006, sem prejuízo da intimação do d. Advogado do apelante. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelação Criminal nº 1500581-69.2019.8.26.0326 -Voto nº 20024 28 Ante o exposto, por meu voto, rejeitada a preliminar, NEGO PROVIMENTO ao apelo. Alcides Malossi Junior DESEMBARGADOR RELATOR 2021-03-08T17:12:42-0300 Not specified
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