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1 ANATOMIA E FISIOLOGIA PATOLÓGICAS RAUL BICALHO – MEDUFES 103 The Epidemiology of Glioma in Adults TÓPICOS DO ARTIGO Introdução o Bom, esse artigo que eu e Taís ficamos responsáveis de apresentar é um artigo de revisão sobre o que se sabe da epidemiologia dos gliomas até hoje, então ele se baseia em diversos estudos que foram feitos ao longo dos anos, principalmente no início do século 21, e analisa os resultados deles para tentar chegar em alguma conclusão Fatores de risco epidemiológicos o A parte que ficou sobre minha responsabilidade foi a de fatores de risco epidemiológicos, não necessariamente fatores que AUMENTAM o risco do glioma e sim fatores que foram estudadas suas relações com a incidência de glioma, podendo tanto ter resultados de associação positiva, ou seja, aumentando o risco, quanto negativa, diminuindo o risco pro desenvolvimento desse tipo de câncer, ou até nenhuma associação conclusiva o Eu vou começar falando dos estudos que associaram alergias e radiação ionizante com o desenvolvimento dos gliomas, que com certeza foram os mais significantes e mais conclusivos o Depois eu vou comentar rapidinho alguns estudos que procuraram essa relação na exposição à radiação não ionizante, como telefones celulares e campos magnéticos de frequência extremamente baixa e em o exposições químicas ocupacionais, que acabaram todos tendo resultados inconclusivos o No final, eu vou dar um apanhado geral e comentar sobre o futuro da epidemiologia dos gliomas ALERGIAS Aspectos gerais o Foram feitos vários estudos que constataram que condições alérgicas, incluindo asma, rinite alérgica, eczema e alergias alimentares, reduzem o risco de glioma. Sendo essa redução em quase 40% o Uma análise descobriu ainda que com o aumento do número de tipos de alergias (Ex.: alergia sazonal, de medicação, de animais domésticos, de comida) o risco de glioma diminui ainda mais o Só que é importante comentar que essa relação entre a alergia e o risco de glioma pode não ser consistente entre os diferentes tipos histológicos do cÂncer o É interessante que uma das análises feitas foi sobre a relação do uso de anti-histamínicos, que são fármacos usados no tratamento de reações alérgicas, com o desenvolvimento de glioma, porque provavelmente houve uma suspeita que eram os remédios que atuariam nessa proteção, mas os resultados desses estudos foram bem inconsistentes Imunoglobulina E o Uma questão importante na associação da alergia com o glioma, foi que alguns (5) estudos mostraram que pacientes com esse tipo de câncer têm baixos níveis de imunoglobulina E (IgE), que é um biomarcador de alergia já que é a classe de anticorpos responsáveis por doenças alérgicas atópicas e representa um "fenótipo intermediário" possível de se quantificar 2 ANATOMIA E FISIOLOGIA PATOLÓGICAS RAUL BICALHO – MEDUFES 103 o Para separar seus participantes, os estudos que procuram associação entre alergia e gliomas usam uma história autorrelatada de alergia em conjunto com os níveis de IgE dosados no sangue para inclusive validar essa informação autorrelatada ▪ Só que o valor de IgE pode ser influenciado pelo estagio pré-clínico do tumor (como se fosse um marcador inicial de doença), o que poderia confundir esses dados o Já os SNPs não são afetados por um tumor em desenvolvimento ▪ SNPs são, como a tais falou, polimorfismos de nucleotídeo único do DNA, a variação genética mais comum, que representa uma diferença em um único nucleotídeo o Investigadores, então, avaliaram SNPs germinativos que desempenham um papel na produção de IgE ou alergia (Ex.: Interleucina 13, IL 4 e IL 4 receptor-alfa [IL4Ra]) para determinar se eles estavam associados com risco de glioma ▪ Os resultados desses estudos de SNPS de IL13 e IL4Ra foram conflituosos ▪ Sendo que na -análise de alguns estudos descobriu-se que o SNP rs20541 [da IL13] pode ser um indicador genético de risco de glioma, porém rs1801275 [IL4Ra] não parece ser (VER ARTIGO DESSA PARTE) o Além disso, uma possível explicação da diminuição do risco de gliomas por alergias seria que a imunovigilância tumoral pode operar mais eficientemente naqueles indivíduos que têm alergias o O tumor cerebral segrega fortes citocinas imunomoduladoras como o fator de crescimento transformador β e a prostaglandina E2 para suprimir as respostas de hipersensibilidade do tipo Th1 e a hipersensibilidade retardada associada, que parecem ser ativas, mas em grande parte ineficazes. Possíveis vieses o O problema é que alguns desses estudos que tentam explicar a partir do nível de IgE apresentam várias possibilidades de viés ▪ Um deles pode ser pela diminuição do IgE pelo próprio glioma ou tratamentos do tumor e não o contrário, já que os tumores cerebrais são bem conhecidos por terem efeitos sobre o sistema imunológico. Além disso, um dos estudos só constatou a associação inversa de IgE e gliomas entre os casos que receberam temozolomida, que é parte do tratamento padrão para pacientes com glioblastoma ▪ Além disso, tanto o autorrelato quanto os níveis de IgE estão sujeitos a vieses. Como as alergias relatadas por níveis de IgE nem sempre coincidiram com a alergia autorrelatada e todas foram fortemente associados inversamente ao glioma, é possível que elas se relacionem a um terceiro fator não conhecido que pode ser um componente do sistema imunológico e ser o responsável pela diminuição do risco de glioma ▪ Então, mesmo que as alergias autorrelatadas estão entre as associações mais consistentes na epidemiologia do câncer cerebral e os anticorpos IgE nos fornecem evidências concretas adicionais para esta associação, eles não nos fornecem o mecanismo que isso é feito Genes relacionados à alergia e inflamação o Por outro lado, para avaliar melhor o papel dos genes relacionados à alergia e inflamação, um estudo comparou 911 genes da função imune no DNA germinativo de 2 grandes estudos independentes (1056 casos de glioblastoma e 2384 controles) ▪ Os autores encontraram, então, uma associação com CD25, um gene na superfície das células T reguladoras de supressão imunológica, que podem estar envolvidas na supressão imunológica que caracteriza o desenvolvimento e progressão do glioblastoma. O que acontece é que essas células são expressas em níveis abaixo da média em pessoas com alergia 3 ANATOMIA E FISIOLOGIA PATOLÓGICAS RAUL BICALHO – MEDUFES 103 o Agora não mais no DNA germinativo e sim no transcriptoma do RNA mensageiro, uma análise estudou a expressão de 919 genes relacionados a alergia e inflamação e sua associação com a expressão de CD133, que é um indicador de agressividade tumoral ▪ Eles descobriram que 69% desses genes estavam negativamente correlacionados com a expressão do CD133 (r = - 0.40) ▪ Ou seja, quanto mais agressivo o tumor, menor a expressão da maioria dos genes relacionados a alergias e inflamações RADIAÇÃO IONIZANTE Aspectos gerais o Uma associação de altas doses de radiação ionizante e todos os tumores cerebrais (incluindo os gliomas) foi observada em estudos de bombas atômicas, dados de testes nucleares, radiação terapêutica para câncer e condições benignas, e estudos ocupacionais e ambientais o O acompanhamento desses estudos mostrou que diferentes partes do cérebro podem variar em sua radiossensibilidade e os tipos de radiação podem então indicar para riscos específicos de gliomas o Muitos desses estudos demonstraram também uma associação linear de dose-resposta, ou seja, quanto maior a dose de radiação maior a resposta de câncer na mesma proporção Exposição diagnóstica à radiação (TC) o Os níveis de dose associados à tomografia computadorizada estão na faixa de preocupação (porque a faixa de doses efetivas de uma única TC é estimada entre 2 e 15 milésimos de Sievert, que é uma unidade de dose para medir os efeitos biológicos da radiação, sendo que especialistas estabelecema dose aguda mais baixa em que há evidência de risco aproximadamente em 10 a 50 milésimos de Sievert o Embora o risco de desenvolver câncer iatrogênico a partir de um único procedimento seja muito pequeno, os efeitos cumulativos destas exposições estão sendo avaliados, já que grande parte dos pacientes submetidos a repetidas tomografias, às vezes na mesma consulta médica o Bom, alguns estudos epidemiológicos de exposição à radiação diagnóstica têm fornecido resultados inconsistentes com relação ao risco geral de tumor cerebral, mas alguns demonstraram sim risco para câncer no geral e alguns para glioma específicos ▪ O que acontece é que para tumores cerebrais os dados de alguns estudos não eram consistentes com um risco crescente por unidade de dose, ou seja, não há associação linear de dose-resposta assim como nas outros casos que eu mencionei o Então, os dados relativos aos tumores cerebrais e especificamente aos gliomas por exposições diagnósticas às tomografias computadorizadas estão surgindo, mas são inconclusivos até a publicação deste artigo Divergências nas literaturas o Bom, então mesmo que uma associação entre altas doses radiação ionizante e tumores cerebrais seja considerada estabelecida na literatura de epidemiologia, ainda assim esta conclusão não é geralmente aceita na literatura de ciência da radiação o Isto pode decorrer de vários fatores: ▪ A crença de longa data de que o cérebro é um órgão altamente diferenciado com baixa atividade mitótica, tornando-o resistente à radiação ▪ O potencial para vieses na evidência de caso-controle disponível sobre estes tumores raros 4 ANATOMIA E FISIOLOGIA PATOLÓGICAS RAUL BICALHO – MEDUFES 103 ▪ O número limitado de estudos de coorte fornecendo experiência através de uma gama de doses de exposição ▪ A falta de quantitativo de risco específico para os subtipos histológicos estimado para tumores cerebrais o Então, embora a evidência de uma associação entre exposições a altos níveis de radiação ionizante e todos os tumores cerebrais seja chamativa, os dados específicos de localização para glioma precisam ser esclarecidos e quantificados RADIAÇÃO NÃO IONIZANTE: TELEFONES CELULARES Estudos recentes o O celular foi introduzido nos anos 80, mas se tornou popular em meados dos anos 90 em todo o mundo, e atualmente a grande maioria das pessoas usa telefones celulares o O cérebro é o órgão que absorve mais os campos de radiofrequência quando o telefone celular é segurado na cabeça, o que gerou uma preocupação de saúde pública para um possível fator de risco, então a associação com o glioma começou a ser investigada o Em 2011, a Agência Internacional de Pesquisa do Câncer (IARC) classificou os campos de radiofrequência (ondas utilizadas pelos telefones) como um possível carcinógeno (IARC grupo 2B), isso foi baseado principalmente em descobertas epidemiológicas de um aumento do risco de glioma e neuroma vestibular em pessoas que faziam uso intensivo de telefones celulares o Mas mais recentemente foram publicados 6 outros estudos epidemiológicos investigando essa associação. o Foram 3 estudos de tendências temporal de incidência ▪ Onde houve ausência de uma associação ▪ Esses estudos são descritivos e foram utilizados por algum tempo, mas depois se demonstraram limitados em capacidade de tirar conclusões para segmentos muito pequenos dos usuários o Também foram feitos 2 estudos coortes ▪ Em que o risco de glioma foi o mesmo entre aqueles com > 10 anos de uso de telefones celulares e o grupo de comparação ▪ Inclusive, em um deles o risco de glioma foi até um pouco menor para os usuários diários de celular em comparação com não-usuários o Por fim, foi feito também 1 estudo caso-controle ▪ Que encontrou um risco para glioma mais elevado em todas as categorias de uso de telefone celular (Odds ratio alto) ▪ Só que além de incompatível com os outros resultados, houve nesse estudo uma falta de detalhamento metodológico e falta de validação dos dados do questionário Falta de evidências concretas o Bom, com isso podemos dizer que as evidências publicadas desde a afirmação da IARC agência internacional de pesquisa do câncer em 2011 não sustentam uma associação entre o uso de telefones celulares e o risco de glioma em adultos o Mas, pode ser que exista essa associação, já que o período de latência para os efeitos da radiação do celular é desconhecido e a informação sobre usuários intensivos a longo prazo é limitada o Então, esta associação entre exposição e doença merece um monitoramento contínuo 5 ANATOMIA E FISIOLOGIA PATOLÓGICAS RAUL BICALHO – MEDUFES 103 RADIAÇÃO NÃO IONIZANTE: CAMPOS MAGNÉTICOS DE FREQUÊNCIA EXTREMAMENTE BAIXA o Agora vou falar sobre a possível associação entre exposição ocupacional a campos magnéticos de frequência extremamente baixa (ELFs – Extremely low frequency) e o desenvolvimento de gliomas Estudos recentes o Os estudos antigos que buscavam essa relação eram tipicamente limitados por pequenos tamanhos de estudo, falta de dados de histórico profissional e incapacidade de considerar subtipos histológicos separados de tumores cerebrais ▪ Então, mesmo que algumas associações de risco tenham sido observadas, concluiu-se que as evidências eram inadequadas para classificar a ELF como um carcinógeno para tumores cerebrais o Por isso, novos estudos foram feitos e seus resultados foram analisados o Alguns foram estudos coortes, que não encontraram nenhuma associação clara entre exposição a ELF ocupacional, duração da exposição, ou exposição cumulativa com risco de câncer cerebral em geral o E foi feito também um caso-controle, onde nenhuma associação foi observada entre a exposição cumulativa e o risco para glioma ou glioblastoma em geral, mas foi observada uma associação positiva entre ELF média ≥ 3.0 mg e glioblastoma em homens Resultados inconclusivos o Novamente temos resultados inconclusivos o Então, por mais que se saiba pouco sobre mecanismos biológicos pelos quais campos magnéticos de ELF podem desempenhar um papel de risco de desenvolvimento de glioma, provavelmente eles atuam na promoção e progressão do câncer o Estudos mais recentes não revelaram nenhuma associação com a exposição ocupacional cumulativa durante toda a vida, mas associações positivas foram descritas dentro da janela de tempo de exposição mais recente, 1-4 anos antes da data de diagnóstico/data de referência (Tabela 5) o Além disso, a exposição a ELF também pode atuar como um cocarcinogênio com outras exposições, que não a ocupacional, então, investigações adicionais devem ser feitas EXPOSIÇÕES QUÍMICAS OCUPACIONAIS • Por fim, possíveis associações entre exposições químicas ocupacionais e tumores cerebrais têm sido estudadas há anos, mas também com descobertas inconsistentes Profissões de risco o Estudos recentes associaram as seguintes profissões a um maior risco de glioma ▪ Engenheiros, arquitetos, pesquisadores e professores ▪ Mulheres com emprego em indústrias agrícolas e de vestuário/têxteis, equipamentos elétricos e eletrônicos, lojas de departamento e outras indústrias de varejo ▪ Vendedoras, escriturárias, garçonetes e agricultoras o Por outro lado, um risco reduzido de glioma foi relatado entre trabalhadores florestais, pescadores e marinheiros Tipos de exposições 6 ANATOMIA E FISIOLOGIA PATOLÓGICAS RAUL BICALHO – MEDUFES 103 o Um dos estudos desenvolveu uma lista de 21 exposições de interesse identificadas a partir da literatura o Essas exposições variavam de: ▪ Pesticidas (agricultores, aplicadores de pesticidas); a ▪ Chumbo (atendentes de postos de gasolina, encanadores) ▪ Bifenilos policlorados (trabalhadores elétricos, trabalhadores da construção civil) ▪ Compostos N-nitroso (trabalhadores da fabricação de borracha) o Destas 21 exposições, 2 (exposição à carne crua e possível exposição à radiaçãonão ionizante) foram associadas a um risco elevado de glioma o Foi observado, então, um risco elevado de glioma para açougueiros e cortadores de carne Pesticidas e Solventes o Sobre os pesticidas, alguns estudos não mostraram associação positiva, mas alguns sim o Já a exposição a solventes clorados mostrou diminuição do risco de glioma em alguns estudos (resultado que pode ter sido por metodologia inadequada), mas a análise de interações genético-ambientais mostrou que eles não são fator de risco importante para o glioma O FUTURO DA EPIDEMIOLOGIA DE GLIOMAS Bom, concluindo.. Progressos o Foram feitos progressos significativos na identificação de fatores de risco potenciais para gliomas, incluindo vários fatores genéticos hereditários, doenças alérgicas/atópicas e exposições à radiação ionizante o Numerosas outras exposições foram estudadas com resultados inconsistentes o As tecnologias "ômicas" e o acúmulo de dados vem ajudando na compreensão da heterogeneidade dos gliomas e seus subtipos, o que deve ajudar na capacidade de descobrir fatores de risco o Estas abordagens ômicas também revelaram biomarcadores importantes para o prognóstico e a resposta ao tratamento Conclusão o Foi demonstrado, então, que alergia e condições atópicas diminuem o risco de glioma, e os papéis específicos dos genes da função imune na gliomagenese e na progressão tumoral precisam de uma investigação mais profunda o Numerosas outras exposições continuam a ser examinadas, incluindo exposições por telefone celular e campos magnéticos de extrema baixa frequência o Assim, a análise contínua de estudos multicêntricos, bem como outros conjuntos de dados, levará potencialmente a uma maior compreensão das interações dos genes e do ambiente no desenvolvimento do glioma
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