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Manual A RESENHA COMO UM GÊNERO ACADÊMICO 2017

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2016 
Manual de Resenhas 
Ms. Magna Campos 
 
Manual de Resenhas 
1 
A RESENHA COMO UM GÊNERO ACADÊMICO1 
Ms. Magna Campos 
 
1. Sobre o gênero textual resenha: 
 
Dentre os gêneros comuns de serem elaborados em um curso superior 
(resumo, resenha, artigos e ensaios), a resenha figura como um dos mais 
recorrentes em alguns cursos, especialmente, de graduação e de especialização. 
Pertencente à categoria de gêneros apreciativo-avaliativos, os quais 
avaliam as contribuições, os argumentos, o estilo e o posicionamento de dado texto 
ou obra, esse gênero pode contribuir para desenvolver não apenas a escrita, mas 
também a leitura crítica do estudante, uma vez que aprender a realizar uma resenha 
é aprender a realizar a análise crítica de um texto, fundamentando-a em parâmetros 
que extrapolem o senso comum ou a superficialidade do texto e adentrem as 
discussões acadêmico-científicas de dada questão. Pois, de acordo com Motta-Roth 
e Hendges (2010, p. 27)2, a resenha é “um gênero discursivo usado na academia 
para avaliar – elogiar ou criticar – o resultado da produção intelectual em uma área 
do conhecimento” nela o resenhador basicamente “descreve e avalia uma dada obra 
a partir de um ponto de vista informado pelo conhecimento produzido anteriormente 
sobre aquele tema. Seus comentários devem se conectar com área do saber em 
que a obra foi produzida”. 
O gênero textual resenha, de acordo com Alcoverde e Alcoverde (2007)3, 
assim como muitos outros gêneros, possui suas especificidades e configurações. 
Assim, o mero ensino da organização global de um gênero não é suficiente para 
fazer com que o aprendiz chegue a uma produção adequada. Precisa-se, também, 
levar em consideração qual o papel social e o propósito desse gênero. Afinal, como 
ensina Bakhtin (2003)4, o domínio de um repertório de gêneros relevantes ao nosso 
 
1
 Texto adaptado dos livros: CAMPOS, Magna. Letramento acadêmico e argumentação: incursões 
teóricas e práticas. Mariana: EA, 2015. 142p. ISBN: 978-85-918919-4-8 e CAMPOS, Magna. Manual 
de gêneros acadêmicos: resenha, fichamento, memorial, resumo científico, relatório, projeto de 
pesquisa, artigo científico/paper, normas da ABNT. Mariana: EA, 2012-2015. ISBN: 978-85-918919-1-
7. 
2
 MOTTA-ROTH, Désirée; HENDGES, Graciela. Produção textual na universidade. São Paulo: 
Parábola, 2010. 
3
 ALCOVERDE, Maria Divanira; ALCOVERDE, Rossana Delmar. Produzindo gêneros textuais: a 
resenha. Natal: UEPB/UFRN, 2007. 
4
 BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da criação verbal. 4.ed. São 
Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 277-326. 
 
Magna Campos 
contexto social nos possibilita a participação nessa vida grupal de maneira mais 
igualitária, espontânea e verdadeira. 
Motta-Roth e Hendges (2010) contribuem, quando ensinam que a análise do 
gênero textual resenha evidencia que resenhar um texto implica quatro ações: 
apresentar, descrever, avaliar, (não) recomendar o livro. Essas ações tendem, em 
geral, a aparecerem nesta ordem ou, dependendo do estilo do resenhador, a 
descrição e a avaliação aparecem juntas: à medida que se descreve, avalia-se. 
Nesta perspectiva, Campos (2012-2015) explica que a resenha consiste, 
portanto, na apresentação sucinta do texto resenhado e de seu autor, no resumo, na 
apreciação crítica do conteúdo e do estilo e na indicação de leitura, sendo 
antecedida pela referência do texto resenhado. A resenha deve levar ao leitor 
informações objetivas sobre o assunto de que trata a obra, destacando, assim, a 
contribuição do autor no que tange à abordagem inovadora do tema ou problema, 
aos novos conhecimentos, às novas teorias, às relações com os saberes de uma 
determinada área do conhecimento, dentre outras possibilidades de avaliação 
crítica, além de ser capaz indicar o “leitor virtual” mais adequado para a leitura da 
obra, por isso o recomendar ou não sua leitura. 
 
2. Relevância do trabalho com resenhas nos cursos de Direito 
 
O Ministério da Educação (MEC), por meio do Conselho Nacional de 
Educação (CNE), institui as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) apontando as 
competências (conhecimentos desenvolvidos) e as habilidades (saber fazer) 
necessárias de serem desenvolvidas pelo curso de graduação em Direito. Tais 
competências e habilidades são as seguintes5: 
Art. 4º. O curso de graduação em Direito deverá possibilitar a formação 
profissional que revele, pelo menos, as seguintes habilidades e 
competências: 
I - leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos 
ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas; 
II - interpretação e aplicação do Direito; 
III - pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de 
outras fontes do Direito; 
IV - adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias, 
administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e 
procedimentos; 
V - correta utilização da terminologia jurídica ou da Ciência do Direito; 
 
5
 Baseado em: BRASIL. CNE. Resolução CNE/CES 9/2004: Institui Diretrizes Curriculares Nacionais 
do Curso de Graduação em Direito. Diário Oficial da União, Brasília, 1 de outubro de 2004. 
 
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3 
VI - utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de 
reflexão crítica; 
VII - julgamento e tomada de decisões; e, 
VIII - domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e 
aplicação do Direito
6
. 
 
A leitura das competências e habilidades básicas propostas pelos órgãos 
reguladores do Ensino Superior de nosso país evidencia a necessidade de 
desenvolvimento de trabalho consistente e constante, no interior dos cursos de 
Direito, voltado para o desenvolvimento de competências e de habilidades 
relacionadas à escrita e à leitura proficientes tanto de textos científicos, quanto 
técnicos e do dia a dia. 
Além disso, o desenvolvimento da leitura e da escrita proficientes no meio 
acadêmico propicia melhoria qualitativa dos trabalhos do curso, dos projetos de 
pesquisa e das monografias elaborados pelos estudantes, bem como, abre caminho 
para a publicação de textos em revistas científicas, anais de congressos e 
coletâneas de textos acadêmicos, com a orientação de professores, hoje tão 
cobrada pelos órgãos avaliadores de qualidade das instituições de Ensino Superior 
do país. 
Por isso, o trabalho com o gênero textual resenha crítica ganha relevância e 
se justifica como uma tentativa de implementação de produção de textos 
acadêmicos com maior qualidade e desenvoltura textuais, além de propiciar a leitura 
e reflexão crítica de textos do universo das disciplinas estudadas ou relacionados 
aos conhecimentos gerais. 
Não bastassem tais razões, a produção efetiva de resenhas críticas ainda 
ajuda a preparar os graduandos da instituição para as avaliações externas como o 
ENADE, cuja nota compõe 70% do Conceito Preliminar de Curso (CPC), uma das 
notas mais importantes na formação da nota definitiva do curso e da classificação da 
instituição no ranking nacional de instituições de Ensino Superior. As competências 
mencionadas anteriormente configuram a base norteadora para a elaboração das 40 
questões da prova do ENADE, aplicada a todos os cursos, em ciclo de 03 em 03 
anos. 
 
3. Tipos de resenhas7: 
 
6
 
 
Magna Campos 
 
O gênero textual resenha, conforme Campos (2012-2015), apresenta três 
espécies distintas: a resenha indicativa ou descritiva, a resenha temática e a 
resenha crítica. 
A) A resenha indicativa é aquela encontrada em jornais e encartes de Dvds, 
por exemplo, cuja função é fazer uma breve apresentação da obra (livro ou filme), 
seguida de uma classificação do material, além de fazer uma indicação de público- 
alvo (leitor virtual). 
Apresenta comumente: 
1. Resumo bem sintético; 
2. Dadosgerais da obra; 
3. Apreciação. 
 
Quadro 01: Exemplo de resenha indicativa de filme: 
A MAÇÃ 
O filme narra a história de duas irmãs gêmeas que ficaram aprisionadas em casa por onze 
dos seus treze anos de vida. Vítimas da obediência extrema a um preceito do Alcorão que reza que 
"meninas são como flores que, expostas ao sol, murchariam", foram libertadas após uma denúncia 
feita pelos vizinhos e publicada nos jornais. Samira Makhmalbaf, uma menina de 18 anos, decide 
filmar o processo de libertação e adaptação das irmãs à vida social. Este processo é marcado por 
muitos desafios e descobertas do mundo externo como andar nas ruas, ir à feira, conviver com outras 
crianças, tudo balizado por um novo prazer de viver. As cenas são fortes e comoventes, revelando a 
descoberta da liberdade e da vida. Vale a pena! 
 
FICHA TÉCNICA 
Características: filme iraniano, colorido, legendado, com 86 minutos, produzido em 1998. 
Direção: Samira Makhmalbaf 
Gênero: drama 
Distribuição em vídeo: Cult Filmes 
Qualificação: 
Fonte: portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Profa/cat_res.pdf 
 
B) A resenha temática trata de uma leitura apreciativa de um mesmo tema 
em textos diferentes ou em diferentes autores. De acordo Köche, Boff e Pavani 
 
7
 Na internet, há inúmeras confusões sobre o que é de fato uma resenha. Alguns sites inclusive 
apontam o resumo crítico como sendo uma resenha, o que configura uma falha descritiva e 
conteudística. 
 
file:///H:/Unipac/portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Profa/cat_res.pdf
 
Manual de Resenhas 
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(2009, p. 105)8 “a resenha temática consiste em um gênero textual que sintetiza 
mais de um texto ou obra, em torno de um só assunto, estabelecendo relações entre 
suas ideias”. 
Geralmente esse tipo de resenha segue o seguinte ordenamento: 
1. Título 
2. Apresentação do tema 
3. Resumo os textos ou dos posicionamentos 
4. Apreciação/comparação/conclusão 
5. Fontes bibliográficas. 
 
Quadro 2: Exemplo de resenha temática: 
Entre anima e corpo 
Este trabalho refere-se a uma brevíssima comparação da visão de homem que perpassa a 
Filosofia e as Ciências Naturais. Para isso, toma os conceitos de mecanicismo e como vértice 
explicativo do homem, na dualidade, mente e alma, de René Descartes; passa pelo dualismo "mente 
e comportamento”, de Skinner e o comportamento operante; indo até Richard Dawkins e o homem 
funcional dotado de intenção biológica, imbuído e "destinado" a ser uma "maquina gênica". 
É necessário para uma melhor compreensão voltarmos ao século XVII, no qual o filósofo 
René Descartes confere ao homem uma parte no mundo puramente mecânica semelhante às 
marionetes manipuladas por fios e cordas do teatro francês. O dualismo cartesiano aparta o homem 
da besta-fera, quando lhe confere o que chama de "substância" (alma/mente). 
Skinner formula a teoria do comportamento operante, já que o comportamento seria a base 
explicativa da ação do homem sob o meio. Skinner entende que o comportamento do homem é produto 
da relação deste com o meio e propõe que três seriam os determinantes da modelagem do 
comportamento: a filogenia, ontogenia e a cultura. A alma ou mente é deixada de lado e, segundo essa 
perspectiva, não poderia determinar nem influenciar no comportamento humano. Toda a explicação 
influenciada pela metafísica ou que inferiria que a entidade "mente" influencia ou opera sobre o 
somático é tida como mentalista ou uma explicação “fictícia", que não tem base, nem valor científico. 
Dawkins resgata e o mecanicismo ingênuo de Descartes, e com a cientificidade da biologia 
inverte o conceito do antropomorfismo e devolve ao homem o "status" de animal, desprovido de 
característica ou ancestralidade divina. Como Skinner, deixa de lado o fator alma ou razão metafisica 
para explicar o razão da existência e comportamento humano. Como zoólogo, Dawkins vincula a 
existência humana a uma espécie de "padrão fixo de ação”, ou seja, a replicação gênica e 
perpetuação da espécie (homo sapiens). 
O pensamento mecanicista e pragmático de homem "máquina", dotado de estruturas ou 
conjuntos orgânicos com uma funcionalidade previsível, não é uma corrente epistemológica nova, 
mas, remete-nos a origem do pensamento racional e é anterior ao "positivismo" Comtiano. 
Descartes entendia o homem como semelhante aos animais na forma e estrutura fisiológica. 
Assim, a mecânica hidráulica de seu tempo servia-lhe de inspiração, e se houve um "erro" cometido 
por Descartes, segundo Damásio (1996), é o de não ter alocado no encéfalo do homem o que ele 
chamava de "substância" ou mente. Damásio, como neurologista, entende a tal "mente" intrínseca a 
processos neuronais. 
Skinner, seguindo a influência do behaviorismo de Watson quanto a necessidade da 
cientificidade e operacionalização da psicologia, cria o behaviorismo radical que não nega sentimentos 
ou emoções humanas, mas, procura entende-los como uma forma de comportamento possível de 
análise. 
 
8
 KÖCHE, Vanilda; BOFF, Odete; PAVANI, Cinara. Prática textual: atividades de leitura e escrita. 
6.ed. Petrópolis: Vozes, 2009. 
 
Magna Campos 
Assim, a filosofia do comportamento entende o homem como sendo determinado pelas 
contingências ambientais. Skinner cria uma psicologia empirista e pragmatica, deixando para o senso 
comum conceitos como alma, mente ou espírito. Para ele, o homem é influenciado pelo ambiente e 
difere-se da marionete pensada por Descartes, por esse não ser um autômato. Segundo Skinner, o 
homem modifica e interage com o meio, e por este é transformado. Ou seja, não é passivo, atua e é 
modificado, transformado, vive uma relação dinâmica com o meio, que modela seu comportamento 
cria novas contingências tornando-o mais adaptado à sobrevivência no meio. 
Dawkins, como cientista da biologia, influencia a discussão quanto ao comportamento, pois 
parece concordar com a ideia de que processos neurais e comportamentais enquadram-se em modelos 
computacionais. O homem seria uma “máquina”, um organismo dotado de racionalidade, porém, 
puramente biológico, livre de influências externas de caráter divino como mente ou espírito. Dawkins é 
mais radical que Skinner e propõe que os experimentos com animais podem ser realizados de forma 
simulada em um ambiente totalmente controlado. 
Pode-se depreender, portanto, que a ideia dos dois últimos autores difere bastante da ideia 
de Descartes. Skinner e Dawkins, mesmo entendendo a singularidade do homem e respeitando-a, 
apresenta fortes argumentos de que o "animal" homem é multideterminado em seu comportamento, 
mas nao é superior, ou melhor, que um animal infra-humano (ratos e pombos). Já Descartes, introduz 
a ideia de que o homem seria uma máquina que pensa, os seus músculos são comandados pelo 
cérebro através do sistema nervoso, além de figurar um dualismo: o corpo capaz de movimento 
resultante do engenho divino e um corpo autómato capaz de movimento resultante do engenho 
humano. 
 
Referências bibliográficas: 
DAWKINS, R. O gene egoísta. São Paulo: EDUSP. 1979. 
DAMÁSIO, A. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das 
Letras. 1996. 
DESCARTES, R.. Discurso do método. São Paulo, SP: Editora Escala, 2006 
SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. 8. Ed. São Paulo: Martins Fontes. 1993. 
Fonte: Texto reescrito e adaptado a partir do texto de Hilton Caio Vieira. Disponível em: 
http://pt.scribd.com/doc/61000137/Resenha-Tematica-Hilton-Caio-Vieira. 
 
C) A resenha crítica, por sua vez, é a espécie de resenha mais comum no 
meio acadêmico, e se inicia pela referência bibliográfica do texto resenhado, 
apresenta o autor e a obra, resume as principais ideias do texto, apresenta uma 
apreciação crítica tanto de aspectos formais quando conteudísticos desse mesmo 
texto e ainda faz a recomendação ou não de quem deve lê-lo.Não raro, as resenhas 
trazem também, em sua construção, material extratexto, ou seja, outros 
posicionamentos ou posicionamentos que corroboram a perspectiva do autor 
resenhado, como forma de expansão da análise e comparação de ideias. Neste 
caso, o material extratexto deve ser mencionado nas referências bibliográficas 
posteriores ao texto, uma vez que a referência que abre a resenha é a de 
apresentação técnica apenas do texto resenhado. 
Em Campos (2012-2015), aproveitando-se os ensinamentos da sociorretórica, 
especialmente o modelo CARS9 de Swales (1990) e a adaptação proposta por 
Motta-Roth (2010), apresenta-se um esquema potencial deste gênero (apresentar, 
descrever, avaliar, (não) recomendar o texto), elaborado pela autora deste capítulo e 
 
9
 Create a Research Space. Modelo de organização retórica de um gênero textual. 
http://pt.scribd.com/doc/61000137/Resenha-Tematica-Hilton-Caio-Vieira
 
Manual de Resenhas 
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empregado nas disciplinas em que ensina aos estudantes a elaborarem a resenha 
crítica. 
 
QUADRO 3: ESQUEMA DO GÊNERO TEXTUAL RESENHA CRÍTICA 
(passo a passo) 
Movimento 1 
Passo 1 
Passo 2 
Passo 3 
Passo 4 
Passo 5 
REFERENCIANDO O LIVRO 
Nome do organizador e dos autores. 
Título completo e exato da obra: subtítulo. 
Número da edição. Lugar da publicação: 
Nome da Editora. 
Data da publicação. Número de páginas 
(todos dentro das normas da NBR 6023 para referências bibliográficas) 
 
Movimento 2 
Passo 6 
Passo 7 
 
APRESENTANDO O LIVRO 
Informando sobre o autor/a / suas credenciais acadêmicas 
Falando sobre a obra / Definindo o tópico geral do livro 
Movimento 3 
Passo 8 
Passo 9 
 
Passo 10(opcional) 
ESQUEMATIZANDO O LIVRO/ RESUMO 
Delineando a organização geral do livro: capítulos, seções, tópicos etc. 
Resumindo cada capítulo ou subdivisão: o que trata e/ou porque trata 
e/ou como trata e/ou para que trata. (ou resumo geral) 
Citando material extratexto: material de apoio, outro(s) autor(es) que 
confirma(m) ou contrapõe(m) posicionamentos 
 
Movimento 4 
Passo 11 
 
Passo 12 
 
 
 
Passo 15(opcional) 
AVALIANDO O LIVRO/POSICIONAMENTO 
Avaliando estrutura formal do texto: linguagem, organização, exemplos, 
informatividade 
Avaliando a parte conteudística do texto e discutindo o assunto: o 
assunto, a abordagem, argumentos, o que o diferencia ou o aproxima de 
outros autores, posicionamento, relação do texto com a disciplina, com 
acontecimentos do mundo. 
Avaliando partes específicas 
Movimento 5 
Passo 16 
Passo 17 
FORNECENDO AVALIAÇÃO FINAL DO LIVRO/REFERÊNCIAS 
Recomendando a leitura do texto 
Bibliografia de apoio utilizada (se foi usado algo além do texto 
resenhado). 
Fonte: CAMPOS, Magna. Manual de gêneros acadêmicos. Mariana: Edição do autor, [2012]-2015. 
 
 
Magna Campos 
Dessa forma, é possível entender que elaborar uma resenha crítica implica 
construir de modo persuasivo cada um dos estágios, movimento-ação, a fim 
trabalharem para levar o leitor a validar ou não a apreciação/avaliação realizada, 
além de evidenciar o resenhador como membro capaz de avaliar criticamente um 
texto, de forma plausível, consistente e coerentemente. 
Em cursos de graduação, a resenha é solicitada tanto como uma atividade de 
leitura quanto de escrita, e recai mais sobre a apreciação de capítulos de livros e de 
artigos científicos, não sendo muito comum, pelos menos nos períodos iniciais, 
resenhar-se um livro teórico inteiro. Todavia, no caso de textos literários, mesmo na 
graduação, é comum solicitar-se a resenha do livro inteiro. 
 
Quadro 4: Exemplo de resenha crítica 
O autor, Dr. Mauricio Gomes Pereira, é médico com especialização em pediatria e em saúde 
pública e professor titular da Universidade de Brasília. Tem vários livros publicados, entre eles 
Epidemiologia: teoria e prática, e vasta experiência na área de metodologia científica e de 
epidemiologia. O livro Artigos Científicos: como redigir, publicar e avaliar torna maior sua contribuição 
para o ensino e a pesquisa no Brasil, foi lançado recentemente pela Editora Guanabara Koogan. Com 
o objetivo de orientar os potenciais autores sobre como vencer as muitas barreiras na elaboração e 
publicação de artigos científicos, o livro aborda cada uma das etapas desse processo em 24 
capítulos. 
Os três primeiros capítulos tratam dos aspectos da preparação do trabalho. O primeiro 
capítulo, Pesquisa e Comunicação Cientifica, versa sobre a necessidade de divulgação dos 
resultados das pesquisas como forma de finalização da mesma. Aborda, de modo geral, a evolução 
da comunicação cientifica nas ciências da saúde, menciona os periódicos de acesso livre e a situação 
atual de elevada competição para publicar . 
No segundo capítulo, Canais de Comunicação Cientifica, o autor descreve os tipos de 
periódicos, os tipos de artigos, as formas de publicação e as normas que as regem. 
Do terceiro ao décimo quinto capítulo é apresentada cada parte da estrutura de um trabalho 
cientifico, começando pelo planejamento, abordando a estrutura, redação e revisão do texto, a 
introdução, o método, os resultados, a discussão, as referências bibliográficas, o título, a autoria, o 
resumo, as palavras-chave, a escolha do periódico e um capítulo com temas para a complementação 
do artigo (capítulo 15). 
Somam-se a esse conjunto de capítulos, que orientam a elaboração de cada seção do artigo 
cientifico, outros três capítulos que exploram a Estatística (capítulo 18), a Preparação de Tabelas 
(capítulo 19) e a Preparação de Figuras (capítulo 20). 
O leitor irá encontrar também capítulos sobre a Submissão do Artigo para a Publicação, sobre 
a Avaliação de artigo Cientifico e sobre Ética (capítulo 21). 
Os três últimos capítulos do livro versam sobre temas auxiliares, enfocando a motivação para 
divulgar os resultados de uma pesquisa e os recursos para publicá-los. O capítulo 22 , Vale a pena 
publicar Artigo Científico?, lista os motivos pelos quais esta prática é cada vez mais importante e 
competitiva assim como os auxílios disponíveis para uma escrita de qualidade. O capitulo seguinte, 
Como ter Artigo aprovado para Publicação, aponta as particularidades dos textos recusados, como 
falta de relevância do tema, pouca originalidade, os erros mais comuns de redação, entre outros 
aspectos que devem ser evitados para que um trabalho seja aprovado para publicação. 
O livro termina com Síntese das Sugestões sobre Redação Científica, onde são agregadas as 
informações que resumem os demais capítulos do livro. 
Os capítulos são estruturados em itens, apresentados com texto curto e com um ou mais 
exemplos, quando pertinente. A estrutura do texto obedece a lógica de apresentação de cada tópico, 
do geral ao especifico, havendo dois itens comuns a todos os capítulos, o item Sugestões e outro 
com Comentário final. 
 
Manual de Resenhas 
9 
Os temas são apresentados com uma linguagem clara e direta. Além disso, vários recursos 
utilizados pelo autor facilitam a leitura, como a inclusão de exemplos e o resumo do conteúdo de cada 
capítulo, apresentado em tabela, fazendo referência à seção onde cada tema aparece. 
O leitor pode esperar instruções sobre cada etapa do processo de elaboração de um texto 
científico para publicação, com a exposição de cada detalhe envolvido e dicas sobre o que deve ser 
considerado para se obter um resultado apropriado. 
Além disso, aspectos importantes relacionados ao encaminhamento e à publicação do artigo 
são abordados na obra. Entre esses, como preparar uma carta ao editor, como lidar com o processo 
de revisão, e como proceder para avaliar um artigo cientifico. 
A inclusão de um capítulo sobre estatística, assim como sobre a preparação de tabelas e 
figuras reflete a abrangência da obra. Nota-se, em toda a obra, uma abordagem além do que seria 
esperado para os temas propostos. 
O autor não se limita a identificar o conteúdo básico de cada item de um artigo cientificoe a 
explorar formas de preparar cada parte do trabalho, oferecendo ao leitor a chance de rever cada 
tópico da preparação do estudo. Por exemplo, o capítulo de Método aborda detalhes de cada um dos 
seus itens como tipos de estudo, características da amostra, classificação das variáveis, erros a 
serem evitados, entre outros. No capítulo Resultados, somado à seqüência de apresentação dos 
dados, o autor também descreve as formas estatísticas para apresentar o efeito encontrado no 
estudo. 
No capítulo sobre Complementação do Artigo o leitor encontrará instruções sobre as revisões 
para o aprimoramento do artigo, os erros e os vícios de linguagem a serem evitados, normas para o 
uso de siglas e de citação de números no texto, tempos verbais a serem usados em cada parte do 
artigo, entre outros aspectos necessários a uma redação correta. 
A abrangência do conteúdo torna inevitável algumas repetições, até porque alguns temas 
apresentados se sobrepõem. 
Ainda que o foco seja a redação de artigo cientifico, é evidente a quantidade de informação 
teórica sobre pesquisa epidemiológica disponibilizada. O livro não se limita a propor normas de 
redação, como uma receita do que deve conter a introdução, a parte de métodos ou as demais partes 
do artigo, mas inclui um conteúdo teórico sobre temas relacionados a cada tópico. Desta forma, o 
livro pode ser útil para aqueles que querem um roteiro ou orientação para aprimorar seus manuscritos 
científicos e que têm dúvidas específicas, mas também para os iniciantes, que se beneficiarão ao ler 
um texto mais extenso, com um teor maior de informação sobre cada aspecto envolvido na produção 
cientifica. 
Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-790X2012000200021. Acesso 
em: 19 out. 2015. 
 
 
Quadro 5: Exemplo 2 de resenha crítica 
 
Outro exemplo de resenha crítica, devidamente formatada e com 
apontamentos das partes que a compõem se encontra no Anexo A deste manual. 
 
Cada espécie do gênero textual resenha implica, como pode ser observado 
nos processos descritos anteriormente, aprendizado que envolve propósitos 
comunicativos e movimentos retóricos específicos, além de diferentes tipos de 
conhecimentos. Sendo assim, o ensino deve levar em consideração tais 
especificidades, uma vez que o ensino da produção textual não pode ser o mesmo 
para todo e qualquer espécie e gênero a ser estudado. 
 
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-790X2012000200021
 
Magna Campos 
ATENÇÃO: 
Modalidade mais comum em nossa faculdade: resenha crítica. 
Em uma resenha crítica, portanto, são necessárias cinco partes (ver 
esquema detalhado na página 07): 
 
1. Referência bibliográfica do texto resenhado 
2. Credenciais do autor e apresentação do texto 
3. Resumo do texto resenhado 
4. Crítica à forma e ao conteúdo 
5. Indicação de leitura 
(não se separam as seções por tópicos, texto elaborado com sequência de 
parágrafos normais) 
 
Na avaliação da resenha crítica, além da qualidade da escrita acadêmica 
empregada, deve ter mais peso, sempre que possível: 
 
1° - a qualidade da crítica desenvolvida; 
2° - a qualidade do resumo (bem sintético, mas representativo do conteúdo 
principal) 
3° - a qualidade das credenciais e apresentação do texto 
4° a qualidade da indicação de leitura e a percepção crítica de pessoas a 
serem beneficiadas pela leitura do texto resenhado. 
5° - a correção da referência bibliográfica e a formatação do texto 
 
FORMATAÇÃO DA RESENHA ACADÊMICA DIGITADA 
Cabeçalho com: nome da faculdade, disciplina, professor, aluno(s) e data 
Fonte: Arial 
Tamanho da fonte: 12 (salvo nas citações longas e legendas, nestes casos, usar 
fonte arial 10, texto justificado). 
Alinhamento do texto: justificado 
Espacejamento entre linhas: 1,5 (salvo nas citações longas e notas de rodapé, 
espaço simples) 
Margens: esquerda e superior – 3 cm / direita e inferior – 2 cm 
Separação entre as seções do trabalho: um enter entre o cabeçalho e a 
referência bibliográfica inicial, e entre essa referência e o corpo do texto da resenha. 
 
 
Manual de Resenhas 
11 
ANEXO A: Exemplo de resenha crítica com indicação das partes-movimentos 
 
SANTIN, Janaína Rigo. O Município no Constitucionalismo Brasileiro e o tratamento 
histórico do poder local. São Paulo, Revista Lex, n. 23, abr./ 2006. 
 
 Janaína Rigo Santin é Doutora em Direito das Relações Sociais, pela 
Universidade Federal do Paraná, Mestre em Instituições Jurídico-políticas, pela 
Universidade de Santa Catarina, professora do Curso de Direito e do Programa de 
Mestrado em Historia da Universidade de Passo Fundo e Advogada. 
O artigo apresentado por Santin, no II Congresso Sul-Americano de História, 
na cidade de Passo Fundo no ano de 2005, traz à memória a formação do poder 
local no Brasil, perseguindo a influência e a condução de políticas públicas desse 
poder sobre a sociedade civil. A autora ressalta os períodos dos governos nacionais 
e a projeção de limites dados aos municípios a cada época, relacionando ainda em 
seu texto a participação civil e o conceito de democracia para os dias atuais. O 
objetivo dessa obra é fazer com que a sociedade organizada reflita sobre as 
influências no processo de formação do Estado brasileiro. 
Na primeira parte do artigo, a autora contextualiza a formação do município 
no Brasil, estabelecendo uma ligação do modelo atual com as épocas da colônia, do 
império e das constituições de 1824, 1891, 1934, 1946 e 1967, dada ao 
ordenamento jurídico português. Nessa parte, a autora versa ainda sobre a 
autonomia municipalista mostrando que no período colonial a autonomia foi mais 
abrangente que no período imperial. 
Santin descreve que, ao longo do tempo, com sucessivas formas de governo 
e no constitucionalismo brasileiro, acontece novas restrições de autonomia 
municipalista. Mesmo com a implantação de autonomia de direito, de fato acontece 
o contrário, pois os sucessivos golpes militares restringiram o poder político 
administrativo e financeiro dos municípios, impondo intervenções de governabilidade 
de todos eles. 
Na segunda parte do artigo, menciona sobre as práticas influenciadoras que 
caracterizaram a formação do poder local no Brasil, estendendo-as ao poder central 
e a perpetuação ainda vista nos dias de hoje. A pesquisadora destaca o clientelismo 
e o personalismo como sendo o principal comprometedor das políticas públicas em 
prol do cidadão. Essas práticas herdadas do império português se alastraram como 
um câncer nas relações políticas entre coronéis, poder central e cidadão. Os 
Movimento 
1: 
referência 
bibliográfica 
do texto 
resenhado. 
Movimento 2: 
credenciais 
da autora e 
apresentação 
da obra 
Movimento 3: 
resumo 
informativo 
do texto 
 
Magna Campos 
recursos liberados eram para atender, como forma de agradecimento, aos favores 
dos coronéis que garantiam governabilidade ao poder central com imposição por 
força e temor aos eleitores. 
São destacadas nessa parte do texto as práticas coronelistas representados 
na pessoa dos proprietários de terra e dos detentores do poder econômico local. 
Segundo a autora, esses homens eram dominadores pelo carisma, pelo medo e pelo 
conhecimento técnico-intelectual, além do econômico. Esse período que antecede a 
constituição cidadã de 1988, conforme Santin, é marcado por uma forte atuação do 
fenômeno político social chamado de coronelismo. O poder é muito maior quando a 
localidade ou um município é mais distante dos centros urbanos. O contato dos 
cidadãos com os políticos se dava em época de eleição, quando ocorriam as trocas 
de favores “personalismo e clientelismo”. 
Na última parte do texto, a doutora define poder local como paradigma de 
legitimação do poder político e da nova democracia em que difere do “demos” do 
passado no qual o povo exercia a soberania (Grécia antiga). Hoje justificada numa 
visão liberal e individualista de representatividade. A autoraencerra narrando o 
poder local como alternativa para criar novas formas de representação tradicional, 
em que os cidadãos de forma organizada possam participar do processo político 
ativamente na sua comunidade local. 
O texto apresentado por Santin é conciso, possui uma linguagem de fácil 
entendimento, pois adota o critério de divisão cronológica, o que facilita o 
acompanhamento da perspectiva apresentada. Além disso, os fatos descritos no 
texto demonstram que ainda hoje se convive com as práticas de nepotismo, de 
personalismo e clientelismo embutidos nas administrações locais. 
A abordagem de Santin sobre o poder local serve ao debate sobre o 
nepotismo, não somente na esfera do agora, mas, principalmente, na observação de 
ser este um traço tristemente arraigado em nossa história política. Elemento que 
pode ser exemplificado, segundo os casos mencionados pela autora e que 
encontram reverberação nos noticiários atuais, como a manchete a seguir: “PF 
investigará denúncia por compra de votos na Bahia” (FOLHA DE S. PAULO, p. 8, 15 
jul. 2014). 
Em uma realidade atual, em que a corrupção e a descrença política são 
notórias, haja vista o grande número de denúncias de políticos envolvidos com 
lavagens de dinheiro, recebimentos de propina, desvios de verbas públicas tanto no 
Continuação 
do 
Movimento 
3 
Movimento 
4: crítica à 
parte 
formal do 
texto 
Movimento 
4: crítica 
ao 
conteúdo 
do texto 
 
Manual de Resenhas 
13 
âmbito municipal, quanto estadual e federal, o texto da autora e seus argumentos 
fortemente desenvolvido servem para evidenciar também, além da formação do 
poder público e político municipal, que o Brasil convive com política de favores e de 
apropriação indevida de dinheiro público há mais tempo que muitos supunham. 
Ainda, uma grande contribuição da autora é na articulação dos estudos de 
poder local e de suas relações com o Estado nacional no Brasil, definido claramente 
e exemplificando conceitos básicos como mandonismo, coronelismo, clientelismo, 
patrimonialismo. 
Dada a importante retomada histórica para evidenciar as raízes do 
“nepotismo” na política brasileira, no âmbito do poder local, o texto pode ser muito 
útil aos leitores mais preocupados com as questões políticas em geral, pois 
apadrinhamento é algo que se tornou um “desvirtuoso” traço cultural em nossa 
sociedade e precisa ser entendido para que possa ser combatido. 
 
Referência Bibliográfica: 
PF investigará denúncia por compra de votos na Bahia. Folha de São, p. 8, 15 jul. 
2014. 
 
 
 
 
Movimento 
5: 
Indicação 
de leitura 
e 
referência 
de outros 
textos 
usados. 
Movimento 
4: crítica 
ao 
conteúdo 
do texto 
continuação 
343
Educ. Real., Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 343-349, set./dez., 2010.
Disponível em: <http://www.ufrgs.br/edu_realidade>
Consumo e
Consumismo:
deslocamentos nas
ressonâncias do
contemporâneo
Marisa Vorraber Costa
Viviane Castro Camozzato
RESENHA CRÍTICA
BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas
em mercadorias. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2008. 199p.
Zygmunt Bauman1, considerado um dos expoentes da teoria social con-
temporânea, vem abordando o tema do consumo na maior parte de seus livros,
dentre os quais citamos Modernidade e Ambivalência (publicado original-
mente em 1991, e no Brasil só oito anos depois), O Mal-estar da Pós-
Modernidade (1998), Globalização: as conseqüências humanas (1999b),
Modernidade Líquida (2001), Vida Líquida (2007). Tal fato demonstra, além da
centralidade do conceito para a compreensão da vida nas sociedades do início
do século XXI, também o alinhamento das análises de Bauman entre as de
autores que consideram o consumo uma dominante cultural.
Em Vida para consumo (2008), Bauman elege o consumo como foco prefe-
rencial, e desenvolve sua análise apresentando o que considera ser uma das
principais consequências da condição pós-moderna: a progressiva e constan-
te transformação das pessoas em mercadorias.
Um dos mais notáveis analistas das transformações dos modos de vida
nas sociedades da segunda metade do século XX e início do XXI, Bauman nos
Magna Campos
Caixa de texto
EXEMPLO DE RESENHA CRÍTICA PUBLICADA EM REVISTA CIENTÍFICA
MAGNA CAMPOS
344 Educ. Real., Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 343-349, set./dez., 2010.
apresenta sintomas que considera próprios da cultura de nossos dias, essa a
que nos referimos como cultura contemporânea. Envolvendo-nos em análises
sobre artefatos e temas que nos circundam, ele aborda casos expressivos dos
modos de vida em nossos dias, localizados em matérias de jornais, quadros
midiáticos, estratégias mercantis, usos da tecnologia, etc. Para ele, todos po-
dem ser compreendidos como enunciados que falam sobre nossas sociedades
e os sujeitos que as compõem. São convocações para assumirmos determina-
dos modos de ser, e que expressam, ao mesmo tempo, as marcas e singularida-
des do nosso tempo. Evidencia-se aí uma das principais características das
obras de Bauman, que é esse modo profícuo como analisa as configurações da
atualidade, escrutinando suas injunções e operando com ferramentas que nos
fazem pensar sobre aquilo em que estamos nos tornando.
Chama atenção a habilidade do autor para articular a complexidade dos
empreendimentos analíticos que utiliza ao problematizar as configurações
sociopolíticas e culturais que se erguem, cotidianamente, em nosso entorno,
com uma forma despretensiosa e acessível de expressão de ideias e de desen-
volvimento da reflexão. É isso que, somado a tantos outros admiráveis atribu-
tos de seu trabalho intelectual, entre eles a aguçada sensibilidade para as ques-
tões sociais mais críticas do nosso tempo, vem despertando cada vez mais
interesse por seu pensamento, posicionando seus livros entre os sucessos
editoriais da atualidade pelo mundo afora.
Já na Introdução de Vida para consumo, Bauman expõe três diferentes
casos a partir de matérias selecionadas em duas edições do jornal britânico The
Guardian. No primeiro, aborda a tendência cada vez mais forte, hoje, de uma
visibilização de si em redes sociais da Internet. No segundo, trata da seleção,
por parte de muitas empresas, dos bons consumidores em detrimento dos cha-
mados consumidores falhos. E, no terceiro, aborda a política de imigração britâ-
nica, que coloca em disputa um sistema de pontuação para a avaliação dos
imigrantes que interessam ao país. Esses três casos, localizados em diferentes
seções do jornal e relacionados a distintas esferas da vida, são reunidos e
conectados por Bauman como expressões de nossa cultura, que cada vez mais
incitam os sujeitos a fazerem de si mesmos mercadorias desejáveis e vendáveis
nos inflacionados mercados do século XXI. Essa exposição a que as pessoas
se submetem ressalta o quanto nossas experiências estão implicadas com a
disposição para nos tornarmos mercadorias. Afinal, desde as incursões sobre
nós mesmos, envolvendo investimentos corporais e estéticos, relacionamen-
tos amorosos e de trabalho, entre tantos outros, somos instados a uma série de
processos que implicam uma remodelagem constante.
A obra de Bauman expressa um refinamento importante nas discussões e
formas de se pensar sobre consumo, apontando deslocamentos do conceito.
De um entendimento do consumo como apropriação de objetos e produtos, há
um alargamento para comportar também a produção dos próprios sujeitos e sua
disponibilidade para se transformarem em mercadorias. A esse processo Bauman
refere-se empregando o termo comodificação, aludindo a operações em que as
345Educ. Real., Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 343-349, set./dez., 2010.
pessoas assumem a condição de mercadorias, de bens a serem desejados,
mercantilizados, ultrapassando a exclusiva condição de consumidores. Contu-
do, segundo o autor, se o fetichismo da mercadoria, na fase sólida da
modernidade, tendia a encobrir os fatores humanos incrustados na sociedade
de produtores, o fetichismo da subjetividade tende, por sua vez, a encobrir a
condição“comodificada da sociedade de consumidores” (Bauman, 2008, p.23).
É nesse sentido que o fetichismo da subjetividade atua, produzindo nos sujei-
tos a crença de que as movimentações se dão por uma liberdade de escolha que
é basicamente individual, não sendo pré-estabelecida por catálogos de formas
de vida à venda em diferentes âmbitos de nossa sociedade de consumidores.
O livro é composto de uma Introdução e mais quatro capítulos: Consumismo
versus consumo, Sociedade de consumidores, Cultura consumista e Baixas
colaterais do consumismo. Os capítulos são entrelaçados de maneira excepci-
onal pelo autor, que problematiza as configurações contemporâneas em relação
ao consumo desmembrando os seus pontos de articulação e interligando-os,
fazendo-nos transitar por uma análise cuidadosa e metodologicamente útil às
nossas pesquisas. Optamos, frente à complexidade de apresentar capítulos
que se articulam de maneira tão magistral, por fazer ressoar os usos dos concei-
tos e das estratégias metodológicas de Bauman no livro. Isso porque, talvez,
tenhamos sentido que o tema e a escrita se inscrevem numa fugacidade e
dinamicidade que não temos como apreender de todo. Mostrar as ressonâncias
nos parece, assim, o mais apropriado frente a uma obra que nos incita a pensar
muitas outras coisas a partir e para além dela.
O autor articula suas análises pautando-se por novos conceitos, muitos
deles buscados em autores com os quais compartilha visões e interpretações,
e que servem para compreender as singularidades deste tempo. Sociedade de
consumidores, comodificação, cultura consumista, tempo pontilhista, fetichismo
da subjetividade, agrupamentos por enxames, entre outros, são alguns dos
conceitos tensionados no livro. Ressoa para nós o quanto a compreensão de
novos fenômenos, emergentes em uma sociedade de consumidores, não são
passíveis de ser produtivamente problematizados se recorremos a conceitos
que são, ainda, mais próprios de uma sociedade de produtores. A análise pare-
ce indicar, assim, o quanto cada conceito, como salientam Derrida e Roudinesco
(2004, p.14), “[...]nomeia o gesto de uma apreensão, é uma captura”.
Outro dos importantes delineamentos realizados por Bauman diz respeito à
acepção de que houve um deslocamento do consumo para o consumismo.
Enquanto o consumo inscreve-se na ordem da necessidade, o consumismo
caracteriza-se como “um atributo, a capacidade profundamente individual de
querer, desejar e almejar” (Bauman, 2008, p.41). Podemos pensar que o
consumismo inscreve-se como sendo da ordem dos excessos, da sobrepujança,
pois é uma condição que se esboça na fase líquida da modernidade2. Assim,
enquanto a sociedade de produtores, situada na fase sólida da modernidade,
movia-se com o consumo garantindo a apropriação e posse, apostando na
346 Educ. Real., Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 343-349, set./dez., 2010.
prudência, em planejamentos de longo prazo, com uma ênfase na segurança e
no valor de durabilidade, o consumismo, por sua vez, atua:
[...]em aguda oposição às formas de vida precedentes, associa a felicidade não
tanto à satisfação de necessidades [...] mas a um volume e uma intensidade de
desejos sempre crescentes, o que por sua vez implica o uso imediato e a rápida
substituição dos desejos destinados a satisfazê-la (Bauman, 2008, p.44, grifos
do autor).
 As considerações sobre a sociedade de produtores por um lado, e, de
outro, a sociedade de consumidores, são, assim, articuladoras importantes
para a compreensão dos processos implicados e desenvolvidos em Vida para
consumo. Afinal, a sociedade de consumidores caracteriza-se, principalmente,
por convocar os sujeitos em sua categoria de consumidores. Somos, primeira-
mente, consumidores, tornando-nos sujeitos prioritariamente pelas capacida-
des demonstradas para tal condição.
Dentre as discussões associadas às transformações em andamento na
modernidade – da modernidade sólida para a líquida – outra questão se desta-
ca para a compreensão dos deslocamentos tensionados no decorrer do livro.
Mais especificamente, trata-se da operação de uma “renegociação do signifi-
cado do tempo” (Bauman, 2008, p.45). Ou seja, de um tempo cíclico e linear, da
sociedade de produtores, passa-se a um tempo pontilhista – metáfora de Michel
Maffesoli (2003) utilizada por Bauman – marcado por uma multiplicidade de
instantes, descontinuidades e fragmentações. Outros termos, como cultura
agorista ou cultura apressada, tomados emprestados de Stephen Bertman
(1998), também endereçam a esta renegociação do significado do tempo que
atua sobre os sujeitos, produzindo estados de movimentação constante entre
distintos pontos. Talvez aí tenhamos um fecundo argumento para as discus-
sões sobre a produção de identidades contemporâneas, pois esta relação com
o tempo, tão destoante de outras épocas e contextos, é uma das condições de
possibilidade para que os sujeitos se movam incansavelmente. Ademais, um
dos modos de manter-se em movimento nos pontilhados do tempo e do espaço
é através do consumismo, que insta novos e diversificados significados aos
que consomem as novidades sempre emergentes. Não se trata, em suma, de
adquirir, juntar e acumular, mas, sobretudo, de adotar o imperativo de descartar
e substituir, afinal, “A ‘síndrome consumista’ envolve velocidade, excesso e
desperdício” (Bauman, 2008, p.111, grifos do autor).
Com isso há um dilatamento do consumo que passa a englobar o conjunto
da população. Não apenas adultos são alvos privilegiados, como na sociedade
de produtores, mas sobretudo crianças, jovens, todas as estratificações soci-
ais, etc., pois o importante é ser consumidor, renegociar os significados do
tempo e de si mesmo pela movimentação dos significados embutidos nos pro-
cessos de compra e venda de objetos e de si. É um processo que se alia à
máxima dos desempenhos individuais. Mover-se nas tramas do consumo é
347Educ. Real., Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 343-349, set./dez., 2010.
algo a ser feito por si mesmo, afinal, consumir “significa investir na afiliação
social de si próprio” (Bauman, 2008, p.75).
É a partir de considerações deste tipo que Bauman pinça, no terceiro capí-
tulo do livro, mais um argumento de um excerto de manual de moda de um
prestigiado jornal, em que são oferecidos aos leitores meia dúzia de visuais-
chave para os próximos meses. De um enunciado como este, que orienta leito-
res em relação ao estilo – visuais com um prazo pré-estabelecido para durar
somente alguns meses –, Bauman mapeia o ambiente existencial erigido pela
sociedade de consumidores. Ambiente composto, ainda, por uma cultura
consumista: cultura que expressa uma “revogação dos valores vinculados
respectivamente à duração e à efemeridade” (Bauman, 2008, p.111, grifos do
autor). Trata-se, mais objetivamente, de uma cultura produzida histórica e soci-
almente a partir de condições e significações precisas, como foi o caso das
formações sociais produzidas pela sociedade de produtores. Este é o ambiente
em que se vive e em que novos significados continuam a ser produzidos
ininterruptamente.
Somos instados a pensar, ainda, especialmente no quarto capítulo, sobre
as baixas colaterais do consumismo. Se a sociedade de consumidores – que
“avalia qualquer pessoa e qualquer coisa por seu valor como mercadoria”
(Bauman, 2008, p.157) – é erigida a partir das supostas benesses do consumo e
de dispor-se incessantemente ao consumo, esta experiência não é compartilha-
da de forma igual por todos. Erige-se, também, “uma nova categoria de popula-
ção, antes ausente dos mapas mentais das divisões sociais” (Bauman, 2008,
p.155): a subclasse. Esta subclasse seria formada por “pessoas sem valor de
mercado”, “homens e mulheres não-comodificados”, em suma, “consumidores
falhos” (Bauman, 2008, 158). Se a sociedade de consumidores transforma-nos
em mercadorias, os que não incitam o consumo e/ou são privados de algum
modo deste processo são vistos como inúteis, não sendo capazes de associar-
se a este mesmo processo. São indivíduos visibilizados, agora, pelo perigo que
supostamenterepresentam para este modelo de sociedade.
Dentre muitas outras ressonâncias, importa destacar, ainda, o grande nú-
mero de autores e obras que Bauman articula em sua análise. Sociólogos, filó-
sofos e escritores de obras literárias, ao lado de autores de matérias de jornais
em seções tão variadas que vão da política externa à editoria de moda, são
interlocutores de seu trabalho. De Max Weber a Michel Foucault, de Milan
Kundera a matérias do jornal britânico The Guardian, o tema do consumo e seu
efeito de excesso na sociedade de consumidores, o consumismo, vão sendo
literalmente dissecados com as diversificadas lentes teóricas operacionalizadas
pelo autor. Sem dúvida, esta é uma obra de grande fecundidade e importância e
que interessa, de maneira especial, aos que pensam, pesquisam e fazem a edu-
cação dos nossos dias.
Recebido em abril de 2010 e aprovado em agosto de 2010.
348 Educ. Real., Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 343-349, set./dez., 2010.
Notas
1 Sociólogo nascido na Polônia em 1925, onde lecionou na Universidade de Varsóvia.
Fugindo do nazismo durante a Segunda Guerra, peregrinou pelo mundo radicando-se,
por fim, na Inglaterra, onde vive até hoje. É autor de inúmeros livros, sendo que sua
produção intelectual mais importante surge a partir dos últimos anos do séc. XX. No
Brasil, desde 1997, circulam mais de vinte títulos traduzidos para o português, alguns
publicados em menos de um ano após seu lançamento na Inglaterra. Zygmunt Bauman
é professor emérito de Sociologia das universidades de Leeds e de Varsóvia. Recebeu
o Prêmio Amalfi, em 1989, por Modernidade e Holocausto, e em 1998 recebeu o
prêmio Adorno pelo conjunto de sua obra.
2 Por modernidade líquida – diferentemente da modernidade sólida, mais pesada –
Bauman (2001) passa a referir-se à fase instável, fluída, dinâmica e mutante na
modernidade, a qual ele mesmo vinha denominando de pós-modernidade. Para uma
aproximação sintética ao conjunto da obra de Bauman ver Costa (2009).
Referências
BAUMAN, Zygmunt. O Mal-estar da Pós-modernidade. Tradução Mauro Gama;
Claudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Tradução Marcus Penchel.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999a.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Tradução Marcus
Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999b.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Ja-
neiro: Jorge Zahar, 2001.
BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Ja-
neiro: Jorge Zahar, 2007.
BERTMAN, Stephen. Hyperculture: The Human Cost of Speed. Westport: Praeger,
1998.
COSTA, Marisa Vorraber. Zygmunt Bauman – Compreender a vida na modernidade
líquida. Educação, ed. Segmento, São Paulo, v.1, p. 60-75, set. 2009.
DERRIDA, Jacques; ROUDINESCO, Elisabeth. De que Amanhã: diálogo. Tradução
André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
MAFFESOLI, Michel. O Instante Eterno: o retorno do trágico nas sociedades pós-
modernas. Tradução Rogério de Almeida e Alexandre Dias. São Paulo: Zouk, 2003.
349Educ. Real., Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 343-349, set./dez., 2010.
Marisa Vorraber Costa é doutora em Educação e professora dos Programas de
Pós-Graduação em Educação da UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil e da ULBRA.
Integrante do NECCSO. Pesquisadora do Cnpq – Brasil.
E-mail: mcvorraber@terra.com.br
Viviane Castro Camozzato é licenciada em Pedagogia e doutoranda em Educa-
ção na UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil. Integrante do Núcleo de Estudos sobre
Currículo, Cultura e Sociedade (NECCSO). Bolsista do Cnpq – Brasil.
E-mail: vicamozzato@gmail.com

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