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RESUMO FERREIRA NETTO, Waldemar . Produção dos Sons na Língua Portuguesa. In: Introdução à Fonologia da Língua Portuguesa 2. ed. São Paulo: Paulistana, 2011. p. 33-58. O aparelho fonador nos permite produzir os sons da fala mas não tem a articulação de sons como função primária. Ele é composto por órgãos dos sistemas digestório e respiratório, que têm como funções primárias digerir e respirar, respectivamente. A fonação decorre do processo de inspiração, isto é, trazer o ar do meio externo para o corpo. Tal processo se dá pela expansão dos pulmões que resulta na diminuição da pressão de ar dentro deles. Os pulmões são revestidos pela pleura. A mesma sofre uma expansão - afastamento das paredes - devido à contração dos músculos do sistema respiratório - intercostais e diafragma -, reduzindo sua pressão interna. Essa redução desencadeia uma reação para que a pleura retorne à sua pressão inicial. Assim, ocorre a expansão dos pulmões e, consequentemente, o aumento da pressão interna da pleura, que retorna ao nível inicial. A inspiração então ocorre devido a uma abertura interna dos pulmões que os ligam aos brônquios, que estão ligados à traquéia, a qual está ligada à laringe, e esta às cavidades oral e nasal, chegando ao meio externo. Através dessa abertura é estabelecida uma diferença entre as pressões do meio externo e do interior dos pulmões, havendo uma reação de restabelecimento do equilíbrio entre as duas através da movimentação do ar para o meio com menor pressão - os pulmões -, ou seja, do meio externo para o interno, finalizando o processo de inspiração. A expiração se dá pelo retorno dos músculos e de toda a caixa torácica ao relaxamento inicial. Os pulmões se comprimem, sofrendo um aumento da pressão interna, havendo novamente uma diferença de pressão entre o meio externo e o corpo, estabelecida pela abertura que cria um caminho dos pulmões à boca e ao nariz. Há a reação de restabelecimento do equilíbrio entre as duas, sendo dessa vez através da movimentação do ar de dentro para fora do corpo, finalizando o processo de expiração. Há um mecanismo localizado na laringe composto por músculos e cartilagens que através de movimentos voluntários são capazes de obstruir a passagem de ar pela glote. Em cada um dos lados da glote há um músculo cricotireóideo, cuja parte superior forma as pregas vocais. Quando esse par de músculos se alonga, a tensão das pregas vocais aumenta. Já os músculos cricoaritenóideos laterais e os músculos aritenóides oblíquos e transversos são responsáveis pela abdução da glote, obstruindo a passagem de ar, enquanto os músculos cricoaritenóideos posteriores são responsáveis pela adução da glote, que desobstrui a passagem de ar. A produção da voz na laringe ocorre com o escapamento do ar dos pulmões, que eleva as pregas vocais que estão ligeiramente relaxadas. O ar passa e, consequentemente, a pressão é reduzida e as pregas vocais retornam à posição inicial. Como a diferença entre as pressões sub e supraglotais permanece, o processo é repetido, ocorrendo até que as pressões supra e subglotais sejam igualadas ou até que o indivíduo interrompa o processo. A abertura e o fechamento da glote, bem como a tensão nas pregas vocais podem variar em diferentes níveis, não havendo graus preestabelecidos, mas sim podendo alcançar vários entre o máximo e o mínimo possíveis. O efeito chamado sonoridade decorre da vibração das pregas vocais, diferenciando os sons surdos - sem vibração de pregas vocais - dos sons sonoros - com vibração das pregas vocais. Esses dois sons podem ser classificados ainda quanto à frequência, podendo ser graves ou agudos, dependendo da tensão das pregas vocais. Esses efeitos definem o que chamamos de entonações. Para que haja vibração das pregas vocais e, consequentemente, a sonoridade, as condições básicas são que o ar atravesse a glote, as pregas vocais não estejam completamente abertas e relaxadas e tampouco completamente fechadas e tensas. As consoantes surdas na língua portuguesa são produzidas pela tensão da musculatura da cavidade supraglotal. Já as consoantes sonoras não dependem dessa tensão para serem produzidas. O restabelecimento do equilíbrio entre as pressões do corpo e do meio externo depende da desobstrução de todas as vias. Acima da laringe, depois da epiglote, há uma bifurcação separando, para cima, as cavidades nasais da cavidade oral, para frente. A passagem para a cavidade nasal depende do véu palatino. Quando ele se encontra tenso e se movimenta para trás, tocando a nasofaringe, ocorre a obstrução. Já quando se encontra relaxado, em sua posição inicial, a passagem está desobstruída. Na cavidade oral, a obstrução é realizada pela língua e pelos lábios, que o fazem através da aproximação de suas partes a lugares fixos. Essa movimentação é o que caracteriza a língua e o lábio inferior como articuladores ativos, ou seja, articuladores capazes de movimentar-se até os chamados articuladores passivos, que não se movem em direção a outros articuladores. As articulações realizadas com a língua serão apicais, laminais, coronais ou dorsais, devido às partes que a compõem - ápex, lâmina, que formam a coroa, e o dorso. As articulações realizadas pelos lábios terão o lábio inferior como articulador ativo e o superior como articulador passivo, visto que o lábio inferior é o que se movimenta em direção ao superior ou dos dentes. Essas articulações recebem o nome de labiais. Os articuladores passivos podem ser labiais, dentais, alveolares, pré palatais, velares ou uvulares. A maior parte das articulações pode ser descrita pela composição morfológica articulador ativo + articulador passivo. Mais de uma articulação pode ser realizada simultaneamente. Entretanto, os falantes da língua portuguesa não utilizam todas as possibilidades articulatórias. Embora haja a classificação das articulações quanto à relação entre articuladores ativos e passivos, ela não envolve os movimentos dos órgãos envolvidos. Por isso, as articulações podem ser classificadas também quanto aos graus de abertura, isto é, o distanciamento estabelecido entre os articuladores ativo e passivo. Saussure propôs 7 graus de abertura. O grau zero seria o que abrange os fonemas obtidos pelo fechamento momentâneo da boca, realizando articulações oclusivas. O primeiro grau seria aquele que permite uma abertura parcial da boca, permitindo a passagem de ar com certo grau de obstrução, a qual causa um atrito ruidoso, realizando articulações fricativas. Tanto as articulações oclusivas quanto as fricativas são classificadas como articulações obstruintes. O segundo grau estabelece as articulações nasais que são caracterizadas pela posição do véu palatino. O terceiro grau estabelece as articulações líquidas que permitem várias possibilidades articulatórias e são divididas em laterais, vibrantes simples e vibrantes múltiplas. A articulação lateral é realizada por uma obstrução frontal da passagem do ar, permitindo que este passe pelas laterais do articulador; a vibrante simples caracteriza-se por um rápido toque do articulador ativo no passivo; e a vibrante múltipla é realizada com a compressão do articulador ativo no passivo, porém mantendo parte que o toca relaxada, permitindo que seja empurrada várias vezes pela pressão do ar, causando sua vibração. O quarto grau é caracterizado por ser aquele que causa variações de ressonância no som devido à conformação da cavidade oral de maior aproximação possível entre os articuladores ativo e passivo sem que estes se toquem. O quarto, quinto e sexto graus são responsáveis pela formação das articulações vocálicas. O sexto grau é considerado o grau de abertura máxima, ou seja, o maior grau de distanciamento entre os articuladores ativo e passivo. Entre o grau de menor distanciamento entre os articuladores - quarto - e o de maior - sexto -, há muitas possibilidades possíveis de abertura da boca, não havendo nomenclatura específica capaz de abranger cada uma delas.Por isso, entre esses dois está o quinto grau, considerado o grau médio e dividido em médio alto e médio baixo. Há articulações chamadas semivogais ou glides que ocorrem através da movimentação dos articuladores ativos de uma posição para outra, para que as articulações vocálicas possam combinar-se entre si e entre as demais. Quando ocorrem articulações simultâneas mas com graus de abertura diferentes, elas não são percebidas simultâneas, mas consecutivas. Apesar da fala fluente ocorrer por meio de um conjunto de articulações seguidas, é possível segmentá-la. Tomando como exemplo a palavra “mesa”, tem-se o encontro dos lábios seguido do relaxamento do véu palatino e a vibração das pregas vocais. Ocorre o afastamento dos lábios, o tensionamento do véu palatino - que causa a obstrução da passagem para a cavidade nasal -, e uma leve projeção da coroa da língua para frente. Mantendo a vibração das pregas vocais e a tensão do véu palatino, a coroa da língua toca os alvéolos de forma não completamente tensa, para que o fluxo contínuo de ar não seja interrompido. Em seguida, a coroa da língua abaixa de uma vez, ainda ocorrendo a vibração das pregas vocais e a tensão do véu palatino. Após isso, a vibração das pregas vocais é cessada, a passagem de ar é interrompida e o véu palatino é relaxado. Desde a infância, os indivíduos adquirem suas próprias características articulatórias, ainda que sejam muito semelhantes às dos demais falantes de sua língua. Por isso, as descrições devem considerar o que é realizado pelo falante, não o que está previsto nas normas tradicionais.
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