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1 ANTROPOLOGIA DA POLÍTICA AULA 1 Prof. Raphael Hardy Fioravanti 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula estudaremos alguns conceitos básicos da Antropologia que são fundamentais para compreendermos como a Antropologia pode auxiliar nos estudos dos fenômenos políticos, sejam eles no Brasil ou em outros países. Assim, estudaremos a origem da Antropologia e o seu principal objeto de estudo, a cultura (ou fenômenos culturais). Além disso, vamos explorar alguns conceitos já vistos na Ciência Política, mas agora pela ótica da Antropologia, como as noções de Política e Poder. TEMA 1: CONCEITOS DE ANTROPOLOGIA A palavra antropologia é formada por duas palavras gregas: Anthropos, que significa Homem, e Logos, que significa Estudo. Assim, Antropologia pode ser traduzida como o Estudo do Homem, ou melhor, é o estudo do homem em sua totalidade. Essa é a ciência que tem por grande objeto de estudo a cultura. A Antropologia foi constituída com base em três grandes ciências: Ciência Natural: o estudo do ser humano e do seu processo evolutivo, tanto físico quanto mental. É o chamado conhecimento psicossomático. Ciência Humana: é o estudo do ser humano a partir de vários pontos diferentes, a partir daquilo que ele constrói atrelado à cultura, como a sua história, suas crenças, seus usos, costumes, suas filosofias, linguagens, etc. Ciência Social: é o estudo do ser humano enquanto membro integrante de grupos socialmente organizados. Mas agora nos vem uma pergunta fundamental desta aula: O que é cultura? O termo cultura vem das palavras colare, que significa cultivar ou instruir, e cultus, que significa cultivo e instrução. Resumidamente, podemos dizer que cultura engloba as formas de atuação e aquilo que os indivíduos 3 aprendem durante a vida. E o que é aprendido é transmitido pelos indivíduos e pelos grupos de uma sociedade. Mas é muito mais do que isso. Para compreendermos melhor, analise os diferentes conceitos que foram formulados pelos antropólogos no decorrer dos anos: a. Edward Tylor (1871): “cultura seria um todo complexo, em que estão incluídos o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade” (KAHN, 1975, p. 29). b. Franz Boas (1938): cultura é “a totalidade das reações e atividades mentais e físicas que caracterizam o comportamento dos indivíduos que compõem um grupo social” (BOAS, 1964, p. 166). c. Bronsilaw Malinowski (1944): “o todo global integral constituído de implementos e bens de consumo, de cartas constitucionais para vários agrupamentos sociais, por ideias e ofícios humanos, por crenças e costumes” (MALINOWSKI, 1970, p. 42). d. Leslie White (1959): 1. Comportamento: “quando coisas e acontecimentos dependentes de simbolização são considerados e interpretados face à sua relação com organismos humanos, isto é, em um contexto somático” – relativo ao organismo humano. (KAHN, 1975, p. 129) 2. Cultura: “quando coisas e acontecimentos dependentes de simbolização são considerados e interpretados num contexto extrassomático – face à relação que têm entre si, ao invés de com os organismos humanos” – independente de organismo humano. (KAHN, 1975, p. 129). e. Clifford Geertz (1973): “A cultura deve ser vista como um conjunto de mecanismos de controle – planos, receitas, regras, instituições – para governar o comportamento.” (GEERTZ, 1989, p. 28). A partir dos conceitos de Leslie White e Clifford Geertz, precisamos entender um pouco melhor o que são símbolos e como eles funcionam. 4 A palavra Símbolo tem origem na palavra grega symbolon, designa uma coisa, seja material ou imaterial, traz em si um conceito ou ideia que a ele é designado. À coisa é dado o nome de signo, que é o portador da ideia ou representação (seu significado), que é definido pelo significante, ou seja, aquele ou aqueles que constroem a sua ideia ou representação. Os símbolos são elementos fundamentais para o processo de comunicação e de transmissão de conhecimento dentro de uma sociedade. Sua representação não é algo meramente natural, e sim construído e interpretado socialmente. TEMA 2: CULTURA COMO SISTEMA Cultura como sistema adaptativo Culturas seriam sistemas que auxiliam no processo de adaptação de grupos humanos às suas necessidades biológicas. Esse processo de adaptação formará as organizações políticas, econômicas, seus conjuntos de crenças e atividades religiosas, além das regras de parentesco e outros aspectos da vida social. Cultura como sistema cognitivo Cultura aqui é vista como um sistema do conhecimento, no qual está presente tudo aquilo que uma pessoa de uma determinada sociedade precisa conhecer e acreditar para poder agir de uma forma aceitável entre os seus pares, na sua sociedade. Ou seja, algo muito parecido com aquele velho ditado: “Em Roma, faça como os romanos”, inclusive na sua forma de pensar. Cultura como sistema estrutural Uma perspectiva desenvolvida por Claude Lévi-Strauss, para quem a cultura poderia ser definhada como um sistema de símbolos que vão se acumulando na mente humana. Ou seja, procura entender a cultura como a 5 estrutura de um prédio, cujos alicerces são a forma como as pessoas organizam o seu pensamento e as paredes são os elementos culturais e que tem a sua forma definida pelos alicerces. Cultura como sistema simbólico Nesta abordagem, cultura é entendida a partir dos conceitos de Geertz, ou seja, o conjunto de atividades e mecanismos sociais estabelecem regras, planos e controles que definem o comportamento humano. Para Geertz, os seres humanos seriam biologicamente preparados para receber essas instruções, assim como um computador é preparado para receber um programa para desempenhar determinadas atividades. Esse “programa” que recebemos, seria a cultura. TEMA 3: SÍMBOLOS E PRÁTICAS SIMBÓLICAS A representação simbólica precisa de três elementos básicos para existir: Signo: que é o objeto, coisa, material ou não que será portador do significado. Significado: é a representação atribuída à coisa ou ao objeto e que comunica a ideia ou valor. Significante: é aquele que atribui a representação ao objeto que será portador da simbolização. Ou seja, os membros de um determinado grupo social. A Antropologia, assim, seria a busca de interpretações do mundo, que podem ser as mais diferentes, dependendo dos aportes simbólicos e ambientais aos quais cada cultura está sujeita. Como bem disse Ruth Benedict, a cultura é como “lentes através das quais uma nação olha a vida não são as mesmas que outra usa” (BENEDICT, 1972, p. 19). E há milhares de lentes. 6 TEMA 4: POLÍTICA E PODER Até agora já conceituamos o que é Antropologia e seu principal objeto de estudo, a Cultura. Agora precisamos conceituar o que é política ou o fazer política. Segundo Kuchinir, o que a Antropologia procura fazer é compreender como os diferentes atores sociais de um grupo interpretam e experimentam a política, com todo o seu conjunto de significados atribuídos aos objetos e práticas relacionados ao mundo da política. Aqui iremos partir de um conceito simples: Política seria todo aquele conjunto de procedimentos que vão expressar, de alguma forma, as relações de poder e que orientam à resolução dos conflitos e problemas no que diz respeito aos bens de uma coletividade. Isso significa que temos duas premissas básicas que precisam ser levadas em consideração. A primeira é que iremos pressupor que toda sociedade, em maior ou menor grau, é heterogênea e, como vimos anteriormente, podem haver múltiplas formas de ver a realidade. A segunda é que temos presente a ideia de poder, que aqui iremos considerar, como sendo um elementosocial que é distribuído de forma desigual na sociedade, vendo poder como a capacidade de influenciar alguém a fazer algo que, de outra forma, não faria, como bem diria Robert Dahl. TEMA 5: ANTROPOLOGIA DA POLÍTICA Antropologia da Política procura investigar como os diferentes atores sociais vivenciam a política, gerando significados e interações com os objetos e ações relacionados ao mundo da política. Compreender a forma de atuação desses atores, inseridos em grupos sociais, permite-nos traçar comparativos e reflexões mais amplas sobre as organizações políticas em diferentes realidades. Sua complexidade está em entender tais grupos como presentes em sociedade difusas, com diversas redes sociais que as mantêm, bem como a multiplicidade de compreensão das 7 realidades por tais grupos. Ou seja, podemos nos deparar com várias verdades. O interesse da antropologia pela política está presente desde os primeiros estudos desenvolvidos com os povos da África, Ásia e Américas. Isso ocorre porque, ao se estudar uma sociedade e suas relações sociais, inevitavelmente estudamos as relações de poder que se formam. NA PRÁTICA Antropologia política ou antropologia da política? A diferença é que em Antropologia Política, a palavra “política” pode ser entendida de forma adjetiva, ou seja, como uma qualidade ou característica e, assim, poderia dar certa conotação política ideológica ao pesquisador. Já em Antropologia da Política, a palavra “política” fica evidente como objetivo de pesquisa. Essa mudança vem acontecendo em diferentes países, mas você ainda poderá encontrar literaturas classificadas como “Antropologia Política”. Tal mudança se faz necessária para que não haja confusão entre o material etnográfico pesquisado e a posição político-ideológica do pesquisador, que devem ser tratados de forma totalmente destina. SÍNTESE Pudemos estudar nesta aula o que é a Antropologia e como o seu objeto de estudo está relacionado com a Ciência Política. Conceituamos a Antropologia e o seu principal objeto de estudo, a cultura. Também abordamos conceitos fundamentais de poder e política, bem como exploramos o campo da Antropologia da Política e os cuidados iniciais que precisamos ter quando trabalhamos nesse campo de pesquisa. 8 REFERÊNCIAS BENEDICT, R. O Crisântemo e a Espada. 4. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2012. BOAS, F. Cuestiones fundamentales de entropologia cultural. Buenos Aires: Ediciones Solar y Libreria Hachettes S.A., 1964. CHICARINO, T. (org). Antropologia Social e Cultural. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2014. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. MALINOWSKI, B. Uma teoria científica da cultura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970. MICHALISZYN, M. S. Fundamentos socioantropológicos da educação. Curitiba: Intersaberes, 2012. KAHN, J S. El concepto de cultura: textos fundamentales. Barcelona: Anagrama, 1975. KUSCHNIR, K. Antropologia da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. 9 CONTEÚDO COMPLEMENTAR BENEDICT, R. O Crisântemo e a Espada. 4. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2014. GOMES, M. P. Antropologia: ciência do homem: filosofia da cultura. São Paulo: Contexto, 2008. MARCONI, M. A; PRESOTTO, Z. M. N. Antropologia: uma introdução. 6. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007. LAPLATINE, F. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2006.
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