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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Registro: 2019.0000775273 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2162415-32.2019.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são agravantes ROGERIO NASCIMENTO FABBRINI e NELSON SANTANA GOMES JUNIOR, é agravada LAYSSA RODRIGUES FERNANDES PINTO. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores LUIZ ANTONIO DE GODOY (Presidente) e FRANCISCO LOUREIRO. São Paulo, 20 de setembro de 2019. JOSÉ EDUARDO MARCONDES MACHADO Relator Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Agravo de Instrumento nº 2162415-32.2019.8.26.0000 -Voto nº 0226 – JEMM - AAPL 2 Agravo de instrumento n.º 2162415-32.2019.8.26.0000 Agravante: Rogério Nascimento Fabbrini e Nelson Santana Gomes Júnior Agravada: Layssa Rodrigues Fernandes Pinto Comarca: São Paulo Juíza: Dra. Adriana Sachsida Garcia Voto n.º 0226 AGRAVO DE INSTRUMENTO. Indenização por danos materiais e morais. Alegada falha no atendimento médico. Responsabilidade objetiva da seguradora e do hospital. Responsabilidade subjetiva do médico, que deve ser apurada com base na existência de culpa, em conformidade com o art. 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor. Recurso provido. Trata-se de agravo de instrumento interposto por Rogério Nascimento Fabbrini e Nelson Santana Gomes Júnior contra a r. decisão lançada a fls. 2.304/2.307, em ação de indenização por danos materiais e morais movida por Layssa Rodrigues Fernandes Pinto contra Sompo Saúde Seguros S/A, Hospital Santa Paula e os ora agravantes, que, ao sanear o feito, fixou como pontos controvertidos o dano e o nexo de causalidade, bem como estabeleceu que “na hipótese a responsabilidade é objetiva, o que dispensa o autor da prova da culpa (art. 14 CDC). Os réus respondem solidariamente por pertencerem à cadeia de fornecimento dos serviços de saúde e a eles o legislador atribuiu o ônus da prova de que o serviço foi prestado sem defeito, ou de que o defeito decorreu da culpa exclusiva da vítima, ou de terceiro, nos termos do que preceitua o artigo 14, § 3º do CDC. Disso se dessume que os honorários do senhor Perito Judicial devem ser adiantados pela defesa” (fls. 2.306). Alegam os agravantes que não ficou claro na decisão agravada se a responsabilização dos médicos é subjetiva ou objetiva, ou seja, se será apurada mediante a verificação de ocorrência ou não de culpa (Código de Defesa do Consumidor, art. 14, § 4º). Asseveram que aos médicos não se aplica a responsabilidade objetiva de que trata o caput do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, e sim a responsabilidade subjetiva, citando jurisprudência do STJ à fls. 3. Pugnam a reforma da decisão agravada neste aspecto, a fim de que sua responsabilidade seja admitida somente se demonstrado terem agido com culpa e existir PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Agravo de Instrumento nº 2162415-32.2019.8.26.0000 -Voto nº 0226 – JEMM - AAPL 3 nexo de causalidade entre sua conduta e o dano causado. Determinado o processamento do recurso (fls. 8/11), foi apresentada contraminuta às fls. 14/17. Não houve oposição ao julgamento virtual. É o relatório. DECIDO. Como já exposto quando determinado o processamento do recurso: “A agravada ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais em face dos agravantes e também de Sompo Saúde Seguros S/A e Hospital Santa Paula, sob a alegação de falha no atendimento médico o que teria lhe causado danos materiais e morais. Assim, em tese, a demanda encontra supedâneo no Código de Defesa do Consumidor, em face do alegado defeito na prestação dos serviços. O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços por defeitos relativos à prestação dos serviços ou por informações insuficientes ou inadequadas sobre seus riscos. Contudo, o parágrafo 1º do citado artigo informa que um serviço deve ser considerado defeituoso considerando-se “circunstâncias relevantes”, como o “modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi fornecido”. Assim, ainda que não se fale em “culpa” para análise do surgimento da responsabilidade do prestador de serviços, esta somente emerge na hipótese de mau funcionamento do serviço. Trata-se de forma de responsabilidade primária, decorrente do simples funcionamento defeituoso do serviço que é prestado ao consumidor. Ressalte-se que, no caso, a responsabilidade emerge da falta e não do fato do serviço, não sendo aplicável a teoria do risco integral que faz surgir a responsabilidade quer seja o serviço prestado de forma regular quer irregular, o que leva à conclusão de que somente o serviço defeituoso acarreta a responsabilidade do prestador. Assim, a responsabilidade da seguradora e do hospital é objetiva, bastando a constatação de falha do serviço para seu surgimento. O elemento subjetivo mostra-se necessário para que exsurja o dever de indenizar. Não obstante, a exceção se dá quando a culpa ou o dolo têm sua comprovação PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Agravo de Instrumento nº 2162415-32.2019.8.26.0000 -Voto nº 0226 – JEMM - AAPL 4 dispensada, nas hipóteses submetidas ao regime da responsabilidade objetiva. Nesses casos, por expressa previsão legal ou quando a atividade normalmente exercida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, prescinde de demonstração de dolo ou culpa para o surgimento do dever de indenizar (artigo 927, parágrafo único, do Código Civil). Por outro lado, a responsabilidade pessoal do médico sempre é apurada com base na existência de culpa, responsabilidade subjetiva. É importante ressaltar que o tema da responsabilidade civil médica, diante da singularidade dos serviços prestados, deve ser analisado com cautela, já que os hospitais ou clínicas, em tese, respondem objetivamente, prescindindo da prova da culpa, nos termos do disposto no artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor. Há necessidade de distinguir duas espécies de dano que podem ocorrer. Quanto aos danos causados pelos serviços hospitalares, a responsabilidade será objetiva. Já em relação aos danos causados por ato médico, a responsabilidade do próprio profissional é subjetiva. Nas palavras de Rui Stoco, “Cabe, finalmente, obtemperar a total ausência de sentido lógico-jurídico se, em uma atividade de natureza contratual em que se assegura apenas meios adequados, ficar comprovado que o médico não atuou com culpa e, ainda assim, responsabilizar o hospital por dano sofrido pelo paciente, tão-somente em razão de sua responsabilidade objetiva e apenas em razão do vínculo empregatício ou de preposição entre um e outro” (Tratado de responsabilidade civil - responsabilidade civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, pág. 761). Neste sentido: “Agravo de Instrumento. Ação de indenização por danos materiais e morais Decisão que indeferiu a inclusão na lide do médico que realizou o procedimento cirúrgico e a produção de prova testemunhal Integração do médico à lide que implica na introdução de fundamento jurídico diverso Responsabilidade do médico que é subjetiva Inexistência de litisconsórcio passivo necessário Indeferimento de produção de prova testemunhal Hipótese que não se enquadra no rol previsto no artigo 1.015 do Código de Processo Civil Recurso que não merece ser conhecido neste ponto. Nega-se provimento ao recurso, na parte conhecida” (Agravo de instrumento n.º 2018665-69.2019.8.26.0000, 1ª Câmara de PODERJUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Agravo de Instrumento nº 2162415-32.2019.8.26.0000 -Voto nº 0226 – JEMM - AAPL 5 Direito Privado, Rel. Des. Christine Santini, j. em 2.7.2019). No mais, tem-se que não foram realizados pedidos de efeito suspensivo ou antecipação da tutela recursal, de modo que, neste momento, nada há a ser decidido.” Sobre a responsabilidade do profissional liberal, ensina o magistrado Nagib Slaibi Filho que “a Constituição de 1988, em seu art. 5º, XIII, assegura que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, em norma que assegura a iniciativa econômica, embora também imponha aos Poderes Públicos a proteção ao consumidor (art. 5º, XXXII), além de erigir essa mesma defesa do consumidor como princípio básico da ordem econômica (art. 170)” (SLAIBI FILHO, NAGIB, A obrigação de diligência e a responsabilidade civil do profissional liberal, p. 2, Disponível em http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=01225c61-83cc-4772- a4f8-0f882ad62c18&groupId=10136, acessado em 19/08/2019). Em suma, à luz do §4º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor que dispõe que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”, mostra-se inviável cogitar da responsabilidade objetiva do profissional liberal pelo próprio caráter científico de suas atividades. Contudo, a despeito da incidência da responsabilidade subjetiva, a relação havida se insere na disciplina do Direito Consumerista, a atrair a gama de mecanismos protetivos em prol do consumidor, inclusive, se o caso, a inversão do ônus da prova se demonstrada a vulnerabilidade do consumidor. Ante o exposto, pelo meu voto, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso, nos termos da fundamentação. JOSÉ EDUARDO MARCONDES MACHADO Relator
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