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Este fascículo analisa criticamente as possibilidades de interface entre o campo do Comportamento Motor e a área da Educação Física. Focaliza os pressupostos básicos e os fatores intervenientes nos processos de aprendizagem e desenvolvimento motor dos seres humanos. Apresenta, de maneira introdutória, as principais perspectivas teóricas sobre a aprendizagem e o desenvolvimento motor. Aponta as contribuições dos conhecimentos produzidos no campo do comportamento motor para a intervenção pedagógica da Educação Física. André da Silva Mello Possui licenciatura plena em Educação Física pela Universidade Federal do Espírito Santo (1993); Especialização em Educação Física Escolar pela Universidade Federal do Espírito Santo (1994); Mestrado em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999); e Doutorado em Educação Física pela Universidade Gama Filho/ RJ (2007). Atualmente é professor do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo; Pesquisador do grupo de pesquisa em Educação e Educação Física Proteoria (UFES); e do grupo Semiótica das Atividades Humanas (UGF); Pesquisa os seguintes temas: Educação Física na Educação Infantil; Intervenção da Educação Física nos Projetos Sociais; Representações sobre atividades físicas e esportivas. www.neaad.ufes.br (27) 4009 2208 Universidade Aberta do Brasil Universidade Federal do Espírito Santo Educação Física Licenciatura Comportamento Motor André da Silva Mello Este fascículo analisa criticamente as possibilidades de interface entre o campo do Comportamento Motor e a área da Educação Física. Focaliza os pressupostos básicos e os fatores intervenientes nos processos de aprendizagem e desenvolvimento motor dos seres humanos. Apresenta, de maneira introdutória, as principais perspectivas teóricas sobre a aprendizagem e o desenvolvimento motor. Aponta as contribuições dos conhecimentos produzidos no campo do comportamento motor para a intervenção pedagógica da Educação Física. André da Silva Mello Possui licenciatura plena em Educação Física pela Universidade Federal do Espírito Santo (1993); Especialização em Educação Física Escolar pela Universidade Federal do Espírito Santo (1994); Mestrado em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999); e Doutorado em Educação Física pela Universidade Gama Filho/ RJ (2007). Atualmente é professor do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo; Pesquisador do grupo de pesquisa em Educação e Educação Física Proteoria (UFES); e do grupo Semiótica das Atividades Humanas (UGF); Pesquisa os seguintes temas: Educação Física na Educação Infantil; Intervenção da Educação Física nos Projetos Sociais; Representações sobre atividades físicas e esportivas. www.neaad.ufes.br (27) 4009 2208 Universidade Aberta do Brasil Universidade Federal do Espírito Santo Educação Física Licenciatura Comportamento Motor André da Silva Mello UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO Núcleo de Educação Aberta e a Distância André da Silva Mello Vitória 2010 Comportamento Motor Ilustração Thiago Dutra Capa Marcela Bertolo e Thiago Dutra Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil) Mello, André da Silva. Comportamento motor / André da Silva Mello. - Vitória : Ufes, Núcleo de Educação Aberta e à Distância, 2010. 66 p. : il. Inclui bibliografia. ISBN: 1. Capacidade motora. I. Título. CDU: 796:159.943 M527c Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky DED - Diretoria de Educação a Distância Sistema Universidade Aberta do Brasil Celso José da Costa Reitor Prof. Rubens Sergio Rasseli Vice-Reitor Prof. Reinaldo Centoducatte Pró-Reitor de Graduação Prof. Sebastião Pimentel Franco Diretor-Presidente do Núcleo de Educação Aberta e a Distância - ne@ad Prof. Reinaldo Centoducatte Diretora Administrativa do Núcleo de Educação Aberta e a Distância - ne@ad Maria José Campos Rodrigues Coordenadora do Sistema Universidade Aberta do Brasil na Ufes Maria José Campos Rodrigues Diretor Pedagógico do ne@ad Julio Francelino Ferreira Filho Diretor do Centro de Educação Física e Desporto Valter Bracht Coordenação do Curso de Educação Física EAD/UFES Fernanda Simone Lopes de Paiva Revisora de Conteúdo Silvana Ventorim Revisora de Linguagem Alina Bonella Design Gráfico LDI- Laboratório de Design Instrucional ne@ad Av. Fernando Ferrari, n.514 - CEP 29075-910, Goiabeiras - Vitória - ES (27)4009-2208 A reprodução de imagens de obras em (nesta) obra tem o caráter pedagógico e cientifico, amparado pelos limites do direito de autor no art. 46 da Lei no. 9610/1998, entre elas as previstas no inciso III (a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra), sendo toda reprodução realizada com amparo legal do regime geral de direito de autor no Brasil. Copyright © 2010. Todos os direitos desta edição estão reservados ao ne@ad. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Coordenação Acadêmica do Curso de Licenciatura em Educação Física, na modalidade a distância. Editoração Marcela Bertolo e Thiago Dutra Impressão GM Gráfica e Editora SuMÁrIo Carta ao Aluno Introdução Capítulo 1 desenvolvimento motor Capítulo 2 aPrendiZagem motora Algumas palavras antes de Terminar Referências 05 07 10 32 62 64 6 7 Carta ao aluno Caro(a) aluno(a) do Prolicen, O meu nome é André da Silva Mello e mediarei a construção dos conhe- cimentos relativos à disciplina de Comportamento Motor na modalidade de Ensino a Distância (EAD). Antes, porém, de apresentar a disciplina e a forma como ela será desenvolvida, quero me apresentar para que vocês possam se familiarizar comigo. Assim como muitos de vocês, o que me levou a optar pela Educação Física, como campo de atuação profissional, foi a identidade com as atividades físicas e esportivas. Pratico esportes desde pequeno, em especial a capoeira, e a escolha pela Educação Física como profissão se deu em decorrência do meu desejo em me manter próximo a essas atividades. Ingressei no Curso de Educação Física da Universidade Federal do Es- pírito Santo em 1988 e concluí esse curso em 1993. Simultaneamente à minha formação inicial, atuei em diversos contextos profissionais, como escolas, academias e atividades ligadas ao lazer, o que me ajudou a iden- tificar a Educação Física escolar como campo de maior interesse para a minha inserção profissional. No ano de 1994, cursei uma especialização na área da Educação Física escolar, ofertada pela UFES. Em 1999, concluí o Mestrado em Psicologia da Educação na PUC/SP e, em 2007, o Doutorado em Educação Física na UGF. Atuo no ensino superior desde 1995 e, atual- mente, sou professor do Centro de Educação Física e Desportos da UFES, onde leciono na licenciatura, na graduação e no mestrado. Para mim, será um grande desafio trabalhar com a disciplina Comporta- mento Motor na modalidade de EAD. Primeiro, pelas próprias especificidades que essa modalidade de ensino apresenta. Segundo, pela natureza do tema que vamos tratar. A área do comportamento motor é muito ampla e pode- mos abordá-la desde uma perspectiva microscópica, no nível intracelular, até uma dimensão macrossocial. Por isso, em um curso de 60 horas, temos de fa- zer algumas opções e deixar outras de lado, para que possamos garantir uma discussão inicial básicasobre o tema em questão. Terceiro, os conhecimentos produzidos no campo do comportamento motor não são consensuais. Há divergências entre os pesquisadores da área acerca dos fatores que determinam o comportamento motor dos seres humanos. Da mesma forma 8 que vocês viram na disciplina de Desenvolvimento Humano, a divergên- cia gravita em torno de três grandes matrizes epistemológicas. A inatista, que pressupõe que os fatores que determinarão o comportamento motor já estão dados a priori na herança genética. Nessa perspectiva, o meio tem pouca influência sobre o comportamento motor, uma vez que o script que irá determiná-lo ao longo do ciclo de vida já está escrito no DNA dos in- divíduos. Já a perspectiva empirista (mais conhecida na Psicologia como comportamentalista, ambientalista ou behaviorista) admite que o meio tem a prerrogativa sobre o comportamento motor do ser humano. É como se nascêssemos como uma tábula rasa, um papel em branco e, passivamente, absorvêssemos o que o ambiente nos imputa. Essa perspectiva supervalo- riza os processos educacionais, admitindo a possibilidade de “moldar” os sujeitos de acordo com as intenções pedagógicas preestabelecidas. Por fim, a perspectiva dialética, sinergista ou interacionista pressupõe que há uma convergência dos fatores ambientais, sociais e culturais com os fatores biológicos na configuração do comportamento motor dos seres humanos. Um quarto desafio posto é de natureza metodológica, já que o nosso ob- jeto de estudo pressupõe uma interlocução das teorias/pressupostos com as vivências práticas no processo de construção dos conhecimentos, fato que se torna prejudicado na modalidade de ensino a distância. Apesar dos desafios apresentados, o tema do fascículo incide sobre uma dimensão do comportamento humano na qual todos nós temos uma vasta experiência. Talvez essa experiência não tenha se constituído de forma sistematizada no curso de diferentes trajetórias de vida. Contudo, sem sombras de dúvidas, a nossa ação motora sobre o ambiente físico e socio- cultural e a ação deste sobre a nossa maneira de se movimentar é que nos permitiu chegar ao nosso estágio atual de desenvolvimento. Por isso, na medida do possível, vamos tentar reportar os conceitos sobre o compor- tamento motor às experiências que vivenciamos no cotidiano das nossas vidas, tanto no contexto formal de educação quanto fora dele. Por fim, ressalto a importância dos conhecimentos relativos ao campo do comportamento motor no processo de formação de professores de Edu- cação Física, seja na compreensão da dimensão motora do comportamento humano, seja nos processos de intervenção pedagógica associados à cul- tura de movimento nos diferentes contextos de atuação profissional. Desafios postos, possibilidades apresentadas, vamos à luta! André 99 Embora a relação da área do comportamento motor com a Educação Física seja bastante profí- cua, ela não vem ocorrendo de maneira harmônica. O livro “Educação Física Escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista” (TANI et al., 1988) é uma das obras pioneiras no ce- nário nacional que apontam as contribuições do campo do comportamento motor para sistema- tizar a intervenção da Educação Física no con- texto escolar, em especial nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Independentemente do seu caráter inovador da época, a proposta desenvol- vimentista foi contestada pelas correntes críticas da Educação Física brasileira, que a acusavam de “reducionista e positivista”, pois privilegiava a dimensão biológica na compreensão do compor- tamento motor, renegando a um plano secundá- rio as dimensões sociais e culturais que incidem sobre o movimento humano. Na tentativa de superar essa lacuna, Manoel (2008) afi rma que o ser humano não se movi- menta, mas age no ambiente em que está inserido. Há uma diferença substancial entre movimento e ação. O primeiro pode ser explicado pela Física como deslocamento do corpo no espaço e se aplica a qualquer objeto, por exemplo, uma bola rolando em um campo de futebol. Já a ação é um movi- mento tipicamente humano, pois está impregnado de sentidos, de signifi cados, de história, de cultura, de afeto e de subjetividades. Portanto, ao lidarmos com o comportamento motor humano, é impossí- vel separá-lo dessas dimensões que o constituem. Historicamente, as pesquisas sobre o compor- tamento motor têm assumido uma conotação IntroDuÇÃo experimental. São estudos laboratoriais que, an- corados no argumento da fi dedignidade, buscam isolar as variáveis que incidem sobre o fenômeno investigado. Dessa forma, essas pesquisas acabam perdendo a validade ecológica, ou seja, não re- presentam os fenômenos associados ao compor- tamento motor da mesma maneira que eles se manifestam em situações concretas de ensino- aprendizagem. Além disso, grande parte desses es- tudos se constituiu como pesquisas básicas e não estabelece relação direta com os processos peda- gógicos vivenciados no cotidiano das aulas de Educação Física. Portanto, o esforço empreendido neste fascículo foi o de estabelecer uma interlo- cução dos conhecimentos produzidos no campo do comportamento motor com as situações de ensino-aprendizagem vivenciadas nos diferentes contextos de intervenção da Educação Física. Além disso, não podemos confundir a área do comportamento motor com a própria Educação Física. Os conhecimentos produzidos nessa área precisam ser contextualizados com outros conhe- cimentos no processo de intervenção pedagógica dos professores. Tendo como referência a lingua- gem utilizada nas Diretrizes Curriculares para as licenciaturas em Educação Física, podemos situar os conhecimentos relacionados com o comporta- mento motor na dimensão procedimental, ou seja, um conhecimento que auxiliará os alunos no do- mínio de uma atividade da cultura de movimento que eles não possuíam, por exemplo, fazer uma bandeja no basquete, realizar um passo de dança ou dar uma estrelinha na capoeira. Com isso, não estamos eximindo a Educação Física da tarefa de 1010 abarcar conhecimentos relativos às dimensões conceituais e atitudinais associadas ao seu objeto de estudo. Mas, afi nal, qual é a especifi cidade da área do comportamento motor? Essa área se preo- cupa em estudar a dimensão motora do comporta- mento humano. Cabe ressaltar que a compreensão do comportamento motor não está desvincu- lada das outras dimensões que constituem o ser humano, como a social, a cognitiva e a afetiva, contudo, ao priorizar a dimensão motora do com- portamento, essa área do conhecimento enfatiza as particularidades inerentes ao movimento hu- mano. Essa área está dividida em três subáreas, conforme ilustra a Figura 1: A subárea do desenvolvimento motor busca compreender as alterações que ocorrem no com- portamento motor dos indivíduos ao longo do seu ciclo de vida, desde a concepção até a morte. A aprendizagem motora estuda os fatores subjacen- tes ao processo de aquisição das habilidades mo- toras. Já o controle motor focaliza os mecanismos essenciais que regulam e controlam o movimento humano. A divisão da área do comportamento motor em subáreas só é viável para fi ns didáticos, pois, na manifestação do fenômeno motor dos se- res humanos, essas subáreas interagem reciproca- mente, sendo impossível separá-las. Como foi anunciado na apresentação deste fas- cículo, a construção do conhecimento sobre o comportamento motor ocorrerá a partir da interlo- cução com a Educação Física. Sendo assim, em um primeiro momento, focalizaremos questões relati- vas ao desenvolvimento motor e, posteriormente, trataremos da aprendizagem motora, com ênfase nos aspetos associados ao “Ensino aprendizagem das habilidades motoras”, campo de pesquisas do comportamento motor aplicado à Educação Física. Questões inerentes ao controle motor serão evo- cadas na discussão sobre o desenvolvimento e a aprendizagem motora. Figura 1 – Subáreas do comportamento motor COMPORTAMENTO MOTOR DESENVOLVIMENTOMOTOR APRENDIZAGEM MOTORA CONTROLE MOTOR 11 12 [...] a capacidade para realizar movi- mentos atua como um parâmetro de controle para o desenvolvimento de vá- rios sistemas: cognitivo, afetivo e social. Mudanças no controle do movimento servem de gatilho para desencadear mudanças nessas outras dimensões do comportamento do bebê e da criança (MANOEL et al., 2001, p. 34). Neste capítulo, focalizaremos o desenvolvimento motor ressaltando as implicações dos conhecimen- tos produzidos nesta subárea para a prática pe- dagógica em Educação Física. Em um primeiro momento, conceituaremos o nosso objeto de estudo e apresentaremos algumas características presen- tes no processo de desenvolvimento motor dos se- res humanos. Posteriormente, discutiremos como os estudos nesse campo do conhecimento têm se desenvolvido, apontando as principais perspecti- vas teóricas sobre o tema. Por fi m, apresentaremos uma sequência do desenvolvimento motor, ressal- tando os seus desdobramentos para a intervenção pedagógica do professor de Educação Física em di- ferentes contextos sociais. O objetivo do capítulo é caracterizar, de forma sucinta, o “estado da arte” sobre o desenvolvi- mento motor. Portanto, não há a preocupação em sistematizar uma única perspectiva teórica sobre o fenômeno abordado, tampouco apresentar um ar- gumento linear. Dessa forma, serão trabalhados alguns conceitos e pressupostos que, do ponto de vista teórico, são contraditórios, mas expressam a abordagem multifacetada sobre o tema em questão. DESEnVolVIMEnto Motor 1 13 Desenvolvimento Motor: conceito e características O desenvolvimento motor é compreendido como a contínua alteração do comportamento motor ao longo do ciclo de vida, pela interação entre as ne- cessidades da tarefa, a biologia do indivíduo e as condições do ambiente. É um processo sequencial e contínuo, relacionado com a idade, mas não de- pende exclusivamente dela, pela qual o comportamento motor se modifi ca. O organismo passa por diferentes níveis de estabilidade motora e é a mudança de um nível para o outro que caracteriza o processo de desenvolvimento. O desenvolvimento motor também se constitui como campo de conheci- mento, uma subárea do comportamento motor que prioriza “[...] estudar as mudanças que ocorrem no movimento do ser humano ao longo da vida” (TANI, 2005, p. 19). O processo de desenvolvimento motor envolve tanto as mudanças progressivas, ou seja, aquelas relacionadas com a ampliação do repertório motor dos indivíduos, quanto as mudanças regressivas, que se associam às adaptações necessárias do organismo às limitações motoras impostas pelo envelhecimento. A Figura 2, representada a seguir, demons- tra, em linhas gerais, alguns importantes marcos no processo de desenvol- vimento motor que ocorrem ao longo do ciclo de vida dos seres humanos: Acentuada redução de capacidades Ligeira redução de capacidades Estabilidade física e motora Fim do crescimento em altura Aumento ponderal Pico de velocidade em altura Especialização/combinação de habilidades Movimentos fundamentais Movimentos rudimentares Adaptações iniciais Crescimento fetal morfogênese\ organogênese SENESCÊNCIA ADULTO MATURO ADULTO JOVEM ADOLESCÊNCIA TARDIA PERÍODO PUBERTÁRIO PERÍODO PRÉ-PUBERTÁRIO 2ª INFÂNCIA 1ª INFÊNCIA TARDIA 1ª INFÂNCIA INICIAL NEONATAL FETAL EMBRIONÁRIO A partir de 60-65 anos Até cerca de 30-35 anos 16-22 anos 11-16 anos Até 9-10 anos Até 6-7 anos até 2º ano 0-2 meses 8ª - 40ª semana -8ª semana Figura 2 Marcos do desenvolvimento motor 14 É comum a associação dos termos desenvolvimento e crescimento, como se ambos se reportassem ao mesmo fenômeno. Embora se relacio- nem, crescimento e desenvolvimento são processos distintos. O período de crescimento e de desenvolvimento é integrado pela maturação, que abarca mudanças no tamanho e na capacidade funcional do organismo. Para Haywood e Getchell (2004, p.19): O termo maturação é também associado ao termo crescimento, mas isso não é o mesmo que desenvolvimento. Maturação de- nota o progresso em direção a maturidade física, o estado ótimo de integração funcional dos sistemas corporais de um indivíduo e a capacidade de reprodução. Já o desenvolvimento continua mesmo depois que se atinge a maturidade física. O crescimento se refere às mudanças quantitativas da estrutura corporal. Está associado à hiperplasia (aumento do número de células) e à hipertrofi a (aumento do volume das células), enquanto o desenvolvimento se relaciona com a dimensão qualitativa, ou seja, as alterações funcionais do organismo na execução das tarefas motoras. As imagens da Figura 3 são alguns exem- plos relacionados com o crescimento. Nelas se observam medições que bus- cam constatar as mudanças estruturais que ocorrem nos bebês. Em decorrência da maturação do organismo, o crescimento e o desen- volvimento ocorrem na direção cefalocaudal, ou seja, da cabeça para as extremidades. Repare na Figura 4, apresentada a seguir, a proporção da cabeça em relação ao resto do corpo na vida intrauterina (1/2) e na fase adulta (1/8). Nessa fi gura, é possível perceber as mudanças morfológicas que ocorrem durante a vida dos indivíduos: 1/2 1/3 1/4 1/5 1/6 1/7 1/8 2 meses 5 meses idade fetal recém-nascido 2 6 12 25 anos Figura 3 Crescimento físico Figura 4 Desenvolvimento cefalocaudal 15 Pelo fato de não ter o seu desenvolvimento atrelado somente às leis biológicas (naturais), o ser humano é o “animal” menos pronto ao nascer. O nosso cérebro, por exemplo, só está 30% formado quando nascemos. Ao fi nal do primeiro de vida ele se encontra a 70% do seu tamanho fi nal e, ao fi nal do segundo ano de vida, chega a 80%. A sua maturidade total só se efetiva, aproximadamente, aos 12 anos de vida. O desenvolvimento sensório-perceptivo estabelece estreita relação com o controle motor. À medida que o nosso sistema nervoso central amadurece, importantes alte- rações ocorrem na maneira como percebemos o ambiente e agimos sobre ele, por exemplo: Mudança do domínio tátil-sinestésico para o domínio visual. Integração de informações originárias de diferentes sistemas sensoriais. Discriminação de informações oriun- das de diferentes sistemas sensoriais. Figura 5 Desenvolvimento sensório-perceptivo 16 Embora a maturação (mecanismo regulatório endógeno) seja impor- tante no processo de desenvolvimento motor do ser humano, ela não é o único fator interveniente nesse processo. Há uma interação recíproca entre os fatores ambientais, os individuais e aqueles relacionados com as diferentes tarefas motoras. É na interseção desses fatores que o desenvol- vimento motor se efetiva. Universalidade e alteridade são duas dimensões distintas, muitas vezes antagônicas, mas estão presentes simultaneamente no desenvolvimento motor da espécie humana. A presença dessas duas dimensões pode ser percebida nos quatro planos genéticos de desenvolvimento postulados por Vygotsky.1 Esse autor russo, alinhado às perspectivas interacionistas, afirma que o desenvolvimento humano se processa na inter-relação dos planos filogenéticos e ontoge- néticos (que possuem um determinismo biológico, por isso são mais sus- cetíveis às leis universais), com os planos sociogenéticos e microgenéticos (que se constituem de maneira muito específica e singular, em decorrência dos arranjos sociais e culturais específicos). Embora seja um princípio não compartilhado por todos os autores do campo, a intransitividade expressa a relação entre universalidade e alte- ridade no desenvolvimento motor. Segundo esse princípio, o desenvolvi- mento motor é um processo ordenado e sequencial, em que a ordem das mudanças é a mesma para todos; o que varia é a velocidade de progressão dessas mudanças. Nesse sentido, podemos, por exemplo, constatar que al- gumas crianças começam a andar antes do que outras, mas jamais uma criança correrá antes de andar. A ordem das mudanças está atrelada à ma- turação do organismo,enquanto a velocidade de progressão dessas mu- danças vincula-se às vivências adquiridas no ambiente sociocultural. As imagens da Figura 6 ilustram como diferentes culturas organizam a criação dos seus bebês, o que certamente trará consequências muito parti- culares para o desenvolvimento motor deles: 1. Para maiores informações sobre o autor, consultar o fascículo de Psicologia da Educação. Figura 6 Diferenças contextuais 17 As restrições individuais também trazem marcas bastante singulares ao processo de desenvolvimento motor dos indivíduos. Essas restrições são de duas naturezas: estruturais e funcionais. As restrições estruturais são limitações individuais associadas à estrutura corporal dos seres humanos (peso, altura, massa corporal etc.), enquanto as restrições funcionais são limitações qualitativas, relacionadas com as funções que a estrutura cor- poral desempenha. A Figura 7 ilustra uma situação de restrição estrutural. Nela se percebe um nadador que nasceu sem os braços e sem uma perna e precisa adaptar a sua estrutura anatômica para realizar a tarefa de nadar: Figura 7 Restrição estrutural Cristopher Tronco - (mexicano) nasceu sem braços e com apenas uma perna - competidor de natação no Parapan-Americano A tarefa é outro aspecto crítico no processo de desenvolvimento motor. Em algumas atividades motoras, nós seremos bem-sucedidos e em ou- tras não, por questões culturais – algumas habilidades motoras relacio- nadas com o esporte configurarão o nosso repertório motor, pois fazem parte da nossa cultura, enquanto outras não. Por exemplo, é bem razoável que desenvolvamos, ao longo da nossa trajetória de vida, habilidades as- sociadas ao futebol, entretanto dificilmente desenvolveremos habilidades relacionadas com o rugby. Seja pelas capacidades referentes à realização das diferentes tarefas motoras – por exemplo, podemos ter a flexibilidade e o equilíbrio bem desenvolvidos, capacidades essenciais para a prática da capoeira, entretanto podemos apresentar baixos índices para a veloci- dade, capacidade fundamental para um corredor de provas curtas e rápi- das, como os 100 metros livres do atletismo. As imagens da Figura 8 são de diferentes tarefas motoras relacionadas com o esporte, que são comuns a algumas culturas, mas a outras não. Tam- 18 bém é possível perceber que, devido às suas especificidades, elas mobilizam diferentes capacidades para a sua realização. Figura 8 Diferentes tarefas motoras Para refletir sobre o tóPico... Observe seus alunos/alunas de diferentes idades brincando ou praticando alguma modalidade esportiva e responda: a) Há diferenças no comportamento motor delas? Caso haja, o que explica tais diferenças? b) Em sua opinião, por que algumas crianças apresentam o de- senvolvimento motor mais acentuado do que outras? c) Essas diferenças se manifestam em todas as atividades (brin- cadeiras/esportes)? Ou em algumas atividades sim e em outras não? Por quê? d) É possível, por meio da ação pedagógica da Educação Física, contribuir para a melhoria do desenvolvimento motor dos alunos? Registre considerações a respeito dessas questões no seu webfólio. 19 Caracterização do campo de estudos em desenvolvimento motor Os primeiros estudos sobre o desenvolvimento motor se iniciaram na segunda metade do Século XVIII. Apesar de as pesquisas nessa área não serem recentes, Manoel (2005) afirma que as dúvidas que incomodavam os pesquisadores pioneiros permanecem até os dias atuais e incidem, em síntese, sobre as seguintes questões: maturação versus experiência; inato versus adquirido; natural versus cultural; gene versus ambiente. Entre os pesquisadores, não há consenso em relação aos fatores pre- ponderantes que determinam o processo de desenvolvimento motor, pois se trata de um fenômeno complexo, em que muitas variáveis atuam sobre ele. Do ponto de vista metodológico, as pesquisas não abarcam a interação entre as diferentes dimensões do comportamento, como a biológica, a psi- cológica, a social e a cultural. De maneira geral, as divergências se situam em estabelecer quem tem a prerrogativa sobre o desenvolvimento motor: os fatores biológicos/maturacionais ou os fatores adquiridos (ambientais/ culturais). De acordo com Manoel (2005, p. 34): [...] ou o desenvolvimento envolve um desenrolar de estruturas e funções de acordo com um script predeterminado biologicamente, ou o desenvolvimento implica a aquisição de comportamento ge- renciada pelo ambiente social em que o individuo vive. A fim de superar a dicotomia entre os fatores biológicos e os fatores ambientais na compreensão do desenvolvimento motor, Manoel (2005, p. 34) afirma que: [...] o desenvolvimento motor, nos últimos anos, é visto como um processo que envolve a emergência, a aquisição e o aper- feiçoamento de funções e habilidades a partir de um script que vai sendo escrito ao longo da experiência. A extensão do script, a gramática sobre a qual ele opera, é predeterminada pela nossa natureza (biológica) humana. Os estudos no campo do desenvolvimento motor têm se caracterizado por duas abordagens: uma, denominada de orientação ao produto, que descreve as mudanças no comportamento motor ao longo do ciclo de vida 20 dos indivíduos; e outra, chamada de orientação ao processo, que busca explicar os aspectos intervenientes nessas mudanças. A primeira se con- centra na descrição das mudanças nos resultados do desempenho motor (O que muda? Quando muda?), enquanto a abordagem orientada ao processo investiga as mudanças no padrão de desenvolvimento motor de maneira qualitativa (Como muda? Por que muda?). A abordagem orientada ao pro- duto também se preocupa em descrever as mudanças num dado compor- tamento motor ao longo do tempo. Manoel (2005) afirma que as questões básicas que orientam as pesqui- sas em desenvolvimento motor podem ser expressas nas seguintes inda- gações: o que muda? Quando muda? Como muda? Por que muda? Para esse autor, a área já deu muita atenção as duas primeiras indagações, e o desafio na atualidade consiste em compreender a natureza das mudanças que ocorrem no processo de desenvolvimento motor, ou seja, em explicar os mecanismos subjacentes a essas mudanças. Os estudos sobre o desenvolvimento motor, quando orientados ao pro- cesso, envolvem a compreensão de sistemas complexos. Manoel e Con- nolly (apud MANOEL, 2005) afirmam que há dois modos de descrição que caracterizam os estudos sobre o desenvolvimento motor orientados ao processo. São eles: o modo dinâmico e o modo simbólico. Para esses auto- res, o modo dinâmico e o simbólico interagem de forma complementar na compreensão da complexidade motora: No modo dinâmico, as partes interagem de forma autônoma, sem a necessidade de uma prescrição de ordem superior que governe suas ações. Esse é o modo que os pesquisadores da chamada abordagem dos sistemas dinâmicos utilizam para tratar do desenvolvimento motor. No modo simbólico, há o es- tabelecimento de níveis de controle com um controlador (nível superior) e um controlado (nível inferior) (MANOEL; CON- NOLLY, apud MANOEL, 2005, p. 38). As teorias sobre o desenvolvimento motor Os estudos mais consistentes sobre o desenvolvimento motor, do ponto de vista acadêmico-científico, iniciaram com a Teoria Maturacional. Essa perspectiva tem como principal expoente Arnold Gesell (1929) e enfatiza a maturação do sistema nervoso central como fator determinante para o de- 21 senvolvimento dos aspectos físicos e motores do comportamento humano. Para Gesell (apud MANOEL, 2005, p. 36), “[...] o desenvolvimento motor abarcaria aquelas mudanças no comportamento resultante de modifica- ções internas geradas pela maturação”. Nesse sentido, as experiências não seriam determinantes na promoção das mudanças motoras. Entretanto, essa perspectiva vem perdendo força no campo acadêmico desde 1970, quando pesquisas evidenciaram a importância da experiência no processo de desenvolvimento motor. Assim, tanto as modificações internas(matu- ração), quanto as experiências agem decisivamente no desenvolvimento da dimensão motora do ser humano. Gallahue e Ozmun (2005) classificam as teorias sobre o desenvolvimento em quatro estruturas conceituais. São elas: a) Fase-estágio; b) Tarefa De- senvolvimentista; c) Marco Desenvolvimentista; e d) Teorias Ecológicas do Desenvolvimento Humano, que se divide em dois ramos: Sistemas Di- nâmicos e Ambiente Comportamental. A seguir, descreveremos resumida- mente os pressupostos de cada uma dessas estruturas conceituais: teoria da fase-estágio É a mais antiga perspectiva conceitual e pre- coniza que certos tipos de comportamento estão ligados a faixas etárias universais “[...] duram por períodos de tempo arbitrários e são invariáveis” (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 33). Esses autores afirmam que a Teoria da Fase-Estágio: [...] concentra-se em alterações com bases amplas, não em comportamentos isolados ou estreitos. Cada fase, (isto é com- portamento típico) geralmente cobre um período de um ano ou mais e pode ser acompanhado por um ou mais estágios (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 33). A Teoria da Fase-Estágio é muito utilizada por pais e educadores quando se referem a um período comportamental pelo qual a criança está passando. Nós, professores, muitas vezes sem perceber, incorporamos em nossos discursos elementos associados a essa perspectiva conceitual. Em vários momentos da nossa práxis pedagógica, fazemos afirmações do tipo: “O comportamento deste aluno é típico da fase que ele está passando” ou “Fulano apresenta um comportamento aquém da fase em que ele se en- contra”. As teorias associadas ao modelo conceitual da Fase-Estágio ofe- recem um quadro geral do comportamento motor em diferentes etapas do processo de desenvolvimento e elas apresentam um comportamento típico, 22 normativo, mas não dão conta de explicar as especificidades e as singula- ridades que ocorrem nesse processo. teoria da tarefa desenvolvimentista A Tarefa Desenvolvimentista se refere à realização de metas motoras específicas (tarefas) preconizadas pela sociedade como ideais para as diferentes etapas do desenvolvimento. Por exemplo, ao completar seis anos de idade, uma criança deve apre- sentar um padrão maduro para a habilidade de correr. Gallahue e Ozmun (2005, p. 34) afirmam que [...] os proponentes da teoria da tarefa desenvolvimentista consideram a realização de tarefas particulares em certo ciclo de tempo um pré-requisito à progressão sem problemas à ní- veis superiores de funcionamento. Com base no sucesso ou no fracasso na realização das tarefas pro- pugnadas aos diferentes níveis de desenvolvimento, os proponentes dessa perspectiva inferem sobre o desenvolvimento normal ou atípico do desen- volvimento motor dos indivíduos. teoria do marco desenvolvimentista Há semelhanças e aproxima- ções entre as Teorias da Tarefa Desenvolvimentista e a Teoria do Marco Desenvolvimentista. A diferença é que esta última, ao invés de estabele- cer tarefas específicas para avaliar o desenvolvimento motor, determina indicadores estratégicos para constatar o nível de progressão da dimen- são motora do comportamento. Não são tarefas específicas, mas são um conjunto de comportamentos preestabelecidos que constituem os marcos desenvolvimentistas. “Os marcos são meramente orientações convenientes pelas quais o nível e a extensão do desenvolvimento podem ser medidos” (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 34). teorias ecológicas É uma teoria que deriva dos estudos orientados ao processo e enfatiza a relação que o ser humano estabelece com o contexto no qual está inserido para compreender as alterações que ocorrem no seu comportamento motor, pois “[...] considera o desenvolvimento como função do ‘contexto’ ambiental e da estrutura temporal histórica na qual se vive” (GALLAHUE; OZMUN, 2005, p. 35). Os estudos, na perspectiva Ecológica, descrevem e explicam como o desenvolvimento motor ocorre a partir da interação entre os indivíduos e os contextos físico e social em que estão 23 inseridos. Essa perspectiva apresenta duas vertentes: a) Teoria dos Sistemas Dinâmicos – considera o organismo humano um sistema auto-organizado e alega que as mudanças desenvolvimentistas não são lineares e contínuas, não acontecem, necessariamente, de forma regular e hierárquica, pois não obedecem a uma direção previsível a níveis mais complexos de organização e de competência motora; e b) Teoria do Ambiente Comportamental – parte da premissa de que não é o ambiente físico e social que determina o com- portamento motor, mas sim a interpretação que o sujeito faz desse ambiente. Nesse sentido, não é o sujeito e nem é o ambiente que tem a prerrogativa do desenvolvimento, mas a relação subjetiva que este mantém com seu o meio. A sequência do Desenvolvimento Motor As sequências do desenvolvimento motor descrevem as mudanças do comportamento motor durante a trajetória de vida das pessoas. Elas ex- plicitam o que muda e quando muda no repertório motor dos indivíduos e, de acordo com Manoel (2005), apresentam uma finalidade teórica e uma prática. No plano teórico, subsidiam a formulação de hipóteses acerca dos fatores intervenientes nas mudanças nelas descritas e, no plano prático, [...] servem de inspiração para o desenvolvimento de currícu- los, além de servirem como referência para que se identifique e avalie o estado de desenvolvimento motor dos indivíduos nas diferentes etapas da vida (MANOEL, 2005, p. 37). O nosso interesse neste fascículo incide sobre a segunda finalidade das sequências do desenvolvimento motor, ou seja, na contribuição que elas oferecem para pensar/sistematizar a intervenção da Educação Física nas diferentes etapas da vida dos indivíduos. Um erro comum é conceber as sequências (taxonomias) do desenvolvimento motor como uma “camisa de força”, em tornar aquilo que é uma referência em uma regra, desconsi- derando as diferenças individuais e culturais existentes nos processos de desenvolvimento dos sujeitos. A sequência do desenvolvimento motor é representada por diferentes modelos. Os modelos mais conhecidos na área de Educação Física são os propostos por Harrow (1983), Seaman e DePauw (1982) e Gallahue e Oz- 24 mun (2001). Os autores Gallahue e Ozmun (2005) afi rmam que muitos pesquisadores desenvolvimentistas estão preocupados em descrever e ca- talogar dados a respeito do desenvolvimento motor, com pouco interesse em modelos que expliquem teoricamente como esse fenômeno se processa. A sequência do desenvolvimento motor é representada por diferentes modelos. Os modelos mais conhecidos na área de Educação Física são os propostos por Harrow (1983), Seaman e DePauw (1982) e Gallahue e Oz- mun (2001). Os autores Gallahue e Ozmun (2005) afi rmam que muitos pesquisadores desenvolvimentistas estão preocupados em descrever e ca- talogar dados a respeito do desenvolvimento motor, com pouco interesse em modelos que expliquem teoricamente como esse fenômeno se processa. Figura 9 Sequência do desenvolvimento motor Fonte: Gallahue e Ozmun (2001) Utilização permanente recreativa Utilização permanente competitiva FASE MOTORA REFLEXIVA FASE MOTORA RUDIMENTAR FASE MOTORA FUNDAMENTAL FASE MOTORA ESPECIALIZADA Utilização permanente na vida diária As Fases do Desenvolvimento Motor 4 3 2 1 14 anos acima de 11 a 13 anos de 7 a 10 anos de 6 a 7 anos de 4 a 5 anos de 2 a 3 anos de 1 a 2 anos do nascimento até 1 ano de 4 meses a 1 ano dentro do útero e até 4 meses de idade Estágio de Utilização Permanente Estágio de Aplicação Estágio Transitório Estágio Maduro Estágio Elementar Estágio Inicial Estágio de Pré Controle Estágio de Inibição de Refl exos Estágio de Decodifi cação de Informações Estágio de Codifi cação de Informações 4 3 2 1 FAIXAS ETÁRIAS APROXIMADAS DE DESENVOLVIMENTO OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO MOTOR 25 A primeira etapa no processo de desenvolvimento motor descrito por Gallahue e Ozmun (2001) é Fase Motora Reflexiva. Reflexos sãomovimentos involuntários, controlados subcorticalmente e que desencadeiam o processo de desenvolvimento motor dos indivíduos. Os movimentos reflexos surgem, aproximadamente, no quarto mês de vida intrauterina e prevalecem no comportamento motor do bebê até o primeiro ano, quando começam a ser inibidos. Nessa fase, a criança obtém informações sobre o ambiente que a circunda por meio dos reflexos primitivos, que formam a base das informa- ções sensoriais e dos reflexos posturais, que, embora pareçam voluntários, não o são; apenas são ensaios de ações neuromotoras para mecanismos es- tabilizadores, locomotores e manipulativos que serão usados mais tarde com controle consciente. A fase motora reflexiva é dividida em dois estágios. No primeiro, de codificação, as informações sensoriais são reunidas e armaze- nadas e, no segundo estágio, denominado de decodificação, as informações sensoriais são processadas. As imagens da Figura 10 demonstram alguns re- flexos de proteção e de postura presentes no comportamento motor do bebê: Figura 10 Movimentos reflexos reflexo de flexão palmar reflexo de flexão plantar reflexo de natação A próxima fase no processo de desenvolvimento motor são os Movi- mentos Rudimentares. Essa fase se manifesta, aproximadamente, no quarto mês de vida do bebê e perdura até o segundo ano, coexistindo com os mo- vimentos reflexos. Os movimentos rudimentares são as primeiras formas de movimentos voluntários que o ser humano apresenta. Possuem uma se- quência altamente previsível, pois são determinados maturacionalmente. Os movimentos, nessa fase, são considerados rudimentares, pois, embora haja intencionalidade do bebê em realizar a ação, ele ainda não possui controle e precisão neuromotora. A inibição dos reflexos é a primeira etapa da fase dos movimentos rudi- mentares e vai do quarto mês até o primeiro ano de vida. Nessa etapa, em de- corrência do desenvolvimento do córtex cerebral, os reflexos, gradativamente, vão sendo inibidos, dando lugar aos movimentos voluntários. A outra etapa 26 dessa fase é denominada de pré-controle e perdura do primeiro ao segundo ano de vida. Nessa etapa, há a diferenciação entre sistema sensorial e sistema motor, aparecendo os primeiros padrões fundamentais de movimento: loco- motores2 arrastar, engatinhar e andar); manipulativos3 (alcançar, pegar e lar- gar); estabilizadores4 (erguer a cabeça, o tronco, sentar e ficar de pé). antes de Prosseguir... • A BBC de Londres produziu um documentário muito interes- sante sobre o desenvolvimento humano. No volume 2, da série O Corpo Humano, há registros em imagens e em computação gráfica que ilustram as fases dos movimentos reflexos e dos movimentos rudimentares. Assistam ao documentário e descrevam sobre as características do desenvolvimento motor nessas fases. De zero a dois anos, faixa etária que abarca a fase dos movimentos re- flexos e a fase dos movimentos rudimentares, muitas crianças já iniciaram o seu processo de escolarização. Dessa forma, a Educação Física, compo- nente curricular da Educação Infantil, precisa sistematizar a sua ação pe- dagógica para intervir nesse período. Nesse sentido, proponha elementos típicos da cultura infantil (parlendas, brinquedos cantados, brincadeiras historiadas, brinquedos populares etc.) que atendam às seguintes deman- das relacionadas com as fases em questão (as orientações mais específicas sobre essa atividade estão na plataforma): Demandas Atividades Atividades que estimulem o mecanismo perceptivo-motor Atividades que permitam a exploração do ambiente e o desenvolvimento da criatividade pela criança Manuseio de objetos que permitam a coordenação olho-mão Brincadeiras que explorem habilidades simples relacionadas com os seguintes padrões de movimento: locomotores, manipulativos, estabilizadores 2. Movimentos que permitem o deslocamento do corpo no espaço. 3. Movimentos que permitem o manuseio de objetos. 4. Movimentos que permitem sustentar determinadas posições do corpo no espaço em relação à força da gravidade. 27 A fase motora fundamental ou das habilidades básicas vai dos dois aos seis anos de idade e é considerada como o período crítico no processo de desenvolvimento motor. Considerando que, no desenvolvimento motor, as aquisições futuras incorporam as aquisições motoras anteriores, as habili- dades básicas são fundamentais para a constituição das habilidades espe- cíficas. Pesquisadores, no campo do desenvolvimento motor, afirmam que, depois da fase das habilidades básicas, não há ações originalmente novas, pois o que ocorre após essa fase é o refinamento das habilidades básicas e a sua aplicação em um contexto ambiental específico ou são combina- ções de habilidades básicas aplicadas a um contexto ambiental singular. Wickstrom (apud GALLAHUE; OZMUN, 2001, p. 434) reforça essa ideia ao afirmar que “[...] o refinamento do padrão e variações na forma de estilo ocorrem à medida que se alcança maior precisão, controle e exatidão, po- rém, o padrão motor básico, permanece inalterado”. A diversificação e a complexificação das habilidades básicas contribuem para o aumento da variabilidade da ação. Segundo Tani (2008, p. 317), o desenvolvimento motor ótimo implica [...] aumento de diversificação e complexidade do comporta- mento motor. Entende-se por aumento de diversificação o au- mento na quantidade de elementos do comportamento e por aumento de complexidade, o aumento de interação entre os elementos do comportamento. Por exemplo, a diversificação da habilidade de arremessar consiste nas diferentes formas de realizar essa habilidade: arremessar uma bola sobre o ombro, arremessar uma bola no boliche, arremessar uma bola com as duas mãos sobre a cabeça etc. Já a complexidade consiste em integrar diferen- tes habilidades numa mesma sequência. Essas habilidades podem ser do mesmo padrão, por exemplo, correr e saltar (ambas são habilidades loco- motoras), ou de padrões distintos, como saltar e arremessar (a primeira é locomotora e a segunda é manipulativa). Por isso, a vivência rica e diver- sificada das habilidades básicas nessa fase é determinante para a consti- tuição de um rico acervo motor. A Figura 11 é uma adaptação do modelo proposto por Gallahue e Ozmun (2001). Nele é possível perceber a relação das habilidades básicas com as habilidades especializadas, em que a aqui- sição destas últimas ocorre em consequência da combinação e do refina- mento das primeiras: 28 Manipulação Arremessar Chutar Rebater Rolar (um objeto) Locomoção Caminhar Correr Pular Saltar Estabilidade Inclinar Girar Balançar Virar Receber Driblar Lançar e rebater Galopar Saltar obstáculos Deslizar Apoios invertidos Rolamento corporal Esquivar Habilidades para o futebol Habilidades para o voleibol Habilidades para o basquete Habilidades para o handebol Habilidades para a dança Habilidades para as lutas Habilidades para a capoeira Habilidades Especializadas Aplicadas Combinação de Habilidades Básicas Habilidades Básicas A fase das habilidades básicas é dividida em três etapas: a) inicial – nessa etapa a habilidade é caracterizada pela ausência de elementos, por exemplo, correr sem a utilização dos braços, pelo uso exagerado do corpo na realização das tarefas, pelo fluxo rítmico e pela coordenação deficiente. Na etapa inicial, a principal demanda é a aquisição das habilidades funda- mentais; b) elementar – nessa etapa ocorre a gradativa sincronização dos elementos que compõem o movimento e o aumento do controle e da co- ordenação rítmica. Na etapa elementar, a prioridade é a estabilização das habilidades básicas, para que elas adquiram um padrão de regularidade na sua execução; e c) maduro – nessa etapa as habilidades apresentam um maior grau de coordenação, de eficiência e de controle. A principal de- manda neste estágio está relacionada com a diversificação e complexifi- cação das habilidades básicas. O aumento da diversificação e da complexidade das habilidades básicasfavorece a ampliação da equivalência motora, que é a capacidade de atin- gir um objetivo motor por diferentes meios. Por exemplo, imagine um ini- ciante na modalidade de basquetebol: ele só consegue realizar a “bandeja” de uma determinada forma. Caso ele se depare com um obstáculo, como um marcador, possivelmente não conseguirá realizar a sua ação, diferen- Figura 11 Relação das habilidades 29 temente do atleta experiente que, mesmo com um marcador, consegue realizar a bandeja, pois tem diferentes recursos motores para superar a marcação durante a realização da sua ação. A diversificação e a comple- xificação das habilidades básicas ampliam o repertório motor das crian- ças, dando-lhes a oportunidade de atingir os objetivos das tarefas motoras que se apresentam em seu cotidiano de diferentes formas. Na intenção de materializar esses conceitos, sistematize jogos e brinca- deiras que atendam aos seguintes objetivos relacionados com a diversifi- cação e complexificação das habilidades básicas: Diversificar a habilidade de saltar por meio de jogos e/ou brincadeiras (3 atividades) Diversificar a habilidade de arremessar por meio de jogos e/ou brincadeiras (3 atividades) Combinar, por meio de jogos e brincadeiras, duas habilidades locomotoras (2 atividades) Combinar, por meio de jogos e brincadeiras, duas habilidades manipulativas (2 atividades) Combinar, por meio de jogos e brincadeiras, uma habilidade locomotora com uma habilidade manipulativa (2 atividades) Após os movimentos fundamentais, inicia-se a fase das habilidades motoras especializadas. Habilidades específicas são habilidades básicas que foram refinadas e aplicadas a um contexto ambiental específico ou habilidades básicas que foram combinadas e aplicadas a um contexto de ação particular. Nessa fase, há uma grande melhora do desempenho mo- tor em decorrência do aumento da força, da resistência, da velocidade de movimento, do tempo de reação e da coordenação dos movimentos. O desenvolvimento das habilidades especializadas ocorre em três estágios: • estágio transitório (sete a oito anos) – tem início quando a criança começa a combinar e aplicar habilidades motoras fun- 30 damentais para desempenhar habilidades especializadas. Os mo- vimentos ganham forma, precisão e controle mais específi cos; • estágio de aplicação (11 a 13 anos) – ocorre uma crescente so- fi sticação cognitiva e a amplitude de experiências. Nesse estágio, o indivíduo é capaz de tornar numerosas decisões conscientes de aprendizado e de participação. Decisões que são tomadas de acordo com as possibilidades de obtenção de sucesso e satisfação, levando- o a selecionar melhor a participação em atividades especifi cas; • estágio de utilização permanente (14 anos em diante) – é caracte- rizado pelo uso de todos os movimentos adquiridos pelo indivíduo. O nível de desempenho permanente pode variar desde atividades mais complexas até as tarefas simples da vida diária. Em síntese, o estágio de utilização permanente é o auge do processo de desenvol- vimento motor e de todos os estágios e fases precedentes. FATORES FASE MOTORA REFLEXIVA FASE MOTORA RUDIMENTAR FASE MOTORA FUNDAMENTAL FASE MOTORA ESPECIALIZADA Controle Motor de Competência Motora Hereditariedade Ambiente Figura 12 Ampulheta do desenvolvimento motor Fonte: Gallahue e Ozmun (2001) A AMPULHETA Modelo de Desenvolvimento Motor durante o Cilco da Vida de Gallahue 31 A Figura 12 exibe o modelo da ampulheta, que explica a dinâmica do desenvolvimento motor proposta por Gallahue e Ozmun (2001). Nesse mo- delo, fatores como a hereditariedade e o ambiente são considerados como a “areia” dentro da ampulheta. A influência hereditária é fixa, já está tra- çada no código genético, por isso tem tampa. A influência do ambiente não tem “tampa”, podendo-se acrescentar areia inúmeras vezes durante o processo de desenvolvimento. São essas duas dimensões (genética e meio) que movem os debates há décadas no campo do desenvolvimento motor, não havendo consenso entre os pesquisadores acerca de qual dessas di- mensões tem a prerrogativa sobre o desenvolvimento. As fases do desenvolvimento motor constituem-se em importantes pa- râmetros para a intervenção da Educação Física no contexto da Educação Infantil, auxiliando o professor a identificar as demandas motoras especí- ficas relacionadas com cada fase. Cabe ressaltar que essas fases são ape- nas “trilhas” e não devem ser tomadas como uma regra fixa, como algo imutável no processo de desenvolvimento motor da criança, uma vez que o desenvolvimento dessa dimensão do comportamento é marcado pela di- versidade, pela descontinuidade, pela variabilidade do desempenho e he- terogeneidade (MANOEL, 2008). Visto dessa forma, um novo elemento ganha força na compreensão do processo de desenvolvimento motor e, consequentemente, nos processos de intervenção do professor de Educação Física: o contexto do desenvolvi- mento. Ao considerarmos que movimento é diferente de ação, pois o pri- meiro refere-se apenas ao deslocamento do corpo no espaço, enquanto o segundo é um movimento constituído de sentidos, de significados, de cul- tura e de intersubjetividade, ou seja, é um fenômeno tipicamente humano, torna-se necessário, na abordagem sobre a cultura de movimento no con- texto escolar, considerar a intencionalidade do sujeito e o ethos5 da comu- nidade em que ele está inserido. Na perspectiva em que o contexto da ação assume papel central no processo de desenvolvimento motor, o sujeito é considerado ator do seu próprio desenvolvimento. Dessa forma, em vez de trabalhar com movimentos estereotipados, preconcebidos e mecanizados, as intervenções da Educação Física, no contexto escolar, deveriam valori- zar as ações em que os indivíduos resolvam problemas e tomem decisões em situações relacionadas com as suas experiências motoras. Para Manoel (2008, p. 482-483), uma nova perspectiva para compreensão do processo de desenvolvimento motor deve considerar os seguintes aspectos: 5. “[...] conjunto de padrões comportamentais – gestos, rituais, danças, expressões corporais etc. – típicas de uma determinada cultura” (MANOEL, 2008, p. 485). 32 1 · Desenvolvimento é um processo de construção em que o su- jeito é ator do seu próprio desenvolvimento. Para a visão siner- gética do desenvolvimento, a questão central para o estudo e a intervenção sobre o desenvolvimento é a compreensão de como a experiência é construída pelo bebê, pela criança, pelo jovem, pelo adulto e pelo idoso. 2 · Não há desenvolvimento motor, mas sim, desenvolvimento da ação. O enfoque muda do movimento, dos padrões fundamentais de movimento para a ação motora, trazendo à cena a intencio- nalidade, o significado e o contexto. 3 · Não há uma seqüência de desenvolvimento, mas trilhas de- senvolvimentistas. Surge um novo elemento de peso no estudo e na intervenção: o contexto do desenvolvimento, dando vazão à necessidade de se considerar a intersubjetividade nas ações, jun- tamente com o ethos de cada comunidade. 4 · A idéia de progresso no desenvolvimento é equivocada, a ubi- quidade6 é a essência do desenvolvimento e nela há diversidade. 6. Ubiquidade: repertório de ações motoras que nos permite interagir diariamente em nossos meios físico e social. 33 atividade avaliativa Como vocês perceberam nessa breve discussão sobre o desenvolvimento motor, há divergências entre os pesquisadores acerca de como esse pro- cesso ocorre. Edson de Jesus Manoel e Go Tani são dois importantes pes- quisadores brasileiros que estudam o desenvolvimento motor e são autores de um dos livros de maior impacto na Educação Física brasileira: “Educa- ção Física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista” (1988). Passados mais de vinte anos da publicação dessa obra, esses au- tores foram convidados por uma revista para fazer uma releitura do livro. Nessa releitura, eles apresentaram visões divergentes sobre o desenvol- vimento motor. Nesse sentido, leiam os artigosdesses autores que estão disponíveis na plataforma e construam uma resenha crítica contendo os seguintes aspectos: 1 · pressupostos sobre o desenvolvimento motor defendido pe- los autores; 2 · pontos de divergência entre os autores acerca do tema; 3 · posicionamento de vocês em relação à discussão. 34 Neste capítulo, a nossa discussão será focali- zada na aprendizagem motora, o que não signi- fi ca que questões relativas ao desenvolvimento e ao controle motor sejam descartadas. Aliás, esse último campo estabelece uma estreita relação com os conhecimentos produzidos na aprendiza- gem motora. Em um primeiro momento, apresen- taremos alguns conceitos e características gerais sobre essa área do comportamento motor, evi- denciado os limites e as possibilidades que ela oferece para a intervenção pedagógica dos pro- fessores de Educação Física em seus diferentes contextos de inserção social. Discutiremos os es- tágios em que a aprendizagem ocorre e as suas implicações para a aquisição e estabilização das habilidades motoras. Também serão apresenta- das, em linhas gerais, as principais teorias que explicam o processo de aprendizagem e controle do movimento. Posteriormente, evidenciaremos os fatores intervenientes nesse processo e, por fi m, traremos à tona discussões associadas ao campo “Ensino aprendizagem de habilidades motoras”, que estuda a aplicabilidade das pesquisas básicas em aprendizagem motora nas situações concretas relacionadas com a prática pedagógica do profes- sor de Educação Física. aPrEnDIZaGEM Motora 2 35 Aprendizagem Motora: conceitos e características gerais A aprendizagem motora busca compreender como os indivíduos adqui- rem as habilidades motoras e quais são os fatores subjacentes a essa aquisi- ção. Contudo, antes de apresentar alguns conceitos sobre o tema, é preciso definir o que são habilidades motoras. Para Magill (2000, p. 6), habilidades motoras são “[...] movimentos voluntários do corpo ou parte do corpo para atingir um objetivo”. Já que são movimentos voluntários, os reflexos não são considerados habilidades motoras. Toda habilidade motora possui um objetivo ambiental, ou seja, uma finalidade específica. Esse objetivo pode ser curto e rápido, como apertar um interruptor para acender uma lâmpada (habilidade motora discreta) ou longo, como correr uma Maratona (habi- lidade motora continua).7 Outra características das habilidades motoras é que elas precisam ser adquiridas; não são dadas geneticamente. Embora estejam intrinsecamente relacionadas, é comum, no contexto da Educação Física, a confusão entre habilidades e capacidades. A capa- cidade, como o próprio nome diz, é aquilo que nos torna capazes, aptos, a realizar as habilidades motoras. Alguns exemplos ajudam a compreender melhor essa questão. Imagine um halterofilista: levantar o halter (peso) é uma habilidade que só é possível de ser realizada graças à força (capaci- dade física); correr uma prova de 100 metros no atletismo é uma habili- dade que necessita, dentre outras capacidades, da velocidade (capacidade física); rebater uma bola no tênis é uma habilidade que requer, dentre ou- tras capacidades, percepção espaço-temporal (capacidade perceptiva). O termo habilidade pode assumir duas conotações: a) como indicador de de- sempenho – nesse caso, ele é utilizado para adjetivar a ação, por exemplo: “Ronaldinho Gaúcho é um jogador habilidoso”; ou b) como ato ou tarefa – nesse caso, ele serve para designar uma ação, por exemplo: “A manchete é uma habilidade do vôlei”. No contexto da aprendizagem motora, emprega- se o segundo sentido ao termo habilidade motora. Pesquisadores do campo conceituam aprendizagem motora como [...] mudança interna do indivíduo, deduzida em seu desempe- nho, como resultado da prática (MAGILL, 1984, p. 12). 7. Maiores detalhes sobre os sistemas de classificação das habilidades motoras veremos adiante. 36 [...] conjunto de processos associados à prática ou à experiên- cia, conduzindo a mudanças relativamente permanentes para executar performance habilidosa (SCHMIDT, 1988, p. 153). [...] reflexo de uma variação, relativamente permanente, na obra ou no potencial de execução, como resultado da prática ou experiências anteriores (SINGER, 1986). [...] uma série de processos associados à prática ou a experi- ência, que levam a mudanças relativamente permanentes na capacidade de produzir uma ação (SHUMWAY-COOK; WO- OLLACOTT, 2003, p. 26). Vamos explorar o conteúdo desses conceitos. Aprender é um processo de aquisição permanente, decorrente da prática ou da experiência. Qual a diferença entre prática e experiência? A primeira se refere aos processos sistematizados, deliberados, conscientes e intencionalmente planejados para a aquisição das habilidades motoras. Por exemplo, um adolescente que frequenta aulas de basquete segunda, quarta e sexta-feira, em um ho- rário específico, aulas com uma determinada duração, e lá é submetido a metodologias que favoreçam a aquisição das habilidades do basquete. Esse adolescente está realizando uma prática. Já o aprendizado pela expe- riência é aquele que ocorre de maneira incidental, assistemática, esporá- dica e ocasional. Por exemplo, uma criança pode aprender a jogar futebol nas “peladas” que são realizadas nos finais de semana no seu bairro. Essa aprendizagem ocorre sem um planejamento prévio, sem uma intenciona- lidade explícita, ela aprende “jogando”. A aprendizagem pode ocorrer por uma via ou por outra, e também pela junção dessas duas vias. Geralmente a intervenção do professor de Educação Física está atrelada à prática, pois é justamente a ação planejada e intencional que caracteriza a sua práxis pedagógica. Cabe ressaltar, mais uma vez, que a ação pedagógica do pro- fessor não está reduzida somente ao processo de ensino-aprendizagem das habilidades motoras. A aprendizagem motora não é um fenômeno diretamente observável, mas seus produtos sim. Quando aprendemos uma nova habilidade mo- tora, ocorrem mudanças internas no nosso sistema nervoso central, novas conexões neurológicas são estabelecidas. Entretanto, essas mudanças só podem ser constatadas pelo comportamento motor, ou seja, pelo produto observável desse processo, que é o desempenho motor. Por isso, são as ca- 37 racterísticas observáveis do movimento que permitem ao professor inferir sobre o processo de aprendizagem motora dos seus alunos. Mudanças na aprendizagem são relativamente permanentes, não são transitórias, subsistem às mudanças de outras condições ou à passagem do tempo. Os processos de aprendizagem motora estão associados à memória de longa duração, por isso, mesmo que não pratique, uma pessoa não es- quece o que aprendeu. Por exemplo, um sujeito que aprendeu a andar de bicicleta na infância, mesmo que não ande durante toda a adolescência, não terá esquecido essa habilidade na fase adulta. É óbvio que, depois de um longo período de inatividade, ele apresentará insegurança e receio nas primeiras tentativas, mas os seus programas motores permanecerão intac- tos. A inserção da palavra “relativamente” no conceito se deve ao fato de que, caso não aconteça nada de extraordinário na trajetória de vida das pessoas, como um acidente vascular cerebral que afete as regiões respon- sáveis pelas aprendizagens, elas se manterão. Embora as contribuições da aprendizagem motora sejam bastante sig- nificativas para a área da Educação Física, historicamente essa relação vem se constituindo de forma conturbada. O principal foco de tensão nessa relação são os pressupostos epistemológicos que subsidiam a pro- dução de conhecimentos no campo da aprendizagem motora. Tais conhe- cimentos se vinculam a uma matriz comportamentalista,8 que concebe o ser humano como “um processador de informações”. O desafio para a aprendizagem, nessa perspectiva, consiste em fornecer os estímulos ade- quados para produzir as respostas desejadas e suprimir aqueles que pro- duzem respostas indesejadas. Ao conceber o ser humano apenascomo um “processador de informações”, as dimensões cultural, social, afetiva e subjetiva que incidem sobre os processos de ensino-aprendizagem das habilidades motoras são ignoradas. De acordo com Oliveira (1997), as teorias sobre a aprendizagem motora têm assumido um caráter não-histórico, neutro e universal, desconsiderando as diferenças culturais entre os indivíduos. Já Daolio (1997, p. 22) afirma: Se é necessário saber como ensinar uma habilidade motora, é igualmente necessário saber o significado desta habilidade em nossa cultura, sob o risco dos profissionais de Educação Física transmitir aos alunos de forma acrítica, porém tecnicamente competente, certos modismos ou práticas que pouco contribui- rão para o acervo cultural dos mesmo. 8. Ver o fascículo da Psicologia da Educação para relembrar os pressupostos associados à perspectiva comportamentalista. 38 Outro problema que tem dificultado um diálogo mais próximo entre a área da aprendizagem motora e a Educação Física é a natureza das pes- quisas produzidas nessa área que, em sua grande maioria, se constituem como pesquisas básicas, pois buscam explicar o fenômeno da aprendi- zagem, mas não estabelecem uma relação direta com as necessidades e as demandas que professores encontram no cotidiano das suas aulas. Como a comunicação entre a comunidade científica e os professores é restrita, muitos conhecimentos produzidos na área da aprendizagem motora são inteligíveis a estes, constituindo-se em um emaranhado de teorias que pouco contribuem para a prática pedagógica vivenciada nas escolas, nos clubes, nos projetos sociais e em outros contextos de inser- ção da Educação Física. Estágios da Aprendizagem Motora Suponha que a letra E corresponda aos erros que o sujeito comete na tentativa de realizar uma nova habilidade e a letra A aos acertos. Agora responda: a aprendizagem de uma habilidade motora ocorre de acordo com o primeiro modelo ou de acordo com o segundo modelo apresen- tado na Figura 13? Primeiro modelo E E E E E E E E E E A A A A A A A A A A A Segundo modelo E E E A E E A E A E A A E A E A E A A A O segundo modelo é mais razoável para explicar a aprendizagem das habilidades motoras, pois se trata de um processo que ocorre de forma gradativa. Em um primeiro estágio, há a predominância dos erros sobre os acertos. Em um estágio intermediário, há o equilíbrio entre os erros e os acertos. Já na etapa final desse processo, os acertos predominam sobre os erros. É importante que o professor identifique as características de cada estágio para que ele propicie aos seus alunos intervenções adequadas às suas necessidades. Existem várias propostas teóricas que buscam explicar o processo de aprendizagem motora. Por questões didáticas, utilizaremos Figura 13 Modelos de aprendizagem motora 39 a proposta de Fitts e Posner (1967). Para esses autores, a aprendizagem ocorre em três estágios. São eles: 1° Estágio: Cognitivo Esse estágio é denominado de cognitivo, pois o aprendiz não conse- gue desvincular a atenção da ação, ou seja, precisa pensar no que está fazendo, o que demanda grande atividade mental. O desempenho nesse estágio é bastante inconsistente e os erros na execução das habilidades são grosseiros e frequentes. Como os executantes ainda não possuem muitos parâmetros acerca da nova habilidade, eles não conseguem per- ceber os próprios erros e a ajuda do professor, nesse estágio, torna-se bastante relevante. Analise a Figura 14 e responda: o procedimento do professor com a aluna iniciante está correto? Ele deve fornecer um nú- mero elevado de informações? Fornecer excesso de informações no início da aprendizagem é preju- dicial, pois o sistema nervoso central tem uma capacidade limitada em processá-las. Por isso, é importante que, nesse estágio, o professor dire- cione o foco de atenção9 do aprendiz para aspec- tos relevantes na realização da habilidade. O foco de atenção pode variar na interação entre duas dimensões: direção do foco (interno e externo) e amplitude do foco (estreito e amplo). O foco é interno e estreito quando a atenção do aprendiz é direcionada a um ponto específico no seu corpo. Por exemplo, “Flexione o joelho da perna da frente na ginga da capoeira”. O foco é interno e amplo quando a aten- ção é direcionada para o corpo, mas não a um ponto específico e sim para aspectos gerais na realização da habilidade. Por exemplo, “Preste atenção no balanço do corpo na ginga da capoeira”. O balanço do corpo, nesse caso, está atrelado à movimentação dos membros superiores, do tronco e dos membros inferiores. O foco é considerado externo e estreito, quando a atenção é direcionada a um ponto específico no ambiente. Por exemplo, na realização de uma bandeja no basquete, o professor orienta o seu aluno: “Jogue a bola no quadradinho da tabela”. O foco é conside- rado externo e amplo, quando a atenção do aprendiz não é direcionada a um aspecto específico do ambiente, mas sim a aspectos gerais. O foco externo e amplo exige a “visão periférica”, por exemplo, em uma situa- ? OK, eu quero que você se prepare para golpear mais cedo, balanço de baixo para cima, mantenha o pulso firme, flexione seus joelhos e mantenha seus olhos na bola. E lembre-se de permanecer relaxada. Figura 14 Fornecimento de informações 9. Direcionar a atenção do aprendiz para aspectos relevantes na produção do movimento. 40 ção de marcação por zona no handebol, o professor orienta o seu aluno: “Preste atenção nos adversários que entrarem neste setor da quadra”. É importante salientar que, à medida que a aprendizagem se processa, os focos de atenção se alteram. Por exemplo, uma pessoa que está apren- dendo a se esquivar na capoeira. Em um primeiro momento da aprendiza- gem, os focos são internos, como prestar atenção ao posicionamento dos braços, à flexão das pernas e do quadril etc. À medida que o movimento se automatiza, os focos passam para o ambiente, como prestar atenção à direção, altura e velocidade do golpe do oponente. 2° Estágio: Associativo Esse estágio é denominado de associativo devido à associação entre a ação e a percepção na execução da habilidade. Como o aprendiz já possui alguns parâmetros sobre a nova habilidade, o feedback intrínseco10 por ele produzido ajuda-o na compreensão dos ajustes necessários às próxi- mas tentativas de execução dessa habilidade. Nesse estágio, há um refi- namento da habilidade, e os erros, além de se tornarem menos frequentes, são menos “crassos”.11 3° Estágio: Autônomo Nesse estágio há a automatização da habilidade. Ela se torna habitual e é submetida a níveis inferiores de controle pelo sistema nervoso central, por isso o indivíduo executa a habilidade sem pensar nela. Um exemplo clássico em relação à automatização acontece no ato de dirigir. No início desse processo, os motoristas iniciantes precisam de um alto grau de con- centração para coordenar todas as funções (acelerar, frear, trocar as mar- chas, olhar no retrovisor etc.). Quando essas funções são automatizadas, os indivíduos as realizam “naturalmente”, conversando com alguém que está no banco do carona ou cantarolando uma música que toca no rádio. O processo de automatização das habilidades é decorrente de uma grande quantidade de prática. Nesse estágio, o executante consegue perceber os próprios erros e fazer os ajustes necessários. 10. O feedback intrínseco (proprioceptivo e exteroceptivo) são informações sensórias produzidas pelo sujeito durante a execução de uma habilidade motora. 11. Licinius Crassus foi um general do Triunvirato Romano que cometeu um grande erro de estratégia, levando o seu exército à destruição total. 41 A aprendizagem motora na perspectiva do processo adaptativo Embora os modelos de equilíbrio12 apresentem uma boa explicação do que acontece no início do processo de aprendizagem das habilidades mo- toras, até o ponto em que elas se automatizam (estabilizam), esses modelos não conseguem explicar o que acontece desse ponto emdiante. As teorias correntes de aprendizagem motora explicam apenas o processo de mu- dança do comportamento até a estabilização do desempenho, no qual os sujeitos passam de um estágio inicial para um estágio fi nal. A fi m de su- perar essa lacuna, surgem os modelos de não equilíbrio, que concebem os seres humanos como sistemas abertos, que estão em constante interação com o ambiente incerto, logo sofrem perturbações e precisam se ajustar às mudanças. Nessa perspectiva, não ocorre somente a formação da estrutura (automatização da habilidade), mas também a sua modifi cação em estru- turas novas, mais complexas. Essas alterações são denominadas de Pro- cesso Adaptativo e se manifestam por meio de um movimento cíclico entre estabilidade e instabilidade, como ilustra a Figura 15: INSTABILIDADE ESTABILIDADE INSTABILIDADEESTABILIDADE HABILIDADE MOTORA Figura 15 Processo adaptativo 12. Modelos que consideram o processo de aquisição das habilidades motoras como fi nito. No caso do modelo proposto por Fitts e Posner (1967), esse processo se encerraria com a automatização da habilidade. 42 Para que uma habilidade alcance níveis mais complexos de organi- zação, é necessário que haja variabilidade na sua execução. A variabili- dade é um aspecto inerente ao comportamento motor humano. Manoel e Connolly (1995) denunciam que a variabilidade tem sido considerada, no contexto da aprendizagem motora, como um ruído, um fator nega- tivo para o desempenho, que deve ser reduzido ou eliminado para que a aprendizagem tenha êxito. A variabilidade é uma fonte de instabilidade do sistema e exerce um papel fundamental na emergência de novos es- tados de organização desse sistema. Por isso, à medida que a habilidade se estabiliza,13 é recomendável que se varie a sua prática, para que haja a desestabilização dessa habilidade e a sua posterior (re)estabilização em níveis mais complexos de organização. Embora a inserção de perturbações seja um procedimento desejável na prática de habilidades que já foram estabilizadas, é preciso ter critérios claros para inseri-las de forma adequada. O excesso de perturbação pode gerar o colapso na estrutura da habilidade, por isso duas questões se tor- nam fundamentais: como e quando inserir as perturbações? Para Ugrino- witsch e Tani (2005), em situações em que se estudam as inter-relações entre os tipos e os níveis de perturbações, verificou-se que existe uma organização hierárquica entre elas. Essa hierarquia resulta em perturbar inicialmente as capacidades perceptivas, depois as capacidades motoras e, finalmente, as capacidades perceptivo-motoras. No estágio de pré-es- tabilização, não é possível haver uma adaptação à perturbação, porque a estrutura da habilidade ainda não foi formada. A inserção das pertur- bações é aconselhável nos estágios de estabilização e superestabilização da habilidade motora. Estudos sobre a hierarquização dos níveis de perturbação (TANI, 2000; BENDA, 2001), indicam que, no estágio de estabilização, devemos, num primeiro momento, introduzir as perturbações perceptivas e, posterior- mente, as perturbações motoras. No estágio de superestabilização, as per- turbações perceptivas e motoras devem ser introduzidas simultaneamente. A superestabilização não está na uniformidade da resposta e sim na ca- pacidade da habilidade em se adaptar às perturbações. A Figura 16 de- monstra a relação entre o nível de estabilização e o tipo de perturbação, auxiliando o profissional de Educação Física na inserção de perturbações que contribuam para estabilizar as habilidades em níveis cada vez mais complexos de organização: 13. Aumento da consistência do movimento. 43 Nível de estabilização Tipo deperturbação Pré-Estabilização (Habilidade inconsistente) Estabilização (Habilidade consistente) Superstabilização (Habilidade muito consistente) PERCEPTIVA NÃO SIM SIM MOTORA NÃO SIM SIM PERCEPTO-MOTORA NÃO NÃO SIM Teorias sobre a aprendizagem motora Neste tópico, apresentaremos, de maneira bastante resumida, as prin- cipais teorias sobre a aprendizagem motora que circulam no contexto acadêmico. Não é nossa intenção esgotar a discussão sobre o tema, mas simplesmente traçar, em linhas gerais, os sistemas explicativos sobre a aprendizagem motora que mais tiveram impacto na comunidade científica. A Teoria do Circuito Fechado, proposta por Adams (1971), foi a primeira teoria de destaque e discute o papel do feedback14 no controle motor e na aprendizagem motora. Para o autor, o feedback é utilizado continuamente na produção da ação. Essa teoria parte da premissa de que, durante a exe- cução da habilidade motora, há a comparação do feedback sensorial com a memória armazenada do movimento pretendido. Nessa perspectiva, duas estruturas de memória interagem na produção do movimento: o “traço de memória”, responsável pela seleção e iniciação do movimento; e o “traço perceptivo”, que regula o movimento a partir das informações sensoriais fornecidas pelo feedback. Essa teoria recebeu inúmeras críticas relacionadas com o armazenamento de informações, pois exigiria do sistema nervoso central o armazenamento de um traço de memória e de um traço percep- tivo para a incontável quantidade de movimentos que os seres humanos executam. A teoria de Adams também foi contestada na realização de ações rápidas, em que não há tempo suficiente para a utilização do feedback du- rante a sua execução. Figura 16 Relação entre estabilização e perturbação 14. Feedback são informações sensoriais captadas no organismo (propriocepção) ou no ambiente (exterocepção) que ajudam a compatibilizar a ação com as alterações ambientais que ocorrem durante a execução das habilidades motoras. No processo de aprendizagem motora, o feedback fornece parâme- tros ao iniciante para a realização das próximas ações. Nível de estabilização 44 A fim de superar as lacunas apresentadas pela Teoria do Circuito Fe- chado, Keele formulou o conceito de Programa Motor, que pode ser compre- endido como um “[...] conjunto pré-estruturado de comandos musculares que executa o movimento na ausência de feedback periférico” (SCHMIDT, 1983, p. 205). Nessa perspectiva, para cada movimento aprendido, há um programa motor correspondente armazenado na memória. Assim como a Teoria do Circuito Fechado, a perspectiva do Programa Motor foi criticada por não explicar o problema de estocagem, ou seja, como a memória ar- mazenaria uma quantidade imensa de programas motores. Diante dos problemas apresentados por essas duas teorias, Schmidt (1975) propôs um modelo híbrido para explicar o processo de controle motor e de aprendizagem motora: a Teoria do Esquema. Essa teoria in- corpora princípios das teorias anteriormente citadas, só que, ao invés de propor um programa motor específico, propugna a existência de um pro- grama motor generalizado, ou seja, mantém a ideia de um planejamento central para a ação, mas só que esse planejamento conserva registrado na memória apenas os parâmetros invariantes do movimento. Os parâmetros específicos de uma determinada ação são estabelecidos pouco antes da sua execução pelo feedback intrinseco.15 Nessa perspectiva, em vez de arma- zenar a estrutura específica de uma ação, o indivíduo estoca regras gerais que estabelece relação com outras ações. Essas regras gerais são chama- das de “esquemas”. Schmidt e Wrisberg (2001, p. 165) definem o programa motor generalizado como [...] um padrão de movimento em vez de um movimento espe- cífico; essa flexibilidade permite que os executantes adaptem o programa generalizado para produzir variações do padrão que satisfaçam às demandas ambientais alteradas. As teorias do Circuito Fechado, do Programa Motor e do Esquema par- tem da premissa de que o processo de controle e de aprendizagem motora é dirigido por programas motores centrais, configurados no sistema nervoso central. Em sentido oposto a essas perspectivas, o fisiologista russo Berns- tein (1967) afirma que o controle e a aprendizagem
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