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Módulo X – Saúde da Mulher, Sexualidade Humana e Planejamento Familiar 1 Trio Help Med – Ana Luísa Uzêda Infecções Puerperais Denomina-se infecção puerperal (febre puerperal) a que se origina no aparelho genital após parto recente. Como, por vezes, é impossível caracterizar a infecção que ocorre após o parto, parece melhor, a muitos, conceituar a morbidade febril puerperal: temperatura de, no mínimo, 38°C, durante 2 dias quaisquer, dos primeiros 10 do período pós-parto, excluídas as 24 h iniciais. Após o parto vaginal, apenas 20% das mulheres que apresentam quadros febris têm infecção puerperal; todavia, após a operação cesariana, 70% das mulheres febris são propriamente diagnosticadas como portadoras de infecção puerperal. INCIDÊNCIA No Brasil, a infecção puerperal é a terceira causa de mortalidade materna, sendo responsável por 6,3% dos óbitos (Ministério da Saúde, 2006) o que tem se repetiu em 2007, com taxa similar de 5,9% (MS- SIM/DASIS/SVS, 2009). ETIOPATOGENIA A cavidade uterina – depois do parto e, especificamente, a área remanescente do descolamento placentário – constitui zona com grande potencial para infecção. A atividade contrátil normal do útero, depois da dequitação, e a involução puerperal, além da reação leucocitária e da hemóstase trombótica na zona de implantação da placenta, representam os mecanismos de defesa contra a infecção. A parte superior da matriz, no pós-parto, é provavelmente estéril na grande maioria de mulheres sem febre ou outros sinais de infecção. Todavia, sabe-se que a vagina e a cérvice da puérpera contêm grande número de bactérias, algumas de potencial patogênico, e muitos desses microrganismos tornam-se virulentos no decorrer do pós-parto. Em alguma porção do útero, provavelmente na junção cervicoendometrial, cessa a colonização bacteriana e a cavidade torna-se estéril. A endometrite pós-parto tem fisiopatologia similar à da corioamnionite, envolve os mesmos microrganismos e é frequentemente precedida por infecção intra-amniótica clínica ou subclínica. Os patógenos anaeróbios desempenham papel relevante na endometrite que se segue à operação cesariana e são isolados em 40 a 60% das culturas colhidas apropriadamente. Mulheres com endometrite após o parto vaginal, eis as candidatas à infecção por patógeno único, sobressaindo o Streptococcus. FATORES PREDISPONENTES A operação cesariana é o fator predisponente mais importante, aumentando significativamente a morbiletalidade puerperal. Em relação aos partos vaginais, a cesárea eleva o risco de endo(mio)metrite em 5 a 30 vezes, de bacteriemia de 2 a 10 vezes, de abscesso ou de tromboflebite pélvica de 2 vezes, e de morte por infecção, de 80 vezes. Inúmeras circunstâncias podem explicar a notável incidência de infecção após o parto cesáreo: presença de bactérias em áreas de tecido cirurgicamente desvitalizado, vasos e linfáticos intramiometriais expostos à invasão bacteriana, contaminação do peritônio com germes existentes na cavidade amniótica, perda moderada de sangue, diminuição da resposta imunitária (especialmente se tiver sido utilizada a narcose). Outros fatores que elevam o risco de infecção após a cesariana são: parto e amniorrexe prolongados, com numerosos toques vaginais, e baixo nível socioeconômico. Diferentes estudos tornaram inconsistentes elementos inicialmente arrolados: monitoramento interno, obesidade, anemia, anestesia geral. São identificados 4 grupos de risco para infecção puerperal, de acordo com características clínicas: muito alto (risco de infecção de 40 a 85%), alto (risco de 10 a 40%), moderado (risco de 3 a 10%) e baixo (risco de 1 a 3%). Módulo X – Saúde da Mulher, Sexualidade Humana e Planejamento Familiar 2 Trio Help Med – Ana Luísa Uzêda INFECÇÃO EXÓGENA E ENDÓGENA Antes do evento dos antibióticos, a incidência de morte materna secundária à sepse era, em 75% das vezes, determinada por estreptococos beta-hemolíticos do grupo A. Após a introdução da penicilina e de técnicas mais rígidas de assepsia e de antissepsia, reduziu-se ao mínimo a infecção exógena por esse germe. As endógenas, determinadas pelos anaeróbios e por gram-negativos aeróbios, provenientes da microbiota normal da vagina, da cérvice e dos intestinos, ao contrário, passaram a ser as principais responsáveis pela infecção puerperal. Atualmente, a maioria delas é polimicrobiana, constituída por aeróbios e anaeróbios, e entre os principais figuram os descritos a seguir. MICROBIOLOGIA A gravidez pode suscitar mudanças na flora cervicovaginal. A colonização por Lactobacillus aumenta na gravidez e existe a possibilidade de outros tipos de microrganismos serem diminuídos. Trata-se de alterações fisiológicas, destinadas a proteger o concepto, uma vez que Lactobacilli são avirulentos. Todavia, não se deve excluir o fato de que a flora cervicovaginal da grávida pode conter espécies aeróbias e anaeróbias potencialmente perigosas e comumente associadas a infecção puerperal e pós-abortamento. Os estrogênios poderiam estar comprometidos no aumento dos Lactobacilli e, juntamente com a progesterona, na redução dos anaeróbios. Depois do parto vaginal, modificações significantes verificam-se na flora regional, especialmente entre as espécies anaeróbias que proliferam dramaticamente no 3° dia do puerpério. O mecanismo, embora ainda não elucidado, pode decorrer do trauma relacionado ao processo do nascimento, dos lóquios, da contaminação da vagina durante o parto e do término do estímulo hormonal ao epitélio vaginal. É situação transitória; 6 semanas depois, a flora vaginal está normalizada. AERÓBIOS ESTREPTOCOCOS BETA-HEMOLÍTICOS DO GRUPO A (STREPTOCOCCUS PYOGENES) Não fazem parte da microbiota normal da vagina e da cérvice: a origem é exógena, em geral da nasofaringe ou de lesões da pele da paciente, do bebê ou do corpo clínico do hospital. A infecção tem como característica principal a sua enorme capacidade de invasão, com sinais mínimos de localização nos pontos lesados do canal do parto. Os microrganismos são sensíveis a penicilina, cefalosporinas e eritromicina, e a resposta ao tratamento antibiótico adequado é muito rápida. Módulo X – Saúde da Mulher, Sexualidade Humana e Planejamento Familiar 3 Trio Help Med – Ana Luísa Uzêda ESTREPTOCOCOS BETA-HEMOLÍTICOS DO GRUPO B (S. MASTITIDIS, S. AGALACTIAE). É recente a importância a eles atribuída como causadores de infecção puerperal precoce e neonatal. Encontrados em cerca de 30% das culturas vaginais e cervicais de grávidas, a infecção seria, portanto, endêmica, visto que os estreptococos do grupo B (GBS) colonizam o sistema genital materno, provenientes do reto ou do contato sexual. A infecção ocorre dentro de 24 h do parto, com rápido agravamento do estado materno. Os sintomas são febre elevada (39°C), calafrios, taquicardia e útero doloroso à palpação (endomiometrite). São pacientes de risco as que tiveram parto disfuncional com ruptura prolongada das membranas, submetidas à operação cesariana. O tratamento antibiótico deve ser imediato para evitar abscessos e endocardite. Esses estreptococos são sensíveis a penicilina, ampicilina, cefalosporinas e eritromicina. ESTREPTOCOCOS BETA-HEMOLÍTICOS DO GRUPO D (INCLUI OS ENTEROCOCOS, ESPECIALMENTE S. FAECALIS) Os estreptococos do grupo D não são considerados patogênicos em infecções cirúrgicas, embora sua presença seja anotada em pequeno número de mulheres com endometrite pós-parto ou bacteriemia. São resistentes a penicilina, cefalosporinas, aminoglicosídios e clindamicina; a ampicilina ou o efeito sinérgico da penicilina e de um aminoglicosídio inibem os enterococos. ESTAFILOCOCOS AERÓBIOS (STAPHYLOCOCCUS EPIDERMIDIS, STAPHYLOCOCCUS AUREUS) S. aureus é encontrado em apenas 2% das culturas vaginais em grávidas. Raramente determina endometrite, estando associado, com maior frequência, a abscessos vulvovaginais e mastites. S. epidermidisé habitante normal da flora cervical e, quando presente dentro do útero, faz parte da infecção polimicrobiana. É resistente à penicilina e à ampicilina, sensível a oxacilina, meticilina, cloxacilina e cefalosporinas. GRAM-NEGATIVOS AERÓBIOS (ESCHERICHIA COLI, KLEBSIELLA, ENTEROBACTER, PROTEUS, PSEUDOMONAS) Grandes protagonistas das infecções urinárias são usuais nos intestinos e encontrados em incidência variável no sistema genital: E. coli em 2 a 10% das grávidas e em 33% das puérperas; outros membros da família Enterobacteriaceae raramente são encontrados. E. coli tem muita importância na infecção puerperal; principal responsável pelo choque septicêmico, sua sensibilidade aos antibióticos varia de hospital para hospital. Canamicina, gentamicina e cloranfenicol são geralmente efetivos contra 95% das espécies; as cefalosporinas atuam em 80 a 93%, e a ampicilina e a tetraciclina em, talvez, 80%. HAEMOPHILUS INFLUENZAE A literatura registra duas dezenas de casos de infecção puerperal por Haemophilus influenzae a partir de 1969. Dentre essas pacientes, 9 evoluíram para estado de sepse, a indicar a elevada virulência do microrganismo, que há de ser cogitado nos casos de refratariedade aos esquemas habituais de antibióticos utilizados na infecção puerperal. Haemophilus influenzae é sensível à ampicilina, ao cloranfenicol e às tetraciclinas. GARDNERELLA VAGINALIS Tem sido consignado número crescente, em culturas sanguíneas no pós-parto, especialmente nas mulheres com febre. Existe a possibilidade de que determine infecção puerperal, em associação com anaeróbios, mas é sensível à maioria dos antibióticos. ANAERÓBIOS GRAM-POSITIVOS ANAERÓBIOS Ocorrem infecções por: Cocos anaeróbios (peptococos, peptoestreptococos): habitantes não patogênicos da vagina e do colo, em geral se tornam virulentos na presença de tecido traumatizado e desvitalizado e de sangue coagulado. Os lóquios têm cheiro pútrido. Tornaram-se comuns as infecções mistas por aeróbios (E. coli, enterococos) e outros Módulo X – Saúde da Mulher, Sexualidade Humana e Planejamento Familiar 4 Trio Help Med – Ana Luísa Uzêda anaeróbios (bacteroides). A penicilina é o antibiótico de escolha; secundariamente, as cefalosporinas, a eritromicina e a clindamicina. OBS.: “Lóquios” são fragmentos de tecido endometrial, descamações, coágulos, etc. Secreções. BASTONETES ANAERÓBIOS (CLOSTRÍDIOS) Clostridium perfringens (antes C. welchii) tem participação em 85% das infecções. Hóspede normal da vagina e do colo, tem virulência muito pequena e poucas vezes determina infecção puerperal. Quando patogênico, por motivos desconhecidos, pode ocasionar quadro gravíssimo (gangrena gasosa, hemólise; hipotensão, insuficiência renal), com mortalidade de 50 a 85% dos casos. Os lóquios têm odor fétido e a infecção é mais encontrada no abortamento infectado. O simples isolamento do clostrídio, no sistema genital, em casos de infecção, não indica ameaça à vida da paciente. Em geral, a endometrite é discreta e cede ao tratamento antibiótico (penicilina). GRAM-NEGATIVOS ANAERÓBIOS Os agentes mais comuns são: Bacteroides (Bacteroides fragilis) agentes importantes na infecção puerperal, anaeróbios não patogênicos do canal do parto e dos intestinos, só se tornam virulentos em presença de tecido necrosado, lóquios fétidos e quadro clínico prolongado, frequentemente complicado por tromboflebite pélvica séptica. Não é trivial infecção que ameace a vida da paciente; B. fragilis é em geral sensível à clindamicina e ao cloranfenicol, antibióticos de escolha. São também efetivos cefoxitina e metronidazol. MICOPLASMA Os micoplasmas genitais são frequentemente encontrados na cérvice das gestantes. Mycoplasma hominis foi isolado em 20 a 50% das pacientes, e a Ureaplasma urealyticum, em 60 a 80%. A associação entre micoplasmas genitais e febre puerperal não está ainda inteiramente esclarecida. O isolamento anteparto de micoplasma tem sido relacionado a febre puerperal em alguns estudos e contestado em outros. O micoplasma foi identificado no sangue em 3 a 8% das puérperas com febre inexplicada. Esses microrganismos determinam infecção de baixa morbidade que explica a evolução favorável mesmo sem terapia específica. Os micoplasmas genitais, presentes no endométrio e/ou sangue em 15% das puérperas com endometrite, são sensíveis às tetraciclinas, à eritromicina e ao cloranfenicol. CLAMÍDIA Chlamydia trachomatis está relacionada à infecção puerperal, especialmente a partir do 3o dia de puerpério. Alguns pesquisadores verificaram maior incidência de infecção puerperal nas gestantes portadoras de clamídia. Em estudo similar, outros pesquisadores não encontraram qualquer diferença quanto à intercorrência de infecção puerperal entre as gestantes com ou sem cultura positiva para clamídia. São agentes sensíveis à tetraciclina e à eritromicina. Módulo X – Saúde da Mulher, Sexualidade Humana e Planejamento Familiar 5 Trio Help Med – Ana Luísa Uzêda QUADRO CLÍNICO, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO A infecção local, com penetração de germes, surge, inicialmente, pela porta de entrada, frequentemente a superfície cruenta onde se assentou a placenta, o endométrio desnudo stricto sensu, a decídua ou ferida no canal cervicovaginal e na vulva. Vencida a barreira leucocitária, ela se alastra, propagando-se ou se generalizando. Antibioticoterapia profilática: Uma medida preventiva proposta pelo American College of Obstetricians and Gynecologists e hoje de uso generalizado é a antibioticoterapia pré-operatória na cesariana. No quadro clínico, a febre ainda é o melhor sinal para o diagnóstico da infecção puerperal. O laboratório pouco oferece (a leucocitose é comum após o parto); as culturas têm pouca serventia. PERINEOVULVOVAGINITE E CERVICITE As infecções do períneo, as vulvovaginais e as do colo uterino decorrem das inevitáveis soluções de continuidade aí produzidas pela passagem do feto, além das episiotomias. Clinicamente, caracterizam-se pelo aparecimento de dor, rubor, edema e, por vezes, secreção purulenta. A febre é moderada (38,5°C). As pequenas lacerações perineais, vaginais e cervicais devem ser suturadas, e as episiotomias merecerão cuidados constantes até sua completa cicatrização. A terapêutica das lacerações infectadas consiste na administração de antibióticos sistêmicos (cefalosporinas, oxacilina, meticilina, cloxacilina) e antissépticos locais. Abscessos devem ser abertos e drenados. A episiotomia infectada merecerá abertura cirúrgica e exploração instrumental sob anestesia geral, não se dispensando, concomitantemente, antibióticos sistêmicos. Pacientes com infecção de episiotomia e manifestações tóxicas que não respondam à terapia antibiótica em 24 a 48 h e mostrem edema e eritema em áreas que ultrapassem a perineal (abdome, coxas e região glútea) devem ser Módulo X – Saúde da Mulher, Sexualidade Humana e Planejamento Familiar 6 Trio Help Med – Ana Luísa Uzêda submetidas, obrigatoriamente, à exploração cirúrgica, pois é quase certa a possibilidade de necrose da fáscia superficial. A ressutura não deve ser realizada imediatamente à exploração cirúrgica. A maioria das feridas de episiotomia exploradas irá cicatrizar bem por segunda intenção. Feridas no esfíncter anal externo ou na mucosa devem ser reparadas após a infecção local estar resolvida. Após a resolução da infecção local, quando a ferida aberta for de grande extensão, a sutura pode ser considerada. INFECÇÃO DA EPISIOTOMIA A despeito de ser ferida em região contaminada, a infecção da episiotomia não é comum, vigente em menos de 0,5% dos casos. A grande maioria não é grave e raramente é mortal. Essas infecções podem ser classificadas em 5 tipos, (elucidados abaixo) de acordo com a profundidade e a gravidade do processo inflamatório: INFECÇÃO SIMPLES Limitada à pele e à fáscia superficial adjacente. O local apresenta edema,eritema e, posteriormente, deiscência da zona suturada. INFECÇÃO DA FÁSCIA SUPERFICIAL Como a fáscia superficial dessa área tem continuidade com as da parede abdominal, região glútea e pernas, o edema e o eritema costumam estender-se, atingindo total ou parcialmente os sítios nomeados. NECROSE DA FÁSCIA SUPERFICIAL Infecção muito grave, com manifestações cutâneas tardias: há, inicialmente, edema e eritema. A pele toma, mais tarde, cor azulada ou castanha, aspecto francamente gangrenoso, com formação de vesículas e bolhas. FASCITE NECROSANTE Infecção das duas camadas da fáscia superficial (fáscias de Camper e Colles). Infecção muito grave, com manifestações cutâneas tardias: há, inicialmente, edema e eritema. A pele toma, mais tarde, cor azulada ou castanha, aspecto francamente gangrenoso, com formação de vesículas e bolhas. Pode evoluir para fáscia da parede abdominal. Sinais tóxicos de septicemia são evidentes em todas as pacientes; pode ocorrer choque. Se não houver tratamento cirúrgico, a mortalidade atinge 100% dos casos; os antibióticos e a cirurgia oportuna reduzem os óbitos para 50%. MIONECROSE Atinge os músculos do períneo e, na maioria das vezes, é consequente à infecção por Clostridium perfringens; ocasionalmente pode ser consequente a fascite necrosante. A dor é desproporcionada aos sinais físicos. ENDOMETRITE E MIOMETRITE Endometrite é a infecção puerperal da genitália mais frequente e surge na área de implantação da placenta. Após partos vaginais, incide em 1 a 3% dos casos. Habitualmente instala-se no 4o ou 5o dia de pós-parto; o aparecimento mais precoce sugere maior virulência. As condições gerais se mantêm boas, a não ser nas formas muito graves. Clinicamente a infecção se inicia pela ascensão da temperatura, que atinge 38,5 a 39°C; os lóquios tornam-se purulentos e com mau cheiro quando presentes anaeróbios. O exame pélvico demonstra útero amolecido e doloroso, engrandecido no abdome, e colo permeável à polpa digital, que, manipulado, deixa escoar secreção purulenta. A miometrite acompanha, em geral, a endometrite, com quadro clínico similar ou mais intenso que o anterior. A endometrite após parto vaginal geralmente tem prognóstico benigno; poucos casos se complicam por abscesso pélvico, peritonite generalizada e tromboflebite pélvica. Módulo X – Saúde da Mulher, Sexualidade Humana e Planejamento Familiar 7 Trio Help Med – Ana Luísa Uzêda Se a metrite é leve e se desenvolve após a mulher receber alta após o parto vaginal, o tratamento com antibiótico oral em geral é suficiente. Para infecções moderadas e graves, especialmente após o parto cesáreo, o tratamento intravenoso com antibióticos de largo espectro é mandatório. A melhora após 48 a 72 h ocorre em cerca de 90% das mulheres. A persistência de febre após esse prazo faz pensar em complicações: abscesso de paramétrio, de parede ou pélvico e tromboflebite pélvica séptica. O esquema antibiótico usual é a clindamicina (900 mg IV cada 8 h) associada à gentamicina (1,5 mg/kg IV cada 8 h). A ampicilina (2 g IV cada 6 h) ou o metronidazol (500 mg IV cada 8 h) podem ser adicionados para prover cobertura contra anaeróbios se tiver sido realizada cesárea. A intervenção na cavidade da matriz infectada só estará indicada na suspeita de retenção de restos ovulares com sangramento anormal e persistente, e deverá ser feita pela curetagem com antibiótico e ocitócico. PARAMETRITE É a infecção do tecido conjuntivo fibroareolar, parametrial, decorrente, na maioria das vezes, de lacerações do colo e da vagina, em que o germe se propaga pela via linfática. O local de eleição é o tecido parametrial laterocervical (unilateral em 70% dos casos), podendo haver, todavia, invasão anterior (paracistite) ou posterior (pararretite), além da incursão ao ligamento largo. Temperatura elevada que persiste por mais de 10 dias sugere parametrite. Vai ela gradativamente aumentando e em pouco tempo atinge 39 a 39,5°C, com remissões matutinas. O toque vaginal desperta dor intensa, o que revela endurecimento dos paramétrios. Se não for tratado em tempo, o processo evolve para a supuração e a flutuação, transformando-se em abscesso do paramétrio ou do ligamento largo. O prognóstico, habitualmente, é favorável. O tratamento baseia-se no emprego de antibióticos e anti-inflamatórios. Quando há formação de abscessos, deve-se drenar pela via vaginal ou pela abdominal (fleimão do ligamento largo), com mobilização da mecha no 2o ou no 3o dia, e somente retirada completamente quando terminada a exsudação. ANEXITE(SALPINGITEE OVARITE) As anexites são representadas pela infecção e inflamação das tubas uterinas e dos ovários. São mais frequentes as salpingites do que as ovarites, e surgem após abortamentos infectados e partos vaginais prolongados. Na fase aguda (endossalpingite) as tubas uterinas inicialmente se apresentam endurecidas, tumefeitas, com precoce acolamento das fímbrias e obliteração tubária, daí a retenção da exsudação purulenta que forma o piossalpinge. A salpingite pode evoluir para absorção do material com recuperação parcial do órgão, comumente deixando a sequela de obstrução tubária, ou evoluir para a forma subaguda, em que o processo se organiza, formando o tumor inflamatório anexial. A seguir progride para a cronicidade, podendo deixar como sequela o hidrossalpinge, ou continua a prosperar, de maneira aguda, como nas formas sépticas, atingindo a serosa peritoneal (peritonite). Além disso, a infecção pode alcançar os ovários, desencadeando a ovarite. Clinicamente, inicia-se com dor abdominal aguda, predominando nas fossas ilíacas, febre alta (39 a 39,5°C) e discreta defesa abdominal. O toque genital revela grande sensibilidade dos anexos. A palpação de tumoração anexial é notada, mais tarde, na evolução da moléstia. O tratamento é feito por antibióticos; em raros casos, por motivo da possibilidade de ruptura de piossalpinge, há necessidade de realizar a salpingectomia. PERITONITE A pelviperitonite acompanha muitas formas de infecção puerperal localizada: endomiometrite, salpingite, parametrite. Clinicamente, surgem dor intensa e defesa muscular no baixo ventre, febre alta (40°C), perturbação funcional dos intestinos, com retenção de gases e fezes (íleo paralítico), pulso a 140 e sinal de Blumberg positivo (compressão e descompressão da parede abdominal). O toque desperta intensa dor no fundo de saco vaginal posterior. Quando há coleção purulenta, nota-se abaulamento. A peritonite generalizada intercorre quando o microrganismo é muito virulento, como no caso do estreptococo beta-hemolítico. Módulo X – Saúde da Mulher, Sexualidade Humana e Planejamento Familiar 8 Trio Help Med – Ana Luísa Uzêda Quando há abscesso no Douglas, pratica-se a colpotomia e a drenagem. Outros só indicam essa operação se a paciente estiver em bom estado geral e com o abdome flácido, ruídos intestinais presentes, optando pela laparotomia nas demais oportunidades. Insistimos em que a mecha seja retirada somente quando, após 2 a 3 dias, não mais se notar a saída de material purulento ou seroso. Se depois desse período de drenagem as melhoras não se acentuarem (queda da temperatura e do pulso, alívio do estado geral), vale suspeitar de generalização do processo, possível formação de lojas purulentas em outras regiões da cavidade abdominal, tromboflebite pélvica séptica e septicemia. O tratamento da peritonite generalizada há muito se baseia na laparotomia, que permite aspirar o exsudato livre a fim de reduzir a absorção tóxica. Os focos sépticos devem ser incisados pela via abdominal; a colpotomia é insuficiente, porque lojas purulentas podem surgir até no espaço subdiafragmático. Deixam-se drenos nas fossas ilíacas. Antes de se fechar a cavidade abdominal, é conveniente proceder à lavagem peritoneal com solução fisiológica e aí colocar ampicilina. Dependendo do estado geral da paciente eda precocidade da laparotomia, pode- se considerar a retirada do útero quando nele está o foco septicêmico. TROMBOFLEBITE PÉLVICA SÉPTICA É, em geral, o ponto de partida da pioemia (êmbolos sépticos), determinando abscessos renais, pulmonares e de outros órgãos. Não provoca embolia pulmonar maciça mortal. Os agentes infecciosos são geralmente os anaeróbios: peptococos, peptoestreptococos e Bacteroides. Cerca de 2/3 das pacientes apresentam febre e calafrios, e muitas também apresentam taquicardia e taquipneia. Mais de 1/5 referem dor torácica, apresentam tosse e hemoptise. Dois quadros clínicos distintos: Um menos ostensivo, com febre persistente apesar dos antibióticos, paciente ambulatorial, dor ausente ou mal localizada. Exame pélvico e abdominal: achados mínimos e vagos. O outro se refere à trombose da veia ovariana. A trombose da veia ovariana complica menos de 0,05% dos partos vaginais e até 1 a 2% dos partos cesáreos. É importante notar que a trombose da veia ovariana pós-parto afeta a veia direita em mais de 90% dos casos, à conta da dextrorrotação fisiológica do útero durante a gravidez, que leva à compressão do vaso desse lado. Discute-se atualmente a sua etiologia infecciosa. Os sinais e sintomas mais comuns são febre, dor pélvica e massa abdominal palpável. Em grande parte dos casos, a trombose da veia ovariana não é diagnosticada até que a febre que não responde aos antibióticos após 48 h faz suspeitar da afecção. O trombo pode levar a outras complicações, das quais a mais comum é a embolia pulmonar, que pode ocorrer em mais de 10% dos casos. Infarto ovariano, obstrução ureteral e até o óbito da paciente também podem ocorrer. O método hoje de eleição para o diagnóstico da trombose da veia ovariana pós-parto é a tomografia computadorizada (TC) com ou sem contraste. A ultrassonografia traz poucos subsídios; afasta apenas a possibilidade de abscessos pélvicos ou tubo- ovarianos decorrentes da infecção puerperal. O melhor tratamento para a tromboflebite pélvica séptica, inclusive o da trombose da veia ovariana, é o antibiótico em combinação com o anticoagulante. Inicia-se com a heparina de baixo peso molecular (HBPM), no caso a enoxaparina em dose terapêutica: 1 mg/kg, 12/12 h, 1 ou 1,5 mg/kg, 24/24 h, por injeção subcutânea. Após o curso inicial com a enoxaparina associa-se o anticoagulante oral varfarina (10 mg/dia), e depois suspende-se a heparina. Nesse período, o INR deve ficar entre 2,0 e 3,0. Muitos autores recomendam continuar os antibióticos por 48 a 72 h e os anticoagulantes por, no mínimo, 7 a 10 dias após a resolução da febre. Se o trombo se estender à veia renal ou à veia cava inferior, como mostrou a TC, a varfarina deve ser mantida por 3 meses. A colocação de filtro na veia cava inferior pode estar indicada em situações de embolização pulmonar, apesar da anticoagulação adequada. INR: relação entre o tempo de protrombina do doente e um valor padrão do tempo de protrombina. Módulo X – Saúde da Mulher, Sexualidade Humana e Planejamento Familiar 9 Trio Help Med – Ana Luísa Uzêda CHOQUE SEPTICÊMICO O principal responsável é a E. coli, raramente os clostrídios e os bacteroides. O prognóstico é grave, embora em pacientes obstétricas a mortalidade seja mais baixa, cerca de 20 a 25%. Precede o choque a septicemia, cujos sintomas são calafrios, elevação da temperatura a 40°C, taquicardia (120 a 140 bpm) e mau estado geral. A hipertermia torna-se contínua, com poucas oscilações, o que a diferencia dos processos supurativos localizados. Paradoxalmente, o útero pode não estar doloroso nem aumentado de volume e o corrimento loquial, ausente ou discreto. Prenunciam o choque septicêmico, além de calafrios e febre, sudorese, sede, taquicardia, obnubilação mental e hipotensão. Em certos casos, a ausência de hipertermia é a regra. Na infecção por Clostridium perfringens surgem gangrena gasosa (evidenciada pela crepitação e nas radiografias), hemólise intravascular com hemoglobinemia (soro e urina castanho-escuros), icterícia (hiperbilirrubinemia), coagulação intravascular disseminada (CID) e insuficiência renal aguda. A cultura do sangue e outras relevantes são exames obrigatórios para identificar o germe. Nos casos de infecção por Clostridium, se estiverem presentes os sinais ominosos descritos no quadro clínico, está indicada a histerectomia total com anexectomia bilateral.
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