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TROMBOSE VENOSA PROFUNDA SBCMC III - 2021.1 Cirurgia Vascular Dr. Cesar Martelli DEFINIÇÃO A trombose venosa profunda (TVP) é uma doença que se caracteriza pela formação aguda de trombos em veias profundas dos membros inferiores. EPIDEMIOLOGIA ● No Brasil há 0,6 caso por 1000 habitantes/ano. ● Nos EUA há 0,8 caso por 1000 habitantes/ano - provável que nos EUA é muito mais diagnosticado do que no Brasil. ○ 2.000.000 casos TVP/ano. ○ 600.000 casos TEP/ano. ○ 60.000 óbitos/ano. ● Após parada da anticoagulação, cerca de 40% dos paciente tem reincidência em 10 anos CLASSIFICAÇÃO ANATÔMICA DA TVP Essa classificação é importante, pois reflete na clínica do paciente: na perna (joelho para baixo) para cada artéria existem 2 veias, então se 1 veia sofre um processo trombótico, existe uma segunda veia para drenar aquele território, isso faz com que as manifestações sejam menos acentuadas. A partir da veia poplítea é somente 01 veia acompanhando a artéria, o que aumenta as manifestações clínicas e o risco de embolia pulmonar. Distal: ● Veias soleares ● Veias gastrocnêmias ● Veias tibiais anteriores. ● Veias tibiais posteriores. ● Veias fibulares. Proximal: a partir da poplítea, ou seja, do joelho para cima ● Veia cava. ● Veia ilíaca. ● Veia femoral. ● Veia poplítea. PATOGENIA Tríade de Virchow: a presença de 01 ou mais dos fatores de tríade de virchow, é determinante para a ocorrência da trombose. 1. Estase venosa (lentificação do fluxo) 2. Lesão endotelial 3. Hipercoagulabilidade PATOGENIA DA ESTASE Teoria de Sevitt: ● A formação do trombo ocorre no seio valvar venoso ● Ocorre, principalmente, devido ao turbilhonamento de sangue na região valvar, com consequente ativação dos fatores de coagulação ● Ativados os fatores de coagulação, há início da formação do trombo. Síndrome pós-trombótica ou pós-flebítica: ● No local onde ocorre a formação do trombo vai haver um processo inflamatório muito intenso. Depois que retira o trombo e a veia é recanalizada, ela fica espessada e fibrosada, ou seja, não volta à condição normal. ● Pelas alterações geradas pela trombose, a válvula venosa perde a capacidade de abertura e fechamento – nesse segmento o paciente terá uma insuficiência venosa crônica por refluxo secundário a uma trombose venosa. ○ Quanto maior o segmento trombosado e maior o número de válvulas acometidas pela trombose, maior vai ser a insuficiência venosa crônica como complicação tardia da TVP. ● O paciente evolui com sintomas de insuficiência venosa crônica: ○ Varizes ○ Edema ○ Dermatite ocre ○ Dermatofibrose ○ Úlcera de estase venosa FATORES DE RISCO Existe um grupo imenso de fatores que predispõem a ocorrência da TVP, em cada um desses fatores, existe algo da tríade de Virchow. ● Idade: maior incidência > 60 anos ● TVP prévia: 3x mais chances de ter um episódio ● Obesidade → estase venosa ● Imobilização → estase venosa ● Varizes → a tortuosidade do vaso favorece a estase venosa ● Cirurgias → além da estase venosa, ocorre alteração da coagulação e pode haver lesão endotelial direta ● Anestesias → os anestésicos (principalmente na anestesia geral) geram uma venodilatação sistêmica que altera a velocidade de retorno venoso ● Infecções → lesão endotelial ● Neoplasias → liberação de fatores de necrose tumoral (indireta) e compressão de veia pelo próprio tumor (direta) ● Quimioterapia → lesão endotelial ● Insuficiência cardíaca → estase venosa ● Gravidez e puerpério → compressão da cava inferior pelo útero no 3º trimestre, aumento do volume circulante e diminuição do sistema fibrinolítico no momento do parto ○ A gestante deve ser orientada a deitar em decúbito lateral esquerdo para descomprimir a veia cava (que fica no lado direito) ● Anticoncepcional oral → redução da atividade fibrinolítica pelo estrogênio ● Terapia de reposição hormonal ● Trombofilias → deficiência de proteínas C e/ou S, diminui a atividade fibrinolítica ● Policitemia → aumento da viscosidade sanguínea ● Lúpus → é uma colagenose, vai causar vasculite, que está associada à lesão endotelial ● Hiperhomocisteinemia → lesão do endotélio arterial e venoso ● Doenças de Behçet → doença auto-imune que cursa com vasculite e TVP migratória ● Infecção pelo SARV-COV2 → causa endotelite, cursa com trombose arterial e venosa, geralmente em pacientes com placas de ateroma prévias. TRÍADE CLÍNICA CARACTERÍSTICA ● Cianose: ocorre por retenção de CO2 e não por hipoxemia ● Edema de subcutâneo e musculatura (empastamento da panturrilha) ● Dor FLEGMASIAS São inflamações locais que determinam agravamento da TVP. Flegmasia Alba Dolens: inflamação branca e dolorosa ● Esse tipo de flegmasia é sinal de piora, pois o membro está inicialmente cianótico e passa a ficar pálido – é indicativo de vasoespasmo arterial associado. ● Geralmente acontece em tromboses proximais, quando a TVP se torna muito extensa – o trombo causou um processo inflamatório muito grande e se estendeu para a camada adventícia da veia e para a bainha vascular, chegando próxima a artéria, que faz vasoconstrição reflexa. Flegmasia Cerúlea Dolens: acometimento da totalidade do membro ● É uma trombose venosa maciça onde o membro fica praticamente sem retorno venoso – há trombose do sistema venoso profundo e superficial. ● Sem retorno venoso, o sangue arterial desce e não consegue retornar, causando trombose retrógrada do sistema arterial. ● Pode levar a perda do membro, ou morte - é a única situação em que há ameaça ao membro por trombose venosa, porque também ocorre trombose arterial. ● Ocorre mais em pacientes com trombofilia grave, mas é uma forma muito rara. DIAGNÓSTICO CLÍNICO Quadro Clínico: ● Dor !!! ● Edema unilateral do membro !!! ● Eritema ● Febre ou mal-estar sem outra causa Exame Físico: ● Cianose de membro ● Edema subcutâneo ● Edema muscular ● Dor à palpação ● Provas/Sinais: ○ Sinal de Pratt: surgimento de uma rede venosa colateral pré-tibial em um paciente que não tem varizes, isso porque o sangue está se desviando do sistema venoso profundo para o superficial ○ Sinal de Homens: dor à flexão dorsal passiva do pé, porque a flexão faz um estiramento dos vasos. ○ Sinal da Bandeira: sinal da bandeira negativo, é positivo para TVP e vice-versa !!! ■ O paciente fica com a perna semi-fletida, o examinador faz um balanço da musculatura da panturrilha. ■ Se balançar, sinal da bandeira positivo, indica que a panturrilha está livre, sem edema. ■ Se não balançar, sinal da bandeira negativo, indica que a panturrilha está edemaciada, empastada, fala a favor de TVP. DIAGNÓSTICO COMPLEMENTAR Os exames complementares são extremamente necessários para o diagnóstico, mas na ausência de disponibilidade, o paciente pode ser submetido ao tratamento mesmo sem confirmação da lesão (somente levando em consideração o diagnóstico clínico) Mapeamento Duplex: ● É, na verdade, um US doppler ● É o exame de escolha na rotina: indolor, não invasivo, baixo custo ● Altamente sensível e específico, o problema é que examinador-dependente Tomografia Computadorizada: ● É um bom exame para verificar trombose proximal (veias de grande e médio calibre) ● Para veias abaixo do joelho não é bom, porque dá muito resultado falso positivo Flebografia: ● Exame padrão-ouro para diagnóstico de TVP, porém está em desuso por tratar-se de um método invasivo e contrastado. ● É feita uma punção venosa da veia superficial do pé - dorsal do hálux - com injeção de contraste (flebografia ascendente). ○ Se a punção é na veia femoral e o contraste é injetado contra o fluxo, trata-se de uma flebografia descendente e o objetivo é o diagnóstico de insuficiência venosa. ● Fica reservado para os casos em que o US Doppler deixa dúvidas ou quando há necessidade de estudo de alguma patologia associada (malformação venosa, fístulas…). Pletismografia: ● Não é usado na prática clínica ● Uso somente em trabalhos científicos Teste Sanguíneo - D dímero: ● É o único exame de sangue que auxilia no diagnóstico de TVP ● O dímero D é um produto da degradação da fibrina - se tem trombo, tem fibrina, entãopode estar aumentado na trombose. ● Com relação ao resultado: ○ Ausência de dímero D → exclui a hipótese de trombose ○ Presença de dímero D → pode ser trombose, seguir com investigação. ■ Também se eleva em doenças hepáticas e neoplasias, por exemplo. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS A diferenciação se dá pelo US Doppler - vai mostrar a veia poplítea pérvia, além de ser possível visualizar, as roturas. ● Celulite ou erisipela: são doenças infecciosas, o paciente vai apresentar dor, calor, rubor, edema, além de febre, adenomegalia, vômito, etc. ● Rotura muscular: pode ser confundida com TVP a depender do local que ocorre, porém pode ser diferenciada pois a ruptura vai causar uma equimose da pele - é caracterizada por dor súbita e bastante intensa. ● Rotura de cisto de Backer: é um cisto sinovial da articulação do joelho que pode crescer a ponto de comprimir a veia poplítea; além disso, pode se romper, liberando líquido sinovial entre a fáscia e a musculatura da perna, simulando uma TVP - é um diagnóstico diferencial importante, difícil de distinguir da TVP ● Edema de MMII: geralmente sugere uma doença sistêmica, só ocorre na trombose quando o trombo está localizado na veia cava inferior. ● Miosite: é uma inflamação muscular, portanto, curso com edema de membro e dor, porém é um edema menor e não há cianose. TRATAMENTO Objetivos: ● Prevenir a progressão do trombo ● Prevenir a ocorrência de TEP ● Aliviar a estase venosa ● Prevenir a síndrome pós-flebítica Medidas Gerais: ● Posição de Trendelemburg: a elevação do membro inferior melhora o retorno venoso e diminui a estase sanguínea ● Analgesia: analgésicos simples (dipirona/paracetamol) - os opióides são raramente necessários, somente quando a dor do paciente é muito intensa ● Meia elástica de compressão: somente na fase crônica - não é utilizada na fase aguda, porque aumenta a dor do paciente, já que aumenta a pressão do sistema venoso. ● Venotônicos: melhora o retorno venoso ● É contraindicado o uso de antiinflamatórios, pois eles interagem com os anticoagulantes, potencializando a ação destes, o que aumenta o risco de hemorragias. Tratamento Medicamentoso - Anticoagulação: ● Anticoagulantes: antagonistas da Vit. K, heparinas e NOACS ● Duração: ○ TVP proximal: pelo menos 6 meses ○ TVP distal: pelo menos 3 meses ○ Se doenças associadas: enquanto persistir a patologia ● O anticoagulante só pode ser retirado quando o US Doppler evidenciar que a veia está recanalizada, neste momento, suspendemos a anticoagulação e vamos tratar a insuficiência venosa. Tratamento Cirúrgico: ● O tratamento da TVP é preferencialmente clínico, porém em alguns casos, é necessário que se parte para a intervenção cirúrgica, são exceções. ● Trombectomia Venosa: HEPARINAS Mecanismo de Ação: as heparinas se ligam à antitrombina III e tem ação imediata → dado o diagnóstico de TVP, inicia-se a heparinização para garantir a anticoagulação. Heparina de Baixo Peso Molecular X Não Fracionada: ● HNF: além da antitrombina III, também atua inibindo o fator IIa. ○ 1. 80 UI/kg - bolus ○ 2. Dose de manutenção: 18 UI/kg/hora EV - bomba de infusão contínua (BIC) ○ Se não puder ser feita adm EV, faz via SC 6/6h ou 8/8h ● HBPM: além da antitrombina III, também atua inibindo o fator Xa. ○ Dose de 1 a 2 mg/kg, 24/24h ou 12/12h, via SC ○ Ex: Clexane ® (Enoxaparina) Controle da Anticoagulação: ● Necessário no uso da HNF, é feito através do TTPA ● A HBPM não altera o TTPA ● O ideal é que a coleta seja realizada em 6h após a administração da HNF ● Feita a correção da dose, pode-se introduzir um anticoagulante oral ● Com relação ao resultado do TTPA: ○ O ideal é que esteja de 1,5 a 2x acima do normal, sendo o normal = 33 seg. ○ Se TTPA < 1,5x → aumentar a dose ○ Se TTPA > 2x → diminui a fose Complicações pelo uso das Heparinas: ● Hemorragias (0-13%) ○ Antídoto: Cloridrato de Protamina → 1mg neutraliza 100 unidades de heparina, 1mL neutraliza 1000 unidades. Também é necessário suspender o uso da heparina. ● Reações alérgicas ● Trombocitopenia (sempre solicitar coagulograma antes e durante o tratamento) ● Osteoporose. ● Alopécia. ● Febre. ● Queimação nos pés. ● Elevação das transaminases. ANTAGONISTAS DA VITAMINA K - ADM. VO Mecanismo de Ação: inibem a formação dos fatores de coagulação vitamina K-dependentes (II, VII, IX e X) e o início de ação é entre 24 a 36 horas – por isso não deve iniciar o tratamento de TVP só com anticoagulante oral, deve-se associar com a heparina porque ela tem efeito imediato. ● O AVK pode ser iniciado no mesmo dia que a Heparina, porém esta deve ser administrada primeiro: ○ HNF: iniciar AVK somente se TTPA entre 1,5 e 2x ○ HBPM: iniciar AVK após 12h da 1ª dose Controle da Anticoagulação: ● É feito através do Tempo de Atividade de Protrombina (TAP/TP) e do INR. ● Deve-se manter as heparinas de 5 a 7 dias em média, porque é o tempo que demora para acertar o INR da varfarina. ○ Não deve pedir o INR no primeiro dia que administra a varfarina, porque ela demora até 36h para fazer efeito. ● Resultados: ○ TP (tempo de protrombina): 2 a 3x acima do normal, sendo normal = 11 seg. ○ INR (razão normatizada internacional): entre 2 e 3x ■ Quanto maior o valor do INR, maior é a anticoagulação do paciente. ■ Abaixo de 2 deve-se aumentar a dose da Varfarina - padrão: 5mg/d) ● Se o INR ficar entre 2 e 3 por dois dias consecutivos: pode suspender a heparina, manter somente anticoagulante oral e dar alta para o paciente. NOVOS ANTICOAGULANTES ORAIS (NOACs) São classificados em 02 grupos: inibidores diretos da trombina (Dabigatrana) e inibidores do fator Xa (Apixabana, Edoxabana, Rivaroxabana e Fondaparinux). ● Dabigatrana: ○ Inibe a trombina livre, a trombina ligada à fibrina e a agregação de plaquetas induzida pela trombina. ○ Usa 5 dias de HBPM, no sexto dia TROCA pela dabigatrana e usa só a dabigatrana VO 150mg 12/12h. ○ Antídoto: Idarucizumabe ● Rivaroxabana: ○ É o principal fármaco do grupo de NOACs inibidores do fator Xa ○ Age inibindo a ação do fator de coagulação Xa. ○ Pode ser introduzida ISOLADAMENTE sem utilizar a heparina antes, inclusive no casos de TVP proximal ● Fondaparinux: ○ Inibidor sintético e específico do fator X ativado (Xa). ○ Administração por via subcutânea ○ Geralmente usa quando o paciente é intolerante à heparina. Vantagens dos NOACs: ● São mais seguros quando comparados à varfarina, pois possuem um menor risco de sangramentos. ● A posologia é melhor também. Desvantagens: ● São muito mais caros. ● Não tem controle laboratorial porque não alteram TAP e TTPA. ● Até pouco tempo atrás não tinha antídoto, revertia com plasma fresco congelado ou protrombínico – a dabigatrana lançou em 2018 um antídoto para ela. TRATAMENTO CIRÚRGICO O tratamento da TVP, no geral, deve ser clínico (medicamentoso), ao contrário da trombose arterial que é sempre cirúrgico, mas existem algumas exceções: Trombectomia Venosa: ● É um procedimento indicado apenas na flegmasia cerúlea dolens ● Passa o cateter de Fogarty (cateter balão) através de dissecção da veia (venotomia), faz a retirada mecânica do trombo e depois a venorrafia. ● Não é um procedimento recomendado para todos os pacientes porque ocorre lesão do endotélio venoso que é um dos componentes da Tríade de Virchow - o paciente vai evoluir com insuficiência venosa naquele segmento e pode ter uma retrombose. Tratamento Endovascular (Profilaxia de TEP): ● É a passagem de filtros de veia cava através de uma punção percutânea venosa ● A punção é feita pela veia femoral ou pela jugular externa, ao chegar na posição desejada o filtro se abre – se vier um trombo ele fica retido no filtro. ○ O filtro de veia cava mais utilizado é Greenfield. ● É um procedimento que não trata a trombose venosa, apenas impede que se complicaque com embolia pulmonar. ● Indicações: ○ Pacientes que não podem ser anticoagulados, ou seja, pacientes que já estão sangrando (ex.: hematúria, hemorragia digestiva baixa, epistaxe). ○ Pós-operatório recente (até 15 dias) de cirurgias de grande porte (ex.: neurocirurgia,cirurgia cardíaca). ○ Pacientes que não respondem ao tratamento clínico: paciente anticoagulado, com INR entre 2 e 3 e mesmo assim faz embolia pulmonar. TVP NA GESTAÇÃO ● Tratamento exclusivamente com Heparina - via subcutânea ○ Uso ambulatorial ○ Suspender 24h antes do parto ● Contraindicado AVK e NOACS - atravessam a barreira placentária
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