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Direito Penal A teoria dos frutos da árvore envenenada A teoria dos fruits of the poisonous tree, ou teoria dos frutos da árvore envenenada, cuja origem é atribuída à jurisprudência norte-americana, nada mais é que uma simples consequência lógica da aplicação do princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas. Se os agentes produtores da prova ilícita pudessem dela se valer para a obtenção de novas provas, cuja existência somente se teria chegado a partir daquela (ilícita), a ilicitude da conduta seria facilmente contornável. Bastaria a observância da forma prevista em lei, na segunda operação, isto é, na busca das provas obtidas por meio das informações extraídas pela via da ilicitude, para que se legalizasse a ilicitude da primeira (operação). Assim, a teoria da ilicitude por derivação é uma imposição da aplicação do princípio da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente. O Supremo Tribunal Federal, em mais de uma ocasião, teve oportunidade de reconhecer a pertinência dos fruits of the poisonous tree, conforme se vê no julgamento do HC nº 74.116/SP, DJU 14.3.1997, e HC nº 76.641/SP, DJU 5.2.1999. A partir da Lei nº 11.690/08, que alterou diversos dispositivos do CPP, a teoria dos frutos da árvore envenenada passa a integrar a ordem processual penal brasileira de modo expresso. Diz o art. 157, § 1º: “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”. 1 Impõe-se, porém, observar que, no plano prático, algumas dificuldades poderão surgir, sobretudo em razão de não se apresentar tão simples assim a definição de derivação. A dificuldade a que ora nos referimos em relação à definição da palavra derivação não é, evidentemente, de origem semântica. Ela se fará presente na identificação concreta de se tratar de prova efetivamente derivada da ilícita. Busca-se, então, o significado do apontado “nexo de causalidade da prova”. Em primeiro lugar, pode ocorrer que a prova posteriormente obtida já estivesse, desde o início, ao alcance das diligências mais frequentemente realizadas pelos agentes da persecução penal. Pode ocorrer, de fato, que seja possível concluir que o conhecimento da existência de tais provas se daria sem o auxílio da informação ilicitamente obtida. Aí, ao que se vê, a hipótese seria da aplicação da “fonte independente”, isto é, de meio de prova sem qualquer relação fática com aquela ilicitamente obtida. Note-se que a Lei nº 11.690/08 comete um equívoco técnico. No art. 157, § 2º, ao pretender definir o significado de “fonte independente” , afirmou tratar-se daquela que “por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova” . A nosso aviso, essa é a definição de outra hipótese de aproveitamento da prova, qual seja, a teoria da descoberta inevitável, muito utilizada no direito estadunidense. Na descoberta inevitável admite-se a prova, ainda que presente eventual relação de causalidade ou de dependência entre as provas (a ilícita e a descoberta), exatamente em razão de se tratar de meios de prova rotineiramente adotados em determinadas investigações. Com isso, evita-se a contaminação da totalidade das provas que sejam subsequentes à ilícita. 2 Exemplo: ainda que ilícito o ingresso da autoridade policial em determinada residência, a eventual descoberta de um cadáver no local não impedirá que se inicie investigação acerca de homicídio (se houver elementos nesse sentido), devendo-se adotar os meios de prova que rotineiramente são utilizados na investigação de crimes dessa natureza. Já a teoria da fonte independente baseia-se precisamente na ausência fática de relação de causalidade ou de dependência lógica ou temporal (produção da prova posteriormente à ilícita). Fonte de prova independente é apenas isso: prova não relacionada com os fatos que geraram a produção da prova contaminada. Nada mais. Exemplo: autoridade policial, ao avistar, no trânsito, veículo de prima linea, conduzido por determinada pessoa, desconfiou tratar-se de furto, unicamente em razão da cor (negra) do motorista. Note-se que, embora a apreensão do veículo nessas circunstâncias nos pareça fruto de conduta discriminatória por parte de agente do Estado, a macular de ilicitude a diligência, nada impediria que eventuais testemunhas que presenciaram o furto na residência do proprietário do veículo fossem ouvidas e comprovem a autoria. A apreensão nada teria a ver com o fato testemunhado (fonte independente, pois). Como se observa, há muito a ser discutido. Mas, desde já, deixamos assentado: ainda que ilícita a prova, não vemos razão alguma para se determinar o trancamento do inquérito. E isso porque nem toda atividade investigatória subsequente estaria contaminada, como demonstramos. A prevalecer tal extensão para o conceito dos frutos da árvore envenenada, com desconsideração completa à teoria da descoberta inevitável, a ilicitude da prova, mais que uma violação à 3 intimidade dos interessados, revelar-se-ia cláusula de permanente imunidade em relação ao fato. Com isso, nem sempre que estivermos diante de uma prova obtida ilicitamente teremos como consequência a inadmissibilidade de todas aquelas outras provas a ela subsequentes. Será preciso, no exame cuidadoso de cada situação concreta, avaliar a eventual derivação da ilicitude. Com efeito, interpretada em termos absolutos, alguns delitos jamais poderiam ser apurados, se a informação inicial de sua existência resultasse de uma prova obtida ilicitamente (por exemplo, escuta telefônica), antes, portanto, da instauração de qualquer procedimento investigatório. Pode-se objetar: esse é um problema do Estado, que foi o responsável pela violação de direitos na busca de provas. Ocorre, todavia, que, prevalecendo esse entendimento, ou seja, no sentido de que todas as provas que forem obtidas a partir da notícia (derivada de prova ilícita) da existência de um crime são também ilícitas, será muito mais fácil ao agente do crime furtar-se à ação da persecução penal. Bastará ele mesmo produzir uma situação de ilicitude na obtenção da prova de seu crime, com violação a seu domicílio, por exemplo, para trancar todas e quaisquer iniciativas que tenham por objeto a apuração daquele delito então noticiado. Nesse sentido, Gilmar Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco ( Curso de direito constitucional. São Paulo/Brasília: Saraiva – IDP, 2007, p. 605). Impõe-se, portanto, para uma adequada tutela também dos direitos individuais que são atingidos pelas ações criminosas, a adoção de critérios orientados por uma ponderação de cada interesse envolvido no caso concreto, para se saber se toda a atuação estatal investigatória estaria contaminada, sempre, por determinada prova ilícita. Pode-se e deve-se recorrer, ainda mais uma vez, ao critério da proporcionalidade, que, ao fim e ao cabo, admite um juízo de adequabilidade da norma de direito ao caso concreto. 4 Nesse quadro, a atual redação do art. 157, § 1º e § 2º, CPP, embora proveitosa, ao se referir expressamente a duas situações nas quais seria possível vislumbrar a não contaminação da prova ilícita, ao tempo em que buscava definir o âmbito da contaminação, não parece suficiente para resolver todas as questões teóricas e práticas envolvidas, a partir da necessidade de identificação do real significado e extensão do chamado “nexo de causalidade” na derivação da ilicitude. Curso de Processo Penal - 21ª Ed. 2017 (Eugênio Pacelli de Oliveira) 5
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