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O que é a comunicação? Introdução Nesta lição, veremos como a comunicação é fundamental para a existência da civilização e mesmo para o sentido de humanidade, entendendo seu surgimento e desenvolvimento ao longo da história. Vamos apresentar um esquema geral do processo de comunicação, válido para diversas áreas de conhecimento e para diferentes tipos de trabalho, e a partir dele iremos estudar as diferentes formas pelas quais os seres humanos podem se comunicar. Ao final desta aula, você será capaz de: reconhecer processos de comunicação no dia-a-dia identificar os elementos que formam um processo de comunicação classificar os diferentes tipos de comunicação Comunicação e civilização O que diferencia o ser humano de outros animais? Polegares opositores, cérebro mais desenvolvido? O senso artístico, a religião? Mesmo que o debate seja antigo, ele está longe de ver uma resolução definitiva. Embora seja uma capacidade encontrada em várias espécies animais, a comunicação entre a espécie humana adquiriu ao longo da história um nível de complexidade não equiparável ao de nenhum outro ser vivo conhecido. Há quem diferencie o ser humano por meios de práticas como a religião e as belas artes, por exemplo. Mesmo assim, não se pode negar que essas práticas dependem da existência da comunicação. As grandes religiões, por exemplo, estão todas fundamentadas em textos, no uso da palavra e de símbolos para comunicar o sentido de uma vida superior. A comunicação é a possibilidade de que ideias sejam compartilhadas entre duas ou mais pessoas. A própria etimologia da palavra “comunicação” (do latim communicare, que significa partilhar, dividir) já dá a noção de que ela trata de um acontecimento social. Não existe comunicação se não houver ao menos duas pessoas. Sem comunicação, o ser humano seria condenado à prisão individual do seu ser e a civilização não seria possível. O desenvolvimento de uma linguagem em comum foi essencial para o desenvolvimento da civilização. Sem linguagem, não há como preservar o conhecimento, não há como compartilhar a observação da natureza e transmiti- la às futuras gerações. Se pensarmos no dia-a-dia de qualquer pessoa que viva em sociedade, veremos que essa pessoa está sempre sendo envolvida de alguma maneira em um processo de comunicação. Ela acorda e pode receber um “bom dia”, ler o jornal, escutar o rádio, falar com o vizinho. Ela escolhe a roupa de acordo com a situação que vai vivenciar no dia: a roupa de trabalho é uma, a de festa é outra. Chega ao trabalho e pelo olhar do chefe já sabe se o dia vai ser puxado ou não. Ouve o sino da igreja e, dependendo do número de badaladas, sabe qual é o horário. Se ouve uma sirene, sabe que algo grave acontece: pode ser a polícia, um acidente, um incêndio. Todos esses exemplos são formas de comunicação, cada uma delas com características diferentes das outras. Quanto mais se desenvolve uma civilização, mais complexos se tornam os processos de comunicação. A linguística, a ciência que estuda a linguagem humana, e a semiótica, a ciência geral dos símbolos, são duas áreas de conhecimento que dividem espaço com a comunicação. Ao estudar a linguagem humana em profundidade, a linguística fez descobertas surpreendentes, como, por exemplo, afirmar que o pensamento humano só existe por causa da linguagem. Você já tentou pensar em alguma coisa que não fosse com palavras? O surgimento e a evolução da linguagem escrita Os códigos linguísticos, regidos por um sistema estável de regras, ou seja, uma gramática, têm papel preponderante na história da humanidade – e por isso compõem um campo de estudo independente. Os primeiros códigos nasceram como linguagens orais. Uma característica distintiva dessas linguagens é justamente o canal pelo qual as mensagens são emitidas: através de sons produzidos pela vibração das cordas vocais humanas. Outros animais possuem sistemas de comunicação mais ou menos rudimentares, a maioria deles baseados em conjuntos de sons. A diferença desses sistemas para os dos humanos foi a complexidade com que se desenvolveram. Os dos outros animais são essencialmente instintivos, enquanto que os dos humanos, dada a maior capacidade intelectual da espécie, era aprimorado a cada geração, com uma crescente complexidade de regras que permitiam gradativamente uma comunicação com mais precisão e abstração – capacidade de imaginar conceitos fora da realidade material. Milhares de anos depois do surgimento das primeiras linguagens orais humanas, o aparecimento da agricultura impactou diretamente nas comunicações. Com mais tempo livre em virtude do excedente de alimentos, começou-se a desenvolver o código escrito: símbolos visuais associados primeiramente a ideias gerais e depois aos próprios sons (escritas fonéticas). O que parece ser uma simples mudança do canal de comunicação, do oral para o escrito, representou um dos processos mais importantes da história da humanidade. A linguagem escrita permitiu uma incrível expansão do tempo e do espaço em que as comunicações poderiam acontecer. Se antes uma mensagem só podia ser endereçada a um receptor instantaneamente e no espaço que a voz humana alcançasse, com a escrita tudo isso mudou. Cartas e pergaminhos viajaram continentes. Inscrições em monumentos milenares levaram a mensagem de antigos povos para toda a humanidade. Figura 1 - Códigos linguísticos milenares Fonte: Shutterstock Desde a invenção da escrita – que se deu aproximadamente 5 mil anos antes de Cristo em diferentes civilizações – até o final da Idade Média, as comunicações não haviam sofrido tamanha revolução como a que se iniciou no Renascimento europeu. A imprensa foi inventada por chineses, mas foram os europeus que a puseram para trabalhar. A possibilidade da produção de textos e livros em uma escala sem precedentes representou uma mudança profunda na história. Por exemplo, as reformas religiosas na Europa só puderam se expandir com o aumento da impressão de Bíblias. Antes, a leitura e interpretação dos textos sagrados eram exclusivas da Igreja Católica. Até o século XX, a escrita teve um poder incontestável. No entanto, o aparecimento de novas tecnologias, como o telefone, o rádio e a televisão, reintroduziram as comunicações orais – agora propagadas para grandes massas de receptores – na ordem mundial. A escrita perdeu a hegemonia como comunicação dos círculos de poder. Desde o começo do século XXI, o conjunto de inventos e descobertas que, no século anterior, levaram ao surgimento da internet vem alimentando uma nova fase no processo de revolução das comunicações. Essa nova fase é marcada pela possibilidade de uma infinidade de linguagens e códigos coexistirem no ambiente da internet, sem que haja uma hierarquia definida. O processo de comunicação Vimos que as comunicações são tão antigas que sua origem não pode ser separada da própria origem das civilizações humanas. Foi somente no século XX, no entanto, que a comunicação passou a se consolidar como uma área científica própria. Desde então, um modelo universal para explicar as comunicações passou a ser amplamente utilizado. Figura 2 - Diagrama geral do processo de comunicação Fonte: Elaborado por André Ribeiro Vicente Esse modelo originou-se na área da teoria da informação, cujos principais objetos de estudo na segunda metade do século XX foram os sistemas de informática. A preocupação desse modelo era pensar sistemas de comunicação físicos, garantido a qualidade do sinal e das informações transmitidas. A comunicação é, portanto, um processoque pressupõe a existência de um emissor, ou remetente, que é a pessoa ou grupo de pessoas que produz a mensagem; um receptor ou destinatário, que é a pessoa ou grupo de pessoas que recebe a mensagem; a mensagempropriamente dita, que contém as informações transmitidas; um canal de comunicação ou de contato, que é o meio usado para a transmissão da mensagem; um código, que, no caso de uma mensagem escrita, é a língua; além da língua, outros códigos poderão ser usados, tais como cores, formas, sinais, entre outros, sendo importante salientar que, para a comunicação se estabelecer com eficiência, o emissor e o receptor devem utilizar o mesmo código; o contexto ou referente, que é a situação ou objeto a que a mensagem se refere; já quanto aos ruídosexistentes, são interferências externas que prejudicam em qualquer ponto o bom andamento do processo. Acontece, no entanto, de o emissor e o receptor, no processo de comunicação, não dominarem o mesmo código. A mesma pessoa que costuma usar as cores do seu time no Brasil, quando em outro país, pode sem querer comunicar uma mensagem diferente usando as mesmas cores. Isso acontece porque os códigos culturais são diferentes. Um determinado gesto que em dada sociedade é visto como amigável, em outra sociedade pode ser considerado ofensivo. Percebe-se, portanto, que o domínio do código é um pré-requisito para o processo de comunicação. Os códigos são as chaves, portanto, que abrem universos culturais específicos. Para um viajante realmente entender a sociedade basca, na Espanha, seria necessário conhecer o euskera, a língua local. Da mesma maneira, para poder modificar um determinado software, um programador precisa conhecer o código-fonte. Em uma das cenas do clássico filme O Poderoso Chefão, a família Corleone infiltra um de seus homens de confiança, Luca Brasi, na família rival para descobrir o que eles tramam. As duas famílias entram em guerra aberta, e os membros da família Corleone querem saber onde está Luca Brasi, quando então recebem um embrulho com um peixe morto. Só quem conhece os códigos da máfia siciliana sabe o que o peixe significa: que Luca Brasi foi descoberto como um espião e assassinado. Formas de comunicação As formas de comunicação são as mais variadas possíveis. Uma maneira de classificá-las é analisar os seus elementos constituintes e agrupá-los pelas semelhanças, pelo tipo de emissor, pelo tipo de receptor. Mas os processos de comunicação se diferenciam principalmente pelos códigos e canais que utilizam e pelas mensagens que permitem transmitir. Por exemplo, quando falamos em oralidade e escrita, estamos tratando de dois códigos linguísticos parecidos, ainda que não idênticos. A principal diferença entre eles é o canal que utilizam, fato que acaba conferindo às mensagens materialidade diferente. Palavras são vibrações sonoras. Tão rápido quanto se propagam, também desaparecem, não deixando provas da sua existência. A escrita, por sua vez, não consegue a mesma propagação – por outro lado, possui uma materialidade que permite que suas mensagens perdurem por muitos anos. Outro código linguístico é o sistema de libras, que utiliza como canal de comunicação os gestos. Existe ainda uma infinidade de formas de comunicação não linguísticas, isto é, que não utilizam palavras. Um programador de computador usa determinada linguagem de programação para criar sistemas lógicos (ou softwares) que processam informações. Trata-se de uma forma de comunicação bastante específica e importante para os dias de hoje. O programa de computador é a maneira pela qual o programador comunica um sistema de ideias de processamento de dados. Vale ressaltar que os computadores nunca são os destinatários finais de qualquer comunicação. Eles podem ser canal, codificador, decodificador, mas uma mensagem humana tem sempre outro ser humano como destinatário final. O vestuário é outra forma de comunicação bastante importante nas sociedades humanas. As roupas há muito deixaram de ser apenas tecidos para proteger o corpo das intempéries do clima. Elas são uma importante forma de comunicar qual o grupo social com que uma pessoa se identifica. O mundo do trabalho é pródigo em criar sistemas de comunicação. O trânsito no mundo inteiro, por exemplo, é orientado por sinais mais ou menos universais, como acontece com a navegação de navios e aviões, todos organizados por uma infinidade de códigos e sistemas específicos. Música, literatura, pintura, escultura, dança, teatro e cinema são considerados formas artísticas de expressão. Ainda que muito próximas da comunicação, o grande objetivo delas é retratar sentimentos, impressões subjetivas e pessoais, construir o belo. Não há a obrigação de seguir regras ou códigos para que a mensagem seja clara e compreensível, como se exigiria das formas de comunicação em si. Por exemplo: um aviso de como se deve realizar o despacho de um dado produto frágil tem que ser comunicado com um diagrama claro e organizado, não através de uma tela abstracionista. Fechamento Chegamos ao final desta lição! Aprendemos como a comunicação mudou e ainda muda a história e a vida dos seres humanos. O modelo de comunicação visto aqui – de emissor, canal, código, mensagem e receptor – será utilizado em vários momentos da disciplina. Começamos a ver, ainda, que o código linguístico tem um papel preponderante nas comunicações entre as pessoas. Nesta aula, você teve a oportunidade de: entender o desenvolvimento da comunicação ao longo da história humana identificar os elementos necessários para que se efetue a comunicação diferenciar tipos de comunicação a partir de características específicas Referências ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da língua portuguesa. 40 ed. São Paulo: Saraiva, 1995. BRASIL. Presidência da República. Manual de redação da presidência da república. 2 ed. rev. e atual. Brasília: Presidência da República, 2002. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 8 ed. São Paulo: Ática, 1997. DUBOIS, Jean et al. Dicionário de linguística. Trad. Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1998. FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristóvão. Prática de texto: língua portuguesa para nossos estudantes. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1992. FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Trad. Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Moraes. 3 ed. Rio de Janeiro: Nau, 2002. OLIVEIRA, Luciene de Lima. A arte retórica aristotélica: um legado clássico até os dias atuais. In: Revista Gaia, n. 7, p. 69-84, Rio de Janeiro, 2010. PAES, José Paulo. Poesias Completas. Apresentação Rodrigo Naves. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. PARKER, Frank. Linguistics for non-linguists. Austin: Pro-ed, 1986. SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Trad. Pedro Süssekind. Porto Alegre: L&M Pocket, 2009. TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. 2º Ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1970. WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo: Martins Fontes, 2008. O que as pessoas falam e não dizem Introdução Nesta lição, veremos como os textos transmitem ideias que muitas vezes nem percebemos. Veremos também o que são discursos e como podemos extrair mais informações de um texto indo além de uma simples leitura literal. Ao final desta aula, você será capaz de: classificar as comunicações em relação ao contexto em que elas ocorrem identificar as diferentes formas de discurso empregar a mensagem conforme o contexto e os destinatários DiscursosUma área de interação entre estudos da comunicação e de outras áreas de conhecimento, como a linguística, a sociologia, a política, é o estudo dos discursos. Diferentemente do que está no senso comum, o discurso que se estuda aqui vai além do simples ato de falar para uma grande plateia. Discurso social é o conjunto de ideias e valores comunicados pelos diferentes grupos sociais de maneira mais ou menos uniforme. Partes desses discursos sociais vão estar presentes, em menor ou maior escala, nos discursos dos indivíduos (FOUCAULT, 2002). O mais interessante do estudo do discurso é perceber que as pessoas comunicam muito mais informações sobre elas mesmas do que elas acreditam que estão fazendo. A dificuldade no estudo do discurso, por outro lado, está no fato de que boa parte das mensagens discursivas estão implícitas e não explícitas. O explícito é aquilo que podemos ver, ouvir diretamente, enquanto o implícito é aquilo que exige uma reflexão e uma análise para entendermos. A importância do contexto na análise de um discurso O modelo de comunicação ajuda-nos a entender como decifrar discursos. Sabemos que todo processo de comunicação sempre tem, obrigatoriamente, um emissor, uma mensagem e um destinatário. Muitas vezes acontece de, numa análise de discurso, confundirmos quem são os elementos. Ao analisar um discurso precisamos pensar não somente nas palavras escritas, mas no contexto em que elas são proferidas e a quem elas podem interessar. Figura 1 - Entender o contexto é essencial na análise de um discurso Fonte: Shutterstock O contexto de que falamos é o conjunto de circunstâncias econômicas, sociais, políticas e culturais que cercam o emissor e o receptor. Um segundo elemento necessário para a análise do discurso é a noção de que não existem discursos neutros. Essa, inclusive, é uma noção das ciências sociais, para as quais toda ação social sempre tem um objetivo. O processo de comunicação, como uma ação social, sempre tem interesses envolvidos (WOLF, 2008). A França do século XX foi o berço do estruturalismo, uma corrente de pensamento que influenciou estudos em diversas áreas, como sociologia, comunicação, linguística, psicologia e até mesmo economia. O estruturalismo entende que toda a realidade humana é um conjunto interligado de símbolos. Para se entender qualquer símbolo humano, sempre é importante conhecer o contexto em que tal símbolo foi produzido. Um crucifixo pode significar nada para uma tribo aborígine no interior da Austrália – somente dois gravetos justapostos. Tal concepção é especialmente importante quando trabalha-se a logística integrada à área de marketing: certos produtos e serviços possuem um componente simbólico fortíssimo, e a entrega deles para o consumidor deve preservar essas características simbólicas. Hoje em dia, o aumento do escopo de atuação da logística faz com que ela passe a gerenciar muitos processos, que podem ser melhor entendidos pelo modelo de comunicação visto anteriormente. Um importador de vinho francês ou um exportador de cachaça brasileiro, por exemplo, devem ter bastante clara essa noção (WOLF, 2008). Assim, diante de alguém falando ou de um texto escrito, devemos sempre nos perguntar quais são os interesses da pessoa que fala ou escreve; que mensagens são transmitidas pelas escolhas das palavras, pelos gestos, pelas expressões, pelo vestuário; qual é o contexto da fala ou da escrita; e, por fim, a quem realmente a mensagem se destina. Analisando um discurso, pode acontecer de percebermos que a mensagem que ouvimos não é destinada a nós. Nesse caso, pode ter acontecido uma falha no processo de comunicação, e o canal de distribuição da mensagem errou o destinatário. É um e-mail que recebemos por engano ou a conversa alheia que ouvimos em um ônibus lotado – o ar, sendo o canal da conversa, propaga a mensagem indistintamente dentro do veículo. Uma segunda hipótese é a de que sejamos nós o próprio canal de distribuição da mensagem. Quem tem um amigo fofoqueiro sabe muito bem que confidenciar um segredo a ele pode ser a melhor maneira de iniciar um processo de comunicação de massa. A mensagem, nesse caso, foi mediada pelo fofoqueiro. Assim, a fofoca poderá ser relatada fazendo-se uso de diferentes tipos de discurso: direto, indireto ou indireto livre. O discurso direto é aquele em que as falas dos personagens são fielmente reproduzidas e separadas por indicações gráficas, como vírgulas, aspas ou travessões. Imaginem o seguinte diálogo entre Simone e sua amiga Valéria. Simone quer ir ao bailão porque acredita que Ricardo estará lá. – Amiga, o que você vai fazer sábado? – Não sei. Ficar em casa, eu acho. – Não vai não. Você vai comigo no bailão! – Ah, não! Aquele lugar é muito caidão. – Ai, vamos, amiga. Por favor, vai? – Ai! Garanto que você quer ir lá só porque o Ricardo vai também, não é? – E eu fiquei sabendo que ele terminou com aquela feiosa. Um gato daqueles precisa de uma gata à altura do lado! Esse foi um exemplo de discurso direto. O mesmo texto poderia ser reproduzido pelo discurso indireto. Veja a seguir: Com segundas intenções, Simone perguntou o que Valéria faria no sábado, já sabendo que a amiga não poderia recusar em acompanhá-la no bailão. Valéria não gostava do local, mas sabia que Simone estava caída de amores por um garoto do bairro, Ricardo. Simone inteirou a amiga da novidade. Contou que Ricardo havia terminado o relacionamento com a namorada e que aquela podia ser uma oportunidade para ela se aproximar dele. Já o discurso indireto livre é aquele em que os pensamentos do narrador e dos personagens se misturam. A grande vantagem é a de oferecer dinamismo ao texto. É bastante comum nos textos literários, mas pouco recomendado para escritas mais formais, principalmente de trabalho, já que pode gerar alguma confusão sobre quem pensa o quê. Veja a seguir: Simone praticamente intimou Valéria para ir ao bailão no sábado. Aquele lugar era caidão, mas Valéria sabia que o real interesse de Simone era Ricardo, que deveria estar presente. Simone confirmou contando a novidade: Ricardo terminara com a feiosa. Pudera: um gato daqueles precisa de uma gata à altura do lado. Interpretação de texto Continuando a noção de análise do discurso, entramos no que pode ser considerado um de seus capítulos mais importantes: a interpretação de texto. Os mesmos elementos da análise de qualquer discurso social podem e devem ser utilizados na interpretação de textos. Aqui, no entanto, uma técnica pode ser utilizada para facilitar o trabalho. Trata-se de dividir qualquer interpretação em três níveis: o textual, o intertextual e o paratextual. Figura 2 - Diferentes níveis de leitura podem ser aplicados a um texto Fonte: Shutterstock O nível textual é a leitura mais básica, aquela para a qual fomos alfabetizados. Envolve o domínio e o conhecimento das regras da gramática da língua portuguesa, o conhecimento do significado das palavras e o bom relacionamento entre as partes (os blocos do texto ou do discurso). A coesão e parte da coerência são análises feitas ao nível textual. Em um nível de interpretação intertextual, o leitor consegue estabelecer relações entre o texto analisado e outros textos. Nesse momento, analisa-se a consistência dos conceitos, ou o modo como um texto se comunica com outro. A intertextualidade pode ser didaticamente apresentada como a “conversa entre textos”. Quando alguém cita uma obra de um autor ou faz referência a ela de maneira implícita, está utilizando recursos intertextuais. A análise paratextual é justamenteaquela em que vamos para além do texto. As condições materiais e o contexto em que o texto foi produzido são levados em consideração. Na análise paratextual, devemos olhar o texto de uma perspectiva mais afastada, entendo-o como parte de um processo de comunicação social mais amplo. Adequação da linguagem ao contexto Nos últimos anos, ficou cristalizado no ensino da língua portuguesa aquilo que a ciência linguística já defendia há décadas: a noção de que não existem variantes da língua naturalmente superiores a outras, pois nenhuma variante gera sempre a comunicação mais eficiente e eficaz para todas as situações possíveis. Para entendermos essa noção, precisamos primeiro relembrar que uma língua nacional, como é o caso do Português, é na verdade um conjunto de subcódigos – gramáticas – que variam conforme a região, a classe social, a faixa etária, o nível de escolaridade. Dentro de cada um desses subgrupos, a língua vai se adaptando com o passar dos anos à realidade do subgrupo específico (PARKER, 1986). O grande cuidado que devemos ter é o de saber identificar a que subgrupo específico estamos nos reportando para que escolhamos a linguagem mais adequada – aquela praticada pelos destinatários de nossa mensagem. Figura 3 - É importante sempre adequar a linguagem conforme o contexto e os destinatários da nossa mensagem Fonte: Shutterstock Por exemplo, o autor deste texto acredita que ele será lido por pessoas de vários locais do Brasil, de diferentes idades e histórias de vida. Assim, a opção de linguagem foi pela norma culta, pois essa é a praticada em todas as escolas do Brasil. No entanto, por se tratar de um texto didático e não de um artigo científico, o autor também utilizou algumas figuras de linguagem. No começo deste parágrafo, por exemplo, há uma ambiguidade, uma possível metonímia e o uso da linguagem na sua função metalinguística. Em qualquer gramática, o aluno vai encontrar uma seção denominada figuras de linguagem, possivelmente seguida da seção de figuras de pensamento. Nelas encontram-se as explicações do que vem a ser uma metonímia, além de várias outras figuras. Na seção de vícios de linguagem, certamente há uma explicação sobre ambiguidade e outras figuras que não são bem vistas pela norma culta. A gramática é um livro que deve ser consultado sempre e que deveria ser um item básico, junto com um dicionário, em qualquer escritório ou repartição. Além disso, a norma culta, além de ser usada nas escolas, é também a gramática mais utilizada no mundo do trabalho e dos negócios. Fechamento Nesta lição, aprendemos que as palavras nunca vêm sozinhas. Elas sempre dizem muito mais do que aparentemente querem dizer. Vimos também que uma mesma mensagem pode ser dita de diferentes maneiras. Devemos sempre fazer a opção por aquela forma pela qual nossos destinatários compreenderão nossa mensagem. É a adequação da linguagem aos diversos contextos e interlocutores (destinatários) com os quais lidamos todos os dias. Bom trabalho! Nesta aula, você teve a oportunidade de: entender por que é importante pensar o contexto de cada discurso aplicar diferentes níveis de leitura na interpretação de textos perceber a necessidade de sempre adaptar a linguagem conforme o contexto e os destinatários da nossa mensagem Referências ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da língua portuguesa. 40 ed. São Paulo: Saraiva, 1995. BRASIL. Presidência da República. Manual de redação da presidência da república. 2 ed. rev. e atual. Brasília: Presidência da República, 2002. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 8 ed. São Paulo: Ática, 1997. DUBOIS, Jean et al. Dicionário de linguística. Trad. Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1998. FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristóvão. Prática de texto: língua portuguesa para nossos estudantes. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1992 FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Trad. Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Moraes. 3 ed. Rio de Janeiro: Nau, 2002. OLIVEIRA, Luciene de Lima. A arte retórica aristotélica: um legado clássico até os dias atuais. In: Revista Gaia, n. 7, p. 69-84, Rio de Janeiro, 2010. PAES, José Paulo. Poesias Completas. Apresentação Rodrigo Naves. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. PARKER, Frank. Linguistics for non-linguists. Austin: Pro-ed, 1986. SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Trad. Pedro Süssekind. Porto Alegre: L&M Pocket, 2009. TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. 2º Ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1970. WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo: Martins Fontes, 2008. A arte do discurso Introdução Nesta aula, veremos quais são os elementos que fazem um discurso, tanto oral quanto escrito, ser considerado bom e quais mecanismos podemos utilizar para alcançar melhores resultados. Veremos que escrever e discursar são desafios para qualquer pessoa, mas que, uma vez superados, trazem grande satisfação pessoal e resultados profissionais. Ao final desta aula, você será capaz de: reconhecer as contribuições da filosofia na construção de discursos e textos apontar elementos que compõem um bom discurso escrever textos mais estruturados Comunicação oral Algumas características sempre devem ser consideradas quando se pensa em comunicação oral: ela deve ser direta, flexível e com um feedback imediato. Não consideraremos, nesta aula, a oralidade praticada em veículos como o rádio e a televisão, já que, nesses casos, pelo fato de essas comunicações serem mediadas para veiculação em massa, a oralidade possui requisitos e características próprias. A oralidade que iremos estudar é a que permite a uma pessoa se comunicar diretamente com uma ou mais pessoas em um mesmo ambiente e ao mesmo tempo. É o que se pratica em qualquer conversa, reunião, palestra, entrevista, apresentação. A comparação da fala com a escrita permite entendê-las melhor. A grande vantagem da fala é a possibilidade de feedback instantâneo, pois podemos ver e ouvir a(s) pessoa(s) a quem nossas mensagens se destinam. A segunda vantagem é que ela permite o uso concomitante de outras formas de comunicação, como o gestual das mãos, do corpo, a comunicação facial. Estamos tão acostumados a essas características que muitos estranham, por exemplo, uma conversa ao telefone, em que inexiste o suporte das outras comunicações. Essas são algumas das razões pelas quais não devemos falar como escrevemos e nem escrever como falamos. Figura 1 - Feedback instantâneo é uma das características da comunicação oral Fonte: Shutterstock Por essas características, a comunicação verbal ainda é a melhor maneira para comunicar ideias que precisem da aprovação de outras pessoas. Por ser a forma de comunicação que a humanidade desenvolve há mais tempo e por ser a primeira que aprendemos na vida, ela é, de forma geral, a que melhor dominamos. A eficácia de uma conversa – comunicação oral – tende a ser maior que a de outras formas comunicativas, por causa da existência do feedback instantâneo e do apoio de outras formas de comunicação não verbais. O feedback imediato permite termos certeza de que o destinatário recebeu a mensagem conforme desejávamos. Problemas de canal ou de código podem ser resolvidos na hora. “Fale mais alto, por favor”, “Eu não falo inglês” e “Não entendi, pode repetir com outras palavras?” são exemplos de processos de ajuste da comunicação pelo feedback instantâneo. A comunicação corporal, por outro lado, auxilia no reforço das mensagens orais, ou até as substitui, comono caso das libras. Quando recebemos uma mensagem oral, reforçada por todas as outras formas de comunicação não orais presentes, temos mais elementos para acreditar na veracidade daquela mensagem. Dependendo do caso, porém, essa mesma riqueza de elementos pode fazer com que duvidemos dela. Alguém que diz acreditar no outro, mas não o olha diretamente nos olhos, manda sinais contraditórios. – Chefe, passei a noite trabalhando. Por isso cheguei tarde. Se isso foi escrito em um bilhete, o chefe tem chances de acreditar na mensagem. Agora, se a mensagem fosse transmitida por meio de uma conversa, o destinatário poderia ver claramente que o emissor apresentava sinais de ressaca alcoólica. Nesse caso, o emissor possivelmente estará emitindo, além de mensagens contraditórias, vapores alcoólicos. Retórica As ciências das linguagens e das comunicações tiveram um grande desenvolvimento no século XX. Mas seria no mínimo estranho se, antes desses trabalhos, ninguém tivesse dedicado tempo pensando e estudando sobre algo tão importante para o ser humano. E quando o assunto é reflexão, estudo e filosofia, invariavelmente voltamos para a Grécia Antiga, que por essas e outras contribuições é considerada a mãe do mundo ocidental. Foram justamente eles, os gregos, os primeiros a desenvolver uma disciplina de estudo do uso da palavra. A retórica seria a arte do discurso, a arte da escolha das palavras, uma disciplina ampla que englobaria inclusive a oratória. O conhecimento da retórica é dividido em cinco partes (OLIVEIRA, 2010): Inventio: o momento de inventar, conceber o que será discursado. Dispositio: é a estruturação das ideias. Elocutio: trata-se da escolha das palavras, da formulação das frases. Memoria: é a memorização do discurso elaborado. Pronuntiatio: é a declamação do discurso, que conta com a utilização dos recursos não verbais, como o gestual, a entonação, as expressões. Essa forma de estruturar o processo de comunicação linguística foi a primeira do mundo ocidental, funcionando como base para o posterior desenvolvimento dos conhecimentos e das ciências específicas. De certa maneira, boa parte dos conhecimentos da Antiguidade ainda chega até nós, ainda que com outros nomes e outras roupagens. Melhorando a escrita Escrever nunca foi fácil para ninguém. As várias histórias de escritores destruindo os próprios escritos, a exemplo de Franz Kafka (1883-1924), dão uma noção de como o processo de escrita pode ser uma espiral com altos e baixos. Mas a maior parte de nossos escritos não tem nenhuma pretensão à genialidade. Isso nos permite criar soluções técnicas mais ou menos frequentes para que, se não atingirmos o belo da literatura, ao menos consigamos comunicar com relativa eficiência e eficácia as ideias, os fatos e tudo o mais que importa em nosso cotidiano. O jornalismo é o exemplo de uma área que se utiliza da escrita tendo com ela uma relação mais pragmática – portanto, pode nos fornecer bons modelos. O jornalismo e suas técnicas nos ajudam a encarar a escrita não somente como um enorme desafio intelectual, mas sim como uma atividade diária, um processo quase operacional. A leitura de jornais e revistas e a análise dos textos neles contidos mostram a objetividade e a simplicidade com que foram redigidos. A maioria dos manuais de escrita inicia sugerindo que a escrita tende a melhorar à medida que lemos bons autores, e por isso Machado de Assis, Graciliano Ramos, José de Alencar e outros parecem se tornar leituras obrigatórias. De fato, tais autores dominam a arte da escrita em português como poucos e são, definitivamente, padrões históricos da língua para várias gerações. Lê-los, no entanto, não nos obriga a copiá-los. Ao tentar copiar o estilo de grandes nomes, provavelmente cairemos em dois erros: primeiro, desrespeitar os modelos clássicos em suas expressões próprias, e segundo, não desenvolver o próprio estilo. Assim, clássicos devem ser lidos sempre. Trata-se de uma condição básica, mas não suficiente. O grande segredo está em desenvolver nossas próprias ideias em nossa escrita. Se as ideias são simples, a escrita tem que ser simples também. O pior de tudo é querer disfarçar ideias simples com um texto rebuscado e sem sentido. A honestidade com o próprio pensamento é fundamental. Muitas vezes, aquilo que é considerado um problema de escrita é, no fundo, ausência de assunto para ser comunicado ou, ainda, pensamentos desorganizados e impressões confusas. Muitos sentimentos são tomados por pensamentos e então surge a dificuldade de escrevê-los. Mas o pensamento existe com palavras. Se algo está em nossa cabeça, em nosso ser, e não contém palavras, isso não é um pensamento. Figura 2 - A escrita é um exercício constante de organização das ideias Fonte: Shutterstock Assim, antes de se sentar para escrever qualquer documento, seja um relatório, seja uma crônica, tenha bem claro em sua cabeça o que você quer contar. O trabalho de escrita é sempre um trabalho de pensamento: quais e quantas são as ideias, como elas se relacionam entre si e com outras do mundo externo, como podemos nomeá-las e estruturá-las. Se as ideias estão todas emaranhas, pegue um fio por vez e vá pacientemente desemaranhando-as. Depois que as ideias estão organizadas em nossa cabeça (ou em um desenho ou esquema), vem a parte de realmente colocar as palavras no papel. Esse é o momento do trabalho que exige paciência, disciplina e atenção aos detalhes. Conhecer o código, no caso a gramática da língua portuguesa, é fundamental para que a mensagem seja bem codificada. De certa maneira, o trabalho de escrita acaba seguindo as mesmas etapas do discurso, do ponto de vista da retórica (inventio, dispositio, elocutio): primeiro concebemos as ideias, depois pensamos na forma e na estrutura de um texto, e por fim escolhemos as palavras e formulamos as frases para escrevemos o texto. Os estudiosos classificam os textos conforme as suas estruturas e características. Esses agrupamentos são chamados de gêneros. Conforme o autor, essa classificação pode ter diferenças, mas de forma geral fala-se em gêneros narrativos, opinativos e informativos. Na narrativa, temos contos, romances, novelas, crônicas; em todos eles há uma situação inicial que sofre um desequilíbrio, e depois um novo equilíbrio é encontrado (TODOROV, 1970). No gênero opinativo temos artigos, resenhas, editoriais, críticas, ensaios; neles o autor defende uma opinião, um ponto de vista. No gênero informativo, temos notícias, entrevistas, reportagens; nesse caso, o autor descreve a realidade que vê. Se estamos defendendo a estruturação das ideias como um passo fundamental para atingirmos melhores resultados tanto na fala como na escrita, mais uma vez devemos recorrer à filosofia. O problema das falhas no pensamento e a preocupação em resolvê-los não são novos e desde a antiguidade existe uma disciplina do conhecimento com tal proposta: a lógica. Intuitivamente, todos percebem problemas lógicos em um discurso. É quando alguma coisa está estranha ou, nos casos mais graves, quando um texto está “sem pé nem cabeça”. A lógica propõe encontrar as regras do bom pensamento. Muito do que é considerado a gramática culta na língua portuguesa tem origem nesse tipo de discussão filosófica. O próprio conceito de coerência é um conceito da lógica, amplamente discutido no campo da produção textual. Muitas das discussões sobre estilística foram iniciadas em clássicos como Aristóteles, Platão e outros estudiosos da retórica. Coesão e coerênciaA estruturação das ideias é um passo fundamental para atingirmos bons resultados tanto na fala como na escrita – e para isso, elas devem seguir uma lógica. A lógica, em filosofia, propõe encontrar as regras do bom pensamento. Ela compreende uma sequência coerente, regular e necessária de acontecimentos e de coisas. Depois que começamos a pensar logicamente, ou seja, de forma estruturada e organizada, coesão e coerência vêm como consequências naturais de nossos discursos, falados ou escritos. A coesão é uma propriedade interna do texto, das partes para com as partes. Em um texto coeso, as ideias são concatenadas com ritmo, uma palavra está relacionada com a outra, existe ordem e estrutura de ideias. Seguir as regras de regência, de concordância e de conjugação é o primeiro passo na busca de um texto coeso. Já a coerência existe tanto em um plano interno ao discurso como em um plano externo. Internamente, ela opera a partir da semântica, isto é, o estudo dos significados das palavras. Assim, se vamos fazer a defesa de uma ideia ou pessoa, mas no discurso nos referimos a ela através de termos pejorativos, estamos sendo incoerentes. Quando partes do texto se contradizem, há incoerência. De modo geral, onde não há lógica, não haverá coerência. Se um texto permite conclusões diferentes a partir das premissas que apresenta, ele é incoerente. Fechamento Chegamos ao final desta aula! O trabalho de pensar, estruturar e escrever um discurso envolve muito mais do que simplesmente seguir as regras gramaticais aprendidas na escola. Elas são o primeiro passo. Para que nossas comunicações sejam relevantes, precisam ter conteúdo e ser endereçadas para as pessoas certas nos formatos adequados. A reflexão pessoal e o estudo de autores clássicos fornecem o conteúdo; a disciplina e a prática constante fornecem a forma. Nesta aula, você teve a oportunidade de: Entender particularidades dos discursos orais e escritos Aplicar diversos mecanismos que ajudam a melhorar o trabalho da escrita Perceber a importância de, antes de escrever, ter claro na cabeça o que se quer transmitir. Referências ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da língua portuguesa. 40 ed. São Paulo: Saraiva, 1995. BRASIL. Presidência da República. Manual de redação da presidência da república. 2 ed. rev. e atual. Brasília: Presidência da República, 2002. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 8 ed. São Paulo: Ática, 1997. DUBOIS, Jean et al. Dicionário de linguística. Trad. Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1998. FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristóvão. Prática de texto: língua portuguesa para nossos estudantes. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1992. FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Trad. Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Moraes. 3 ed. Rio de Janeiro: Nau, 2002. OLIVEIRA, Luciene de Lima. A arte retórica aristotélica: um legado clássico até os dias atuais. In: Revista Gaia, n. 7, p. 69-84, Rio de Janeiro, 2010. PAES, José Paulo. Poesias Completas. Apresentação Rodrigo Naves. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. PARKER, Frank. Linguistics for non-linguists. Austin: Pro-ed, 1986. SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Trad. Pedro Süssekind. Porto Alegre: L&M Pocket, 2009. TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. 2º Ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1970. WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Princípios da redação empresarial Introdução Vamos estudar recomendações práticas para que a redação e as demais comunicações possam ocorrer em consonância com os princípios do mundo do trabalho. Ao final desta aula, você será capaz de: relembrar os conceitos de comunicação e produção discursiva textual identificar os diferentes contextos e tipos de comunicação no ambiente de trabalho desenvolver as comunicações pessoais no ambiente de trabalho Formas de comunicação As comunicações são uma parte essencial quando pensamos o mundo do trabalho. Assim como as pessoas físicas têm necessidade de se comunicar com a sociedade, as pessoas jurídicas do mundo do trabalho também possuem necessidades específicas de comunicação. Sejam elas organizações do mundo privado, como empresas, ou entes do governo, todas têm que comunicar as suas atividades para a sociedade, fazendo-se conhecer no mercado, se intercomunicando com outras organizações ou mesmo prestando contas de sua atuação para a sociedade civil. Todas essas formas de comunicação são pensadas essencialmente para um público externo à organização e exigem profissionais com formações específicas. Um publicitário, por exemplo, vai sempre pensar sobre qual é o público-alvo de uma campanha (receptor), vai ter o cuidado de escolher um canal de comunicação que atinja aquele público, vai optar por um código com o qual o público-alvo esteja familiarizado e produzirá uma mensagem que comunique os interesses da empresa, isto é, tornará pública uma oferta de valor. Essas são comunicações voltadas para um público externo. Entretanto, uma outra importante dimensão das comunicações no mundo do trabalho é a interna, aquela voltada para os colaboradores de uma dada organização. Dependendo do tamanho dessa organização, torna-se necessário contar com profissionais também específicos para codificar a mensagem através de canais de comunicação de massa. Mas é principalmente na dimensão interna que encontramos o espaço da redação empresarial. Todos os dias, o conhecimento sobre o andamento dos negócios tem de ser compartilhado entre os colaboradores, e tal comunicação se faz fundamentalmente por meio de códigos linguísticos: reuniões, telefonemas, entrevistas, conversas de corredores, memorandos, ofícios, e- mails, relatórios, comunicados, videoconferências. Todas essas formas de comunicação devem adotar os mesmos princípios que regem o mundo do trabalho e o mundo dos negócios: a formalidade, a racionalidade e a objetividade. A gramática formal no mundo dos negócios Vale a pena examinar mais atentamente o porquê de o mundo dos negócios defender a formalidade, a racionalidade e a objetividade. Vamos pensar em uma transação comercial, para compreender que um acordo é sempre feito no limite entre o que as partes acham interessante. De maneira geral, podemos dizer que o vendedor quer o maior preço pela menor quantidade, enquanto que o comprador quer a maior quantidade pelo menor preço. Um acordo entre essas duas partes deverá acontecer com uma pequena margem de erro. Qualquer variação, para cima ou para baixo, pode tornar o negócio desinteressante para uma das partes. Assim, ao falarmos de negócios, a precisão (racionalidade e objetividade) da linguagem é sempre algo a ser considerado. Além disso, pensando que a vontade de todo empresário é crescer e expandir seus negócios, é interessante que as comunicações possam acontecer entre a maior quantidade possível de compradores e fornecedores. Pela lógica dos negócios, quanto menos códigos diferentes existirem, menos dificuldades haverá para se estabelecerem transações comerciais. As revoluções burguesas, que se desenvolveram na Europa entre os séculos XVII e XVIII, não lograram unificar a linguagem em um âmbito mundial (ainda que o inglês atualmente seja o idioma mais utilizado no mundo dos negócios). Mas a classe burguesa, ao menos, conseguiu apoiar a unificação da linguagem dentro dos países, o que representou um avanço, quando se pensa uma realidade feudal de fragmentação, anterior ao capitalismo.Por isso, ao longo da história, vemos que a consolidação dos Estados nacionais ocorreu sob a égide de línguas nacionais. A gramática normativa formal (formalidade) culta é justamente aquela sustentada pelo aparato de um Estado nacional. A grande vantagem da existência de tal gramática é que ela é aceita em todas as partes de um país. É por esse motivo que a redação empresarial não combina com regionalismos, principalmente quando tratamos de comunicações escritas, que podem viajar. Os negócios requerem uma comunicação o mais universal possível. A oralidade nos negócios é mais flexível que a escrita, pois destina-se a um receptor presente e pode ser facilmente adaptável, conforme o contexto. No entanto, mesmo a oralidade não é totalmente livre no ambiente de trabalho. Conforme vimos na parte de análise do discurso, a redação empresarial, por valorizar a objetividade e a racionalidade, vai valorizar, por consequência, a escolaridade. A forma de falar é, juntamente com o vestuário, a principal forma de identificação social de um grupo. Assim, mesmo a oralidade nos negócios tende a apresentar marcas da linguagem culta, já que ela traz um indício de escolarização. Tempo é dinheiro O estudo dos elementos do processo de comunicação, o aperfeiçoamento da escrita e da fala, têm como objetivo em comum a melhoria da eficiência e da eficácia das comunicações. Pense no problema que é para um gerente reler mais de uma vez um certo relatório para começar a entendê-lo: vai perder tempo precioso, corre o risco de não entender o conteúdo e tem boas chances de ficar irritado com o funcionário que o escreveu. O mesmo vale para apresentações, reuniões, vendas nas quais a fala é mal estruturada ou não traz sentido e nenhum ponto: a comunicação será ruim e haverá perda do tempo para emissor e destinatário. Escrita no trabalho Muitos dos exemplos de gêneros textuais podem ser praticados no ambiente de trabalho. Por exemplo, relatórios podem ser considerados como pertencentes ao gênero informativo. Ao escrever um relatório, devemos ter em mente a quem ele se destina. Se alguém pede um relatório, essa pessoa está pedindo informações, descrições, fatos. Não é o momento de emitir juízos ou impressões pessoais. Se o que nos foi pedido é uma análise, a situação muda. Agora quem escreve deve se posicionar em relação ao tema debatido, deve justificar suas opiniões, pode citar dados e fatos, desde que eles façam parte das premissas utilizadas na elaboração da opinião (lembrar dos silogismos vistos na parte da lógica). Uma realidade brasileira de que nem mesmo empresas privadas estão livres é a grande dose de burocracia. Sempre haverá um momento ou outro em que deveremos preencher uma requisição, escrever uma justificativa, enviar um ofício. As regras e as formas do setor público são bem explicadas no Manual de Redação da Presidência da República. Esse é um documento que nos ajuda a compreender como desenvolver uma redação eficiente, com linguagem adequada. O manual aponta algumas práticas textuais que vemos com frequência nos trâmites burocráticos, como o excesso de pompa, de adjetivação e uso de pronomes de tratamentos inadequados. A consulta é importante sempre que houver dúvidas sobre, por exemplo, qual tratamento empregar para uma autoridade política. No documento também consta a descrição de todos os tipos de comunicações e modelos a serem utilizados pelo poder executivo nacional. Dentre eles, ressalte-se que ofício é uma comunicação de uma organização destinada a outra, portanto é uma comunicação externa. Já o memorando é uma comunicação interna, enviada de um setor para outro. Associação Brasileira de Normas Técnicas Cada organização, cada empresa, corporação pode e deve criar as próprias normas, regulamentos e manuais de redação. A padronização de um memorando vai variar de uma empresa para outra. Para as comunicações gerais, não existem modelos universais obrigatórios. Já os modelos de comunicação de áreas acadêmicas e de técnicas específicas são, no Brasil, reguladas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Os chamados selos ISO, da organização internacional de padronização, podem definir requisitos específicos de relatórios e de modelos de comunicação a serem utilizados nos processos de áreas específicas, como em diversas áreas da logística. Assim, podemos dizer que, como regra, devemos seguir princípios gerais, além dos conceitos vistos nas últimas lições sobre escrita e outras formas de comunicação. Formalidade não é sinônimo de rebuscamento ou de exagero. Vamos ver no poema de José Paulo Paes (1996), um conselho muito interessante para qualquer texto, que resume bem ao que devemos ficar atentos. Acompanhe! POÉTICA Conciso? com siso Prolixo? pro lixo Nas demais comunicações escritas, lembre-se sempre dos seguintes pontos: ● Clareza: o autor não pode ficar anexado ao documento explicando o que tentou escrever, por isso o texto tem que ser claro por ele mesmo. ● Prova: a escrita é um documento e, portanto, uma prova. Reflita bem antes de escrever e releia no mínimo uma vez. Isso vale inclusive para e-mails. ● Objetividade: respeite o tempo dos outros, escreva apenas o necessário e nada mais que o necessário. ● Elegância: se você conseguiu seguir as três primeiras dicas, não custa nada tentar melhorar a aparência do texto, escolher palavras com propriedade. Não confundamos seriedade e profissionalismo com feiura, com falta de graça. Um texto equilibrado, harmonioso cumprirá melhor sua função de comunicar do que outro árido, pesado. Técnicas de apresentação Desde os tempos em que os gregos aprimoraram a retórica até os dias de hoje, apresentações, discursos, debates e palestras continuam sendo uma realidade na vida de qualquer cidadão. No mundo dos negócios, no entanto, será pouco provável ver qualquer apresentação de projeto, de novo produto, de entrevista ou de venda acontecer sem o suporte audiovisual de um cartaz, de um catálogo, vídeo ou de slides. Trata-se de recursos muito interessantes e que podem melhorar qualquer apresentação. A expressão “uma foto vale mais que mil palavras” até possui certo embasamento semiótico. No entanto, vemos ainda em muitas apresentações as pessoas caírem no erro de deixar todo o trabalho ao encargo de um computador. Tecnologias são bem-vindas, mas a fala e a comunicação pessoal do palestrante, continuam sendo decisivos. Todas as dicas vistas ao longo do curso continuam válidas aqui. A preparação e a estruturação mental são fundamentais para qualquer apresentação oral, mesmo para as mais simples. Não acredite no improviso. Todos os grandes oradores evitam o improviso. Sempre que podem, preparam-se para o discurso, nem que esse preparo seja feito alguns minutos antes, em um rápido momento de reflexão sobre o que deve ser dito. Pensar no modelo de comunicação ajuda. Quem é meu destinatário? Que código devo usar? Qual a linguagem mais apropriada para a ocasião? Qual é o nível de formalidade? Estou vestido adequadamente, minha apresentação pessoal é boa? Ir para a festa de fim de ano da empresa de terno e gravata e ficar falando de relatórios e prazos é tão inadequado quanto ir para uma reunião de bermudas e falar da pelada do fim de semana. Felizmente, a maioria das pessoas consegue perceber isso naturalmente. Por fim, podemos concluir essa lição dizendo que não adianta tentar se passar por alguém que não se é, comunicar-se de uma maneira diferente da sua. Se você não sabe falar palavras difíceis, correrá o risco de se passar por ridículo utilizando-assem necessidade. Todos temos nossas particularidades, nossas diferenças. O ambiente de trabalho deve modular as comunicações entre as pessoas. A formalidade, a objetividade das falas, das conversas é uma regra geral, não uma regra absoluta. Bom senso acima de tudo! Fechamento Chegamos ao final deste tema! Vimos aqui algumas dicas sobre a prática da redação para o preparo de diferentes comunicações. Lembre-se que se comunicar de forma assertiva e adequada é fundamental nas estratégias empresariais. Continue seus estudos com empenho! Nesta aula, você teve a oportunidade de: Introdução Formas de comunicação Escrita no trabalho Técnicas de apresentação Referências ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da língua portuguesa. 40 ed. São Paulo: Saraiva, 1995. BRASIL. Presidência da República. Manual de redação da presidência da república. 2 ed. rev. e atual. Brasília: Presidência da República, 2002. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 8 ed. São Paulo: Ática, 1997. DUBOIS, Jean et al. Dicionário de linguística. Trad. Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1998. FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristóvão. Prática de texto: língua portuguesa para nossos estudantes. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1992. FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Trad. Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Moraes. 3 ed. Rio de Janeiro: Nau, 2002. OLIVEIRA, Luciene de Lima. A arte retórica aristotélica: um legado clássico até os dias atuais. In: Revista Gaia, n. 7, p. 69-84, Rio de Janeiro, 2010. PAES, José Paulo. Poesias Completas. Apresentação Rodrigo Naves. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. PARKER, Frank. Linguistics for non-linguists. Austin: Pro-ed, 1986. SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Trad. Pedro Süssekind. Porto Alegre: L&M Pocket, 2009. TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. 2º Ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1970. WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Funções de linguagem Introdução Você sabia que a transmissão de uma mensagem está centrada na intenção do falante em relação à mensagem que se deseja transmitir? A comunicação verbal se vale das funções da linguagem para alcançar o receptor da mensagem em sua totalidade. Nesta aula, vamos conhecer quais são as funções de linguagem e em quais situacionalidades elas são aplicadas. Ao final desta aula, você será capaz de: compreender que é necessário adaptarmos a linguagem para cada situação de comunicação, uma vez que ela pode variar dependendo do receptor, contexto ou da intencionalidade entender as funções da linguagem e o seu desdobramento na fala e na escrita O que são funções de linguagem? As funções de linguagem são formas de transmitir uma mensagem de modo que ela seja compreendida em sua totalidade e alcance as intenções do emissor para com o receptor. Assim, as funções não são maneiras de escrever aleatórias, ou apenas regras gramaticais que devem ser aplicadas ao ato comunicativo. Para Nicola (2014), as funções de linguagem são recursos que atuam na mensagem de acordo com as intenções do emissor. Segundo o linguista Roman Jakobson (1896-1992), há seis funções de linguagem, dentro das quais são privilegiados os elementos do ato da comunicação, ou seja, o emissor, receptor, mensagem, canal, código e referente. As seis funções de linguagem são: referencial, fática, conativa, emotiva, poética e metalinguística (JAKOBSON, 1973). Nos próximos itens, entenderemos quais são as características destas funções de linguagem e as aplicações em seus respectivos elementos do ato comunicativo. A mensagem centrada no referente Partimos da função referencial (também conhecida como denotativa), que tem por finalidade produzir sentido informativo, ou seja, a intenção é a de transmitir dados da realidade de maneira direta, fazendo uso de palavras empregadas em sentido estrito, nos quais prevalece o uso da terceira pessoa do discurso. Além disso, emprega-se a ordem direta, como observamos em textos didáticos, jornalísticos e científicos. Nesta função, o texto estará centrado no referente, isto é, na informação (NICOLA, 2014). Você certamente lê notícias, quer sejam impressas quer sejam online, correto? Nas notícias, a linguagem é direta, clara, objetiva e centrada na terceira pessoa. Isto acontece porque a intenção do emissor da mensagem é a de informar algo sobre os fatos. Atente-se, ainda, para este texto que você está lendo agora. Aqui, a função de linguagem predominante é a referencial, pois o nosso objetivo é o de informar a você sobre importantes recursos da linguagem. Figura 1 - As intencionalidades de uma mensagem por meio das funções de linguagem Fonte: Shutterstock Se, por um lado, a função referencial costuma ser a mais objetiva e direta, centrada no referente, por outro, há a função que é centrada no interlocutor, ou seja, no próprio destinatário da mensagem. Trata-se da função conativa, ou apelativa, que veremos a seguir. A função centrada em quem recebe a mensagem A função conativa é aquela em que o foco predomina no receptor, o alvo da mensagem é o receptor. O emissor, neste caso, está apelando (por isso, é também chamada de função apelativa), no sentido de seduzir, influenciar, persuadir e estimular o receptor a adotar o comportamento pretendido por ele (NICOLA, 2014). Esta é a função característica dos textos publicitários, discursos políticos, textos instrucionais, horóscopos, entre outros. Na função conativa, os verbos são utilizados no imperativo e na segunda pessoa do discurso (tu/vós). Além disso, outros elementos comuns são os vocativos, pronomes de tratamento e o emprego da ambiguidade. Um texto que traga dicas de etiqueta para enviar e receber e-mail é um bom exemplo de uso da função apelativa ou conativa da linguagem. Nele, todas as frases serão centradas no interlocutor, já que a intenção é a de interferir no seu comportamento. Além disso, os verbos utilizados para compor a mensagem estarão sempre no imperativo. Figura 2 - Nas propagandas predomina a função conativa da linguagem Fonte: Shutterstock (Adaptado) Mesmo em uma mensagem em que haja o predomínio de uma determinada função, poderá haver outras. No caso das propagandas, por exemplo, é possível perceber a função poética, já que esta possui particularidades que atuam diretamente nas construções de frases e palavras. Agora, vamos conhecer como se aplica a função poética. A função centrada na estética do texto Em alguns textos, a linguagem costuma ser mais trabalhada que em outros. É o caso daqueles que apresentam o que Nicola (2014, p. 178) chama de “combinação de palavras, em que se coloca em evidência o lado palpável, material dos signos”, com vistas ao estético. Nesta situação, o falante da língua procura obter elementos como o ritmo, a sonoridade e o belo (a partir de imagens), exercitando a função poética da linguagem. A função poética privilegia a construção e a forma como a mensagem será organizada. Entenda que, aqui, o foco não está no que ela transmite, mas sim na sua própria construção, e, por esta razão, destacamos a seleção das palavras na organização dos parágrafos (NICOLA, 2014). O trabalho estético com a linguagem é a premissa para qualquer artista que trabalha com as palavras. O filme “O carteiro e o poeta” (1994) retrata a amizade entre o poeta Pablo Neruda e o seu carteiropessoal, que deseja aprender como trabalhar as palavras e a arte poética. Assista ao filme! Agora, trataremos da função que atua sobre o canal de comunicação. A função centrada no canal de comunicação A função fática da linguagem apresenta uma preocupação do falante em manter o contato com o seu interlocutor, uma vez que foca no canal de comunicação (NICOLA, 2014). Nela, o emissor procura testar a eficiência deste canal, prolongando ou não o contato com o receptor. Note que a função fática possui o mesmo efeito de um aceno de mão ou de um cumprimento com um movimento da cabeça. Nesta função, predominam frases como “Oi, você está me ouvindo?”, ou “Então?”, ou ainda “Veja bem”. Quando tratamos da teoria da comunicação, o canal é o suporte material ou sensorial por meio do qual se faz a comunicação. Podemos dizer, ainda, que se trata do meio utilizado para enviar um sinal do emissor para o receptor. A seguir, veremos duas outras importantes funções, que objetivam trabalhar a expressividade e a própria linguagem. A função centrada na expressividade O uso de interjeições e da primeira pessoa do discurso são indicadores da função emotiva(ou expressiva) da linguagem. Sinais de pontuação como reticências, pontos de exclamação, assim como a presença das interjeições, marcam esta função. Para entender, leia o trecho a seguir, extraído do romance “São Bernardo”, de Graciliano Ramos: [...] ‘É horrível’ Se aparecer alguém... Estão todos dormindo. Se ao menos a criança chorasse... Nem sequer tenho amizade a meu filho. Que miséria! Casimiro Lopes está dormindo. Marciano está dormindo. Patifes! (RAMOS, 1996, p. 191). O autor, ao descrever a cena para o leitor, posiciona-se em relação ao tema que está tratando por meio do uso de algumas interjeições, como “Que miséria!”. Isto quer dizer que, de maneira subjetiva, ele expressa os seus sentimentos e emoções. Figura 3 - As interjeições são recursos da função emotiva Fonte: Shutterstock Interjeições são palavras invariáveis da língua, cuja função é justamente a de exprimir emoções, estados da alma, procurando agir sobre o interlocutor. Agora, conheceremos a última função de linguagem: a metalinguagem. A função centrada na linguagem Para compreendermos a função metalinguagem, primeiro, devemos saber que o termo “palavra” significa “a linguagem que é utilizada para descrever ou formalizar outra linguagem” (ABL, 2008, p. 853). Visto isso, podemos entender que quando a metalinguagem é utilizada, há uma preocupação do falante voltada para o próprio código. Em outras palavras, o tema da mensagem é utilizado para explicar a própria linguagem. As funções de linguagem estão presentes em todos os tipos de textos, inclusive os de caráter acadêmico. Para entender melhor o uso das funções em textos científicos, leia o artigo “A prevalência de uma função de linguagem no texto acadêmico”, de Maria Lucia Moutinho Ribeiro (UNIRIO). Disponível em: <http://www.filologia.org.br/xcnlf/3/03.htm>. Lembre-se de que nos textos verbais, o código é a língua. Então, quando usamos a língua para explicar a própria língua, estamos fazendo uso da metalinguagem. Fechamento Nesta aula, vimos que as funções de linguagem são: a referencial; emotiva; conativa; metalinguística; poética; e fática. Além disso, entendemos que elas são fundamentais no momento em que estabelecemos a comunicação de modo eficiente. Nesta aula, você teve a oportunidade de: compreender que é necessário adaptar a linguagem para cada situacionalidade de comunicação entender que a linguagem pode variar conforme o receptor, contexto, ou intencionalidade conhecer as seis funções de linguagem, assim como os seus usos perceber quais são os desdobramentos das funções de linguagem em diferentes textos e situações comunicativas Referências ABL. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. Academia Brasileira de Letras. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008. JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. São Paulo: Cultrix, 1973. NICOLA, José de. Gramática e texto. Volume único 1,2,3. São Paulo, Scipione, 2014. O CARTEIRO e o poeta. Direção de Michael Radford. Itália, Miramax Films, 1994. RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 35. ed. Rio de Janeiro: Record, 1996. RIBEIRO, Lucia Maria Moutinho. A prevalência de uma função da linguagem no texto acadêmico. Cadernos do X Congresso Nacional da Linguística e Filologia, Rio de Janeiro, ago. 2006. Disponível em: <www.filologia.org.br/xcnlf/3/03.htm>. Acesso em: 21 jun. 2017. Tipos Textuais Introdução Ao longo desta aula, compreenderemos o que é um texto e quais são os fatores da sua construção. Além disso, conheceremos os tipos textuais, reconhecendo suas nuances e especificidades. Ao final desta aula, você será capaz de: compreender o que é um texto, bem como os fatores que interferem em sua construção conhecer os tipos de textos a fim de aprender as suas peculiaridades O que é um texto? A palavra texto vem do latim textum, que significa, em tradução literal, tecido organizado de palavras. Trata-se de uma organização lógica, encadeada, que estabelece comunicação, tanto na fala quanto na escrita, não importando a sua extensão. Segundo Guimarães (2000, p. 14): [...] em sentido amplo, a palavra texto designa um enunciado qualquer, oral ou escrito, longo ou breve, antigo ou moderno. Caracteriza-se, pois, numa cadeia sintagmática de extensão muito variável, podendo circunscrever-se tanto a um enunciado único ou a uma palavra. Assim, podemos dizer que um texto somente se configura como tal quando é enunciado de modo articulado, fazendo com que o receptor compreenda a mensagem. Ainda de acordo com Guimarães (2000), um texto se forma por meio das estruturas internas que o caracterizam e, também, articula-se em diferentes tipos. Temos, então, um todo organizado, que visa a um dado objetivo comunicativo. Dessa maneira, escolhemos e privilegiamos aquele que melhor cabe dentro de cada propósito. Para conhecer mais a fundo os tipos textuais e como redigir cada um deles, leia “Para entender o texto: leitura e redação”, de Francisco Platão Savioli e José Luis Fiorin. Na obra, os autores trazem uma abordagem inovadora, uma vez que todo o estudo é realizado com base em exemplos textuais. Além de compreender o que é um texto, é importante entender que, para a sua construção, existem fatores que atuam diretamente na sua produção, como afirma Nicola (2014). Acompanhe! Fatores que interferem na construção de um texto Como vimos, o texto é um todo que deve produzir sentido para o leitor. Assim, o texto precisa ser planejado e construído com base em alguns pressupostos. Segundo Nicola (2014), os requisitos para a construção do texto são: intencionalidade: está associada às intenções do produtor do texto em relação ao objeto comunicativo. Por exemplo, quando a intenção é persuadir, convencer, o texto deverá ser organizado com base nestas intenções; aceitabilidade: a mensagem transmitida pelo texto, que é construído pelo autor, deve ser tomada pelo receptor como verdadeira, ou seja, as intenções do texto precisam ser “aceitas”. Por isso, as informações contidas num texto devem ser baseadas em fatos, que não possam ser refutados; situacionalidade: o texto, ao ser produzido, precisa estar adequado à situação comunicativa. Não cabe, por exemplo, construir um texto com linguagem extremamente formal em uma situação em que a formalidade não é exigida. Numa conversa entre amigos, a linguagem usada,intencionalmente, é mais solta, leve; já em uma entrevista de trabalho, a linguagem precisa ser mais formal, adequada ao contexto situacional, respeitando as normas gramaticais; informatividade: um texto precisa trazer informações ao receptor. Não se compreende como texto um enunciado que não agregue qualquer tipo de informação para quem lê. Vale salientar que o critério para a utilização do nível de informatividade dependerá da situacionalidade e da aceitabilidade; intertextualidade: não existe um texto “puro”, ou seja, que não tenha por referência outros. A intertextualidade é a relação que um texto mantém com outro. Por exemplo, uma dissertação apresenta dados que já foram expostos em outras publicações, os quais serviram de base para a exposição ou defesa de uma tese. Assim, é preciso compreender que há diversos fatores que interferem diretamente na construção de um texto e que, sem a organização e planejamento deles, a transmissão da mensagem poderá ficar comprometida. Figura 1 - Fatores que interferem na construção do texto Fonte: Shutterstock Como vimos, para a construção de um texto, é necessário perceber quais são os fatores que podem interferir diretamente na sua produção. Portanto, não basta apenas escrever. Além disso, os textos são classificados em estruturas, conforme veremos a seguir. Tipos textuais Os textos estão organizados em tipologias, ou seja, agrupados e estudados de acordo com as suas estruturas e finalidades (NICOLA, 2014). De acordo com Garcia (2010), há 5 tipos de textos (ou categorias textuais), que serão classificados de acordo com seus usos e estruturas internas. Os tipos textuais são: descritivo, narrativo, dissertativo, injuntivo e expositivo. Lembre-se que o uso do texto está diretamente ligado aos fatores que interferem na construção de qualquer que seja o seu tipo. Assim, os textos devem ser usados conforme a necessidade comunicativa. Caso a comunicação exija um texto explicativo, este deverá cumprir esta premissa. Os tipos textuais se organizam de maneira bastante simples para serem compreendidos, uma vez que as suas estruturas internas são elaboradas para que tenhamos um processo comunicativo claro e objetivo (GUIMARÃES, 2000). Quando temos a intenção comunicativa, oral ou escrita, de defender uma tese, usaremos um tipo de texto que nos permita realizar o objetivo central, que é o de apresentar e defender uma ideia. Não é possível defender ou expor uma ideia fazendo uso de um tipo que não se encaixe dentro das características exigidas nesta situação. Agora, vamos aprofundar nosso estudo nas especificidades dos tipos textuais. Descritivo No texto descritivo, a intenção comunicativa é a de caracterizar um ser, local, objeto, tanto de modo físico quanto psíquico. Ele é largamente utilizado no dia a dia, uma vez que precisamos descrever com as palavras o mundo que nos cerca. Assim, quando queremos apresentar uma informação, usamos o tipo descritivo. Os adjetivos são muito empregados nos textos descritivos. Por exemplo, quando vendemos um carro, precisamos descrever os dados para informar detalhadamente o possível comprador. Veja: “4 portas, bancos de couro, direção hidráulica e rodas de liga leve”. Agora, acompanhe as características do tipo narrativo. Narrativo O tipo narrativo tem por objetivo contar histórias, narrar ações, sejam elas reais ou fictícias, que estejam localizadas em um tempo e espaço. As narrações ainda se caracterizam pela presença de personagens e por um narrador, o qual pode ser também um personagem da trama (GARCIA, 2010). Nos textos narrativos, há o largo emprego de descrições, uma vez que é impossível contar uma história sem que se caracterize o ambiente, local, personagens e demais acontecimentos que permeiam as ações narradas. Podemos afirmar, então, que uma narração se vale da descrição, mas nem sempre a descrição se vale da narração, em especial quando ela é técnica. Figura 2 - Descrição e narração: características e finalidades Fonte: Elaborado por Cristiane Rodrigues de Oliveira A seguir, conheceremos o tipo dissertativo. Dissertativo A palavra dissertação vem do latim dissertare e significa, literalmente, argumentar com criticidade (NICOLA, 2014). Logo, dizemos que a intenção do tipo dissertativo é expor ideias ou defender uma tese, apresentando argumentos, fatos e dados que sejam cabíveis ao tipo de defesa ou exposição que se pretende. Por exemplo, para defender uma monografia, nos valemos do tipo dissertativo, que atende às premissas exigidas para a situacionalidade. O tipo dissertativo é elaborado em uma linguagem culta, redigida na 3ª pessoa. Além disso, ele é conhecido como tripartido, ou seja, apresenta três partes muito bem definidas. A primeira parte é a introdução, ou tese, na qual se expõe a ideia que será debatida. A introdução é construída por meio da apresentação de um tópico frasal, que expõe o tema a ser discutido, e o ponto de vista do autor acerca do assunto. Assim, uma elaboração assertiva da introdução irá garantir o sucesso do texto dissertativo. Por isso, ela deverá ser desenvolvida de modo claro, coeso e coerente, sempre calcada em argumentos de autoridade (informações válidas, sérias, oficiais), os quais serão desdobrados na segunda parte do texto (GARCIA, 2010). A dissertação é um dos textos mais utilizados no meio acadêmico. Além disso, é o tipo textual mais exigido em concursos públicos, exames vestibulares e outros tipos de processos de seleção, inclusive para selecionar candidatos para vagas de trabalhos. A segunda parte compreende o desenvolvimento, que, como o próprio nome diz, apresenta as considerações (exemplos, dados históricos, causas, consequências) utilizadas para defender a tese inicial. Já a terceira parte é a conclusão, ou fecho, cuja função é retomar a tese inicial, apresentar uma proposta de intervenção e dar um fechamento para o texto (GARCIA, 2010). Figura 3 - O texto dissertativo expõe e defende ideias Fonte: Shutterstock Para uma leitura aprofundada sobre o tema, acesse o artigo “Aspectos da pesquisa sobre tipologia textual”, de Luiz Carlos Travaglia (UFU): <http://periodicos.letras.ufmg.br/index.php/relin/article/view/2754/2709>. Veja que a dissertação é um texto cuja estrutura é fixa, independente de sua extensão. Suas partes são bem definidas e, simultaneamente, elencadas, ou seja, caso uma apresente problemas de coesão, haverá problemas também em outras partes do texto. Agora, vamos conhecer o tipo injuntivo. Injuntivo O tipo injuntivo (também conhecido como instrucional) tem por finalidade instruir o leitor, ou seja, indicar de que forma ele deverá agir. Trata-se de um texto bastante presente em nosso cotidiano, como em receitas culinárias, manuais de instrução, indicações de rotas, isto é, todos aqueles que sirvam para dar instruções. Nos textos injuntivos, usamos os verbos quase sempre no modo imperativo, ou, por vezes, no infinitivo. Eles também apresentam um tom de persuasão, e por esse motivo há um predomínio da função apelativa ou conativa da linguagem (MORAES, 2008). O tipo injuntivo é predominante em propagandas, uma vez que ele tem por objetivo dar uma indicação, ao receptor da mensagem, acerca das atitudes que ele deve tomar. Observe que no enunciado “relaxe no verão, mas fique de olho no mosquito da dengue”, há uma injunção, uma vez que a mensagem indica que tipo de comportamento o leitor deve ter. Repare, ainda, no emprego do modo imperativo. A seguir, conheceremos as especificidades do tipo expositivo.
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