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Bases moleculares das doenças genéticas: Genética bioquímica, erros inatos do metabolismo e triagem neonatal “Uma doença molecular é aquela na qual o evento primário causador é uma mutação, seja ela herdada ou adquirida.” “Uma doença genética ocorre quando uma alteração no DNA de um gene essencial muda a quantidade, a função ou ambas dos produtos gênicos (RNA mensageiro [mRNA] e proteínas). Dentro do entendimento básico molecular das doenças genéticas a mutação sempre será o protagonismo de tudo isso, essa mutação pode: • Ocorrer na região codificante; • Afetar a estabilidade do RNA ou o spicing do RNA; • Afetar a regulação ou dosagem gênica; Uma vez que se entenda quais são os genes que sofreram alterações, quais os produtos esperados daqueles genes e qual o impacto daquelas mutações nos respectivos genes é possível compreender e prever a patogênese para o manuseio do paciente. O que vai nortear para que uma proteína seja considerada normal comparada a uma anormal vai ser o grau e o local daquela mutação. A proteína anormal pode ganhar função, perder função, apresentar uma nova propriedade e dependendo de qual via essa proteína esteja relacionada a proteína pode ficar instável com quantidade reduzida que pode ou não desencadear uma alteração fenotípica grave. Toda via bioquímica mesmo que ela tenha uma via central de formação de produto final, há também outras vias acessórias já pensando na possibilidade de defeito na via principal. O maior grupo de proteínas anormais de grande impacto são aquelas onde ocorre mutação na região codificante, como nas talassemias. Mutações de perda de função “A perda de função de um gene pode resultar de mutações em seus elementos codificantes ou em seus elementos reguladores, bem como de perturbação por inserções ou deleções de sequencias cruciais. Uma perda total da função pode resultar da introdução de um códon finalizador prematuro. As mutações de sentido trocado e outras mutações de sequencias codificantes também podem abolir ou prejudicar o funcionamento, bem como tornar as proteínas instáveis, reduzindo sua abundância.” Mutações de ganho de função “As mutações também podem alterar o fenótipo bioquímico acentuando o funcionamento de uma proteína. Mais não significa melhor, o que pode resultar em uma doença. Este efeito deve-se a (1) um aumento no nível da expressão da proteína, ou (2) um aumento na habilidade de cada molécula proteica para desempenhar uma ou mais funções normais.” • Mutações que acentuam a função normal de uma proteína: raramente, as mutações na região codificante podem aumentar a habilidade de cada molécula proteica para desempenhar uma função normal, mas são prejudiciais para a função fisiológica geral da proteína, como a hemoglobina Kempsey que fixa a hemoglobina em sua alta afinidade por oxigênio, reduzindo a liberação de oxigênio para os tecidos. Outro caso é a acondroplasia, na qual uma única substituição de aminoácidos no receptor 3 do fator de crescimento de fibroblasto (FGFR3) leva à ativação deste receptor mesmo na ausência de FGF. As mutações desse tipo são diferentes daquelas que levam à aquisição de uma propriedade funcional nova • Mutações que aumentam a produção de uma proteína normal: são mutações que a proteína normal está presente, porém em maior quantidade que o normal. As mutações desse tipo devem-se ao aumento da dosagem gênica, resultando em parte do cromossomo ou de todo ele como na trissomia do 21. Outro exemplo é a degeneração dos nervos periféricos na doença de Charcot-Marie- Tooth IA que resulta na duplicação do gene 22 de mielina periférica. As mutações deste tipo com maior frequência contribuem para a progressão de tumores do que para seu início. Mutações de propriedade nova “Uma mudança na sequencia de aminoácidos causa patologia por conferir propriedade nova à proteína, sem necessariamente alterar suas funções normais a exemplo da anemia falciforme.” Mutações associadas à expressão gênica heterocrônica ou ectópica “São mutações que alteram as regiões de um gene e causam a expressão inadequada do gene em uma época ou em um local anormal. O câncer, com frequência, se deve à expressão anormal de um gene que normalmente promove proliferação celular.” Como as mutações perturbam as formações de proteínas biologicamente normais? Para desenvolver uma proteína biologicamente ativa, a informação deve ser transcrita de uma sequencia de nucleotídeos do gene para o mRNA para um polipeptídeo, que então sofre estágios progressivos de maturação. Mudanças em algumas dessas etapas decorrentes de alteração no gene estrutural são chamadas de anomalias primárias. Em alguns casos a formação de uma proteína depende de eventos modificadores que são mediados por outras proteínas ou da associação de uma proteína com outra proteína, quando esses eventos modificadores não ocorrem a alteração da função deve-se a uma anomalia secundária na proteína. Exemplos de diferentes localizações, no qual várias doenças podem estar associadas nos diferentes tipos de estruturas celulares. O assunto de genética bioquímica engloba erros metabólicos hereditários, erros inatos do metabolismo (IEMs) e desordens metabólicas congênitas, termos esses que estão relacionados com alterações em genes de enzimas que trabalham em alguma via enzimática de importância que quando está alterada apresenta uma doença de relevância clínica. Erros inatos do metabolismo (IEMs) Os IEMs são definidos como doenças genéticas que afetam o funcionamento normal de proteínas envolvidas nas reações químicas que ocorrem como parte de um processo contínuo de degradação e renovação de moléculas ao funcionamento do organismo. Ex: para que o produto proteico de síntese de uma célula seja formado há a participação de enzimas em etapas, quando genes das enzimas apresentam alterações os substratos subsequentes para a formação do produto final serão afetados. Podem existir outras vias auxiliando na formação do produto final. Com relação aos erros inatos do metabolismo há vários exemplos, como: • Enzimas; • Reconhecimento de receptores; • Sistemas de transporte; • Ativador de proteínas ou cofatores. Obs: para a maioria das doenças associadas ao erro do metabolismo são mutações de característica autossômicas recessivas. Há cerca de aproximadamente 5000 doenças genéticas, dessas cerca de 500 representam IEMs e por volta de 200 IEMs são tratáveis, desse modo, quanto mais sedo diagnosticada e tratada menor serão as complicações dos efeitos deletérios que alguma enzima ou substrato de acúmulo pode vir a afetar a pessoa portadora. Para causar a alteração do gene, pode ocorrer: • Mutações de ponto; • Mutações de sentido trocado; • Deleção Classificações das doenças de acordo com as vias bioquímicas envolvidas, as que estão em vermelho fazem parte dos erros inatos do metabolismo presente no programa de triagem neonatal. Quando se fala de erros inatos do metabolismo costuma-se abordar um conhecimento basal de aminoácidopatias. Esse é um eixo que envolve enzimas específicas e aminoácidos que dependendo da forma como estão armazenados ou eles não são metabolizados gerando complicações, como no caso da fenilcetonúria em que há um problema em uma enzima que não atua na conversão correta da fenilalanina em tirosina, então nesse caso há um gene alterado que vai influenciar na atividade dessa enzima afetando o uso de tirosina para a produção de hormônios, pigmentação da pele e etc. o mesmo pode ser observado em outras doenças presentes no quadro. Alguns autores classificam os IEMs com critério fisiopatológico em três grandes grupos, sendo: • Doenças que causam intoxicação o Ex: doença da urina do xarope do bordo, doença do ciclo da ureia • Doenças que envolvem o metabolismo genéticoo Ex: defeito de oxidação de ácidos graxos, cadeia respiratória • Doenças envolvendo o acúmulo de moléculas complexas o Ex: mucopolissacarídeos Fisiopatologia dos IEMs: • Não é simplesmente dizer, por exemplo, que uma mutação altera uma enzima e provoca seu mau funcionamento. • O que acontece quando a enzima não funciona? • Quais as consequências metabólicas dessa anormalidade? • Como isso se traduz de fato em sintomas para o paciente? Quando suspeitar de erros inatos do metabolismo? FENILCETONÚRIA Doença autossômica recessiva, descoberta em 1934. Causa mutação na enzima fenilalanina hidroxilase (PHA), o que tem como consequência: • deficiência de tirosina (L-dopa, dopamina, norepinefrinae e pinefrina) • aumento de fenilalanina (compete com outros aa na barreira hematoencefálica) • aumento de fenilalanina desviada para outras rotas (fenicetonas- urina). Para transformar fenilalanina em tirosina a fenilalanina hidroxilase usa um cofator chamado de tetra-hidrobiopterian (BH4) que pode apresentar problemas no processo de conversão. No gráfico é possível observar que cada povo apresenta alelos com maior frequência para mutação da enzima fenilalanina hidroxilase a exemplo de alelos europeus, asiáticos e brasileiros (Rio Grande do Sul). Essa variedade de mutações no gene dessa enzima faz com que tenha indivíduos com fenilcetonúria, que na maioria dos casos são indivíduos heterozigotos compostos (mais de uma mutação) que por consequência resulta em uma diversidade fenotípica envolvendo a fenilcetonúria. Encontrar indivíduos homozigotos para alelos mutantes resulta em fenótipos diferentes, uma vez conhecido esses alelos, é possível direcionar terapia farmacológica específica. Classificação de acordo com o percentual de atividade enzimática • PKU Clássica: atividade da fenilalanina hidroxilase praticamente inexistente, menor que 1% e, consequentemente, níveis de fenilalanina plasmática>20mg/dL; • PKU Leve: atividade enzimática entre 1% e 3%, fenilalanina de 10 a 20mg/dL; • Hiperfenilalaninanemia transitória ou permanente: enzima> que 3%, levando a níveis de fenilalanina entre 4 a 10mg/dL. Condição benigna. Hiperfenilalaninemias atípicas (1-3% do total): • Causadas por deficiência do tetrahidrobiopterina • Afetados têm um prognóstico pior porque apresentam quadro clínico mais grave (porque atrapalha outras vias além da fenilalanina) Diagnóstico clínico: • Dano neurológico como retardo mental; • Microcefalia; • Retardo na fala; • Convulsões; • Distúrbios do comportamento; • Irritabilidade; • Hipopigmentação cutânea; • Eczemas; • Odor de rato na urina. Rastreamento neonatal: entre 2 a 5 dias do nascimento (após 48h) Diagnóstico: níveis de fenilalanina> 10mg/dL (duas amostras) Hipotireoidismo congênito Os hormônios tireoidianos atuam em diferentes mecanismos em praticamente todas as células do corpo, logo um problema nos hormônios da tireoide vai afetar todo o metabolismo dependente dessa sinalização. Nesse caso o problema vai estar ocorrendo na tireoide, principalmente na formação embriológica dela. Para formar T3 e T4 é necessário um precursor chamada de tireoglobulina que fica em um espaço chamado de colloid na tireoide, mas sozinha ela não faz nada, porque precisa, principalmente, da ingesta de iodo (há um transportador a base de sódio que adentra as células foliculares da tireoide e passa por várias enzimas de oxidação). Os íons de iodo são conjugados por enzimas específicas nas tireoglobulinas para serem secretados da tireoide para a circulação sistêmica. Classificação da doença • Primária: quando a falha ocorre na glândula tireoide; • Secundária: deficiência do hormônio estimulador da tireoide (TSH) hipofisário; • Terciária: deficiência do hormônio liberador de tireotrofina (TRH) hipotalâmico; • Resistência periférica à ação do hormônio tireóideo. Diagnóstico – triagem neonatal • Coleta após 48 horas até o 4º dia de vida • Dosagem do TSH (TSHneo 5- 20uU/mL) o Valores altos são convocados o Dosagem de T4 total e/ou livre no soro, quando necessária Tratamento • Reposição dos hormônios tireóideos deficitários (levotiroxina sódica) • Acompanhamento com avaliação hormonal, avaliações de crescimento e puberdade, além de testes psicométricos. Desenvolvimento físico e neuropsicomotor • Monitoramento laboratorial (T4 total, T4 livre e concentração de TSH) Fibrose cística ou mucoviscidose Incidência: • Caucasianos 1:3.000 • Brasil (estudo regional) 1:7.000 Proteína CFTR (Cystic Transmembrane Regulator) é o fator causador de fibrose cística • Membrana apical de células epiteliais; • Gene CFTR com 27 éxons (190kb) • MSD1 e MSD3: domínio com 12 segmentos= poro do canal de cloreto • NBD1 e NBD2: domínio de ligação de ATP • Domínio R: regulador Há mais de 200 mutações descrita para esse gene, há diferentes mutações que podem ser classificadas em classes, o que é importante porque já há medicamentos para atuar em cada uma das fases para tentar suprir o defeito dessa enzima. A grande preocupação das pessoas que apresentam mutações graves na fibrose cística é justamente na produção de mucos, principalmente, no pulmão, uma vez que doença pode bloquear as vias aéreas, favorece proliferação bacteriana, infecção crônica, lesão pulmonar e óbito por disfunção respiratória. Fisiopatologia da FC • O pâncreas é outro órgão que pode estar sendo afetado pela viscosidade desse muco. No pâncreas quando os ductos estão obstruídos pela secreção espessa, há uma perda de enzimas digestivas, levando à má nutrição. • A fibrose pancreática que a maioria destes pacientes apresenta já ocorre no período intrauterino, levando a um refluxo de enzimas pancreáticas para a circulação. • Bloqueio na reabsorção de cloro nas sudoríparas (suor hipertônico) • Muitas crianças sem sinais ao nascimento • 5% a 10% dos pacientes afetados nascem com obstrução intestinal por mecônio • Esteatorreia, problemas respiratórios, dor abdominal recorrente, pancreatite recorrente, cirrose biliar, retardo no desenvolvimento somático. Doenças do metabolismo dos esteroides Nesses casos o fato de ter o defeito em uma proteína específica afeta o ciclo de formação de vários hormônios provenientes do colesterol, desencadeando que outros aumentem sua concentração e isso por consequência resulta em complicações clínicas. A glândula supra renal tem configurações histológicas bem definidas, cada uma delas tem sua participação na formação de diferentes hormônios. O interessante desse eixo é o cortisol que será afetado, uma vez que possui várias finalidades (sistema imune, fígado, musculo, tecido adiposo). O cortisol tem uma concentração suficiente na circulação sistêmica no qual vai estar desempenhando suas funções, ele atua como sinalizador do eixo hormonal para que os hormônios precursores ou sinalizadores para que eles sejam formados seja desligado tanto na adenohipófise quanto no hipotálamo. O problema dessa doença é que sem a enzima antecessora do cortisol funcionando, não haverá cortisol suficiente para sinalizar por feedback negativo os outros hormônios, o que leva a sinalização constantes para a síntese dos demais hormônios, ocasionando as manifestações clínicas em crianças que são acometidas por hiperplasia adrenal congênita. Hiperplasia adrenal congênita Incidência • 1:15.000 • Doença autossômica recessiva Causas • 95% mutações CYP21A2 (21-hidroxilase), baixo cortisol, baixa aldosterona e aumento de andrógenos • 5% mutações 11-beta-hidroxilase Classificações das mutações • Grupo A: nenhuma atividade enzimática • Grupo B:3 a 7% de atividade enzimática • Grupo C: 20 a 6 % de atividade enzimática Fenótipos • AA: forma perdedora de sal; • BBou AB: virilizante simples • CC ou AC ou BC: forma não clássica Triagem neonatal • Dosagem do 17-hidroxi-progesterona (17OHP) • Seguido de testes confirmatório no soro Deficiência de deficiência de biotinidase A biotina faz parte do complexo B de vitaminas, ela é importante para vários ciclos bioquímicos para a produção de diferentes compostos. Há várias enzimas que necessitam de biotinas e ao usa-las as biotinas ficam conjugadas e recebem o nome de biocitinas, a biotinidase faz com que a biotina fique livre no ciclo para ser novamente usada por outras enzimas. Logo, sem a ação da biotinidase a biotina não fica disponível para várias enzimas. O tratamento é feito com reposição de biotinidase. O que é o teste do pezinho? • Nome popular para a coleta de sangue realizada por punção no calcanhar; • Esse sangue é embebido em papel filtro para ser analisado em laboratório; • O nome correto é triagem neonatal.
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