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- -1 PRÁTICA DE PESQUISA EM HISTÓRIA OS MARXISMOS E A ANÁLISE HISTÓRICA - -2 Olá! Ao final desta aula, você será capaz de: 1 - Identificar as principais características do paradigma historiográfico marxista. 2 - Analisar alguns trabalhos historiográficos que dialogaram de forma mais intensa com a tradição marxista. 3 - Relacionar o Marxismo com a modernidade historiográfica. Introdução O século XIX foi caracterizado pelo surgimento de alguns sistemas filosóficos e o marxismo foi um deles, sendo, ao mesmo tempo, uma proposta de intervenção político-revolucionária e um modelo de análise social. O marxismo, ou o materialismo histórico, precisa ser inserido na tradição filosófica racionalista, ainda que tenha rompido com ela em alguns aspectos, principalmente naquilo que se refere ao idealismo platônico e hegeliano. Com a sua ênfase nas estruturas econômicas e produtivas, a historiografia marxista não se preocupa com a ação dos sujeitos ou com eventos isolados, que fez com que o materialismo histórico tivesse uma recepção relativamente boa por parte da história social francesa. Nesse sentido, examinar com cuidado a proposta historiográfica do marxismo é o objetivo dessa aula. 1 A construção do sistema filosófico/revolucionário De acordo com especialistas como Marshall Berman e Étienne Balibar: O marxismo foi o mais importante de todos os sistemas filosóficos modernos porque se tornou tanto um modelo de análise do mundo social como um programa de ação política e revolucionária. Essa dupla dimensão do marxismo é fundamental para essa aula já que, de alguma forma, a historiografia marxista foi marcada pelo princípio da ação política e revolucionária e a sua crise é acompanhada pelo colapso do projeto político socialista, o que aconteceu no final da década de 1980. 2 Karl Marx Karl Marx é natural da região do Reno, na Alemanha, e se dedicou aos estudos filosóficos desde a década de 1830, doutorando-se em Filosofia, em 1841, quando defendeu uma tese sobre as filosofias da natureza de Demócrito e Epicuro, dois filósofos materialistas da antiguidade. - -3 Foi ao longo de 1840 que Karl Marx travou contato com leituras e pensadores que seriam fundamentais para o seu sistema filosófico; em Berlim, Marx conviveu com os discípulos de Hegel, que eram conhecidos como “jovens hegelianos” ou “hegelianos de esquerda”. Em Paris, ele conheceu os socialistas utópicos Proudhon e Fourier e começou a amizade com Friedrich Engels, que seria o seu principal interlocutor. Dialogando com as críticas ao capitalismo, como, por exemplo, aquelas elaboradas pelos socialismos utópico e cristão, Marx e Engels fundaram, em 1847, o Partido, ou Liga (Bund) comunista. - -4 Figura 1 - Friedrich Engels Perseguido, Marx exilou-se em Londres, onde permaneceu até o fim da sua vida, tendo participado, em 1864, da I Internacional dos Trabalhadores. Analisando a cronologia da biografia de Karl Marx, é possível perceber que a militância política se desenvolveu em sincronia com a reflexão sobre a modernidade capitalista, fato que evidencia essa dupla dimensão do marxismo: ao mesmo tempo proposta de ação política e sistema de pensamento. 3 Obras de Marx Em 1852, Marx publicou o *, que foi um dos seus principais trabalhos18 Brumário de Napoleão Bonaparte enquadrado no gênero histórico. *18 Brumário de Napoleão Bonaparte: Marx também deixou sua contribuição nas áreas da: - -5 Economia Em Economia, os trabalhos mais importantes foram: • os Manuscritos econômicos-filosóficos, de 1844, • a Crítica da economia política, de 1859, e • o O Capital (1876). Filosofia Em Filosofia, destacam-se: • a Sagrada Família, de 1845, • a Ideologia Alemã, de 1846 e • a Miséria da Filosofia, de 1847. ATENÇÃO A extensa obra de Karl Marx precisa ser situada na tradição da Filosofia Racionalista e ao mesmo tempo considerada uma crítica a essa tradição. Examinar com cuidado o diálogo entre o racionalismo e o marxismo é fundamental para a compreensão da proposta analítica desse modelo interpretativo e, por consequência, do rendimento dessa proposta para a pesquisa histórica. • • • • • • - -6 4 O marxismo e o racionalismo O sistema filosófico desenvolvido por Karl Marx dialogou diretamente com aquela que é a principal tradição filosófica ocidental: o racionalismo. Tendo suas origens na antiguidade, com pensadores como Heráclito, Parmênides, Sócrates, Platão e Aristóteles, o racionalismo se fundamenta em dois princípios: • A definição da razão como uma capacidade elementar do homem e • O compromisso dessa capacidade racional com o conhecimento da verdade. Podemos dizer, então, que todos os desdobramentos do racionalismo, em alguma medida, são marcados por esse otimismo epistemológico, consistindo no princípio de que o homem traz dentro de si a possibilidade de resposta para todos os seus problemas (Cauquelin; 1995). O marxismo, na medida em que também é um sistema filosófico racionalista, é marcado por esse otimismo. Como se trata de uma leitura teleológica da História, o marxismo pressupõe um fim ideal para o sistema capitalista de produção, que seria, de acordo com os prognósticos de Karl Marx, o momento da revolução do proletariado, quando os trabalhadores, agindo como um sujeito coletivo da história e impulsionados por uma identidade de classe, colocariam fim à opressão burguesa. Marx foi um dos principais modernistas do século XIX por ter se dedicado como poucos ao fenômeno da modernidade. Para Marx, os operários eram uma classe tipicamente moderna e somente eles seriam capazes de resolver os impasses da modernidade. Logo, ele afirmava que a classe dos “novos homens”, homens que são legitimamente modernos, conseguirá absolver as contradições da modernidade, superar as pressões esmagadoras, os terremotos, as misteriosas distorções, os abismos sociais e pessoais, em cujo interior todos os homens e mulheres modernos são forçados a viver. (Berman; 2005, p. 30). • • - -7 Figura 2 - Marshall Berman Para Marx, o momento da revolução era o desenlace óbvio do capitalismo por conta da contradição que é inerente ao sistema, ou seja, a luta entre as classes. Para esse pensador, os conflitos entre a burguesia e o proletariado se tornariam cada vez mais violentos, o que colaboraria para minar, em um movimento endógeno, a estrutura do sistema (Ballibar; 1995). Por outro lado, mesmo com essa concepção teleológica da história, Marx abre a possibilidade de que o desfecho revolucionário do capitalismo esteja condicionado à tomada de consciência por parte do proletariado de sua condição de classe explorada. Está aí a importância da “razão” para o pensamento marxista; os trabalhadores somente serão capazes de colocar fim ao capitalismo e salvar a modernidade se, e somente se, tiverem consciência da sua situação. Por isso, é a razão que funciona como uma espécie de “messias laico” na Teoria Marxista. Clique no link para saber mais sobre o marxismo e o racionalismo: http://estaciodocente.webaula.com.br/cursos /gon459/docs/a03_06_01.pdf 5 Os desdobramentos do marxismo O marxismo se desdobrou em várias correntes de análise, tornando essa tradição bastante complexa e diversificada. Como o objetivo dessa disciplina é apresentar possibilidades teórico-metodológicas a sua prática de pesquisa, é fundamental que você conheça alguns desses desdobramentos. Caso você escolha dialogar com a tradição marxista, é nessas correntes, e obviamente, nos escritos do próprio Marx, que os seus estudos precisam estar centrados. Dedicamo-nos, nessa aula, a propostasquatro interpretativas que são tributárias do marxismo: • O leninismo, • O luckácsianismo, • O althuserianismo e • • • http://estaciodocente.webaula.com.br/cursos/gon459/docs/a03_06_01.pdf http://estaciodocente.webaula.com.br/cursos/gon459/docs/a03_06_01.pdf - -8 • O althuserianismo e • A Escola de Frankfurt. Também analisamos o diálogo do marxismo com a história social francesa. Veremos, a seguir, cada uma delas. 6 LeninO marxismo leninista encontrou em Vladimir Ilich Uliánov, mais conhecido como Lenin, o seu principal representante e se tornou a doutrina oficial do Partido Comunista que assumiu o governo da União Soviética em 1922. A intepretação que Lenin desenvolveu, das obras de Marx, priorizou a dimensão político-revolucionária do materialismo histórico e é original em diversos aspectos; ao contrário da defesa do proletariado como o sujeito coletivo responsável pela destruição do capitalismo, Lenin enfatizou o papel do indivíduo, do intelectual revolucionário e do partido como a vanguarda do proletariado. Isso se explica, em parte, pelo esforço que Lenin teve que fazer para justificar teoricamente a revolução socialista, na Rússia, que, na época, era um país agrário e sem um proletariado formado. • • - -9 7 Lukács Já a interpretação desenvolvida por Georg Lukács ficou conhecida como “marxismo ocidental” porque propôs uma leitura menos influenciada pela abordagem leninista proposta pelo Partido Comunista Soviético. Em sua principal obra, , Lukács buscou a diferenciação entre os conceitosHistória e Consciência de Classe “origem de classe” e “consciência de classe”, distinção que não foi proposta por Marx. Para Lukács, a identidade de classe não precisa, obrigatoriamente, traduzir a origem de classe no sujeito. Nesse sentido, o intelectual burguês pode se identificar com a causa do proletariado. Essa formulação foi considerada inadequada pelas correntes mais ortodoxas do marxismo, como aquela representada por Louis Althusser. - -10 8 Louis Althusser Louis Althusser foi um dos marxistas mais influentes do século XX; os seus trabalhos Ler “O Capital”, A favor de .Marx e Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado estão entre os principais tratados marxistas Althusser priorizou o lado científico do materialismo histórico buscando o diálogo dessa corrente de pensamento com os estruturalismos então em voga nas ciências humanas. Buscando-se afastar dos primeiros escritos de Marx, que Althusser considerava excessivamente influenciados pelo hegelianismo, o pensador francês tentou preencher as lacunas teóricas do marxismo, visando aprimorar a capacidade científica dessa corrente de pensamento. - -11 9 Escola de Frankfurt Por último, destacamos a como um dos principais desdobramentos do marxismo.Escola de Frankfurt Chamamos de “Escola de Frankfurt” o grupo de intelectuais que se reuniu em torno do Instituto de Pesquisas Sociais fundado, em Frankfurt, em 1924. Os principais líderes do movimento foram Theodor Adorno e Max Horkheimer, que escreveram, em 1947, o tratado que é considerado o mais emblemático da proposta analítica frankfurtiana: A Dialética do Conhecimento. Para Danilo Marcondes, Os pensadores da Escola de Frankfurt procuraram desenvolver uma teoria crítica do conhecimento e da sociedade inspirados na obra de Marx e em suas raízes hegelianas, relacionando o marxismo com a tradição crítica moderna. O principal aspecto dessa crítica diz respeito à racionalidade técnica e instrumental que teria dominado a sociedade moderna com a Revolução Industrial. (Marcondes; 1997, p. 233-234). Nesse sentido, os intelectuais de Frankfurt formularam uma crítica a essa racionalidade técnica e propuseram uma racionalidade emancipatória. Para esses autores, a indústria cultural é a principal manifestação dessa racionalidade técnica que .transforma tudo em objeto de consumo - -12 Um dos principais frankfurtianos, criticando a indústria cultural do capitalismo, foi Walter , que se dedicou aos temas da linguagem e da cultura. A apropriação dosBenjamin* frankfurtianos do pensamento marxista não é nada ortodoxa. O marxismo é pensado por eles como um aporte teórico fundamental para pensar a sociedade contemporânea. *Walter Benjamin: 10 Exemplo de análise marxista Como essa disciplina está voltada para a prática de pesquisa, é fundamental a análise cuidadosa de um trabalho que se aproximou dessa tradição. Por isso, examinamos agora um importante exemplo do marxismo historiográfico ocidental. Caso você pretenda, no seu trabalho de conclusão de curso, dialogar com materialismo histórico, é fundamental a leitura desse texto. - -13 O historiador inglês E. P. Thompson está entre os principais autores marxistas da historiografia ocidental. O seu livro Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional é um texto referência tanto para o marxismo como para a história cultural inglesa. O tema do livro é a cultura dos trabalhadores ingleses entre os séculos XVIII e XIX, especificamente os costumes desses sujeitos. O autor afirma que, no século XVIII, aconteceu um grande esforço de transformação da cultura dos trabalhadores, provocando uma grande separação em relação à cultura patrícia. A abordagem marxista dessa história cultural fica clara no seguinte trecho: Uma cultura é também um conjunto de diferentes recursos, em que há sempre uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole; é uma arena de elementos conflitivos, que somente sob uma pressão imperiosa assume forma de um sistema. Nesse ponto, as generalizações dos universais da “cultura popular” se esvaziam, a não ser que sejam colocadas firmemente dentro de contextos históricos específicos. (Thompsom; p. 17) - -14 Nesse sentido, para Thompson, a cultura não é uma entidade abstrata, mas sim um conjunto de práticas que ganha materialidade na lógica prática da vida, traduzindo, inclusive, as disputas pela hegemonia social. O autor examina, então, os conflitos, que tiveram lugar, no século XVIII, entre a cultura popular pré-moderna e a conduta não econômica baseada nos costumes dos grupos mais pobres. De acordo com as considerações de Thompson, o amadurecimento do capitalismo, o que aconteceu com a Revolução Industrial e com as consequentes mudanças demográficas, consolidou-se -se uma grande transformação histórica estabelecendo mudanças no comportamento popular no sentido de interiorização do ethos da exploração burguesa. Thompsom afirma que os primeiros indícios dessa mudança já podem ser percebidos, no início do século XVII, quando a burguesia rural inglesa — a gentry — começou a utilizar técnicas modernas de cultivo do campo e, consequentemente, de exploração do trabalho do camponês. Para o autor, essa exploração era maquiada por atitudes cordiais, que seria, de acordo com a tradição marxista, uma espécie de protoideologia. Edward Thompson, caro aluno, nos oferece um grande exemplo de como é possível combinar uma reflexão de matriz marxista com uma abordagem de inspiração culturalista. Trata-se aqui de um marxismo extremamente refinado e produtivo, que pode ser bastante importante para a sua pesquisa, caso ela estabeleça um diálogo teórico com o materialismo histórico. - -15 O que vem na próxima aula Na próxima aula, você vai estudar: • A crise dos estruturalismos; • A proposta analítica do giro linguístico. CONCLUSÃO Nesta aula, você: • Identificou as principais características do modelo analítico marxista. • Associou o marxismo à tradição filosófica racionalista e ao pensamento moderno. A historiografia brasileira também oferece bons exemplos de interpretação marxista, como os estudos de Caio Prado Jr., Jacob Gorender e Nelson Werneck Sodré. Examinar esses estudos é fundamental para qualquer historiador brasileiro que tenha o interesse de se aproximar do materialismo histórico. Saiba mais • • • • Olá! 1 A construção do sistema filosófico/revolucionário 2 Karl Marx 3 Obras de Marx 4 O marxismo e o racionalismo 5 Os desdobramentos do marxismo 6 Lenin 7 Lukács 8 Louis Althusser 9 Escola de Frankfurt 10 Exemplo de análise marxista O que vem na próxima aula CONCLUSÃO
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