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2 SUMÁRIO 1 O LÚDICO ................................................................................................... 3 2 O LÚDICO NA ESCOLA ............................................................................. 7 3 DESMARANHANDO O MISTÉRIO DO BRINCAR ................................... 11 4 PORQUE BRINCAR ................................................................................. 12 5 O BRINCAR E A APRENDIZAGEM .......................................................... 14 6 NECESSIDADES DE APRENDIZAGEM E O PAPEL DO PROFESSOR . 17 7 O BRINCAR E A CRIATIVIDADE ............................................................. 19 8 A BRINCADEIRA, OS BRINQUEDOS E A REALIDADE .......................... 21 9 O JOGO: PROPRIEDADES FORMATIVAS ............................................. 23 10 Cultura, ludicidade e infância ................................................................. 24 10.1 Culturas da Infância ........................................................................ 24 10.2 Cultura Lúdica ................................................................................. 31 11 A construção do espaço, tempo e ato do brincar................................... 35 11.1 Brinquedos e brincadeiras e a construção do conhecimento .......... 35 12 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 49 3 1 O LÚDICO Fonte: www.casinhadeleitura.wordpress.com O lúdico pela sua relevância, tem sido abordado pelo viés da História, da Filosofia, da Psicologia, da Psicanálise e da Psicomotricidade Relacional, entre outras áreas de conhecimento. Muitos autores o consideram como impulsionador do desenvolvimento da criança. Contudo, a partir da Psicanálise, o brincar é abordado como objeto de estudo e contribui para compreensão da importância do lúdico no desenvolvimento infantil. Freud, com base no caso de uma criança, já especulara sobre a psicologia infantil e o significado psicológico do lúdico. Freud observou que essa criança, na época com 18 meses, brincava com um carretel de madeira. Utilizando um barbante atado a ele, jogava-o várias vezes, em um movimento que o fazia desaparecer para, em seguida, puxá-lo, fazendo-o reaparecer. Toda vez que o menino puxava o fio e o carretel aparecia, ele ficava contente. Ao contrário, quando desaparecia, ficava triste. Assim, este psicanalista compreendeu que o jogo representava a maneira pela qual essa criança buscava consolar-se da angústia provocada pela ausência temporária de sua mãe. Freud reconheceu nesse comportamento uma função da brincadeira infantil. Graças à brincadeira, a criança consegue transformar as experiências que vivenciou passivamente em um desempenho ativo, convertendo a dor em prazer, ao dar às experiências originalmente dolorosas um desfecho feliz. Dessa forma, a teoria freudiana mudou a concepção da infância. Todavia, até então, 4 a Psicanálise parecia inadequada à criança, pois a análise de adultos realizava-se por meio da comunicação verbal, de associações livres. No caso da criança pequena, a fala é limitada, sendo quase impossível exigir que façam associações livres. Posteriormente, Melanie Klein, discípula de Freud, lançou as bases da análise de crianças e desenvolveu as técnicas. Na década de 1920, ela iniciou um trabalho com crianças e bebês. Isso lhe possibilitou criar a técnica lúdica para análise de crianças desde tenra idade, que lhe forneceu instrumentos para desvendar segredos mais profundos da mente humana desde os primórdios de sua formação (MELLO). Klein parte da constatação de que, no psiquismo da criança, o inconsciente está próximo do consciente e que as manifestações da fantasia inconsciente aparecem na conduta e no brincar de forma quase indisfarçada. Com base em suas observações para captar o inconsciente, propôs-se a usar brinquedos como instrumentos intermediários de comunicação, objetivando obter associações da criança. Segundo o pensamento kleiniano, o brincar da criança pode representar, simbolicamente, suas ansiedades e fantasias. E, já que não se pode exigir da criança que faça associações livres, o brincar corresponderia a expressões verbais, ou seja, à expressão simbólica de seus conflitos inconscientes. Ao brincar, as crianças expressam o conteúdo inconsciente de seu psiquismo, assim como os adultos o fazem nas associações livres. Klein postulou que o brincar equivale ao sonhar do adulto, restando ao analista desvendar o sentido do brinquedo. Ao brincar, a criança encontra um intenso prazer, visto que, por meio dos jogos e brincadeiras, realiza seus desejos, como também busca minimizar os desprazeres, uma vez que o brincar possibilita o domínio da angústia. As atividades lúdicas da criança permitem uma transposição do real para a fantasia, possibilitando à criança lidar com o medo dos perigos internos e externos (MELLO). Em outros termos, é a brincadeira que é universal e que é própria da saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação. Toda atividade lúdica funda-se no prazer. Neste sentido, o prazer sensório motor é um aspecto fundamental para a Psicomotricidade Relacional, sendo a expressão mais evidente da unidade da personalidade da criança. Geralmente, associa-se o prazer sensório-motor às atividades motrizes, como caminhar, saltar, correr e girar. Contudo, autores como Lapierre e Auconturier (1998) atribuem uma relação entre as sensações corporais e os estados tônico-emocionais do indivíduo. 5 Colocado de outra forma, no plano psíquico, as modulações tônicas que acompanham o gesto dão-lhe sua tonalidade afetiva, revelando sentimentos, conscientes ou inconscientes. Grosso modo, diríamos que o “corpo não mente”, por ser mais “instintivo”, mais espontâneo, pois, como já vimos antes, a consciência não controla todas as sensações. Assim, a pessoa pode se deparar com situações em que seu corpo revela seu estado emocional, como tristeza, raiva, timidez, e outras emoções, mesmo que conscientemente não os queira revelar. Fonte:www.pequenaeva.com O lúdico é importante na educação infantil, é através dele que a criança vem a desenvolver habilidades para a aprendizagem acontecer. O educador deve direcionar toda a atividade fazendo a brincadeira perder o caráter livre promovendo um caráter pedagógico, promovendo interação social e o desenvolvimento de habilidades intelectivas. A forma mais apropriada para conduzir a criança à atividade, a auto expressão e à socialização é através dos jogos, são como fatores decisivos na educação infantil. A educação lúdica sempre esteve presente em todas as épocas entre os povos e estudiosos, sendo de grande importância no desenvolvimento do ser humano na educação infantil e na sociedade. Os jogos e brinquedos sempre estiveram presentes no ser humano desde a antiguidade, mas nos dias de hoje a visão sobre o lúdico é diferente. Implicam-se o seu uso e em diferentes estratégias em torno da pratica no cotidiano. É por isso que a proposta de incluir as atividades lúdicas na educação 6 infantil vem sendo discutida por muitos pensadores e educadores, que a formação do educador seja de total responsabilidade pela permanência do aluno na escola, para adquirir valores, melhorar os relacionamentos entre os colegas na sociedade que é um direito de todos. O sentido real, verdadeiro, funcional da educação lúdica estará garantindo se o educador estiver preparado para realizá-lo. Nada será feito se ele não tiver um profundo conhecimento sobre os fundamentos essenciais da educaçãolúdica, condições suficientes para socializar o conhecimento e predisposição para levar isso adiante (ALMEIDA, 2000, p.63). Encontra-se nos dias de hoje, lugares que ainda não colocaram em seu cotidiano, atividades lúdicas para enriquecer as ferramentas para o processo de ensino e aprendizagem. A educação lúdica sempre esteve presente em todas as épocas, é ainda desvalorizada em algumas instituições defasando o processo de construção de conhecimento. É no jogo que a criança começa a desenvolver fatores intelectuais. O lúdico tem uma tarefa difícil, pois o educador tem que ter uma fundamentação teórica bem estruturada e ter a consciência de que está lidando com uma criança modernizada, e que o repertorio de atividades precisa ser adaptado a estas situações. Com cinco anos de idade a criança está na fase da imitação, em uma fase de construção contínua e o seu pensamento se torna mais sólido a cada novo conhecimento. Trabalha-se com regras, a criança se interessa por jogos de caráter simbólicos permitindo a ela, aprender a resolver conflitos, organização, e os educadores vão influenciando o compreender o mundo adulto de forma objetiva. O jogo com regras a terceira categoria lúdica proposta por Piaget, sucede, no desenvolvimento, ao jogo simbólico. É próprio da criança que egressa no período das operações concretas e vai ser um tipo de jogo que prevalece entre os adultos. (CARVALHO, 2005, p.39) As crianças têm a necessidade de frequentar uma pré-escola, onde professores desenvolveram através de atividades lúdicas que auxilia no desenvolvimento intelectual. As atividades lúdicas auxiliam as crianças, através dos jogos a criança aprende a construir uma série de informações e ter novos conhecimentos, principalmente na aprendizagem. 7 Fonte: www.criancaaprendiz.com.br O lúdico é tão importante na vida da criança, possibilita a desenvolver habilidades, a imaginação, comparar o real com o faz de conta. O educador tem que ter preparo para trabalhar atividades lúdicas com crianças. O que os jogos têm de importante para o desenvolvimento dessas crianças, o que pode ser estimulado através do brincar. A educação infantil tem que estar preparada para receber essas crianças, é uma fase que a criança aprende muito rápido, é através dos brinquedos, dos jogos, das brincadeiras é o momento para trabalhar a criança e ajudar no seu desenvolvimento. 2 O LÚDICO NA ESCOLA A maioria das escolas tem didatizado a atividade lúdica das crianças restringindo-as a exercícios repetidos de discriminação viso- motora e auditiva, através do uso de brinquedos, desenhos coloridos, músicas ritmadas. Ao fazer isso, ao mesmo tempo em que bloqueia a organização independente das crianças para a brincadeira, essas práticas pré-escolares, através do trabalho lúdico didatizado, enfatizam os alunos, como se sua ação simbólica servisse apenas para exercitar e facilitar para o professor, a transmissão de determinada visão do mundo, definida a priori pela escola. 8 Fonte:www.nopatio.com.br “É fundamental que se assegure à criança o tempo e os espaços para que o caráter lúdico do lazer seja vivenciado com intensidade capaz de formar a base sólida para a criatividade e a participação cultural e, sobretudo para o exercício do prazer de viver, e viver, como diz a canção... como se fora brincadeira de roda...” (MARCELINO, NELSON.C., 1996.p.38). É papel da educação formar pessoas críticas e criativas, que criem, inventem, descubra, que sejam capazes de construir conhecimento. Não devendo aceitar simplesmente o que os outros já fizeram, aceitando tudo o que lhe é oferecido. Daí a importância de se ter alunos que sejam ativos, que cedo aprendem a descobrir, adotando assim uma atitude mais de iniciativa do que de expectativa. Considera-se função da educação infantil promover o desenvolvimento global da criança; para tanto é preciso considerar os conhecimentos que ela já possui, proporcionar à criança vivenciar seu mundo, explorando, respeitando e reconstruindo. Nesse sentido a educação infantil deve trabalhar a criança, tomando como ponto de partida que esta, é um ser com características individuais e que precisa de estímulos, para crescer criativa, inventiva e acima de tudo crítica. 9 Fonte: www.mercadodadiversao.com Quando o aluno chega a escola traz consigo uma gama de conhecimento oriundo da própria atividade lúdica. A escola, porém, não aproveita esses conhecimentos, criando uma separação entre a realidade vivida por ela na escola e seus conhecimentos. A escola agindo desta forma estará comprometendo a própria espontaneidade da criança, que não se sentirá tão à vontade em sala de aula a ponto de deixar fluir naturalmente sua imaginação e emoção. A ação de brincar, segundo Almeida (1994) é algo natural na criança e por não ser uma atividade sistematizada e estruturada, acaba sendo a própria expressão de vida da criança. RIZZI e HAYDT convergem para a mesma perspectiva quando afirmam: “O brincar corresponde a um impulso da criança, e este sentido, satisfaz uma necessidade interior, pois, o ser humano apresenta uma tendência lúdica” (1987 p. 14). O lúdico aplicado à prática pedagógica não apenas contribui para a aprendizagem da criança, como possibilita ao educador tornar suas aulas mais dinâmicas e prazerosas. Cunha (1994), ressalta que a brincadeira oferece uma “situação de aprendizagem delicada”, isto é, o educador precisa ser capaz de respeitar e nutrir o interesse da criança, dando-lhe possibilidades para que envolva em seu processo, ou do contrário perde-se a riqueza que o lúdico representa. Neste sentido é responsabilidade do educador, na educação infantil, ajudar a criança a ampliar de fato, as suas possibilidades de ação. Proporcionando à criança 10 brincadeiras que possam contribuir para o seu desenvolvimento psicossocial e consequentemente para a sua educação. O lúdico enquanto recurso pedagógico deve ser encarado de forma séria e usado de maneira correta, pois como afirma ALMEIDA (1994), o sentido real, verdadeiro, funcional da educação lúdica estará garantida, se o educador estiver preparado para realizá-lo. Sendo que o papel do educador é, intervir de forma adequada, deixando que o aluno adquira conhecimentos e habilidade; suas atividades visam sempre um resultado, e uma ação dirigida para a busca de finalidades pedagógicas. A educadora Ferreiro (1989), já apontava para a importância de se oferecer a criança ambientes agradáveis onde se sinta bem e a vontade, pois a criança deverá se sentir como integrante do meio em que está inserida. Conceber o lúdico como atividade apenas de prazer e diversão, negando seu caráter educativo é uma concepção ingênua e sem fundamento. A educação lúdica é uma ação inerente na criança e no adulto aparece sempre, como uma forma transacional em direção a algum conhecimento. A criança aprende através da atividade lúdica ao encontrar na própria vida, nas pessoas reais, a complementação para as suas necessidades. O brincar é sem dúvida um meio pelo qual os seres humanos e os animais exploram uma variedade de experiências em diferentes situações, para diversos propósitos. Considerem, por exemplo, quando uma pessoa adquire um novo equipamento, tal como uma máquina de lavar a maioria dos adultos vai dispensar a formalidade de ler o manual de ponta a ponta e preferir brincar com os controles e funções. Através deste meio, os indivíduos chegam a um acordo sobre as inovações e se familiarizam com objetos e materiais: nas descrições do brincar infantil isso é frequentemente classificado como um brincar funcional. Esta experiência práticade uma situação real com um propósito real para o suposto brincador, normalmente é seguida pela imediata aprendizagem das facetas da nova máquina, reforçada subsequentemente por uma consulta ao manual e consolidada pela prática. A semelhança deste processo com uma forma idealizada de aprendizagem para as crianças pequenas é inevitável. Mas será que o brincar é verdadeiramente valorizado por aqueles envolvidos na educação e na criação das crianças pequenas? Com que frequência o brincar e a escolha dos materiais lúdicos são reservados como uma atividade para depois de as crianças terminarem o trabalho, reduzindo assim 11 tanto seu impacto quanto seu efeito sobre o desenvolvimento da criança. Quantas crianças chegam à escola maternal incapazes de envolver-se no brincar, em virtude de uma educação passiva que via o brincar como uma atividade barulhenta, desorganizada e desnecessária? O brincar em situações educacionais, proporciona não só um meio real de aprendizagem como permite também que adultos perceptivos e competentes aprendam sobre as crianças e suas necessidades. No contexto escolar isso significa professores capazes de compreender onde as crianças estão em sua aprendizagem e desenvolvimento geral, o que, por sua vez, dá aos educadores o ponto de partida para promover novas aprendizagens nos domínios cognitivos e afetivos. Fonte: www.emefjoaocampestrini.wordpress.com 3 DESMARANHANDO O MISTÉRIO DO BRINCAR Por mais louvável que seja tentar definir o brincar, isso pode sugerir uma abordagem quantificável que, raramente acontece. Embora aceitando quase instintivamente o valor do brincar, é difícil para os professores envolvidos na organização cotidiana da aprendizagem infantil extrair algo com substância pragmática e teórica suficiente sobre o qual basear seus julgamentos e oferecimento de aprendizagem. Existem amplas evidências desta dificuldade nas escolas de educação infantil e de ensino fundamental onde o brincar é frequentemente relegado a atividades, 12 brinquedos e jogos que as crianças podem escolher depois de terminarem seu trabalho. A dicotomia para os professores é muito real: por um lado, a implicação é de que as crianças aprendem muito pouco sem a direção dos professores, e, por outro, o brincar auto iniciado pela criança é defendido como proporcionador de um melhor contexto de aprendizagem. Isso serve para salientar as muitas complexidades do papel do educador infantil. O tempo gasto brincando com as crianças é menor do que, por exemplo, ouvindo a leitura de cada uma, e vice-versa. Também existe a dificuldade, salientada de que os próprios adultos na verdade acham muito insatisfatório e até frustrante brincar com as crianças. 4 PORQUE BRINCAR Fonte: www.espacodacriancabelem.com A criança pequena que assume o papel da bailarina está experimentando como é adotar o papel de outra pessoa. Ela imita movimentos, maneirismos, gestos, expressões: ela realmente sente como é estar vestida com um tecido armado como o tule, as texturas contrastantes, as propriedades que elas oferecem e as diferentes qualidades e posturas físicas que inspiram. 13 Através do espelho, ela se examina em uma outra aparência, provavelmente estimulada também por vários fatores como a brilhante cor cereja do tecido e o contraste branco-creme do tule, a forma diferente de seu corpo com esta roupa especial, e como ela se ajusta ao quadro apresentando pela imagem no espelho. Ao fazer piruetas está explorando suas próprias capacidades físicas, hesitantes e desajeitadamente, a princípio, mas com uma pose e agilidade que aumentam rapidamente. Ela não está tentando ser aquela bailarina e ainda está firmemente posicionada no mundo da infância, o que fica evidente pela melodia infantil que está cantarolando. Sobre este tipo de brincar, Kami afirma: “Algumas encenações de papéis são esquemáticas, representando apenas eventos salientes em uma sequência de ações. A maioria das encenações é claramente criada a partir de conceitos de comportamentos apropriados e muito provavelmente não é uma imitação direta de pessoas. “ O adulto que rabisca está explorando o meio disponível de maneiras previamente não-descobertas, como uma repetição consciente ou inconsciente de um desenho previamente encontrado ou variações sobre um tema. Isso pode ou não ter um propósito, dependendo do adulto específico e do papel ao qual ele normalmente está associado, tal como o de artista gráfico, pintor amador ou calígrafo. Um aspecto importante é que este tipo de brincar exploratório, que segundo Kishimoto (1994) é uma preliminar do brincar real, só será uma preliminar do brincar se a pessoa fizer caligrafia ou pintar apenas como passatempo. Poucos negariam que o brincar, em todas as suas formas, tem a vantagem de proporcionar alegria e divertimento. Almeida (2004) chega ao ponto de dizer que o brincar desenvolve a criatividade, a competência intelectual, a força e a estabilidade emocionais, e sentimentos de alegria e prazer: o hábito de ser feliz. Inversamente, parece que o brincar pode e ocorre no contexto de resolver conflitos e ansiedades, o que é aparentemente contraditório. Entretanto, considere esta afirmação de Kami (1991), uma nova experiência, se não for assustadora, provavelmente atrairá primeiro a atenção, se for investigado é que ele poderá ser tratado mais levemente e ser divertido. A estimulação, a variedade, o interesse, a concentração e a motivação são igualmente proporcionados pela situação lúdica. Se acrescentarmos a isso a oportunidade de ser parte de uma experiência que, embora possivelmente exigente, não é ameaçadora, é isenta de constrangimento e permite ao participante uma 14 interação significativa com o meio ambiente, as vantagens do brincar ficam mais aparentes. Mas o brincar também pode proporcionar uma fuga, às vezes das pressões da realidade, ocasionalmente para aliviar o aborrecimento, e às vezes simplesmente como relaxamento ou como uma oportunidade de solidão muitas vezes negada aos adultos e às crianças no ambiente atarefado do cotidiano. Pois embora as qualidades sociais do brincar sejam as que recebem supremacia quando pensamos sobre o conceito, ele é e deve ser aceito como algo privado e interno para o indivíduo quando esta for a sua escolha. Isso se aplica igualmente às crianças no turbilhão de atividades na escola e em casa. 5 O BRINCAR E A APRENDIZAGEM Fonte: www.minutocrianca.com O principal problema quando tentamos discutir o brincar e a aprendizagem é que a primeira tarefa difícil, conforme sugerido por Wajskop (1995) é a de distinguir entre o brincar e os comportamentos de brincar. O brincar é, portanto, o processo quanto modo: como as crianças e os adultos consideram certos objetos ou eventos indica se eles estão ou não agindo de maneira lúdica. Qualquer coisa pode ser realizada de maneira lúdica, seja qual for a categoria ou o nível de atividade envolvida, e é possível que adultos e crianças mudem dentro 15 de uma mesma situação, de lúdico para sério, e vice versa. O mais importante é que isso pode, ou não, ficar óbvio para um observador. Especialmente na escola, segundo Oliveira (2000), é improvável que as crianças consigam se expressar, devido a constrangimentos temporais e interpessoais, de forma tão competente, consistente e aberta como fazem em casa. Os professores encontram outros problemas quando tentam avaliar o que a criança realmente está aprendendo a partir do comportamento de brincar exibido. Para Oliveira (2000) dizem também que as crianças ocupadas com uma atividade raramente conseguem participarde conversas intelectualmente desafiadoras, porque sua atenção está dirigida para a tarefa. Os professores precisam inferir, a partir de suas atitudes externas, concentração, expressões faciais, motivação aparente, e assim por diante, qual está sendo sua provável aprendizagem; de outra maneira, como eles podem saber que ensino e aprendizagem são necessários. Kishimoto (1994), diz sobre a análise do nosso próprio brincar: As escolhas de oportunidade lúdicas que fazemos habitualmente, sem refletir, podem, se refletirmos a respeito, ser psicologicamente informativas sobre nós mesmos e podem sugerir uma série de questões muito interessantes sobre o significado psicológico dessas escolhas. No contexto do presente modelo, precisamos reservar tempo para explorar as necessidades explicitadas pelo brincar, assim como tempo para conversar sobre ele, ampliando a aprendizagem por meio do brincar dirigido. A oportunidade para avaliar as respostas, compreensões e incompreensões da criança se apresenta nos momentos mais relaxados do brincar livre. A maior aprendizagem está na oportunidade oferecida à criança de aplicar algo da atividade lúdica dirigida a alguma outra situação. Cunha (1994) explica claramente suas ideias em relação a este aspecto quando diz que o brincar, como uma atividade, está constantemente gerando novas situações. Não se brinca apenas com e dentro de situações antigas. 16 Fonte: www.sitedamulher.com No caso das crianças pequenas, as incidências de aprendizagem podem ser muito pequenas, mas são elas que fazem a criança avançar um estágio ou mais na aprendizagem. E são essas aprendizagens que, livres do constrangimento do ensino ou da aprendizagem explícita, podem ser verdadeiramente consideradas como brincar, pois como dizem Pourtois & Desmet (1999, p. 52), a exploração tende a preceder o domínio, que tende a preceder o brincar, e nem sempre é fácil distingui- los. Por meio do brincar livre, exploratório, as crianças aprendem alguma coisa sobre situações, pessoas, atitudes e respostas, materiais, propriedades, texturas, estruturas, atributos visuais, auditivos e sinestésicos. Por meio do brincar dirigido, elas têm uma outra dimensão e uma nova variedade de possibilidades estendendo-se a um relativo domínio dentro daquela área ou atividade. Por meio do brincar livre subsequente e ampliado, as crianças provavelmente serão capazes de aumentar, enriquecer e manifestar sua aprendizagem. Quanto mais jovem a criança, mais provável que seja necessário o brincar mais exploratório, mas isso depende do contexto geral e exploratório em suas experiências pré-escolar, em casa ou com companheiros de brincadeiras. Elas então chegam à escola possivelmente com expectativas muito diferentes em relação ao brincar. Qualquer pessoa que já tenha observado ou participado do brincar infantil por certo período de tempo perceberá imediatamente que as crianças nem sempre 17 utilizam uma variedade toa grande de materiais e atividades como frequentemente se sugere. Às vezes elas restringem bastante os recursos, manipulando-os dentro de um estreito intervalo de possibilidades potenciais, e precisam ser estimuladas a usá-los de outras maneiras e para outros propósitos. 6 NECESSIDADES DE APRENDIZAGEM E O PAPEL DO PROFESSOR Fonte: www.linguainglesanaatualidade.blogspot.com.br As crianças pequenas geralmente apresentam todas estas características e outras, em seu brincar. O brincar, como um processo e modo, proporciona uma ética da aprendizagem em que as necessidades básicas das crianças podem ser satisfeitas. Essas necessidades incluem as oportunidades: De praticar, escolher, preservar, imitar, imaginar, dominar, adquirir competência e confiança; De adquirir novos conhecimentos, habilidades pensamentos e entendimentos coerentes e lógicos; De criar, observar, experimentar, movimentar-se, cooperar, sentir, pensar, memorizar e lembrar; 18 De comunicar, questionar, interagir com os outros e ser parte de uma experiência social mais ampla em que a flexibilidade, a tolerância e a autodisciplina são vitais; De conhecer e valorizar a si mesmo e as próprias forças, e entender as limitações pessoais; De ser ativo dentro de um ambiente seguro que encoraje e consolide o desenvolvimento de normas e valores socais. O brincar aberto, aquele que poderíamos chamar de a verdadeira situação de brincar, apresentar uma esfera de possibilidades para a criança, satisfazendo suas necessidades de aprendizagem e tornando mais clara a sua aprendizagem explícita. Parte da tarefa do professor é proporcionar situações de brincar livre e dirigido que tentem atender às necessidades de aprendizagem das crianças e, neste papel, o professor poderia ser chamado de um iniciador e mediador da aprendizagem. Entretanto, o papel mais importante do professor é de longe aquele assumido na terceira parte do ciclo do brincar, quando ele deve tentar diagnosticar o que a criança aprendeu, o papel de observador e avaliador. Ele mantém e intensifica esta aprendizagem e estimula o desenvolvimento de um novo ciclo. Fonte: www.keyword-suggestions.com Este procedimento aparentemente muito complexo é realizado em muitas salas de aula, atendendo às necessidades das crianças mais jovens em todo o país, em um 19 ou outro nível. O treinamento inicial e prático dos professores precisa assegurar que eles adquiram mais competência nesta área a fim de acompanhar as tendências nacionais e manter o papel vital do brincar no desenvolvimento das crianças. O que sempre deve ser lembrado, todavia, é que as crianças podem e aprendem de outras maneiras além da lúdica, e frequentemente tem prazer com isso. Um exemplo seria ouvir uma história ou trabalhar ao lado de um adulto que está fazendo alguma coisa. Kishimoto (1990) acha que esse elemento do brincar e aprender mais dirigido para um objetivo é muitas vezes esquecido e inclusive desprezado por muitos professores de educação infantil, mas é assim que as crianças vêm aprendendo há muitos séculos. Ela diz que por mais detestável que seja a ideia para estes professores, há poucas evidências de que brincar livre com blocos ensine mais à criança do que copiar um modelo dos mesmos. 7 O BRINCAR E A CRIATIVIDADE A correlação entre criatividade e resolução de problemas já foi estabelecida quando se considerou a criança como um pensador divergente e lógico. Oliveira (2000, p. 35) afirma: É no pensamento divergente que encontramos as indicações mais óbvias de criatividade. Os vínculos existem de várias maneiras e estão bastante inter-relacionados, mas há algumas diferenças. A criatividade também está situada no domínio cognitivo, mas exerce uma influência mais forte sobre o domínio afetivo, e tem relação com a expressão pessoal e a interpretação de emoções, pensamentos e ideias: é um processo mais importante do que qualquer produto específico para a criança pequena, como poderemos constatar. Segundo Oliveira (2000, p. 36) a criatividade é a capacidade de responder emocional e intelectualmente a experiências sensoriais. Ela também está estreitamente relacionada ao ser artístico no sentido mais amplo da palavra. Esta pode ser considerada uma definição bastante arbitrária, mas é uma definição vital para tentarmos examinar um outro aspecto do brincar e da aprendizagem infantil, uma vez que a criatividade tem fortes laços com a educação estética. A criatividade, então, está extremamente ligada às artes, à linguagem e ao desenvolvimento da representação e do simbolismo. O brincar simbólico também tem 20 relação com a ordem e favoreceo desenvolvimento das habilidades de planejamento. Ele eventualmente leva ao início do brincar e dos jogos baseados em regras (PIAGET, 1950, p. 62). Fonte:www.psicologosepsicologias.com As escolas experimentam e simbolizam o mundo real, físico, por meio do seu brincar e da arte. Em ambos canais de expressão, as experiências passadas são repetidas e revividas. Desta maneira, podemos relacionar o nosso mundo externo ao nosso mundo interno de experiências passadas e conhecimento, organização mental e poder interpretativo. Podemos vincular experiências antigas e desta maneira as nossas mentes absorvem novas informações e se expandem. A palavra “criativo” é usada na escola de modo muito amplo e quase como uma terminologia geral. Redação criativa e dança criativa são de uso geral, mas têm uma interpretação tão ampla que possuem pouco significado real. A redação criativa, por exemplo, abrange uma multiplicidade de estilos de redação, da redação funcional sobre ir tomar chá na vovó, passando pela redação transacional sobre fazer um experimento simples, à redação poética sobre a enorme aranha negra que Joanne encontrou a caminho da escola. A dança criativa, igualmente, inclui programas de rádio que dirigem fortemente os movimentos das crianças pequenas, através de danças populares e folclóricas, para citar apenas algumas. Contudo, devemos lembrar que a arte, em si mesma, é uma forma de comunicação sem palavras, como pode confirmar qualquer pessoa que já viu um 21 mínimo em ação ou contemplou um quadro esplêndido. As crianças e os adultos que, por alguma razão, têm dificuldade para se comunicar por meio da linguagem, muitas vezes podem expressar vividamente em outros meios, e obter satisfação e autoestima ao ser capaz de fazer isso. Aqueles que acham que não sabem pintar, muitas vezes têm uma grande capacidade expressiva de movimento corporal; os que são desajeitados em atividades motoras amplas podem ter na música e no ritmo uma fonte de inspiração, e a encenação do papel de outra pessoa no teatro ou através de marionetes podem inspirar a comunicação não-verbal em outros. Assim, tanto nas formas de arte, como em diferentes formas do brincar, existe uma riqueza de oportunidades criativas para que adultos e crianças expressem seu pensamento e apreciem o talento de outros. Todos nós recebemos a arte, assim como a criamos, e a maioria de nós sabe do que gosta por causa da nossa personalidade, nossas experiências, nosso conhecimento e nossas capacidades pessoais, ou sabe se expressar de formas comunicáveis aos outros. As crianças apresentam o mundo como o veem e como podem representá-lo em um determinado momento de seu desenvolvimento: a beleza está lá se estivermos preparados para vê-la, pois uma das dificuldades da arte é ela estar crivada de valores que adquirimos através de nossa cultura e educação. 8 A BRINCADEIRA, OS BRINQUEDOS E A REALIDADE No jogo simbólico as crianças constroem uma ponte entre a fantasia e a realidade. Freud observou uma criança que sofria a ansiedade da separação da mãe. A criança brincava com uma colher presa a um barbante. Ela atirava a colher e puxava-a de volta repetidamente. No jogo, a criança foi capaz de controlar ambos os fenômenos; Perda e recuperação. Quando se está aberto para tais simbolismos, pode-se reconhecer e apreciar o brincar das crianças. Elas não podem evitar que os adultos se envolvam em conflitos armados, nem que membros de uma gangue espanquem suas mães. Mas quando brincam, elas podem ter o controle que lhes falta da realidade. As crianças são capazes de lidar com complexas dificuldades psicológicas através do brincar. Elas procuram integrar experiências de dor, medo e perda. Lutam 22 com conceitos de bom e mal. O triunfo do bem sobre o mal dos heróis protegendo vítimas inocentes é um tema comum na brincadeira das crianças (BETTELHEIM, 1988). Crianças que vivem em ambientes perigosos repetem suas experiências de perigo em suas brincadeiras. Por exemplo: no Brasil, crianças que vivem nas favelas onde predomina a luta entre policiais e bandidos têm como tema preferido de suas brincadeiras esses conflitos. Quando a criança assume o papel de alguém que teme, a personificação é determinada por ansiedade ou frustração. Vários dos exemplos clássicos de Freud seguem esta linha: uma criança brinca de médico depois de ter tomado uma injeção ou de ter sido submetida a uma pequena cirurgia. Ana Freud relata o caso da criança que vence o medo de atravessar o corredor escuro fingindo ser o fantasma que teme encontrar. Escolhendo o papel do médico ou do fantasma, a criança pode passar do papel passivo para o ativo e aplicar a uma outra pessoa, a uma criança ou uma boneca o que foi feito com ela. O brinquedo aparece como um pedaço de cultura colocado ao alcance da criança. É seu parceiro na brincadeira. A manipulação do brinquedo leva a criança à ação e à representação, a agir e a imaginar. Assim, o brincar da criança não está somente ancorado no presente, mas também tenta resolver problemas do passado, ao mesmo tempo em que se projeta para o futuro. A menina que brinca com bonecas antecipa sua possível maternidade e tenta enfrentar as pressões emocionais do presente. Brincar de boneca permite-lhe representar seus sentimentos ambivalentes, como o amor pela mãe e os ciúmes do irmãozinho que recebe os cuidados maternos. Brincar com bonecas numa infinidade de formas está intimamente ligado à relação da menina com a mãe (BETTELHEIM, 1988). Bomtempo (1996), em uma pesquisa com a boneca Ganha-Nenê, verificaram que as crianças pequenas (3 a 5 anos) parecem usar a boneca não só como instrumento de ação, mas também como faz-de-conta e, à medida que aumenta a idade, a boneca passa a fazer parte de um contexto onde o faz-de-conta está presente de forma mais intensa. Nas crianças de 6 a 8 anos há enriquecimento na representação de papéis que se tornam mais definidos, embora a gravidez e o nascimento ainda façam parte de um mundo mágico. É através de seus brinquedos e brincadeiras que a criança tem 23 oportunidade de desenvolver um canal de comunicação, uma abertura para o diálogo com o mundo dos adultos, onde ela restabelece seu controle interior, sua autoestima e desenvolve relações de confiança consigo mesma e com os outro. No sonho, na fantasia, na brincadeira de faz-de-conta desejos que pareciam irrealizáveis podem ser realizados. 9 O JOGO: PROPRIEDADES FORMATIVAS Fonte: www.pt.depositphotos.com Na vida de criança, para além do entretenimento, o jogo ganha espaço através da focalização de suas propriedades formativas, consideradas sob perspectivas educacionais progressistas, que valorizam a participação ativa do educando no seu processo de formação. Na vida do adulto, o jogo destaca-se no campo do lazer sendo modesta e relativamente recente a sua presença no campo da formação específica. O jogo realiza-se através de uma atuação dos participantes que concretizam as regras possibilitando a imersão na ação lúdica, na brincadeira. Com Kishimoto (1994) entendemos que a brincadeira é o lúdico em ação. Enquanto tal tem a propriedade de liberar a espontaneidade dos jogadores, o que significa colocá-los em condição de lidar de maneira peculiar e, portanto, criativa, com as possibilidades definidas pelas regras, chegando eventualmente até a criação de outras regras e ordenações. 24 Nesta perspectiva, a brincadeira deixa de ser coisa de criança e passa a se constituir em coisa séria, digna de estar presente entre recursos didáticos capazes de compor uma ação docente comprometida com os alvos do processode ensino- aprendizagem que se pretende atingir. Dialeticamente, a seriedade do jogo utilizado em situações formativas consiste na brincadeira que ele implica. Só é possível viver na brincadeira um papel em toda a sua profundidade e complexidade, quando o ator se identifica plenamente com ele, emergindo, portanto, simultaneamente, como seu autor. Nisto é que reside à propriedade liberadora da espontaneidade, condição do ato criador. Entendido o ato criador nesses termos, nada que se confunda com roteiros de atuação previamente definidos, configurado papéis, tem espaço no uso do jogo em situações formativas. No caso da relação professor/alunos, vivida hoje em grande parte da realidade escolar brasileira sob a forma de uma relação burocrática através de contato categórico, o problema que se enfrenta, na capacitação de docentes, é a liberação da espontaneidade e, portanto, da capacidade criadora para um encontro vigoroso do educando com o conhecimento, mediado por ações significativas do professor. Isso implica um exercício de alteridade, em que o profissional coloca-se no lugar do outro. Para este exercício, o jogo de papéis, os jogos de simulação ou de representação, os jogos dramáticos constituem recursos excelentes, se não únicos. 10 CULTURA, LUDICIDADE E INFÂNCIA 10.1 Culturas da Infância Há na vida de todas as crianças um tempo e um espaço vividos de modo próprio face à restante vida societária, onde uma cultura, que nenhum dos demais grupos geracionais detém, emerge como produtora e produto das suas vivências quotidianas, transformando-se, nessa sua dupla função, num elemento primordial dos seus processos formativos. Dentro desse campo habitado e vivificado pelas crianças é produzido pela sua interação recíproca um conjunto de conhecimentos, práticas e sentimentos que constituem formas muito particulares e peculiares de ler o mundo e agir intencionalmente sobre e dentro dele, informadores de um habitus infantil distinto dos modos adultos de significação e ação, quando não mesmo por eles tidos como 25 inconsequentes e, como tal, sem valor que lhe outorgue qualquer reconhecimento. Nesta cultura que as crianças “aprendem a fazer” (Moreira, 2000: 265) através da apropriação à sua maneira e de uma forma não-formal e compartilhada da cultura adulta, que evocam e transpõem reinterpretada para o seu espaço-tempo societário, está refletida, constataram-no Delalande (2009) e Danic (2008: 8 e 12), uma heterogeneidade que lhe advém da condição social, étnica, de gênero, raça ou de nacionalidade dos atores sociais, que, se não lhe esborrata o traço que geracionalmente a distingue das demais através dos seus elementos simbólicos e materiais, a pluraliza nas suas formas e conteúdos. Outrossim, as culturas da infância são indissociáveis da corrente histórica e do processo que a enforma, com as suas grandezas e vicissitudes, “transportando as marcas dos tempos e exprimindo a sociedade nas suas contradições, nos seus estratos e na sua complexidade” (Sarmento, 2006a: 160). Fonte: www.meire-pacheco.blogspot.com.br Aprendidas no seio do grupo de idade (coetâneos) graças a uma cumplicidade permissiva à iniciação (Delalande, 2003), as culturas da infância encontram no grupo de pares o contexto social em que se estruturam e em que se funda o processo de aprendizagem e transmissão que as vão refazendo continuamente no tempo. Como lembra Fernandes (1979: 172), quando uma criança diz ‘aprendi na rua’, é o mesmo que dizer ‘aprendi no grupo infantil’, porque só nele encontra o locus apropriado para colher os saberes específicos com que aprende a fazer à sua maneira as coisas que 26 os adultos fazem doutra no quotidiano do mundo em que se insere. Apesar de, como lembra Sarmento, uma parte dos mundos culturais da infância também se constituir por culturas “geradas, conduzidas e dirigidas pelos adultos para as crianças” (2004: 160), as que são por elas produzidas e fruídas constituem uma outra parte que nenhuma daquelas pode substituir nem ninguém ignorar sob qualquer pretexto, porque tal representaria a amputação de uma componente2 formativa de importância transcendente para o crescimento sustentado de todas as crianças. É no “mútuo reflexo” (id.: 162) de uma sobre a outra que as culturas da infância se constituem, mas segundo e seguindo sempre os sentidos que o grupo lhes consigne através das interações produzidas no seu interior. Fonte: www.pre.univesp.br Uma radiografia das culturas de infância revela-nos um conjunto de marcas que aí traçam de uma forma indelével, fronteiras muito próprias bem reveladoras da sua autonomia em relação à cultura dos adultos e lhes conferem toda a áurea que delas faz um importantíssimo lugar-tenente presente na vida das crianças desde o dealbar do seu processo de socialização. Realidade dinâmica (Danic, 2008: 7), que vive de um, e num permanente e vivo imbricamento grupal, a cultura infantil, para além dos elementos materiais, ritos, artefatos, disposições cerimoniais, normas e valores que lhe são característicos, assenta a sua expressão gramatical nos seus próprios elementos linguísticos com que a significação das coisas se nos (re) configura de uma forma diferenciada (Sarmento, 2004: 22-23). O campo semântico, povoado de 27 significados autônomos e significações tão características nas crianças (o passado e o presente emergem sempre tão difusos que o “era uma vez” se repete indistintamente e corresponde à enunciação que naquele preciso momento lhe subjaz), a sintaxe, que nos evidencia uma lógica de representação das coisas onde, travestida entre o real e o imaginário das coisas com que brinca, a criança assume a representação desse duplo papel em que com todo o a propósito se transmuta e articula, e a perspectiva multiforme com que reconfigura os elementos constitutivos das culturas da infância (o cromo pokemon não é para a criança só um bonito bilhete ilustrado, mas é também uma peça de jogo e, ainda, um componente fundamental para preencher o lugar que lhe corresponde na caderneta e contribuir para completar a coleção), formam um percurso triangular por onde correm aspectos da cultura das crianças, que, se não olhados com a efetiva significação que adquirem em contexto, tornam difusa, senão mesmo ininteligível, qualquer leitura que se intente fazer ao seu mundo. A interatividade, a fantasia do real, a reiteração e a ludicidade configuram um outro quadro de especificidades da cultura infantil demarcador do seu lugar no contexto social (id.: 28-29). Fonte: www.petpedufba.wordpress.com O dia-a-dia das crianças corre por diversos e diversificados lugares onde necessariamente se produzem interações constantes. Quer as que seguem um caminho horizontal e, consequentemente, propiciam a emergência de inter-relações 28 de pares, quer as que assumem contornos hierárquicos vincados, envolvem uma práxis rica e enriquecedora, onde cada criança participa significativamente, assumindo o papel de co-construtora de um mundo a que pertence e a quem consegue por si só emprestar um contributo válido para a sua construção. A interatividade que caracteriza as relações que as crianças são capazes de assumir com competência nas suas interações inter e intrageracionais constituem uma realidade afirmadora de uma infância interventiva no contexto societário de que faz parte e onde, desse modo, se insere ativamente. No mundo da fantasia que povoa o imaginário de todas as crianças corre o sonho, a aventura fantástica e, também, a ilusão de um percalço que, quanta vezes, um faz-de-conta suaviza ou mesmo dilui, emprestando à realidademais cruel da vida um sentido que a criança consegue processar a coberto de sofridos constrangimentos, que de outro modo lhe adviriam certamente, construindo suave e paulatinamente a sua inteligibilidade do mundo que a rodeia, onde se cruzam a cada momento as alegrias e as tristezas que fazem as vitórias e as derrotas com que somos quotidianamente confrontados e que cada criança vai também vivificando na sua forma inocente de perceber uma realidade tantas vezes escondida na fantasia com que a veste. A roda do tempo nunca se queda para as crianças, porque nela se alimenta de uma forma repetida e continuada quer a vontade indômita de explorar, quantas vezes até à exaustão, novas possibilidades, novos limites, outras conquistas, quer porque, através dessa incessante recriação de situações e rotinas se vão mantendo vivos junto do grupo geracional os seus jogos e rituais, assegurando-se dessa forma a sua transmissibilidade de modo contínuo e incessante. A lei da repetição, lembra também Benjamin (1992a: 175-6), é para a criança a alma do jogo, e que o poder fazer “outra vez” lhe traz felicidade e a impele para infindáveis experiências com que vai paulatina e reiteradamente construindo a sua arte de lidar com o mundo. Contrariamente ao adulto, a criança não se contenta com o simples prazer de contar uma experiência prazerosa, soçobrando ao impulso de a realizar sempre de novo vezes sem conta e de, consequentemente, a transformar num hábito que passa a constar do repertório em que mais tarde se alicerçarão muitas das suas competências para a vida. 29 Fonte: www.revistasaberes.com.ar Um particular destaque, por fim, para a componente lúdica que completa o elenco dos quatro eixos estruturadores das culturas da infância de que temos estado a falar. Ninguém consegue pensar o mundo das crianças despido do seu mundo, outro dos brinquedos e das brincadeiras, tal é a dimensão da sua presença determinante nas diversas fases da construção das suas relações sociais, da recriação dos contextos societários onde vivem e na produção das fantasias que alimentam os seus riquíssimos imaginários que emolduram as brincadeiras hilariantes de um quotidiano impossível de pensar sem a sua existência. O saber lúdico, recorda Delalande, “aparece como a parte mais evidente e, sem dúvida, igualmente, como a que os adultos melhor reconhecem do saber infantil” (2006: 269), como, aliás, todo o adulto lembra sem qualquer esforço mental, até porque todos nós já fomos um dia crianças, brincamos e desse tempo guardamos memórias vivas que nos falam dessa realidade, que por tudo quanto de particular valor encerra na e para a vida das crianças que um dia hão de chegar à fase adulta, justifica que nela nos detenhamos agora com detalhe. 30 Fonte: www.ala.com.ar Antes e à laia de remate, fica a reiteração do valor acrescentado com que as culturas infantis se afirmam no contexto social, merecedoras, nessa concomitância, de que se continue o esforço para entender a epistemologia que as enforma (Iturra, 1997: 37) e à luz dela compreender em toda a sua extensão a pertinência de que se reveste a sua apropriação por quem arca com a responsabilidade de acompanhar o processo formativo das crianças, sobretudo a escola (Brougère, 2006)4 , onde hoje passam a maior parte de cada um dos seus dias. No quotidiano de uma criança, a fronteira entre o divertimento e as ocupações mais sérias encontra-se tantas vezes de tal forma esbatida, que dificilmente as consegue destrinçar, “fazendo, como se estivesse a brincar, as coisas mais sérias”, ou surgindo “profundamente ocupada com os mais frívolos divertimentos” (Rousseau, 1990: 170). Esta constitui a imagem de marca do grupo geracional mais novo, condição sem a qual não poderíamos nunca falar de crianças vivendo a “normalidade” de uma vida, neste sentido impensável sem as correrias espontâneas, os jogos e brincadeiras armadas, individual ou coletivamente, a todo o tempo e no mais acanhado dos recantos, numa eterna irrequietude sempre atreita a sobrepujar o mais complicado ou desafiante dos folguedos que lhe ocorra enfrentar. 31 10.2 Cultura Lúdica Fonte: www.eeducacaoesaude.blogspot.com.br Brincar faz, todos o sabemos, parte da natureza das crianças e todas elas em tudo conseguem encontrar uma fórmula que lhes satisfaça o desejo indômito de o fazer. Mesmo nas condições mais adversas, sobretudo nas em que as ocupações mais degradantes de trabalho árduo e prolongado na jornada lhes matam o espaço e o tempo para o fazer, as crianças resistem ludicamente, mostrando que o jogo constitui a centralidade da sua vida e que, consequentemente, “estão sempre prontas para qualquer tipo de brincadeira, qualquer tipo de confabulação lúdica, estão sempre preparadas para inventar e reinventar a roda do mundo, a vida quotidiana” (Silva, 2003: 339). Infância e ludicidade constituem, pois, um binômio umbilicalmente ligado num compromisso de importância seminal para a formação da criança face à dimensão que a presença do jogo e da brincadeira consubstanciam em todo o processo de formação do indivíduo e da concomitante utilidade de que aí e desde o dealbar da vida se caracteriza toda a presença da atividade lúdica (Foulquié, 1952: 109) que se (con)funde de uma forma incontornável e permanente com as vivências que enformam a vida societária de todas as crianças, com particular enfoque na que se desenvolve no interior do próprio grupo. Nesta relação de cumplicidade tácita floresce uma cultura que, como nos seus trabalhos de campo constatou Delalande (2006: 270), tem um 32 papel absolutamente central dentro da cultura infantil, permitindo a abertura de corredores por onde passa a sociabilidade de atores que, por força do domínio de um patrimônio lúdico que lhes é comum, conhecem uma mesma linguagem específica em toda a sua dimensão, fazendo dela passaporte seguro para as interações grupais que lhes enriquecem o quotidiano e a consequente preparação para a vida. Fonte: www.oestranhomundodosnerds.blogspot.com.br A cultura lúdica emerge, nesta conformidade, como a afirmação própria da cultura infantil (James, Jenks e Prout, 1998: 99), assumindo, na sua complexidade e valor, uma dimensão de construção processual multidimensional nos seus aspectos estruturantes. Na cultura lúdica cruzam-se, como anota Brougère (1998: 30), o papel das experiências vividas, a aprendizagem paulatina e progressiva ao longo da infância, a agregação de elementos heterogéneos provenientes de fontes diversas, a interação grupal com toda a carga simbólica de aporte de novas e cada vez mais complexas competências, a interpretação e aplicação das regras, a importância da criatividade, numa panóplia de saberes e fazeres que se assumem como contributos decisivos para a competência do brincante perante o brinquedo e a sua vida de todos os dias. É precisamente na riqueza da interatividade de atores portadores de repertórios lúdicos usados com maestria nas ações com que configuram as suas brincadeiras ou exercitam reiteradamente os jogos, numa procura incessante do melhor dos 33 desempenhos, que devemos firmar a explicação para a importância do brincar como corpus onde se alicerça o fundamento da cultura lúdica e, concomitantemente, desta no seio da própria cultura infantil (Sarmento, 2006: 25-26). Duma cultura lúdica que não emerge isolada da cultura geral e, nesse sentido, também como ela se diversifica segundo inúmeros fatores societários: as culturas lúdicas não são idênticas num país da Europa comunitária e no Japão e dentro da cultura de um país variam também segundo os meiossociais, a idade e, muito particularmente, o gênero da criança. Se é verdade que a cultura lúdica de uma criança varia em função da sua idade (é diferente a cultura lúdica de uma criança de seis anos da de uma outra de onze anos), não menos o é observar a clara diferença que ela comporta quando se reporta a rapazes ou moças. Fonte: www.nocoespedagogicas.blogspot.com.br Até há tempos não muitos idos a cultura lúdica foi marcada por uma quase imutabilidade do seu quadro configurador, com um processo de aquisição em contexto real, vivendo de uma experiência aí exercitada e acumulada pelas crianças desde o berço até à adolescência, predominantemente em grupo e interação cara a cara com irmãos, vizinhos, amigos e companheiros de escola e, maioritariamente, fora de casa. A cultura lúdica contemporânea, como no-lo refere Brougère (2005: 109-10), vestiu- se de outras especificidades, nomeadamente as que comportam formas solitárias de jogo, com interações diferidas com os objetos portadores de ações e significações, 34 sobretudo as que têm particular expressão nos jogos de vídeo portadores de novas técnicas criadoras de novas experiências lúdicas que transformam a cultura lúdica de inúmeras crianças. Fonte: www.unangry.hyperphp.com Se, como salienta Lowenfeld, “o jogo nas crianças é a expressão da relação da criança com toda a vida” (1935 apud Read, 1982: 137), teoria que, concomitantemente, nenhuma outra deixará de ter também na devida conta, e, ao mesmo tempo, se constitui como o lugar de construção de uma cultura lúdica produzida à dimensão das necessidades que são inerentes à sua (do jogo) própria existência (Brougère, 1998a: 30), estará encontrado o registo certo para uma presença tão notada, porque notável, do espaço alargado e seminal que no contexto da cultura infantil está particularmente consignado à sua componente lúdica, que as crianças historicamente foram erguendo através de gerações sucessivas, muita dela popularizada e consolidada num saber que passou de boca em boca e se manteve presença bem viva nas suas brincadeiras, permanecendo como legado de um patrimônio lúdico com inúmeros traços de intemporalidade, guardado como se do mais precioso dos tesouros se tratasse. 35 11 A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO, TEMPO E ATO DO BRINCAR 11.1 Brinquedos e brincadeiras e a construção do conhecimento O universo lúdico é para a criança o espaço de suas relações com o mundo adulto e enquanto espaço de práticas lúdicas, ela dialoga com o outro, seja com outra criança e ou com o adulto, se apresentando como sujeito da história produzindo cultura, num espaço geralmente banalizado pelo adulto. Walter Benjamim elabora uma análise da criança e seu universo lúdico, discutindo o uso que esta faz do brinquedo, o desenvolvimento de sua prática lúdico como a utilização dos vários materiais, a capacidade desta de criar e recriar o seu universo. Para ele, o “universo lúdico e de magia não tem nada a ver com a romantização do mundo feita em nome dos contos de fadas pelos adultos”. A transformação de materiais é conseguida pela condição mágica que a criança tem de imaginar e fantasiar criando e recriando a partir dos mais variados materiais. “As crianças são especialmente inclinadas a buscar todo local de trabalho onde a atuação sobre as coisas se dê de maneira visível. Elas sentem-se atraídas pelos destroços que surgem da construção, do trabalho no jardim ou em casa, da atividade do alfaiate ou do marceneiro. Nestes restos que sobram, elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e só para elas. Nestes restos, elas estão menos empenhadas em imitar as obras dos adultos do que em estabelecer entre os mais diferentes materiais, através daquilo que criam em suas brincadeiras, uma nova e incoerente relação. Com isso as crianças formam seu próprio mundo de coisas, mundo pequeno inserido num maior.” (BENJAMIN, Walter 1984). A criança, muitas vezes, utiliza os destroços do cotidiano para construir o seu mundo e é por isso que Benjamim afirma que a criança faz história com o lixo da história, esse fazer contribui para que a criança encontre um caminho de participação no mundo do adulto e, consequentemente, inicie outros processos de interação com a realidade. Ao lançar um olhar sobre o universo dos brinquedos e das brincadeiras, pode- se inferir que o objeto em si, na sua forma imagética não é um determinante para esta ou aquela brincadeira. A fluidez está condicionada a um fator determinante - o repertório, que é essencial para a compreensão da relação ser brincante/brinquedo. Para firmar essa posição faremos referência ao pensamento Benjaminiano frente a criança e seu mundo ao falar que seria inútil se tentar chegar ao conceito do brinquedo se tentasse explicá-lo unicamente pelo espírito das crianças diz ele: 36 Se a criança não é nenhum Robinson Crusoe, assim também as crianças não se constituem nenhuma comunidade isolada, mas sim uma parte do povo e da classe de que provém. Da mesma forma seus brinquedos não dão testemunho de uma vida autônoma e especial; são isso sim, um mudo diálogo simbólico entre ela e o povo [...]. (BENJAMIN, Walter 1984). A capacidade de imaginar e fantasiar faz com que a criança estabeleça com o seu instrumento lúdico relações mais diversas possíveis. A criança é capaz de brincar, mesmo sem que o brinquedo esteja presente fisicamente, tudo pode servir a ela como instrumento lúdico, esta versatilidade é analisada por Benjamin quando afirma: [...] “nada é mais próprio da criança combinar imparcialmente em suas construções as substâncias mais heterogêneas – pedra, plastilina, madeira, papel. Por outro lado ninguém é mais sóbrio com relação aos materiais que a criança: um simples fragmento de madeira, uma pinha ou uma pedra reúne na solidez e na simplicidade de sua matéria toda uma plenitude das mais diferentes figuras”. (BENJAMIN, Walter 1984). O jogo e a brincadeira são resultantes de uma combinação de liberdade, limite e invenção estes componentes vem da condição de imaginar e fantasiar conferida ao sujeito lúdico. Esta condição faz com que o ser brincante utilize as mais variadas formas o seu instrumento lúdico, dando-lhe significações diferenciadas. Uma criança ao receber um brinquedo pronto e acabado muitas vezes o quebra adentrando o seu interior, isso ele não o faz por maldade ou porque é uma criança descuidada, mas porque quer vê-lo no todo, muitas vezes sem chegar a abri-lo, quebra-o ou simplesmente atribui-lhe um outro significado que não aquele instituído pelo adulto. Uma boneca pode ser, às vezes, tanto a filhinha, a professora ou a empregada. Fonte: www.etecaf.com.br 37 Jean Chateau na sua obra “O Jogo e a criança”, referencia a condição de seriedade do jogo infantil chegando a afirmar que a brincadeira é uma atividade séria, pois no jogo do faz de contas a euforia, as estruturas ilusórias e tudo o que se refere à atividade lúdica tem uma importância incontestável. Para este autor o jogo ensina a conhecer melhor a natureza infantil, visto que este possibilita uma percepção total da criança e seu mundo, quer seja no aspecto motor, afetivo, social ou moral. A brincadeira é fundamental para o crescimento do ser humano. O homem só aprende a pensar e a se posicionar no mundo como agente ativo de sua sociedade se vivenciou uma infância verdadeira, recheada de brinquedos e brincadeiras, caso contrário já em criança não deixa de ser como bem diz o autor “uma miniatura de velho”. A infância pressupõe jogos, brinquedos e brincadeiras, daí a necessidade de se fazer um estudo desta etapa da vida para além dasquestões que dizem respeito ao crescimento do homem. Chateau, ao enfatizar a importância da ação lúdica para o crescimento da criança, comenta: Pelo jogo ela desenvolve as potencialidades que emergem de sua estrutura particular, concretiza as potencialidades virtuais que afloram sucessivamente à superfície de seu ser, assimila-as e as desenvolve, une-as e as combina, coordena seu ser e lhe dar vigor. Pelo jogo, pelo brinquedo, que crescem a alma e a inteligência. Fonte: www.youtube.com 38 A criança utiliza a repetição e a representação para a construção de seu universo lúdico, sendo que para ela esta atividade lúdica não se restringe a um simples prazer sensorial, mas “uma reflexão de sobre si mesma: o que conta, para a criança que construiu uma torre com seus cubos, não é tanto a torre, mas sua edificação, a realização de uma obra sua.” O brinquedo extrapola essa condição física – espacial, que sob a posse da criança passa a ser um possibilitador de comunicação em vários campos, seja o da criança com o mundo, com a natureza, seja o de uma criança com outra criança. Enquanto possibilidade de comunicação, esta entendida no seu sentido mais amplo como processo dialógico de comunhão, o brinquedo pertence, ao campo da linguagem. Assim como o jogo, a brincadeira não é única e exclusivamente distração, no campo da linguagem como agentes comunicacionais. Ferrara identifica ainda que, diferentemente da estética, a linguagem: “valoriza e toma para si o efêmero e o instantâneo, adota a desordem das perspectivas temporais e espaciais, superpostas cruzadas e entremeadas que anulam o tempo - espaço da similaridade”. Estas características não estão presentes no brinquedo em si, mas no que dele resulta, isto é, a brincadeira, que é a própria ação lúdica na sua essência, que assim como a arte transgride a ordem estabelecida pelo fetichismo estético. Fonte: www.estilo.uol.com.br 39 Lucrécia D’Alésio define repertório como sendo algo formado pela memória de um indivíduo ou de uma coletividade codificada em um sistema harmônico. Repertório é também denominado de “estoque” por outros autores como Teixeira Coelho, que entende por repertório “uma espécie de vocabulário, de estoque de signos conhecidos e utilizados por um indivíduo”. A partir desta compreensão define-se repertório como o conjunto de experiência vivenciado por indivíduos de um determinado grupo ou coletividade que formam as referências culturais dos mesmos. Estas referências compõem o Repertório possibilitando assim o trânsito da informação num sistema comunicacional. Aplicando esta noção ao universo lúdico, o brincar se dá de acordo com o repertório dos seres brincantes nele envolvidos. Além disso, o repertório entendido, por nós como memória, não é estanque, é constituído em um processo que se atualiza na relação dialógica que se estabelece entre os seres brincantes e entre estes e seus brinquedos, e, é no campo aberto da repetição, que é própria do universo lúdico que acontece a descoberta do criar/recriar, o fantasiar/reinventar. A importância de se estudar o processo de atualização deste repertório é porque ele só é possível pela existência dos grupos infantis, visto que, é no seio do grupo que se dá às trocas e os acréscimos para que seja engendrada uma cultura infantil. A importância destes grupos reside no fato de que eles são estáveis. Ao analisar o assunto, Florestan Fernandes afirma: “O primeiro passo da análise, assume grande importância o fato de existirem agrupamentos estáveis e organizados de imaturos- as “trocinhas”- que, como grupos sociais que são, sobrepõem-se aos indivíduos que os constituem, refazendo-se continuamente no tempo. “ 40 Fonte: www.imagui.com Este autor aponta que estes grupos fornecem o suporte social para a produção da cultura infantil. Sobre a ação lúdica destaca Nachmanovitch em sua obra “Ser criativo”, onde a ação lúdica pode ser representada pela palavra “lîla”, pertencente ao vocabulário sânscrito que significa “jogo”, “brincadeira” sendo mais rica e completa o que está de acordo a interpretação de Nachmanovitch significa “brincadeira divina, o jogo da criação, destruição e recriação, o desdobrar dos cosmos. lîla, profunda liberdade, é ao mesmo tempo a delícia e o prazer do momento presente e a brincadeira de Deus...” A ação lúdica só se desenvolve dentro de um universo onde seja estabelecida a liberdade. Ela é a condição “cine quanoun” para que a criatividade se estabeleça e se realize, nesse universo está presente também, o prazer de desvelar o que está oculto no recôndito do ser humano em relação à criança. Essa liberdade é quase epidérmica, dado a sua facilidade de lidar com a criatividade, pois esta é inerente ao universo infantil, dado a condição de liberdade que a criança toma para si através de suas ações lúdicas. Nos seus jogos e brincadeiras, a criatividade é fato corriqueiro no seu cotidiano. Por que ela brinca, e brincando ela se relaciona, dialogando com o que está dentro e fora do seu mundo. O ser que brinca com liberdade aprende a conviver com as adversidades da vida. Nachmanovitch diz que “a criatura que brinca está mais apta a se adaptar à mudanças de contextos e de condições.” 41 Fonte: www.estilo.uol.com.br Assim, o jogo e a brincadeira são os veículos que a criança ou o ser brincante utiliza para estar melhor no mundo. A brincadeira na sua forma livre de improvisação: Desenvolve nossa capacidade de lidar com um mundo em constante mutação. Brincando uma enorme variedade de adaptações culturais, a humanidade se espalhou por todo o globo terrestre, sobreviveu a várias idades do gelo e criou artefatos surpreendentes. (NACHMANOVITCH) É esta condição de se deixar descobrir o que existe dentro de si que a criança desenvolve e, ao brincar ela realiza toda a ação lúdica com criatividade sem cansar- se de criar, recriar e co-criar, este é o grande prazer do jogo lúdico, experimentar sempre o gosto novo naquilo já experimentado. Nisso a criança é mestra, pois o adulto não se deixa surpreender pelo obvio, dada a sua condição de prisioneiro do ineditismo. A brincadeira é a criação e a recriação do ser brincante frente ao seu instrumento lúdico que não se restringe à integridade do conjunto de significados intrínsecos a este instrumento. A ação lúdica nem sempre se subordina à materialidade do brinquedo tal como o entendemos, a criança ultrapassa as expectativas impostas pelo adulto ao estabelecer uma interpretação própria com a significação peculiar do momento da fantasia. Por exemplo, um cabo de vassoura considerado muitas vezes pelo adulto, sem função é transformado num belo cavalo, numa espada do herói, ou ainda numa arma de combate. 42 Fonte: www.papodaprofessoradenise.com.br Rodari nos fala de como a criança se situa no mundo e de como esta lida com o seu universo lúdico, através de instrumentos que lhe são próprios, a imaginação, a fantasia para a criação de um mundo fantástico seu. Este autor contribui para elucidar questões relacionadas acerca do fantasiar e do imaginar da criança e do seu poder de conferir ânimo às coisas criando para si um mundo fantástico, intimamente experienciado com os seus brinquedos (vivos). A importância do brinquedo e das brincadeiras para a criança reside no fato que é através destes que a criança se avalia se projeta e se coloca frente ao mundo. Rodari afirma que: A menina que brinca com suas bonecas e, enfim, com o seu riquíssimo enxoval, móveis, utensílios, pratinhos, xícaras, eletrodomésticos, casas e cidades em miniatura, reproduz, no jogotodo seu conhecimento da vida doméstica, exercita a manipulação dos objetos, compondo-os e recompondo- os, designando-lhes um espaço e um papel; mas ao mesmo tempo as bonecas lhe são úteis para dramatizar suas próprias relações, e eventualmente seus conflitos. Grita com a boneca usando as mesmas palavras gritadas pela mãe, para descarregar cada sentimento de culpa. Acaricia e afaga as bonecas para exprimir sua necessidade de afeto. Pode escolher uma delas para amar e odiar de modo especial, caso a boneca lembre o irmãozinho do qual tem ciúme [...] (RODARI, 1982) 43 Fonte: www.aliancapelainfancia.wordpress.com A criança se sente, muitas vezes, um ser estranho, e por isso, formula muitos questionamentos em busca da compreensão deste outro mundo. Dessa forma, ressalta-se a importância da ação lúdica pelo papel de conquista que representa para a criança que através do jogo, da brincadeira, desbrava o universo adulto ainda desconhecido para ela desconhecido. Os jogos e as brincadeiras nas modalidades de adivinhação, de esconde- esconde, contribuem para que a criança tenha nos mesmos uma base para a sua segurança perante o mundo adulto favorecendo não só, a capacidade de crescer com o prazer de existir como também desta produzir conhecimento a partir de suas experiências lúdicas. Através do brinquedo a criança dialoga com o outro, e com o mundo, se comunicando através da linguagem lúdica. O diálogo da criança com o mundo na sua esfera criativa, possibilita uma mudança social eficaz, para se construir uma nova concepção do universo lúdico. É importante compreender que na ação lúdica está presente uma elaboração do pensamento, as ações e mesmo os gestos não acontecem de forma instintiva, formam um conjunto imprescindível para que a brincadeira aconteça. É através da ação do Brincar que a criança interioriza absorve os sinais do mundo exterior ao seu. A mesa e a cadeira, que para nós são objetos consumados e quase invisíveis, dos quais nos servimos automaticamente, são para a criança durante muito tempo materiais de uma exploração ambígua e pluridimensional, onde se dão as mãos o conhecimento e a fabulação, a experiência e a simbolização. 44 Fonte: www.topsy.one Conclui que enquanto aprende a conhecer a superfície, a criança não cessa de jogar com ela, de formular hipóteses sobre seu aspecto. Não cessa de fazer um uso fantástico dos dados positivos que imagina.” Assim faz parte do seu aprendizado mesmo sabendo que da torneira sai a água transportada até ali por um cano nada lhe impede de imaginar que pode ter alguém em algum lugar enchendo este cano. A fantasia possibilitada pela sua imaginação lhe atribui o poder de dar ânimo às coisas retirando delas a artificialidade material. Ao observarmos crianças brincando vemos com frequência bonecas, cadeiras, pedras tomadas de personalidade. Um outro item de igual importância é a capacidade de atribuir função a um objeto a cada brincadeira. Por exemplo, uma cadeira é um vagão de trem como pode ser em outro momento um ônibus ou uma ponte, os próprios brinquedos que já são vendidos com regras estabelecidas, como os jogos educativos, entre outros, recebem a cada momento uma função diferenciada. A multiplicidade, a diversidade de funções atribuída às coisas é a forma de conhecê-las melhor experimentando nelas, suas emoções e a descoberta do mundo exterior ao SEU. Esta atribuição tão diversificada de funções dada às coisas é a busca incessante da criança na compreensão do mundo que a rodeia, é nesta que ela toma conhecimento de tudo aquilo que o adulto particulariza como seu. É na liberdade do diálogo com a alma dada às coisas que a criança experimenta emoções, satisfaz as suas curiosidades e desejos. A imaginação é fruto da experiência vivenciada com criatividade. 45 Johan Huizinga, afirma ser o jogo “Uma atividade Universal” visto que este está presente em todas as formas de organização social seja ela primitiva ou sofisticada. “A existência do jogo não está ligada a qualquer grau de civilização ou a qualquer concepção de universo... a existência do jogo é inegável.” Humberto Eco conclui que distante da não seriedade que nos fala Huizinga o jogo é um momento da mais arrebatadora seriedade. “ [...] momento da saúde social é o momento de máxima funcionalidade na qual a sociedade faz, por assim dizer, o motor trabalhar em ponto morto, para limpar as velas, desafogar-se, esquentar os cilindros, fazer o óleo circular, manter-se em ordem.” (RODARI, 1982) Huizinga focaliza a sua atenção na questão do jogo ter significação e ter uma função social, sendo desta forma um elemento da cultura e que por isso mesmo é um dos pilares da civilização. A noção de jogo ultrapassa, a questão de um fenômeno puramente fisiológico, ultrapassando os limites de uma atividade estritamente física ou biológica. O jogo, a brincadeira se realiza num determinado espaço e num determinado tempo, limitados por um sentido próprio a criança joga, joga até o momento em que diz “acabou”. Isto acontece após uma série de recomeço onde predominam o “movimento, alternância, mudança sucessão, associação, separação” Fonte: www.celsoantunes.com.br 46 O autor em referência ressalta que uma das características do jogo é ser fenômeno cultural que para ele é a mais importante característica do jogo, justificando que: “Mesmo depois que o jogo chega ao fim, ele permanece como uma criação nova do espírito, um tesouro a ser conservado pela memória”. Eliza Santa Roza em “Quando brincar é dizer”, percebe o brincar como uma linguagem, que possibilita e privilegia a comunicação na infância, ressaltando ainda a importância do brincar no processo de humanização da criança. Para a autora, o lúdico para além do universo psicanalítico, o brinquedo é apenas um pretexto para o brincar, esteja ele presente fisicamente ou não quando a brincadeira acontece, e dela a linguagem num mundo fantástico do universo lúdico. Desta forma depreende-se que Platão considera a fantasia como uma manifestação da opinião, produz imagens ao invés de ideias. A imaginação foi entendida também como a própria criação de ideias. Para Kant a função principal da imaginação no conhecimento é a “de apresentar os objetos do mundo como matéria do conhecimento.” A imaginação tem um caráter que lhe é próprio, a criatividade, que apesar de sua condição de liberdade tem os seus limites já que as ligações entre as ideias não se dão de forma aleatória obedecem a certos princípios. Fonte: www.falamamae.com 47 Nessa perspectiva, o brinquedo é visto como veículo de comunicação, através da linguagem lúdica que este viabiliza. A independência, a liberdade existente no ato de brincar é que orienta a utilização do instrumento lúdico, o brinquedo. De acordo com Kishimoto os jogos tradicionais, tem uma força que se explica pelo poder de se expressar pela oralidade e “enquanto manifestação espontânea da cultura popular, o jogo tradicional tem a função de perpetuar a cultura infantil e desenvolver formas de convivência social.” O jogo tradicional infantil por ser um elemento folclórico apresentando as seguintes características: anonimato, tradicionalidade, transmissão oral, conservação, mudança e universalidade. Devido a tais características fazem parte de uma cultura não formalizada, a cultura popular, que como está sempre em transformação não se cristaliza por que vai ao longo de sua, ou melhor, de suas trajetórias, incorporando criações novas das gerações que vão se sucedendo. E é desta forma que estes jogos são transmitidos através de conhecimentos empíricos
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