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Carcinoma diferenciado de tireoide Epidemiologia O câncer de tireoide é uma neoplasia maligna incomum, sendo responsável por 1% do total de neoplasias. No entanto, constitui a neoplasia mais comum do sistema endocrinológico, respondendo por aproximadamente 95% dos casos de carcinomas desse sistema. Patologia Os três tipos histológicos mais comuns do câncer de tireoide são o carcinoma papilar de tireoide (CPT), o carcinoma folicular de tireoide (CFT) e o carcinoma medular de tireoide (CMT). Os dois primeiros são denominados carcinomas diferenciados da tireoide (CDT) e correspondem a cerca de 90% dos casos. As células dos carcinomas diferenciados de tireoide mantêm algumas características das células foliculares das quais se originam, como resposta ao hormônio estimulante da tireoide (TSH), capacidade de captar e incorporar iodo, bem como de expressar a proteína de tireoglobulina. Essas características da célula folicular, preservadas nos tumores diferenciados de tireoide, têm implicações no tratamento e no seguimento desses pacientes. O carcinoma papilar tem disseminação preferencialmente linfática, com 20 a 50% dos casos apresentando metástases linfonodais ao diagnóstico. Histologicamente, este tumor se apresenta com estruturas papilares com núcleos em vidro despolido e inclusões intracelulares. Invasão vascular é incomum, e corpos psamomatosos em geral são abundantes. Carcinoma folicular é mais agressivo do que o papilar e apresenta disseminação hematogênica. A diferenciação entre o adenoma folicular e o carcinoma folicular é desafiadora, podendo ser feita apenas por meio da identificação de metástases ou da invasão capsular ou vascular ao exame histopatológico. Diagnóstico A apresentação clínica do CDT é geralmente por meio de nódulo palável o detectado em exame de imagem cervical. A suspeita de carcinoma de tireoide pode ocorrer por sinais ou sintomas sugestivos de invasão local, de crescimento rápido ou por achados com ultrassonografia sugestivos de malignidade. Nódulos suspeitos ou maiores do que 1 cm em diâmetro devem ser puncionados com orientação de US para avaliação citológica. A punção aspirativa com agulha fina (PAAF), principalmente quando realizada por examinador experiente e com orientação ultrassonográfica, é satisfatória em 85% dos casos. Se, na US, forem identificados nódulos linfáticos suspeitos nas cadeias laterais e no pescoço, a aspiração com agulha fina também está indicada. Essa abordagem permite um plano cirúrgico inicial mais abrangente, que aborda não somente o tumor primário na tireoide, mas também linfonodos metastáticos. As punções diagnósticas sugestivas de carcinoma, de neoplasia folicular, indeterminadas ou repetidamente insatisfatórias, devem ser encaminhadas para tratamento cirúrgico. O diagnostico definitivo de ca de tireoide é sempre feito por meio da histologia. Devido à implicação do diagnóstico histológico para os pacientes e familiares, todos os carcinomas de tireoide devem ser submetidos à imuno- histoquímica para Tg e calcitonina, marcadores de célula folicular e parafolicular, respectivamente. Tratamento inicial Cirurgia A tireoidectomia total é o tratamento recomendado para os CDTs. Esse procedimento elimina a necessidade da reintervenção cirúrgica e facilita o acompanhamento desses tumores por meio da dosagem da Tg. A dissecção dos linfonodos cervicais deve ser realizada nos casos de suspeita de metástases detectados pela US cervical pré- operatória, pela dosagem do Tg no aspirado ou durante a cirurgia. A dissecção profilática dos linfonodos do compartimento central frequentemente acometidos, não está recomendada na ausência de linfonodos suspeitos e nos pacientes com proposta de radioterapia pós-tireoidectomia. Radioterapia A terapia com iodo radioativo (I 131) tem como objetivo tratar restos cervicais que não tenham sido tratados com a cirurgia (chamada então de ablativa). A indicação de terapia ablativa é tema de controvérsia na literatura, com visões divergentes entre os atuais consensos de câncer de tireoide. De maneira geral, aceita-se que a terapia com iodo radioativo (I 131) está indicada nos pacientes com alto risco de recorrência/doença persistente, ressecção tumoral incompleta e para tratamento de metástases à distância. Em pacientes de baixo risco (em especial naqueles tumores menores que 1 cm, únicos e com ressecção completa) a terapia com iodo não é recomendada. Com relação à dose de iodo 131, com base em estudos recentes em pacientes com risco de recorrência/doença persistente, que mostraram a equivalência entre as doses de 30 a 131 mCi, a preferência é pela utilização da dose de 30 mCi. As doses de 100 mCi são reservadas para o tratamento de pacientes com doença cervical volumosa sem condições de tratamento cirúrgico e para aqueles com metástases à distância. A dose de iodo pode ser repetida, se necessário. Cabe ressaltar, entretanto, que os riscos associados à radiação se correlacionam om a dose de iodo acumulada. O preparo para a ablação tireóidea/terapia com iodo é feito com hipotireoidismo endógeno ocasionado pela supressão da reposição da levotiroxina por 3 a 4 semanas, ou pelo uso de TSH recombinante, que está reservado para pacientes com comorbidades agravadas pelo hipotireoidismo. Estas duas estratégias objetivam elevar o TSH acima de 30 Mui/L. Devido ao seu efeito positivo e baixo custo, uma dieta restrita em iodo é recomendada durante duas semanas prévias ao iodo 131. Dosagem sérica da Tg e do anticorpo antitireoglobulina devem ser solicitadas imediatamente antes da administração do iodo 131, pois a Tg com o TSH > 30 mUI/L estão diretamente correlacionados com a presença de metástases, sendo preditores da evolução a méido e longo prazo. A gravidez e a amanetação são contraindicações absolutas à terapia ablativa. Terapia supressiva O nível de supressão do TSH com levotiroxina deve ser individualizado de acordo com a classificação de risco e efeitos adversos. Indica-se atenção nos pacientes idosos, com cardiopatia isquêmica ou arritmia, e naqueles com baixa densidade mineral óssea. Níveis iniciais de TSH <0,1 mUI/L estão indicados em pacientes de alto risco e naqueles com doença persistente evidente. Pacientes de alto risco sem doença aparente e Tg indetectável após o tratamento inicial podem ser acompanhados com níveis de TSH entre 0,1 e 0,5 mUi/L durante os primeiros 5 anos e, após esse período, a ausência de recidiva tumoral permite a manutenção da reposição de levotiroxina com níveis de TSH entre 0,5 e 2 mUi/L, Os paientes de baixo risco com evidência de cura após a terapia inicial podem ser acompanhados com níveis de TSH entre 0,5 e 2 mUi/L desde o início do seguimento. Tratamento da doença persistente Após o tratamento inicial, 65% dos pacientes são considerados livres da doença, e 35% são classificados como tendo doença persistente. Estes com doença persistente podem ser classificados como tendo apenas doença bioquímica ou com doença estrutural (locorregional ou à distância). ▪ Doença locorregional: cerca de 10 a 20% dos pacientes com CDT apresenta doença persistente cervical, e o tratamento mais indicado para esta situação é a excisão cirúrgica. Quando a ressecção cirúrgica for incompleta e/ou a lesão for I¹³¹-captante, o paciente pode ser encaminhado para uma dose terapêutica de I¹³¹. A radioterapia externa também pode ser uma opção em pacientes selecionados. ▪ Metástase à distância: apesar de pouco frequentes, as metástases à distância são importantes determinantes do prognóstico e constituem a principal causa de morte relacionada ao CDT. A sobrevida média dos pacientes com metástase à distância no momento do diagnóstico é de 30 a 50% em 5 anos, e as taxas de mortalidade são ainda maiores na presença de metástases no sistema nervoso central. Os principais fatores prognósticos em pacientes com metástase à distância são a idade, o local da metástase e a capacidade de captar iodo. Metástase pulmonar:no caso de metástases pulmonares I¹³¹ captantes, em geral micronodulares, recomentam- se doses empíricas de 100 a 150 mCi de I¹³¹. Essa dose pode ser repetida a cada 6 a 12 meses, desde que as lesões permaneçam captantes. O exame de rastreamento corporal total realizado após a dose, que indica os sítios de captação de iodo, e a Tg sérica fornecem as informações sobre a resposta ao tratamento. Pneumonite actínica e fibrose pulmonar são complicações raras do tratamento em doses repetidas de iodo. Recomenda-se, portanto, o acompanhamento da função pulmonar nos pacientes com doença pulmonar volumosa. Para as macrolesões pulmonares não iodocaptantes, podem ser consideradas a exérese cirúrgica e a radioterapia externa paliativa. Metástase óssea: quando a metástase óssea é isolada, a ressecção cirúrgica completa da lesão é a alternativa terapêutica mais indicada. A radioterapia externa é uma opção a ser considerada, principalmente nos casos de metástase óssea dolorosa em que há contraindicação à ressecção. SNC: metástases n SNC são complicações raras do CDT, acontecendo em cerca de 1% dos pacientes. Estes pacientes apresentam sobrevida bastante reduzida (em geral, menor que 1 ano). O tratamento pode ser cirúrgico ou com radioterapia externa, sendo que estudos observacionais sugerem que o tratamento cirúrgico, quando possível, apresenta melhores resultados, devendo ser a primeira escolha. Novas terapias A ativação descontrolada dos receptores tirosina-cinases corresponde a um dos principais mecanismos envolvidos no desenvolvimento e na progressão de câncer. O fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) é uma molécula que exerce funções críticas na angiogênese fisiológica e patológica e na linfangiogênese. A inibição do VEGF via bloqueio de seus receptores representa um novo enfoque de terapia contra o câncer. Além do VEGF, a patogênese do CDT envolve também a presença de mutações somáticas de genes via MAPK, como B-RAF e o RAS. Acompanhamento O CDT é considerado uma neoplasia de comportamento indolente, com baixas taxas de morbidade e mortalidade. A sobrevida média em 10 anos é de 93 a 98%, caracterizando o CDT como uma das neoplasias com maior chance de cura. No entanto, uma pequena parcela destes pacientes apresenta curso clínico mais agressivo, caracterizado por persistência e recorrência que levam à morbidade e mortalidade. O grande desafio no manejo do CDT é a identificação desta parcela de pacientes. Na tentativa de melhorar a predição do prognóstico dos pacientes com CDT, diversos sistemas de estadiamento combinando fatores citados foram propostos. Em comum, todos têm como objetivo estimar o risco de mortalidade e/ou recorrência, guiar o tratamento e o seguimento, garantir uma comunicação efetiva entre os diferentes profissionais, permitindo comparação de dados. A maioria dos sistemas inclui idade ao diagnóstico, tamanho do tumor, invasão extratireoideana e presença de metástases à distância.
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