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Filosofia: Por que e para que? Pensar filosoficamente é uma aventura – uma viagem aos limites do pensamento e do entendimento. (LAW, 2008, p. 10) De fato, a filosofia pode ser considerada uma aventura, é um lançar-se no desconhecido, no novo, no que não estamos acostumados. Ao mesmo tempo é um convite a abandonarmos nossas convicções, crenças, nos despojarmos de nossas seguranças, das verdades que nos foram transmitidas. Portanto, filosofar é um ato de coragem que leva ao crescimento intelectual, à reflexão autônoma. Sim, autonomia! Essa, talvez, seja, hoje, a principal tarefa da filosofia: fazer-nos pensar de modo autônomo, crítico, reflexivo, numa época em que a mídia, os grupos religiosos, os partidos políticos, as instituições de ensino etc., nos enquadram numa forma rígida, cristalizada, de pensar. Tal tarefa nos remete ao filósofo alemão Immanuel Kant, que nos leva a pensar sobre o esclarecimento no texto Resposta à pergunta: O que é o Esclarecimento? escrito em dezembro de 1783, mas que nos é bastante atual. Vamos ler um trecho do referido texto: Esclarecimento (Aufklärung) significa a saída do homem de sua minoridade, pela qual ele próprio é responsável. A minoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio entendimento sem a tutela de um outro. É a si próprio que se deve atribuir essa minoridade, uma vez que ela não resulta da falta de entendimento, mas da falta de resolução e de coragem necessárias para utilizar seu entendimento sem a tutela de outro. Sapere aude! Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento, tal é portanto a divisa do Esclarecimento. A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma parte tão grande dos homens, libertos há muito pela natureza de toda tutela alheia (naturaliter majorennes), comprazem-se em permanecer por toda sua vida menores; e é por isso que é tão fácil a outros instituírem-se seus tutores. É tão cômodo ser menor. Se possuo um livro que possui entendimento por mim, um diretor espiritual que possui consciência em meu lugar, um médico que decida acerca de meu regime, etc., não preciso eu mesmo esforçar-me. Não sou obrigado a refletir, se é suficiente pagar; outros se encarregarão por mim da aborrecida tarefa. Que a maior parte da humanidade (e especialmente todo o belo sexo) considere o passo a dar para ter acesso à maioridade como sendo não só penoso, como ainda perigoso, é ao que se aplicam esses tutores que tiveram a extrema bondade de encarregar-se de sua direção. Após ter começado a emburrecer seus animais domésticos e cuidadosamente impedir que essas criaturas tranquilas sejam autorizadas a arriscar o menor passo sem o andador que as sustenta, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça se tentam andar sozinhas. Ora, esse perigo não é tão grande assim, pois após algumas quedas elas acabariam aprendendo a andar; mas um exemplo desse tipo intimida e dissuade usualmente toda tentativa ulterior. É portanto difícil para todo homem tomado individualmente livrar-se dessa minoridade que se tornou uma espécie de segunda natureza. Ele se apegou a ela, e é então realmente incapaz de se servir de seu entendimento, pois não deixam que ele o experimente jamais. Preceitos e fórmulas, esses instrumentos mecânicos destinados ao uso racional, ou antes ao mau uso de seus dons naturais, são os entraves desses estado de minoridade que se perpetua. Quem o rejeitasse, no entanto, não efetuaria mais do que um salto incerto por cima do fosso mais estreito que seja, pois ele não tem o hábito de uma tal liberdade de movimento. Assim, são poucos os que conseguiram, pelo exercitar de seu próprio espírito, libertar-se dessa minoridade tendo ao mesmo tempo um andar seguro. (KANT, 1783) Sapere Aude! Este é o convite que a filosofia nos faz hoje. Nisso consiste a importância de estudá-la, sua tarefa, no mundo de homens-máquinas, de homens programados. A filosofia é um exame crítico dos fundamentos de nossas convicções, de nossos preconceitos e de nossas crenças e é, conforme Bertrand Russell, filósofo inglês, na não-certeza que chegamos quando filosofamos onde devemos procurar o valor da filosofia, pois o seu valor está nas incertezas que ela nos proporciona, pois quem não pratica o filosofar caminha pela vida preso aos pré- conceitos que são adquiridos ao longo de sua vida. Porém, mesmo com esta consciência da tarefa da filosofia hoje, muitas pessoas questionam sua utilidade para o cotidiano. De modo imediato a filosofia realmente não tem muita utilidade para as pessoas. No entanto, sua utilidade se apresenta de modo mediato, ou seja, indiretamente. Bem nos explica a Professora Marilena Chauí: As evidências do cotidiano Em nossa vida cotidiana, afirmamos, negamos, desejamos, aceitamos ou recusamos coisas, pessoas, situações. Fazemos perguntas como “que horas são?”, ou “que dia é hoje?”. Dizemos frases como “ele está sonhando”, ou “ela ficou maluca”. Fazemos afirmações como “onde há fumaça, há fogo”, ou “não saia na chuva para não se resfriar”. Avaliamos coisas e pessoas, dizendo, por exemplo, “esta casa é mais bonita do que a outra” e “Maria está mais jovem do que Glorinha”. Numa disputa, quando os ânimos estão exaltados, um dos contendores pode gritar ao outro: “Mentiroso! Eu estava lá e não foi isso o que aconteceu”, e alguém, querendo acalmar a briga, pode dizer: “Vamos ser objetivos, cada um diga o que viu e vamos nos entender”. Também é comum ouvirmos os pais e amigos dizerem que somos muito subjetivos quando o assunto é o namorado ou a namorada. Frequentemente, quando aprovamos uma pessoa, o que ela diz, como ela age, dizemos que essa pessoa “é legal”. Vejamos um pouco mais de perto o que dizemos em nosso cotidiano. Quando pergunto “que horas são?” ou “que dia é hoje?”, minha expectativa é a de que alguém, tendo um relógio ou um calendário, me dê a resposta exata. Em que acredito quando faço a pergunta e aceito a resposta? Acredito que o tempo existe, que ele passa, pode ser medido em horas e dias, que o que já passou é diferente de agora e o que virá também há de ser diferente deste momento, que o passado pode ser lembrado ou esquecido, e o futuro, desejado ou temido. Assim, uma simples pergunta contém, silenciosamente, várias crenças não questionadas por nós. Quando digo “ele está sonhando ”, referindo-me a alguém que diz ou pensa alguma coisa que julgo impossível ou improvável, tenho igualmente muitas crenças silenciosas: acredito que sonhar é diferente de estar acordado, que, no sonho, o impossível e o improvável se apresentam como possível e provável, e também que o sonho se relaciona com o irreal, enquanto a vigília se relaciona com o que existe realmente. Acredito, portanto, que a realidade existe fora de mim, posso percebê-la e conhecê-la tal como é, sei diferenciar realidade de ilusão. A frase “ela ficou maluca” contém essas mesmas crenças e mais uma: a de que sabemos diferenciar razão de loucura e maluca é a pessoa que inventa uma realidade existente só para ela. Assim, ao acreditar que sei distinguir razão de loucura, acredito também que a razão se refere a uma realidade que
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