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A VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA MÍDIA ONLINE - Uma análise do caso Isabela Miranda nos portais G1 e R7 (TCC)

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Prévia do material em texto

1 
 
 
 CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA – IPA 
CURSO DE JORNALISMO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Thayna Iglesias Rocha 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA MÍDIA ONLINE: 
Uma análise do caso Isabela Miranda nos portais G1 e R7 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Porto Alegre 
2019 
2 
 
 
THAYNA IGLESIAS ROCHA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA MÍDIA ONLINE 
Uma análise do caso Isabela Miranda nos portais G1 e R7 
 
 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado 
ao Curso de Jornalismo do Centro 
Universitário Metodista – IPA como requisito 
parcial para obtenção do grau de Bacharela 
em Jornalismo. 
 
 Orientadora: Profa. Dra. Valéria Deluca Soares de Carvalho 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Porto Alegre 
2019 
3 
 
 
THAYNA IGLESIAS ROCHA 
 
 
 
 
 
 
 
A VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA MÍDIA ONLINE 
Uma análise do caso Isabela Miranda nos portais G1 e R7 
 
 
 
 
 
 
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para a obtenção do grau 
de Bacharel no Curso de JORNALISMO do Centro Universitário Metodista – IPA. 
 
 
 
 
Porto Alegre, Julho de 2019. 
 
 
 
 
Profa. Dr. Fabio Ramos Berti 
Coordenador do Curso 
 
 
 
 
 
Apresentada à banca examinadora integrada pelos professores(as): 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Profa. Dra. Valéria Deluca Soares de Carvalho 
Centro Universitário Metodista –IPA 
 
 
 
 
 
 
 Profa. Dra. Sandra Bitencourt Prof. Me. Maria Lúcia Patta Melão 
Centro Universitário Metodista – IPA Centro Universitário Metodista – IPA 
 
 
4 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço à minha mãe, meus avós e toda a minha família, que sempre me 
incentivou a estudar e me ensinou o valor do conhecimento, me dando todo o suporte 
para alcançá-lo. 
Agradeço ao meu namorado, que me acompanhou desde o início e esteve 
presente nos momentos mais importantes e difíceis dessa jornada, nunca me 
deixando desistir. 
E a todas as mulheres que encontrei ao longo desse caminho e que, de alguma 
forma, me ensinaram sobre feminismo, empatia e sororidade. Mulheres que 
compartilharam suas histórias, seus conhecimentos e suas opiniões, para que eu 
pudesse falar sobre os assuntos que me moveram até aqui. 
Obrigada! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
As rosas da resistência nascem no asfalto. 
A gente recebe rosas, mas vamos estar com o 
punho cerrado falando de nossa existência contra 
os mandos e desmandos que afetam nossas vidas. 
Marielle Franco 
 
 
6 
 
 
RESUMO 
 
A pesquisa tem o objetivo de analisar de que forma a mídia online apresenta a 
cultura do estupro e a culpabilização da vítima, considerando a cobertura do caso 
envolvendo a violência sexual e o feminicídio de Isabela Miranda, em março de 2019. 
A pesquisa é descritiva e exploratória, utilizando o método da Análise de Conteúdo 
para explorar os significados nas narrativas das quatro notícias selecionadas, dos 
sites G1 e R7. Os resultados alcançados mostram que a cultura do estupro e a 
culpabilização da vítima se manifestam com base em séculos de construções sociais 
que afetam toda a população, incluindo jornalistas e instituições de comunicação. E 
que são percebidas nas notícias por meio de recursos textuais e narrativos como a 
omissão, o destaque ou a priorização de informações. 
 
Palavras-chave: Culpabilização. Cultura do Estupro. Webjornalismo. Teorias 
Construcionistas. Portais G1 e R7. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
 
ABSTRACT 
 
The research aims to analyze how the online media presents the culture of rape 
and victim blaming, considering the coverage of the case involving the sexual violence 
and feminicide of Isabela Miranda, in March 2019. The research is descriptive and 
exploratory, using the Content Analysis method to explore the meanings in the 
narratives of the four news stories selected from the G1 and R7 sites. The results show 
that the rape culture and victim blaming are manifested on the basis of centuries of 
social constructions that affect the entire population, including journalists and media 
outlets. And are perceived in the news through textual and narrative resources such 
as omission, highlight or prioritization of information. 
 
Keywords: Victim Blaming. Rape Culture. Web Journalism. Constructionist Theorys. 
G1 e R7 Sites. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10 
1.1 PROBLEMA DE PESQUISA ............................................................................ 14 
1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................................................ 14 
1.2.1 Objetivo geral ........................................................................................... 14 
1.2.2 Objetivos específicos .............................................................................. 15 
1.3 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA ...................................................................... 15 
2 REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................... 17 
2.1 GÊNERO, VIOLÊNCIA E DOMINAÇÃO MASCULINA .................................... 17 
2.2 HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA ....................................................... 25 
2.3 POLÍTICAS DE PROTEÇÃO À MULHER E LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ....... 32 
2.4 CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA E CULTURA DO ESTUPRO .......................... 36 
2.5 NEWSMAKING E TEORIAS CONSTRUCIONISTAS ...................................... 40 
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................................................... 50 
3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA ............................................................... 50 
3.2 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA ........................................................................ 51 
3.3 TÉCNICAS E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS ............................. 53 
3.4 TÉCNICAS DE ANÁLISE DOS DADOS .......................................................... 53 
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO DA PESQUISA ................................................... 55 
4.1 APRESENTAÇÃO DAS NOTÍCIAS ................................................................. 55 
4.1.1 Notícia 1 - Mulher passa mal, é abusada pelo cunhado e torturada pelo 
namorado (R7) .................................................................................................. 56 
4.1.2 Notícia 2 - Mulher morre em SP após ter o corpo queimado pelo 
namorado (G1) .................................................................................................. 58 
4.1.3 Notícia 3 - Jovem queimada pelo namorado se declarava 
constantemente nas redes sociais: 'minha sorte grande' (R7)..................... 64 
9 
 
 
4.1.4 Notícia 4 - Mãe passa mal no enterro da filha que morreu queimada pelo 
namorado em SP (G1) ...................................................................................... 70 
4.2 ANÁLISE DO CONTEÚDO .............................................................................. 75 
4.2.1 Categoria 1: Representação dos Gêneros na Sociedade ..................... 76 
4.2.2 Categoria 2: A Legislação na Notícia ..................................................... 80 
4.2.3 Categoria 3: A Notícia na Web ................................................................ 81 
4.2.4 Categoria 4: A Narrativa .......................................................................... 83 
4.3 INFERÊNCIAS DA PESQUISADORA ............................................................. 87 
5 CONCLUSÃO E SUGESTÕES .............................................................................. 90 
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 9210 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2018, mostra que o 
Brasil registrou mais de 60 mil estupros em 20171. No entanto, estima-se que esse 
número representa apenas 10% dos casos. A maior parte não chega a ser notificada 
nem à polícia, nem ao Sistema Único de Saúde, “tendo em vista o tabu engendrado 
pela ideologia patriarcal”2. No mesmo período foram registrados 606 casos diários de 
lesão corporal por violência doméstica. E, enquanto os assassinatos em geral tiveram 
uma redução de 13%, os homicídios femininos foram reduzidos em apenas 6,7%, de 
acordo com o Monitor da Violência, elaborado pelo site G1. Uma taxa de quatro 
mulheres mortas para cada grupo de 100 mil mulheres, 74% superior à média 
mundial.3 
Esses dados alarmantes contrastam com o atual cenário do feminismo no 
Brasil, que vem crescendo principalmente por meio da internet. Em 2015, que foi 
considerado o ano da Primavera das Mulheres, milhares ocuparam as ruas em 
protestos que foram organizados por páginas e grupos do Facebook.4 Essa expansão 
teve como “estopim” a aprovação da PL 5069/2013 na Comissão de Constituição e 
Justiça da Câmara Federal, em outubro (Brito, 2017). O projeto limitava o atendimento 
às mulheres vítimas de violência sexual, de modo que o aborto só pudesse ser feito 
legalmente após o exame de corpo de delito e denúncia à autoridade policial. Também 
estabelecia detenção de até 3 anos para profissionais da saúde que induzissem, 
auxiliassem ou instigassem o aborto, quando não fosse o caso. 
No mesmo mês, surgiu a campanha #PrimeiroAssédio, que viralizou após 
Valentina Schulz, participante do programa MasterChef Júnior, na época com 12 anos, 
ser assediada por diversos homens na internet. A campanha reuniu relatos sobre os 
 
1 Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/Anuario-2019-v6-
infogr%C3%A1fico-atualizado.pdf Acesso em: 18.03.2019, às 10h00min. 
2 Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2018/06/FBSP_Atlas_da_Violencia_2018_Relatorio.pdf Acesso em: 18.03.2019, às 
10h15min. 
3 Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/03/08/dados-de-violencia-
contra-a-mulher-sao-a-evidencia-da-desigualdade-de-genero-no-brasil.ghtml Acesso em: 18.03.2019, 
às 10h30min. 
4 Disponível em: 
https://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/03/politica/1446573312_949111.html Acesso em: 18.03.2019, 
às 11h00min. 
http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/Anuario-2019-v6-infogr%C3%A1fico-atualizado.pdf
http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/Anuario-2019-v6-infogr%C3%A1fico-atualizado.pdf
http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/06/FBSP_Atlas_da_Violencia_2018_Relatorio.pdf
http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/06/FBSP_Atlas_da_Violencia_2018_Relatorio.pdf
https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/03/08/dados-de-violencia-contra-a-mulher-sao-a-evidencia-da-desigualdade-de-genero-no-brasil.ghtml
https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/03/08/dados-de-violencia-contra-a-mulher-sao-a-evidencia-da-desigualdade-de-genero-no-brasil.ghtml
https://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/03/politica/1446573312_949111.html
11 
 
 
primeiros assédios sofridos por milhares de mulheres, em média aos 9,7 anos de 
idade. A hashtag foi replicada mais de 82 mil vezes no Twitter.5 
Já em novembro, a professora Manoela Milkos lançou a campanha 
#AgoraÉqueSãoElas, em que mulheres ocuparam o espaço de escritores e colunistas 
homens na mídia por uma semana.6 E, em seguida, na campanha #MeaCulpa, os 
homens demonstraram apoio ao movimento feminista, reconhecendo e refletindo 
sobre seus erros e atitudes machistas.7 
Segundo dados recolhidos pela ONG Think Olga em parceria com a Agência 
Ideal, as buscas pelas palavras “feminismo” e “empoderamento feminino” cresceram 
86,7% e 354,5% respectivamente, de janeiro de 2014 a outubro de 2015.8 Esses 
números continuaram crescendo nos anos seguintes, assim como o movimento 
feminista, que em 2018 chegou a reunir mais de 100 mil pessoas em protestos contra 
o então candidato à presidência, Jair Bolsonaro. O movimento denominado #EleNão 
foi classificado pela cientista política Céli Pinto como a maior manifestação de 
mulheres na história do Brasil.9 
Além da crescente popularização do feminismo, a legislação brasileira também 
tem se aprimorado na proteção das vítimas de violência doméstica. A Lei Maria da 
Penha, aprovada em 2006, é considerada a terceira melhor lei do mundo no combate 
à violência doméstica, perdendo apenas para Espanha e Chile10. E em 2015 foi 
sancionada a lei que tipifica o feminicídio, reconhecendo-o enquanto crime de ódio e 
tornando-o um agravante ao homicídio. 
Apesar de tudo isso, a violência de gênero continua sendo um problema muito 
grave no Brasil, conforme exposto no primeiro parágrafo. É importante destacar que 
 
5 Disponível em: 
https://thinkolga.com/2018/01/31/primeiro-assedio/ Acesso em: 18.03.2019, às 11h30min. 
6 Disponível em: https://catracalivre.com.br/cidadania/campanha-agoraequesaoelas-da-espaco-as-
mulheres-na-midia-saiba-como-participar/ Acesso em: 18.03.2019, às 12h15min. 
7 Disponível em: 
https://oglobo.globo.com/sociedade/tocados-pelo-primeiroassedio-homens-fazem-meaculpa-
17975262 Acesso em: 18.03.2019, às 12h130min. 
8 Disponível em: 
https://thinkolga.com/2015/12/18/uma-primavera-sem-fim/ Acesso em: 18.03.2019, às 12h45min. 
9 Disponível em: 
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45700013 Acesso em: 19.03.2019, às 10h15min. 
10 Disponível em: 
 https://jus.com.br/artigos/36178/lei-maria-da-penha-a-terceira-melhor-lei-do-mundo Acesso em: 
19.03.2019, às 10h25min. 
https://thinkolga.com/2018/01/31/primeiro-assedio/
https://catracalivre.com.br/cidadania/campanha-agoraequesaoelas-da-espaco-as-mulheres-na-midia-saiba-como-participar/
https://catracalivre.com.br/cidadania/campanha-agoraequesaoelas-da-espaco-as-mulheres-na-midia-saiba-como-participar/
https://oglobo.globo.com/sociedade/tocados-pelo-primeiroassedio-homens-fazem-meaculpa-17975262
https://oglobo.globo.com/sociedade/tocados-pelo-primeiroassedio-homens-fazem-meaculpa-17975262
https://thinkolga.com/2015/12/18/uma-primavera-sem-fim/
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45700013
https://jus.com.br/artigos/36178/lei-maria-da-penha-a-terceira-melhor-lei-do-mundo
12 
 
 
a maioria das agressões (42%) acontece dentro da casa da própria vítima11, o que 
ajuda a invisibilizar a violência. Entre os agressores, 76,4% são conhecidos das 
mulheres, 23,8% são namorados, maridos ou companheiros, 21% são vizinhos e 15% 
são ex-namorados, ex-maridos ou ex-companheiros.12 Esses fatos são comumente 
utilizados para justificar a falta de intervenção na violência ou a desconfiança de que 
a vítima, na verdade, permitiu ou facilitou que ela acontecesse. 
 Isso porque há um pensamento enraizado desde os tempos coloniais na 
sociedade brasileira, de que a mulher, ao se envolver romanticamente com um 
homem, se torna propriedade dele. Até 1940, era comum que advogados utilizassem 
o argumento da “legítima defesa da honra” para absolver homens que assassinavam 
suas esposas por traição ou ciúmes. Eles se baseavam no artigo 27 do Código Penal 
brasileiro, que excluía a ilegalidade dos atos cometidos por pessoas que “se acharem 
em estado de completa privação de sentidos e de inteligencia no acto de commetter 
o crime”. Embora esse artigo não conste no Código Penal atual, o argumento ainda é 
presente nos tribunais e, em alguns casos, chega a ser aceito pelos juízes.13 
Culturalmente, a violência física e sexual continua sendo vista como uma forma de 
castigo à mulher que não se comporta de acordo com os padrões conservadoristas. 
Uma pesquisa do Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança 
Públicaem 2016, mostrou que 37% da população concordam com a frase “mulheres 
que se dão ao respeito não são estupradas”. E 30% acredita que “a mulher que usa 
roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada”.14 
Esse senso comum acaba se refletindo também na forma como a violência de 
gênero é noticiada pela mídia. Porém, com a facilidade de acesso e disseminação de 
conteúdo que a internet fornece, é comum que matérias com discurso de 
 
11 Disponível em: 
 http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/relatorio-pesquisa-2019-v6.pdf 
Acesso em: 19.03.2019, às 10h45min. 
12 Disponível em: 
http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/relatorio-pesquisa-2019-v6.pdf 
Accesso em: 19.03.2019, às 11h00min. 
13 Disponível em: 
 https://www.univates.br/bdu/bitstream/10737/673/1/2014SimoneFernandaFollmer.pdf Accesso em: 
19.03.2019, às 11h20min. 
14 Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2017/01/FBSP_Policia_precisa_falar_estupro_2016.pdf Accesso em: 20.03.2019, às 
11h35min. 
http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/relatorio-pesquisa-2019-v6.pdf
http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/relatorio-pesquisa-2019-v6.pdf
https://www.univates.br/bdu/bitstream/10737/673/1/2014SimoneFernandaFollmer.pdf
http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2017/01/FBSP_Policia_precisa_falar_estupro_2016.pdf
http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2017/01/FBSP_Policia_precisa_falar_estupro_2016.pdf
13 
 
 
culpabilização da vítima cheguem rapidamente ao conhecimento de mulheres e 
grupos feministas e viralizem pelas críticas que recebem. 
 Foi o caso do estupro e feminicídio de Isabela Miranda, abusada pelo cunhado 
e, logo após, assassinada pelo namorado. O R7, portal de notícias online do Grupo 
Record, foi um dos primeiros veículos a noticiar o caso. A publicação levou o título 
“jovem tem 80% do corpo queimado ao ser flagrada na cama com cunhado”, o que 
causou revolta nas redes sociais pela culpabilização da vítima e pela omissão da 
suspeita de estupro15. Após a polêmica, a notícia foi editada com novo título, mas 
mantendo o mesmo texto e o vídeo do telejornal Cidade Alerta, que entrevistou os 
familiares da vítima. 
O R716 é o segundo portal de notícias mais acessado no Brasil, segundo o 
ranking do Comscore17, abaixo do site da Rede Globo, cujas notícias são 
redirecionadas para o portal G118. Assim como o R7, o G1 foi um dos poucos veículos 
de grande porte que noticiou o caso em maior profundidade. A Folha de São Paulo19 
e o Estadão20, por exemplo, só realizaram, cada um, uma publicação sobre o assunto. 
A partir do exposto, esta pesquisa busca analisar o discurso dos portais de 
notícia online R7 e G1 na veiculação do caso de estupro e feminicídio de Isabela 
Miranda. Com isso, espera-se compreender de que forma a mídia online apresenta a 
cultura do estupro e a culpabilização da vítima, tendo como hipótese que as notícias 
reafirmam e legitimam esses comportamentos. 
 
 
 
 
15 Disponível em: 
https://exame.abril.com.br/brasil/universitaria-de-19-anos-e-queimada-viva-por-namorado/ Accesso 
em: 20.03.2019, às 12h00min. 
16 Disponível em: 
https://www.r7.com/ Acesso em: 21.03.2019, às 10h15min 
17 Disponível em: https://www.comscore.com/por/Insights/Rankings-do-Mercado Acesso em: 
21.03.2019, às 10h00min 
18 Disponível em: https://g1.globo.com/ Acesso em: 21.03.2019, às 10h20min 
19 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/03/homem-mata-namorada-queimada-
na-grande-sp-familia-diz-que-ele-confundiu-estupro-com-traicao.shtml Acesso em: 10.03.2019 às 
18h15min 
20 Disponível em: https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,jovem-que-foi-queimada-pelo-
namorado-sera-enterrada-nesta-sexta-feira,70002747559 Acesso em: 10.03.2019 às 18h00min 
https://exame.abril.com.br/brasil/universitaria-de-19-anos-e-queimada-viva-por-namorado/
https://www.r7.com/
https://www.comscore.com/por/Insights/Rankings-do-Mercado
https://g1.globo.com/
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/03/homem-mata-namorada-queimada-na-grande-sp-familia-diz-que-ele-confundiu-estupro-com-traicao.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/03/homem-mata-namorada-queimada-na-grande-sp-familia-diz-que-ele-confundiu-estupro-com-traicao.shtml
https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,jovem-que-foi-queimada-pelo-namorado-sera-enterrada-nesta-sexta-feira,70002747559
https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,jovem-que-foi-queimada-pelo-namorado-sera-enterrada-nesta-sexta-feira,70002747559
14 
 
 
1.1 PROBLEMA DE PESQUISA 
 
 Considerando as questões levantadas anteriormente, tem-se como problema 
de pesquisa a seguinte pergunta: Como a mídia online apresenta a cultura do estupro 
e a culpabilização da vítima, considerando a cobertura do caso envolvendo a violência 
e o feminicídio no caso de Isabela Miranda? 
A hipótese é de que as notícias sobre violência de gênero publicadas na mídia 
online reafirmam a cultura do estupro e legitimam a culpabilização da vítima pela 
sociedade. Entende-se que isso é feito através das escolhas feitas durante a redação 
da notícia: a ordem das informações na pirâmide invertida, o que é ressaltado ou 
omitido; e palavras e expressões utilizadas, que podem conduzir, mesmo que 
implicitamente, ao entendimento de que a vítima tem alguma culpa no crime, que suas 
atitudes ou personalidade poderiam de alguma forma justificar a violência. 
Acredita-se também que essas escolhas são resultado de uma construção 
cultural machista e misógina que atinge os jornalistas por meio de suas vivências, 
interações sociais ou mesmo pela pressão editorial dentro dos veículos. Dessa forma, 
o jornalismo é diretamente afetado pela noção de supremacia masculina presente na 
sociedade, ao mesmo tempo em que ajuda a perpetuá-la, por meio da naturalização 
e validação desse pensamento. 
 
1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA 
 
 Segue-se com os objetivos da pesquisa: 
 
1.2.1 Objetivo geral 
 
O objetivo geral desta monografia é: analisar como a mídia online apresenta a 
cultura do estupro e a culpabilização da vítima, considerando a cobertura do caso 
envolvendo a violência e o feminicídio de Isabela Miranda. 
 
15 
 
 
1.2.2 Objetivos específicos 
 
 São os objetivos específicos: 
● Contextualizar o caso envolvendo a violência e o feminicídio de Isabela 
Miranda, a partir do conteúdo veiculado nos portais G1 e R7, descrevendo as 
notícias selecionadas; 
● Analisar a produção de sentido nas notícias, levando em consideração a Teoria 
do Newsmaking e as Teorias Construcionistas; 
● Relacionar os discursos presentes nas notícias selecionadas com os conceitos 
de cultura do estupro e culpabilização da vítima. 
 
1.3 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA 
 
 A pesquisa se justifica pelos altos índices de violência contra a mulher em todo 
o Brasil. Apesar das leis de proteção, do crescimento dos grupos e iniciativas 
feministas e das tentativas de conscientização, o país continua sendo o quinto mais 
perigoso do mundo para mulheres. Por isso é importante, tanto para a área da 
Comunicação quanto para toda a sociedade, compreender qual o papel da mídia na 
naturalização da violência, para que seja possível buscar soluções. 
O jornalismo tem a responsabilidade de transmitir as notícias de forma objetiva 
e correta, levando em consideração o interesse público. Esse preceito é quebrado 
quando informações são omitidas ou destacadas desnecessariamente, de acordo com 
os interesses ou ideologias do jornalista. E é isso que acontece frequentemente em 
notícias que retratam a violência contra a mulher: matérias que ressaltam roupas 
vítima ou atitudes de vítima que, no entendimento de boa parte da população, 
“justificariam” o crime. 
Isso vai de encontro a outras diretrizes do Código de Ética dos JornalistasBrasileiros: defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos 
Humanos; defender os direitos dos cidadãos, contribuindo para a promoção das 
garantias individuais e coletivas, em especial das minorias sociais; combater a prática 
de perseguição ou discriminação por motivos de gênero ou de qualquer outra 
16 
 
 
natureza; respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do 
cidadão. 
Enquanto mulheres são violentadas, agredidas e mortas todos os dias, o 
jornalismo, que deveria proteger direitos e denunciar os abusos, acaba reproduzindo 
e perpetuando os mesmos preconceitos já presentes na sociedade brasileira. A 
mulher, após sofrer nas mãos do agressor e, muitas vezes, nas de autoridades mal 
preparadas, é novamente vitimada pela mídia, mesmo quando não está mais presente 
para se defender. É preciso compreender como e por que os valores jornalísticos 
estão sendo ignorados e deturpados em prol de uma dominação patriarcal, pois só 
tendo dimensão do problema, é possível lidar com ele desde suas bases. 
O caso de Isabela Miranda foi uma representação cruel de como isso acontece. 
Violentada e assassinada, ela nunca teve a chance de contar a sua história. Coube 
ao jornalista escolher a narrativa que seria usada - a de uma mulher infiel, que foi 
morta por despertar o ciúme do namorado. E mesmo quando as mulheres que 
sobrevivem, suas vozes são caladas por notícias falsas, acusações ou julgamentos 
de caráter sem qualquer relação com o crime. Foi assim com Daniela Perez, com 
Angela Diniz, com Eloá Pimentel e tantos outros casos, famosos ou não. 
Nesta linha, tanto para a pesquisadora, como para a maioria das mulheres, o 
medo da violência física e sexual é constante durante toda a vida e o medo da 
revitimização por parte da sociedade o acompanha. Por isso, acredita-se na 
importância desse estudo para que se construa um jornalismo verdadeiramente 
comprometido com seu propósito social, que ajude a educar a população e não 
reproduza velhos preconceitos, legitimando a violência de gênero em suas diversas 
camadas. Assim, espera-se desenvolver uma sociedade melhor para as próximas 
gerações, em que menos mulheres sofram agressões e aquelas que vierem a sofrer 
tenham, ao menos, uma representação justa e livre de julgamentos. 
 
 
 
 
 
17 
 
 
2 REFERENCIAL TEÓRICO 
 
Neste capítulo são apresentadas as referências bibliográficas que sustentam 
teoricamente esta pesquisa. O referencial teórico tem a função de dar embasamento 
à análise que será feita posteriormente, contextualizando e introduzindo os conceitos 
que serão utilizados, a partir de autores que já estudaram e publicaram materiais 
consistentes sobre esses assuntos (PRODANOV; FREITAS, 2013). 
Primeiramente, é apresentado o conceito de gênero, sua relação com a 
violência e a dominação masculina estrutural, de acordo com Scott (1995), Beauvoir 
(1980), Engels (1984), Araújo (2006), Lins (2012), Hirigoyen (2006), Leite e Noronha 
(2015), Sousa (2017) e Campos (2016). É feita, então, uma contextualização histórica 
do movimento feminista, desde a Revolução Francesa até os dias atuais, a partir de 
Gurgel (2010), Pinto (2010), Woitowicz (2014), Pedro (2006), Duarte (2003), Campoi 
(2011), Damasco (2009), Davis (2016), Soihet (2000) e Perez e Ricoldi (2018). 
Em seguida, são apresentadas as políticas de proteção à mulher e a 
caracterização dos crimes de violência sexual e de gênero de acordo com a legislação 
brasileira e autoras como Souza (2016), Santos (2010), Pasinato (2015) e Rost e 
Vieira (2015). Após, são conceitualizados os termos ‘culpabilização da vítima’ e 
‘cultura do estupro’, com base nos estudos de Jong, Sadala e Tanaka (2008), Narvaz 
e Koller (2006), Züwick (2012), Lermen (2018), Mentz e Schmidt (2017), Sousa (2017) 
e Coulouris (2004). 
Também é abordado o Newsmaking e as Teorias Construcionistas pela visão 
de Wolf (1995), Traquina (2005), Fernandes (2011) e Vieira e Napolitano (2015). E, 
por fim, os conceitos, estruturas e rotinas produtivas do Webjornalismo, segundo 
Reges (2010), Neto (2008), Canavilhas (2006 e 2014), Gonzaga (2010), Neto (2016), 
Bradshaw (2014), Vieira (2018), Lima (2015) e Salaverría (2014). 
 
2.1 GÊNERO, VIOLÊNCIA E DOMINAÇÃO MASCULINA 
 
O termo ‘gênero’, de acordo com Araújo (2006), “na sua acepção gramatical, 
designa indivíduos de sexos diferentes (masculino/feminino) ou coisas sexuadas”. No 
18 
 
 
entanto, Scott (1995) explica que, no século XX, o movimento feminista passou a 
empregá-lo de um modo diferente, para se referir à relação entre os sexos na 
organização social. Segundo ela, o gênero passou a remeter às construções sociais, 
uma vez que “indicava uma rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de 
termos como “sexo” ou “diferença sexual” (SCOTT, 1995, p.3). 
A autora define, então, que “o gênero é um elemento constitutivo de relações 
sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma 
primeira de significar as relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 21). Lins (2012, p. 24), 
em concordância com essa teoria, salienta que “a diferença entre os sexos é 
anatômica e fisiológica, o resto é produto de cada cultura ou grupo social”. Ela explica 
que o sistema patriarcal, ao se estabelecer, separou homens e mulheres 
determinando com clareza os padrões, estereótipos de gênero, que cada um deveria 
seguir. “E, ao fazer isso, dividiu cada indivíduo contra si próprio, porque para 
corresponder ao ideal masculino ou feminino da nossa cultura, cada um tem que 
rejeitar uma parte de si, de alguma forma, se mutilando” (LINS, 2012, p. 20). 
Beauvoir (1980) destaca que, por toda a história, essa construção social do 
gênero foi determinada pelo homem e, por isso, o coloca em posição de poder perante 
a mulher. Para ela, “a humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si 
mas relativamente a êle; ela não é considerada um ser autônomo” (BEAUVOIR, 1980, 
p. 10). Com isso, afirma também que “o presente envolve o passado e no passado 
toda a história foi feita pelos homens. No momento em que as mulheres começam a 
tomar parte na elaboração do mundo, esse mundo é ainda um mundo que pertence 
aos homens” (BEAUVOIR, 1980, p.15). 
A autora também expõe que a dominação ocorre a partir do momento em que 
os homens se entendem como uma unidade e a mulher é vista por eles como “o 
Outro”. Ela explica que “nenhuma coletividade se define nunca como Uma sem 
colocar imediatamente a Outra diante de si” e que “o sujeito só se põe em se opondo: 
ele pretende afirmar-se como essencial e fazer do outro o inessencial, o objeto” 
(BEAUVOIR, 1980, p. 19). Como exemplos, cita que os judeus são “o Outro” para o 
antissemita, os negros são “o Outro” para os brancos, e assim por diante. Dessa 
forma, os homens veem a si mesmos e uns aos outros como os “Sujeitos” absolutos, 
e colocam a mulher, “o Outro”, no papel de objeto. 
19 
 
 
Para Engels (1884), a opressão de gênero, embora sempre tenha existido de 
forma mais implícita, se materializou a partir das noções de propriedade privada, 
monogamia e capitalismo. Segundo ele, “o primeiro antagonismo de classes que 
apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem 
e a mulher, na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo 
feminino pelo masculino” (ENGELS, 1884, p.18). 
O autor explica que, em determinado tempo, a sociedade era organizada pelo 
sistema matriarcal, em que a herança era passada da mulher para seu clã. Na época, 
as comunidades produziam apenas os alimentos e as ferramentas necessários para 
a subsistência geral. Os homens, por serem fisicamente mais fortes, eram 
responsáveis pela caça e pesca, enquanto as mulheres permaneciam no lar, 
realizando tarefas como jardinagem, tecelagem e fabricação de vasilhames. Mas 
essas atividades eram consideradas importantes na vida econômica e produtiva,e por 
isso, não havia desigualdade entre os sexos. 
Além disso, as famílias eram poligâmicas e, como a única forma possível de 
determinar a descendência era por uma linha feminina, as mulheres tinham a posição 
social mais elevada. Lins (2012) explica também que os seres humanos não tinham 
conhecimento sobre o papel do homem na reprodução. 
A historiadora Riane Eisler diz que nossos ancestrais do Paleolítico e do 
começo do Neolítico imaginavam o corpo da mulher como um receptáculo 
mágico. Devem ter observado como sangrava de acordo com a Lua e como 
miraculosamente produzia gente. (LINS, 2012, p. 17) 
No entanto, Beauvoir (1980) acredita que o sistema reprodutivo foi uma das 
desvantagens [grifo nosso] que o homem apontou para inferiorizar a mulher. A 
gravidez, o parto e a menstruação diminuíam sua capacidade de trabalho e as 
condicionava à proteção e alimentação provida por eles. Como não existiam métodos 
contraceptivos, “nasciam crianças demais em relação aos recursos da coletividade; a 
fecundidade absurda da mulher impedia-a de participar ativamente na ampliação 
desses recursos, ao passo que criava indefinidamente novas necessidades” 
(BEAUVOIR, 1980, p. 80). 
Para Engels (1984), a suposta igualdade entre os sexos começou a mudar 
quando foram inventadas ferramentas de cobre que facilitaram a agricultura e os 
animais passaram a ser domesticados. Assim, o ser humano conseguiu produzir mais 
20 
 
 
do que consumia, sendo possível realizar trocas e acumular riquezas. Engels (1984, 
p. 181) explica a relação desse fato com a dominação masculina: 
O providenciar a alimentação fora sempre assunto do homem; e os 
instrumentos necessários para isso eram produzidos por ele e de sua 
propriedade ficavam sendo. Os rebanhos constituíam nova fonte de 
alimentos e utilidades; sua domesticação e sua ulterior criação competiam 
ao homem. Por isso o gado lhe pertencia, assim como as mercadorias e os 
escravos que obtinha em troca dele. Todo o excedente deixado agora pela 
produção pertencia ao homem; a mulher tinha participação no consumo, 
porém não na propriedade. 
Nessa época, também, o homem descobriu o vínculo entre o sexo e a 
reprodução, ao observar o que acontecia entre os animais. E como agora eram 
detentores da riqueza, a noção de propriedade privada se estendeu também aos filhos 
e, consequentemente, à mulher. Assim se instaurou o sistema patriarcal e a 
monogamia, que exigia fidelidade da mulher para garantir que os filhos fossem 
legítimos e que o patrimônio continuasse em sua linha sanguínea. (ENGELS, 1984) 
Essa nova organização levou ao entendimento de que a mulher, mantida pelo 
homem e responsável pela criação de seus filhos, seria uma de suas propriedades. 
Conforme Lins (2012, p. 20), “a mulher adquiriu o status de mercadoria: podia ser 
comprada, vendida ou trocada. Passou a ser considerada inferior ao homem e, por 
conseguinte, subordinada à sua dominação”. 
Beauvoir (1980), embora concorde com a linha traçada por Engels, indica que 
a explicação foi superficial, reduzindo a opressão a um conflito de classes e 
estabelecendo a invenção das ferramentas de bronze como sua origem. Para a 
autora, “se não houvesse nela [a consciência humana] a categoria original do Outro, 
e uma pretensão original ao domínio sobre o Outro, a descoberta da ferramenta de 
bronze não poderia ter acarretado a opressão da mulher” (BEAUVOIR, 1980, p.73). 
Compreende-se então, que a opressão da mulher não se originou apenas de 
sua desvantagem biológica e, consequentemente, sua condição econômica. Mas, sim, 
da tendência humana a se fazer superior perante aqueles que não vê como iguais, e 
a forma como a mulher é entendida pelos homens: “uma parceira sexual, uma 
reprodutora, um objeto erótico, um Outro através do qual ele se busca a si próprio” 
(BEAUVOIR, 1980, p. 75). 
Para Beauvoir (1980), a comparação que Engels faz entre a opressão de 
gênero e a de classes não é sustentável. Isso porque a cumplicidade que o homem 
21 
 
 
encontra na mulher não existe nas relações entre patrão e empregado ou entre 
escravo e senhor, por exemplo. Nesses casos, o explorado tem consciência e revolta 
pela sua condição, tendo como objetivo e desaparecimento como classe. Já no caso 
da mulher, “nenhum desejo de revolução a habita, nem ela poderia suprimir-se 
enquanto sexo: ela pede somente que certas consequências da especificação sexual 
sejam abolidas” (BEUAVOIR, 1980, p. 75). 
As mulheres, de acordo com Beauvoir (1980), não se enxergam como uma 
classe, nem vêem os homens como “o Outro”, por isso não se apresentam como 
“Sujeito”. Ela atribui isso à falta de algo que as conecte - um passado, uma história 
em comum, uma religião própria ou uma solidariedade de trabalho e interesses, que 
as torne uma comunidade. “Vivem dispersas entre os homens, ligadas pelo habitat, 
pelo trabalho, pelos interesses econômicos, pela condição social a certos homens — 
pai ou marido — mais estreitamente do que a outras mulheres” (BEAUVOIR, 1980, p. 
21). Além disso, jamais seria possível existir uma sociedade em que a relação entre 
homens e mulheres fosse inexistente, o que torna o laço da mulher com seu opressor 
incomparável. 
O casal é uma unidade fundamental cujas metades se acham presas 
indissoluvelmente uma à outra: nenhum corte por sexos é possível na 
sociedade. Isso é o que caracteriza fundamentalmente a mulher: ela é o Outro 
dentro de uma totalidade cujos dois termos são necessários um ao outro. 
(BEAUVOIR, 1980, p. 21) 
 A dominação da mulher pelo homem sofreu transformações ao longo dos 
séculos e dependendo da localização, mas sempre tendo como base as relações 
amorosas e familiares, como mostram Beauvoir (1980) e Lins (2012). Beauvoir (1980) 
destaca também o papel da religião. Ela explica que, quando o ser humano adquiriu 
a capacidade de registrar por escrito suas mitologias e leis, o patriarcado já estava 
completamente instaurado. Portanto, eram os homens que criavam esses códigos. E, 
para manter sua soberania, eles impuseram à mulher uma situação de subordinação 
ainda pior do que já se encontravam. Como a autora mostra, isso aconteceu na maior 
parte das religiões: 
[...] de sagrada, ela se torna impura. Eva entregue a Adão para ser sua 
companheira perde o gênero humano; quando querem vingar-se dos homens, 
os deuses pagãos inventam a mulher e é a primeira dessas criaturas, 
Pandora, que desencadeia todos os males de que sofre a humanidade. [...] A 
mulher é, assim, votada ao Mal. [...]. As leis de Manu definem-na como um 
ser vil que convém manter escravizado. O Levítico assimila-a aos animais de 
carga que o patriarca possui. As leis de Sólon não lhe conferem nenhum 
direito. O código romano coloca-a sob tutela e proclama-lhe a “imbecilidade”. 
22 
 
 
O direito canônico considera-a a “porta do Diabo”. O Corão trata-a com o mais 
absoluto desprezo. (BEAUVOIR, 1980, p. 94) 
Também ressalta que, por reconhecerem a importância da mulher para a saciar 
seus desejos e a perpetuação da espécie, os homens buscam integrá-las na 
sociedade, sob a condição de que se submetam à ordem estabelecida por eles. O 
cristianismo, por exemplo, “apesar de seu ódio à carne, respeita a virgem consagrada 
e a esposa casta e dócil” (BEAUVOIR, 1980, p. 94). E, sendo o cristianismo até os 
tempos de hoje considerado a maior religião do mundo (PEW RESEARCH CENTER, 
2015), esse pensamento serviu como fundamento para a dominação masculina 
durante séculos (LINS, 2012) e ainda encontra respaldo na sociedade atual, mesmo 
que de forma mais implícita. 
Por meio da propriedade privada, da monogamia, da construção social e da 
moral religiosa, então, o homem conseguiu submeter a mulher à posição de objeto. E 
sendo a mulher uma “posse” do homem, ele poderia fazer com ela o que bem 
entendesse. Inclusive punir sua desobediência e usar dos artifícios que achasse 
necessários para manter sua soberania. 
Segundo Lins (2012, p. 21),“a sujeição física e mental da mulher foi o único 
meio de restringir sua sexualidade e mantê-la limitada a tarefas específicas”. Assim, 
compreende-se que a violência física, psicológica e sexual aparece como formas de 
manter o controle e a submissão do gênero feminino. A agressividade também se 
mostra como uma forma de reafirmar o ideal de masculinidade, que de acordo com 
Lins (2012) é pautado, entre outras características, nas noções de força, poder, 
repressão afetiva e uma sexualidade ativa e incontrolável. 
 Leite e Noronha (2015) ressaltam que desde as civilizações antigas existiam 
leis que permitiam a violência e até o homicídio da mulher pelo homem, em casos de 
infidelidade, por exemplo. Até o século XX, mesmo que de modo mais implícito, ainda 
existiam leis que protegiam os crimes dos homens contra suas esposas. No Brasil, 
por exemplo, a ‘legítima defesa da honra’ era usada como argumento e 
frequentemente era aceita como justificativa para absolver feminicídios, quando o 
assassino havia sido traído ou desconfiava da fidelidade da mulher (RAMOS, 2012). 
 Lins (2012) observa que apenas nos anos 1960 houve uma mudança radical 
na relação entre homens e mulheres, motivada pela invenção da pílula 
anticoncepcional. Segundo ela, as mulheres, que antes tinham quantos filhos os 
23 
 
 
homens desejassem e passavam a maior parte da vida grávidas, agora se opunham 
a essa realidade e reivindicavam a liberdade sobre o próprio corpo. “A mulher, a partir 
de então, passa a ter a possibilidade de não só dividir o poder econômico com o 
homem, como ter filhos se quiser ou quando quiser” (LINS, 2012, p. 216). Para a 
autora, isso marca o declínio do patriarcado, atenuando as diferenças entre homens 
e mulheres. 
 A partir daí, ela afirma que se iniciou uma mudança de mentalidade tanto nos 
homens quanto nas mulheres, motivada pelos movimentos de contracultura - 
Movimento Hippie, Movimento Feminista, Movimento Gay e Revolução Sexual. “Eles 
alteraram as correlações de força na sociedade, desfizeram preconceitos, 
ridicularizaram falsos poderes e criaram novos paradigmas culturais que vieram para 
ficar, como o modo de vestir, de fazer arte e de se relacionar” (LINS, 2012, p. 220), o 
que conferiu mais liberdade à mulher. 
 Hirigoyen (2006) reconhece que, com o crescimento do movimento feminista e 
a mudança nos costumes sociais, o esperado seria a diminuição da violência e a 
sensibilização da sociedade perante os problemas da dominação masculina. Mas, 
segundo ela, não é o que acontece. “A violência não desapareceu, tornou-se apenas 
mais sutil. Em toda parte, é condenada, mas essa condenação moral em termos de 
princípios atinge apenas sua parte visível” (HIRIGOYEN, 2006, p. 09). Ou seja, o 
homem, mesmo sem controle legal sobre a natalidade e a vida profissional e pessoal 
da mulher, continua a utilizar a violência como mecanismo de opressão. E encontra 
respaldo social para isso, uma vez que não há reprovação pública ao que acontece 
no ambiente privado. 
 A autora destaca que a violência psicológica perpassa todas as outras formas 
de agressão. 
Homem algum vai começar a espancar sua mulher da noite para o dia, sem 
razão aparente, em uma crise de loucura momentânea. A maior parte dos 
cônjuges violentos prepara o terreno, aterrorizando a companheira. Não há 
violência física sem que antes não tenha havido violência psicológica. 
(HIRIGOYEN, 2006, p. 27) 
E explica que esse tipo de violência “não se trata de um desvio ocasional, mas 
de uma maneira de ser dentro da relação: negar o outro e considerá-lo como objeto”, 
com o objetivo de “obter a submissão do outro, a controlá-lo e a manter o poder” 
(HIRIGOYEN, 2006, p. 28). 
24 
 
 
Percebe-se então que a agressão muitas vezes é sutil e subjetiva, podendo vir 
em forma de humilhação, isolamento da vida social, assédio, desqualificação 
intelectual, atos de intimidação, indiferença às demandas afetivas ou, até mesmo, um 
olhar de desprezo ou um tom ameaçador. Hirigoyen (2006) relata que para muitas 
vítimas, esse tipo de abuso psicológico é ainda pior e mais difícil de suportar. 
 A pressão econômica e financeira pode ser entendida como uma forma 
particular de violência psicológica. Geralmente, consiste em garantir a manutenção do 
poder econômico, tirando a autonomia financeira da mulher - pressionando-a para que 
deixe o emprego ou limitando o acesso às próprias contas. Assim, mesmo quando o 
homem é agressivo, a mulher sente mais dificuldade em se separar. Principalmente 
quando existem filhos, elas “temem não conseguir juntar as duas pontas, arranjar um 
trabalho e um local de moradia” (HIRIGOYEN, 2006, p. 54). 
As agressões físicas, de acordo com Hirigoyen (2006) geralmente surge 
quando a mulher resiste à violência psicológica e o homem não é capaz de controlá-
la dessa forma. Na maior parte das vezes elas não são diárias, e sim relacionadas a 
eventos específicos como uma discussão, um dia estressante, uma resistência da 
mulher a obedecer. Isso dificulta a identificação da violência e a aceitação da 
identidade de vítima, já que por serem perpassados por momentos de felicidade e 
calmaria, os episódios de violência parecem casos isolados, justificáveis. 
Principalmente porque a violência se apresenta em ciclos, conforme proposto por 
Walker (1979 apud FALCKE; OLIVEIRA; ROSA; BENTANCUR, 2009, p. 86): 
(i) Construção da Tensão: início de pequenos incidentes, ainda considerados 
como se estivessem sob controle e aceitos racionalmente; (ii) Tensão 
Máxima: perda do controle sobre a situação e agressões levadas ao extremo; 
(iii) Lua-de-mel: fase de reestruturação do relacionamento, na qual ficam 
evidentes o arrependimento, o desejo de mudança, a promessa de que nunca 
mais se repetirá o ato violento e o restabelecimento da relação conjugal. 
Dessa forma, a vítima, que já está psicologicamente frágil é levada a acreditar 
que a agressão é apenas um erro e que não acontecerá novamente. Porém, como 
essa violência é cíclica, a lua-de-mel eventualmente acaba, retornando ao ponto de 
construção da tensão e assim por diante, até que a mulher seja capaz de se libertar. 
 Segundo Hirigoyen (2006, p.48), a violência sexual “na maior parte das vezes, 
trata-se simplesmente de obrigar uma pessoa a uma relação sexual não desejada”. 
No entanto, ela afirma que esse tipo de agressão é bastante ampla e abrange várias 
situações além do estupro, assédio e exploração sexual. Impor à mulher uma gravidez 
25 
 
 
não desejada, por exemplo, é um tipo de violência sexual e mais uma forma de 
dominação e controle. 
Sousa (2017, p. 11) acrescenta que a violência sexual pode acontecer nos mais 
variados lugares e momentos, “desde o temido beco escuro onde todas as mães 
instruem suas filhas a não transitarem, até mesmo o grande número de incidência 
dentro da ‘pretensa casa segura’ da vítima”. Ela destaca também que nem sempre ela 
se caracteriza pela penetração vaginal, seja por limitações físicas do estuprador, para 
dificultar a descoberta de evidências ou apenas por ser a preferência dele. 
 Hirigoyen (2006, p. 50) observa que a violência sexual pode se manifestar pela 
dominação ou pela humilhação, fazendo a mulher se sentir degradada como ser 
humano. Destaca também que essa agressão “é, sobretudo, um meio de sujeitar o 
outro. O que não tem nada a ver com desejo; é simplesmente, para o homem, um 
modo de dizer: ‘Você me pertence’”. 
Por fim, o feminicídio, recentemente caracterizado no Brasil, é legalmente 
definido, de acordo com Campos (2016, p. 107), como a “forma extrema de violência 
de gênero que resulta na morte da mulher”. Hirigoyen (2006) observa que o crime, na 
maior parte das vezes, acontece logo após a separação. 
Os assassinos geralmente apontam como motivo o ciúme ou a vontade de 
vingança contra a pessoa que o abandonou. “Sentindo-se abandonado porque ela lhe 
escapa simplesmente por ser ela mesma, ele prefere matá-laa ver essa alteridade” 
(HIRIGOYEN, 2006, p. 60). Os casos premeditados são menos comuns, mas 
acontecem quando o agressor se vê injustiçado e busca reparação. Ou seja, quando 
o homem se vê incapaz de controlar a mulher por outros meios, apela ao assassinato 
como último recurso para se manter no poder. “O que está na base é sua afirmação 
como todo-poderoso, afirmação esta que só pode se impor à custa da negação do 
outro e de seu valor” (HIRIGOYEN, 2006, p. 60). 
 
2.2 HISTÓRIA DO MOVIMENTO FEMINISTA 
 
Duarte (2003) explica que a história do feminismo é geralmente dividida em 
“ondas”. Isso pelo movimento natural, de fluxo e refluxo, apresentado em seus 
26 
 
 
momentos de grande relevância. Assim como as ondas do mar, “começam difusas e 
imperceptíveis e, aos poucos (ou de repente) se avolumam em direção ao clímax – o 
instante de maior envergadura, para então refluir numa fase de aparente calmaria, e 
novamente recomeçar” (DUARTE, 2003, p. 152). 
O primeiro registro de mulheres se organizando para lutar por seus direitos 
específicos foi na Revolução Francesa de 1789. Em meio a luta por direitos políticos 
e igualdade para o povo, as mulheres francesas ainda reivindicavam o direito ao 
alistamento na carreira militar e o acesso às armas, na defesa da revolução. 
Desta forma, além de lutarem pela consolidação do poder popular em 
contraponto ao poder burguês, as mulheres iniciaram uma batalha histórica 
em torno do direito de participar ativamente da vida pública, no campo do 
trabalho, da educação e da representatividade política. (GURGEL, 2010, p. 
01) 
 
Gurgel (2010, p. 02) conta que, por manterem a resistência na busca por esses 
direitos, as mulheres foram consideradas um perigo à ordem burguesa que se 
estabelecia e, portanto, tiveram suas reuniões proibidas. Além disso, “o regime 
burguês reafirmou a hierarquia na família como base para a organização social, 
posicionando-se contra o direito ao amor livre e ao divórcio, reclamado pelas mulheres 
no processo da Revolução Francesa”. Mesmo assim, elas continuaram se 
organizando e buscando apoio nos movimentos de trabalhadores. 
Na maior parte das reivindicações, as mulheres tinham o apoio desses 
movimentos. Porém, havia grande resistência na aceitação do trabalho feminino, que 
foi negado pelos delegados no congresso da Internacional dos Trabalhadores. De 
acordo com Gurgel (2010, p. 02), esta decisão causou revolta nas mulheres, que 
intensificaram as manifestações e formaram a primeira associação feminista, 
chamada Liga das Mulheres, em 1868. Os protestos por igualdade de gênero foram 
amenizados em 1871, quando a experiência da Comuna de Paris fez com que a luta 
por uma sociedade socialista ganhasse mais espaço, deixando as reivindicações 
específicas das mulheres em segundo plano. “Neste contexto, as mulheres tiveram 
grande contribuição nas ações de boicote, confronto e resistência ao poder 
dominante”. 
Segundo Duarte (2003), a primeira onda feminista do Brasil aconteceu no 
século XIX, com a conquista do direito básico de ler e escrever. A autora conta que, 
até 1827, as únicas opções de estudo para as mulheres eram alguns poucos 
conventos, escolas particulares ou ensino individualizado. A partir desse ano, a 
27 
 
 
legislação passou a permitir a abertura de escolas públicas femininas. Assim, as 
poucas mulheres que já haviam tido acesso à educação “tomaram para si a tarefa de 
estender as benesses do conhecimento às demais companheiras, e abriram escolas, 
publicaram livros, enfrentaram a opinião corrente que dizia que mulher não 
necessitava saber ler nem escrever” (DUARTE, 2003, p. 152). 
Uma das grandes feministas dessa época foi Nísia Floresta Brasileira, autora 
do livro Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens, de 1832, “o primeiro no Brasil 
a tratar do direito das mulheres à instrução e ao trabalho, e a exigir que elas fossem 
consideradas inteligentes e merecedoras de respeito” (DUARTE, 2003, p. 153). Tal 
texto, conforme Duarte (2003), é o marco fundante do feminismo brasileiro. Nísia 
atuou como educadora no nordeste e no sul do país, inaugurou uma escola no Rio de 
Janeiro e publicou outras obras sobre a educação de meninas e sobre o ensino em 
geral, sendo uma das primeiras mulheres brasileiras com relevância na área 
(CAMPOI, 2011). 
Embora o livro de Nísia Floresta tivesse como base obras e textos europeus, 
Duarte (2003, p. 154) destaca que ela não endossava a revolução proposta pelos 
autores originais. Isso devido à grande diferença cultural, social e política que ela 
reconhecia entre o Brasil e os países europeus. 
Enquanto lá as vindicações se faziam sob a forma de crítica a uma educação 
já existente, aqui as solicitações eram ainda as primárias, pois mesmo a 
alfabetização mais superficial esbarrava em toda sorte de preconceitos. 
Nossas mulheres precisavam, primeiro, ser consideradas seres pensantes, 
para então, depois, pleitear a emancipação política. 
 
Nísia, conforme conta Duarte (2003), abriu o caminho para que a educação de 
meninas fosse ampliada e outras mulheres também começassem a publicar livros e 
jornais. 
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, a primeira onda chegou ocorreu entre a 
segunda metade do século XIX e o início do século XX, quando o direito ao voto foi 
conquistado. Outras demandas, como melhores condições de trabalho, também eram 
reivindicadas na época, principalmente por meio de greves e atuação em associações 
trabalhistas (DAMASCO, 2009). Uma dessas mobilizações, inclusive, motivou o Dia 
da Mulher, devido à morte de várias mulheres queimadas em confronto com a polícia, 
em uma fábrica em Nova York, no dia 8 de março de 1857. 
É importante destacar, no entanto, que esses grupos eram formados 
majoritariamente por mulheres brancas e universitárias de classes altas, de acordo 
28 
 
 
com Davis (2016) e Damasco (2019). Davis (2016) ressalta que, embora inicialmente 
as sufragistas estadunidenses estivessem ligadas ao movimento abolicionista e 
buscassem a inclusão de mulheres e homens negros, suas pautas foram se 
afastando. Isso aconteceu à medida em que os interesses dos homens brancos 
apontavam para o sufrágio do homem negro, antes das mulheres brancas. 
Muitas ativistas feministas consideravam que, com a emancipação conquistada 
após a Guerra Civil, o povo negro havia se equiparado com as mulheres e o direito ao 
voto tornaria o homem negro superior a elas. O que, de acordo com Davis (2016), 
estaria incorreto, uma vez que o discurso ignorava a privação econômica e a violência 
terrorista de gangues racistas com as quais os negros sofriam. Além disso, ao 
contrário do que pensavam as sufragistas, o interesse dos homens brancos em 
conceder o direito do voto aos homens negros não era incluí-los no ideal de 
supremacia masculina. 
Os capitalistas do Norte almejavam o controle econômico sobre toda a nação. 
Sua luta contra a escravocracia do Sul não significava, portanto, que 
apoiassem a libertação de mulheres negras e homens negros enquanto seres 
humanos. [...] era uma jogada tática pensada para garantir a hegemonia 
política do Partido Republicano no caos do Sul após a guerra. (Davis, 2016, 
p. 86) 
 
Aos poucos, como Davis (2016) mostra, líderes sufragistas como Elizabeth 
Cady Stanton e o Susan B. Anthony passaram a incorporar um forte discurso de 
supremacia branca. Um dos exemplos disso foi a resposta de Staton quando um líder 
negro questionou se ela estaria disposta a ver o homem negro conquistar o direito ao 
voto antes dela: 
eu não confiaria a ele meus direitos; desvalorizado, oprimido, ele poderia ser 
mais despótico do que nossos governantes anglo-saxões já são. Se as 
mulheres ainda devem ser representadas pelos homens, então eu digo: 
deixemos apenas o tipo mais elevado de masculinidade assumir o leme do 
Estado (STATON et al, 1887, p.146 apud DAVIS, 2016, p. 93) 
 
Por esses motivos, as mulheres negras acabaram fundando sua própriaorganização, a Agremiação Nacional das Associações de Mulheres de Cor, e 
posteriormente outras agremiações regionais. Mesmo diante da rejeição das 
sufragistas brancas, elas continuaram lutando pelo direito ao voto, que teoricamente 
foi conquistado em 1920, embora as mulheres negras ainda encontrassem resistência 
e tenham sido impedidas de exercer seus direitos em diversos lugares, principalmente 
no Sul e, portanto, tenham levado ainda mais tempo do que as mulheres brancas para 
alcançarem a igualdade de direitos civis (DAVIS, 2016). 
29 
 
 
 Também no século XX, inspiradas pelas feministas europeias e 
estadunidenses, surgiram as sufragistas brasileiras. Damasco (2009) e Pinto (2010) 
definem esse período, que se estende até a década de 1970, como a Primeira Onda 
do feminismo brasileiro. Damasco (2009, p. 20) aponta que, embora a história exposta 
por Duarte (2003) esteja correta, “não se pode falar propriamente em movimento 
feminista, pois o que existiu teria sido mais uma movimentação feminista composta 
por um grupo de mulheres das classes altas e intelectualizadas”. O movimento 
feminista que se iniciou em 1918, liderado pela bióloga Bertha Lutz, reivindicava 
principalmente o direito ao voto. Mas, ao contrário do que acreditavam as sufragistas 
norte-americanas segundo Davis (2016), para Lutz (apud SOIHET, 2000, p.116), “o 
sufrágio feminino não é um fim em si, mas um instrumento a ser usado para melhorar 
o status das mulheres”. Mesmo antes do direito ao voto, Bertha Lutz já reivindicava 
também melhores condições de trabalho, o estabelecimento de creches para os filhos 
das trabalhadoras, a plenitude de direitos civis, entre outras demandas, algumas 
atendidas e outras não, de acordo com Soihet (2000). 
O sufrágio feminino foi conquistado em 1932 no Brasil, e logo foram eleitas as 
primeiras deputadas federais, como “Carlota Pereira de Queiroz em São Paulo 
(primeira deputada eleita no país), Lili Lages em Alagoas, Maria Luiza Bittencourth na 
Bahia e Maria Miranda Jordão no Amazonas” (DAMASCO, 2009, p. 24). 
De acordo com Pinto (2010), o movimento feminista perdeu força em todos os 
países na década de 1930, o que Damasco (2009) explicou ter ocorrido devido à 
Segunda Guerra Mundial e, no Brasil, também à instauração da ditadura do Estado 
Novo. Mas, de acordo com a autora, voltou a ter relevância nos anos 1960, somando-
se ao movimento hippie nos Estados Unidos e o movimento estudantil na Europa, 
além da revolução cultural na música e na literatura de ambos. Pela primeira vez, 
mulheres puderam falar e escrever diretamente sobre o feminismo e a dominação do 
homem sobre a mulher. 
No Brasil, porém, o ambiente repressivo da ditadura militar tornava mais difícil 
a ação dos movimentos sociais, impedindo a rápida ascensão alcançada em outros 
lugares. A Segunda Onda Feminista aparece no país apenas nos anos 1970, “em 
meio ao período mais radical contra a ditadura militar, contando com a participação 
de mulheres que passaram pela experiência do exílio” (WOITOWICZ, 2014, p. 02). 
Ainda assim, o feminismo tinha pouco apoio e reconhecimento de outros 
grupos de esquerda. De acordo com Pedro (2006, p. 16), 
30 
 
 
os grupos de reflexão, as lutas pelo controle e autonomia do corpo, 
sexualidade, as manifestações pela liberação da mulher, eram consideradas 
‘ideias específicas’, e portanto, divisionistas da luta geral que consideravam 
ter prioridade: pela democratização, pela anistia, pelo socialismo. 
 
Pinto (2010, p. 17) também registra a oposição dos homens de esquerda ao 
movimento, e acrescenta que, apesar disso, “enquanto as mulheres no Brasil 
organizavam as primeiras manifestações, as exiladas, principalmente em Paris, 
entravam em contato com o feminismo europeu e começavam a reunir-se”. A partir 
daí, segundo Woitowicz (2014), a luta por direitos de igualdade entre os gêneros volta 
a avançar. A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o Dia Internacional da 
Mulher em 1975, estimulando a organização de reuniões e centros específicos para o 
desenvolvimento das mulheres, de forma que, nos anos 1980, com a 
redemocratização, já existiam dezenas de grupos por todo o país, marcando assim a 
terceira onda do feminismo. 
Pinto (2010, p. 17) destaca que esses grupos se reuniam principalmente em 
favelas e bairros pobres, lutando por pautas como educação, saneamento, habitação 
e saúde. Dessa forma, apesar de ter origem na classe média intelectual, o feminismo 
brasileiro passou a abranger as classes populares, provocando “novas percepções, 
discursos e ações em ambos os lados”. Em 1984, foi criado o Conselho Nacional dos 
Direitos da Mulher (CNDM), que promoveu uma campanha nacional pela inclusão dos 
direitos da mulher na nova constituição. Pinto (2010, p. 17) ressalta que esse esforço 
resultou na Constituição de 1988, como “uma das que mais garante direitos para a 
mulher no mundo”. No entanto, o Conselho perdeu toda a sua importância durante os 
governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso. Apenas no 
primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Conselho foi recriado, junto com a 
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que tinha status de ministério. 
 Em 2016, o então presidente Michel Temer retirou o status de ministério da 
Secretaria, o que, de acordo com Freitas (2018) causou uma drástica redução nos 
recursos e na autonomia para planejar e executar projetos voltados aos direitos das 
mulheres. Atualmente, de acordo com as informações contidas no site do Governo 
Federal, o CNDM continua existindo como parte do Ministério da Mulher, da Família e 
dos Direitos Humanos. 
Pinto (2010) aponta que, ainda nos últimos anos do século XX, o movimento 
feminista sofreu mais uma transformação, com a criação de Organizações Não-
Governamentais focadas principalmente na luta contra a violência de gênero, 
31 
 
 
buscando “aprovar medidas protetoras para as mulheres e buscar espaços para a sua 
maior participação política” (PINTO, 2010, p. 17). A maior conquista, segundo a 
autora, foi a sanção da Lei Maria da Penha (Lei n° 11 340, de 7 de agosto de 2006), 
que criou mecanismos para prevenir e punir a violência doméstica e familiar contra a 
mulher, além de dar assistência às vítimas. 
Atualmente, o movimento feminista vive o que autoras como Perez e Ricoldi 
(2018), Matos (2010) e Rocha (2017) definem como a “quarta onda”. Esse momento, 
de acordo com Perez e Ricoldi (2018, p. 03), é marcado por três características 
principais: “a mobilização construída e divulgada na internet, a interseccionalidade e 
a atuação por meio de coletivos”. Os meios digitais têm permitido uma disseminação 
muito maior das ideias feministas, levando empoderamento para muito mais mulheres 
e facilitando a mobilização política, uma vez que torna muito mais simples a 
organização de protestos e o compartilhamento de resultados. 
A interseccionalidade se refere à “diversidade de clivagens sociais abarcadas 
pelos movimentos feministas” (PEREZ; RICOLDI. 2018, p. 09). O feminismo 
contemporâneo passou a fazer recortes de classe, raça e orientação sexual, lutando 
contra diversas opressões, mostrando uma descentralização do original movimento 
branco e de elite. Perez e Ricoldi (2018) atribuem essa transformação nas pautas 
primeiramente à internet, na medida em que abre espaço para todas as discussões, 
e depois à presença das mulheres negras e lésbicas no movimento. O feminismo 
negro, apesar de existir há décadas, tomou uma proporção maior a partir do ingresso 
de negros nas universidades e da “possibilidade de expressão na internet de grupos 
com menor presença nos meios de comunicação tradicionais” (PEREZ; RICOLDI, 
2018, p. 09). 
Embora alguns artigos indiquem a proximidade com o Estado como uma 
característica da quarta onda, as autoras destacam que, com a entrada de Michel 
Temer na presidência em 2016, o financiamento de ONGs feministaspelo governo foi 
praticamente encerrado, motivando o distanciamento em relação à institucionalização 
das organizações. Perez e Ricoldi (2018) destacam, no entanto, que isso não 
enfraqueceu o feminismo, apenas fortaleceu a busca por autonomia e pelo retorno do 
movimento às ruas. 
 
 
32 
 
 
2.3 POLÍTICAS DE PROTEÇÃO À MULHER E LEGISLAÇÃO BRASILEIRA 
 
De acordo com Souza (2016), uma das primeiras políticas de proteção à mulher 
foi a criação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), na 
década de 1980, a partir da expansão dos movimentos feministas. Após a instalação 
da primeira Delegacia de Defesa à Mulher em São Paulo, grupos feministas de todos 
os estados passaram a se mobilizar para realizar o mesmo. Mas, segundo Santos 
(2010, p. 10), uma vez que a criação das DDMs precisava ser negociada com os 
governos de cada estado, as demandas das mulheres, em geral, foram só 
parcialmente aceitas, restringindo a atuação das delegacias especializadas à 
criminalização e não permitindo “a institucionalização da capacitação das funcionárias 
das DDM a partir de uma perspectiva feminista”. Essas delegacias também atendiam 
apenas casos de violência sexual e lesão corporal. 
 Santos (2010) afirma que, apesar das tentativas dos grupos feministas, havia 
muita resistência quanto à capacitação das policiais que atuavam nas DDM. A autora 
observa que, com isso, o atendimento nas delegacias especializadas não se 
diferenciava muito das delegacias comuns e careciam de uma infraestrutura 
adequada. Nos anos que se seguiram, esses grupos perderam ainda mais espaço e 
poder de negociação, com os governos de Fernando Collor (1990-1992), Itamar 
Franco (PMDB, 1992-1993) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-1998 e 1999-
2002). Ainda assim, as DDMs continuaram se espalhando. Até 2008, existiam 403 
delas em todo o país (SANTOS, 2010) e, até 2016, o número subiu para 461 
(BERTHO, 2016). No entanto, essa quantidade ainda é baixa e a distribuição pelo 
Brasil é muito falha, visto que as delegacias só existem em 5% das cidades do país 
(BERTHO, 2016). 
 A partir de 1995, a Lei 9.099/9521 instituiu os Juizados Especiais Cíveis e 
Criminais, que, embora não tenham sido criados com esse objetivo, passaram a atuar 
sobre os crimes de violência contra a mulher. Isso por se tornarem responsáveis pelos 
crimes com penas inferiores a dois anos, como os delitos de lesão corporal (de 
natureza leve) e ameaça. Os grupos feministas, de acordo com Santos (2010, p. 160), 
 
21Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm> Acesso em: 13 de maio de 
2019, às 11h24min 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm
33 
 
 
criticavam essa lei como uma forma de descriminalização, invisibilização e 
trivialização da violência doméstica, uma vez que “a (re)conciliação é utilizada como 
um fim, não como um meio de solução do conflito, tendo por enfoque a celeridade e a 
informalidade, sem desafiar as relações familiares”. 
Apenas em 2006, o Brasil passou a ter uma legislação específica de 
enfrentamento à violência doméstica: a Lei 11.340/200622, também conhecida como 
Maria da Penha, em vigor até o momento atual. O objetivo da Lei é criar mecanismos 
para prevenir e coibir, no âmbito doméstico, familiar ou em relação íntima de afeto, 
“qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento 
físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (BRASIL, 2006). No ponto 
de vista punitivo, a Lei Maria da Penha, entre outras determinações, invalida a Lei 
9.099/95 em casos de violência contra a mulher, extingue a possibilidade de pena 
pecuniária ou multa, aumenta a pena para crimes cometidos nos formatos 
determinados, amplia as possibilidades de prisão preventiva e impede que a mulher 
retire a queixa, tornando o crime independente de representação. Pasinato (2015, p. 
534) destaca, porém, que ela não se restringe ao âmbito penal, prevendo a 
articulação com outras áreas do Direito (cível, de família), com os setores da 
saúde, assistência social, do trabalho e previdência social, com as políticas 
de previdência social, trabalho e emprego, para o empoderamento econômico 
das mulheres, bem como as políticas de educação para a prevenção e 
mudança social que se almeja alcançar. 
Dessa forma, ela apresenta “medidas estruturais, como a necessidade de 
criação de serviços, incluindo as varas e promotorias especializadas, e medidas 
voltadas à proteção da mulher e à prevenção da violência” (SOUZA, 2016, p. 02). 
 Em relação à prevenção, Souza (2016, p.41) afirma que a Lei Maria da Penha 
tem um grande mérito por explorar diversos métodos, não apenas educacionais, mas 
também culturais, tendo foco na “mudança de valores, em especial no que tange à 
cultura do silêncio quanto à violência contra as mulheres no espaço doméstico e à 
banalização do problema pela sociedade”. Além dos mecanismos de prevenção, que 
variam entre campanhas informativas, programas educacionais, estímulo a 
pesquisas, entre outros esforços, também existem medidas para proteção e 
assistência às mulheres já vitimadas (SOUZA, 2016). 
 
22 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm> Acesso 
em: 13 de maio de 2019, às 11h26 min 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
34 
 
 
 Os programas de assistência, de acordo com Souza (2016, p. 44), “são 
importantes para que a mulher tenha sua autonomia econômica e emocional 
garantidas”. A Lei também prevê medidas de urgência, que podem suspender 
imediatamente o porte de armas do agressor, afastá-lo do lar ou local de convivência 
com a vítima, proibir a aproximação e o contato com a vítima e pessoas relacionadas 
à ela, restringir ou suspender a visitação aos dependentes menores de idade e obrigá-
lo a prestação de alimentos provisionais ou provisórios. Além disso, o juiz poderá 
também: 
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou 
comunitário de proteção ou de atendimento; 
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao 
respectivo domicílio, após afastamento do agressor; 
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos 
relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; 
IV - determinar a separação de corpos. 
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou 
daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, 
liminarmente, as seguintes medidas, entre outras: 
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; II - 
proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda 
e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; III 
- suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; IV - 
prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e 
danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar 
contra a ofendida. (BRASIL, 2006) 
 
Souza (2016) explica que os agentes do direito responsáveis pelo processo 
devem orientar as vítimas a respeito dessas possibilidades, sendo que cabe a elas a 
decisão de solicitar ou não determinadas medidas. No entanto, esses mecanismos 
são provisórios e, no período até o decreto da sentença final, podem ser revistos, 
cassados ou substituídos por outros. “Seu impacto então na proteção na vida das 
mulheres dependerá da estrutura policial e judicial disponível que deve garantir: a 
devida orientação às mulheres sobre sua possibilidade, celeridade no julgamento e o 
monitoramento de sua implementação” (SOUZA, 2016, p. 46). 
 Em 2015, a Lei 13.104/201523 surge como mais um instrumento de combate à 
violência doméstica, definindo o crime de feminicídio. Ele é entendido quando o 
assassinato ocorre emrazão do gênero feminino ou por “menosprezo ou 
discriminação à condição de mulher”, como uma “circunstância qualificadora do crime 
de homicídio”, estando incluído no rol dos crimes hediondos (BRASIL, 2015). Com 
 
23Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm> Acesso 
em: 13 de maio de 2019, às 11h29min 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm
35 
 
 
essa mudança, a pena é aumentada de um terço até a metade, se o crime for 
praticado: 
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; 
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos 
ou com deficiência; 
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima. (BRASIL, 2015) 
 
Saindo do âmbito doméstico e familiar, é importante destacar também a 
legislação acerca dos crimes de violência sexual. Segundo Rost e Vieira (2015, p. 
263), “a construção jurídica do sexo não consentido foi um processo de muita lentidão 
e justificação: a noção de violência sexual como uma violação aos direitos individuais 
é recente”. Até 2005, quando foi sancionada a Lei 11.106/0524, a legislação ainda 
previa a extinção da punibilidade por estupro caso o agressor se casasse com a 
vítima. Também condicionava a punibilidade de alguns tipos de violência sexual ao 
termo “mulher honesta” e, para o aumento da pena em crimes contra meninas 
menores de idade, requeria que elas fossem virgens. (BRASIL, 1940) 
Atualmente, em razão da pressão promovida pelos grupos feministas de acordo 
com Rost e Vieira (2015), a violência sexual se tornou um crime hediondo. O artigo 
213 da Lei 12.015/0925 define o crime de estupro como o ato de “constranger alguém, 
mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir 
que com ele se pratique outro ato libidinoso” (BRASIL, 2009). Até então, o delito 
consistia em “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave 
ameaça”, limitando-se à penetração e excluindo atos como o sexo oral forçado, por 
exemplo. 
Também incluiu a “violação sexual mediante fraude” que, embora tenha pena 
menor do que o estupro, criminaliza a conjunção carnal e outros atos libidinosos em 
situação que “impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”, ou seja, 
pessoas adormecidas, alcoolizadas, inconscientes ou incapazes de resistir por 
qualquer motivo. E o “estupro de vulnerável”, que prevê pena de oito a 15 anos pela 
conjunção carnal ou ato libidinoso com menores de 14 anos, independente do 
“consentimento” da vítima. 
 
24 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11106.htm> Acesso 
em: 13 de maio de 2019, às 11h54min 
25 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm> Acesso 
em: 13 de maio de 2019, às 11h55min 
 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11106.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm
36 
 
 
Em 2018, também foi incluída a Lei 13.718/1826, que define toques indesejados 
e beijos roubados, por exemplo, como crimes de “importunação sexual” e criminaliza 
a divulgação de vídeos ou fotos que contenham cenas de estupro ou incitação à essa 
prática, assim como a divulgação sem consentimento de vídeos e fotos que 
contenham nudez ou cenas de sexo. 
Apesar de todos os avanços, a aplicação e a eficácia dessas leis e políticas 
públicas esbarra em fatores sociais e culturais que atingem até mesmo o meio jurídico, 
como observam Souza (2016) e Sousa (2017), o que é exposto com mais 
profundidade no próximo item. 
 
2.4 CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA E CULTURA DO ESTUPRO 
 
De acordo com Jong, Sadala e Tanaka (2008, p. 745), estudos mostram que 
existe uma grande subnotificação da violência contra a mulher, uma vez que as 
vítimas não denunciam os crimes e, quando o fazem, tendem a desistir da denúncia. 
“A violência cotidiana nem mesmo é percebida como violação dos seus direitos, pela 
mulher: é considerada normal no contexto familiar”. Os relatos presentes na pesquisa 
mostram os sentimentos conflituosos de mulheres que desistiram de denunciar os 
agressores, no caso seus maridos. “Os depoimentos revelam matizes desta 
afetividade – do amor à raiva e à desesperança - até a piedade e o arrependimento, 
quando percebem a fraqueza do agressor” (JONG; SADALA e TANAKA, 2008, p. 
748). Muitas também demonstram culpa por estar prejudicando o parceiro ou 
afastando o pai de seus filhos. A dependência financeira se mostra como mais um 
motivo para a desistência da denúncia. 
Narvaz e Koller (2006, p. 09) destacam ainda a existência de “um padrão de 
transmissão das experiências de violência ao longo das gerações” - meninas que 
presenciaram a violência doméstica durante a infância internalizam os estereótipos de 
gênero da mulher subordinada e se tornam mais suscetíveis a abusos, por considerá-
los normais. “A violência contra as mulheres fica, assim, banalizada, minimizada, 
negada e naturalizada pela cultura sexista, sendo percebida como algo que não 
 
26 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13718.htm> Acesso 
em: 13 de maio de 2019, às 11h56min 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13718.htm
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poderia ser evitado”. Além disso, em casos de abuso crônico, é comum que as vítimas 
busquem se adaptar e sobreviver à situação por meio de mecanismos inconscientes 
de defesa. Entre eles, “a dissociação do pensamento, a negação e a anulação dos 
sentimentos, o que exerce um efeito mutilador sobre as capacidades cognitivas e 
sobre a capacidade de ação efetiva” (NARVAZ; KOLLER, 2006, p. 10) 
 Percebe-se, então, que existem diversos fatores emocionais, psicológicos, 
sociais e financeiros que podem levar a mulher a permanecer em uma relação 
abusiva. Mesmo assim, Züwick (2012, p. 86) destaca que a “aparente passividade 
demonstrada por muitas mulheres ao serem violadas, frequentemente, é interpretada 
como aquiescência”. Essa constatação também é percebida por Narvaz e Koller 
(2006), que criticam o posicionamento de outras pesquisadoras, como Gregori (1993) 
e Grossi (2001), ao atribuírem às vítimas uma parcela de culpa pela violência conjugal 
sofrida e pela passividade ao continuar se relacionando com o agressor. 
 Saindo da esfera acadêmica, em que a culpabilização da mulher é mais 
implícita, na esfera social, e principalmente online, isso se mostra ainda mais comum 
e é exposto sem escrúpulos. É o que mostra Lermen (2018), ao analisar os 
comentários de notícias sobre a violência contra a mulher, nos portais Yahoo e Terra. 
No caso da violência física, foi analisada a matéria sobre um homem que agrediu uma 
mulher na saída de uma festa e outra em que o agressor colou a vagina de sua 
companheira por suspeitar de traição. Na primeira matéria, a maioria dos comentários 
criticaram a atitude do homem e foram favoráveis à decisão do juiz, que decidiu 
submeter o agressor a júri popular. Já na segunda notícia, mais da metade dos 
comentários fazia piadas e minimizava o crime. 
A autora aponta que a diferença na percepção das agressões se deve ao fato 
de que, no segundo caso, ela aconteceu entre cônjuges. Segundo ela, há um senso 
comum de que não se deve intervir em brigas de casais. Essa naturalização da 
violência doméstica, de acordo com Lermen (2018), é evidenciada por meio de 
músicas, piadas e ditados populares como “em briga de marido e mulher não se mete 
a colher”. 
Além disso, a suposta infidelidade feminina justificaria a agressão sofrida, 
visto que apenas os homens têm autorização social para a poligamia. Nesse 
sentido, a atitude agressiva do homem serve para recuperar seus status, 
honra e poder

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