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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS Julia Duques dos Santos, RA: 136.423 SÍNTESE DO PRIMEIRO BLOCO “Des-orientar Cleópatra: um tropo moderno da identidade” Guarulhos 2019 SHOHAT, Ella. Des-orientar Cleópatra: um tropo moderno da identidade. In: Cadernos Pagu, julho a dezembro de 2004, n.23, pp. 11-54. Ella Shohat nasceu em Bagdá, porém sua família migrou para os Estados Unidos em 1950, é judia mizhari, um grupo judaico do Oriente Médio. Atualmente é professora na Universidade de Nova York, lecionando nas áreas de estudos da mídia e estudos culturais. Suas principais abordagens são Orientalismo, pós-colonialismo, perspectiva judaica árabe e gênero, gerando diversas publicações repercutidas em sua área de atuação. O artigo propõe um estudo/debate sobre a representação de Cleópatra, abordando diversas perspectivas de pesquisadores sobre sua aparência e descendência. A autora enfatiza a importância de sua imagem nas esferas de dominação colonial, lutas anti-coloniais e resistências raciais ao longo do século XX. Apresentando diversas opiniões de pesquisadores, a Shohat aborda os problemas de ambos os lados, tanto da convicção de uma rainha branca/grega quanto negra/africana. A finalidade do artigo não é dizer qual a cor e origem de Cleópatra, e sim o que gira em torno desse debate, como estereótipos eurocêntricos, afrocentrismo e visões cinematográficas estadunidenses, para despertar um questionamento no leitor do motivo central da discussão sobre o papel social e político que a rainha tem na história mundial. A autora inicia o texto apontando que apesar de inúmeras discussões sobre a rainha, certas limitações, como a de saber a cor de sua pele, aguça a imaginação popular de como seria sua aparência, tendo fortes influencias de filmes inspirados na história de Cleópatra, que sexualizaram e romantizaram sua imagem com base nos desejoso de cada geração. Porém a discussão se tornou extremamente binária, concluindo-se por muitos que se Cleópatra fosse greco-macedônia seria branca, caso fosse egípcia seria negra, transformando o debate baseado em extremos e deixando-a entre o eurocêntrismo e afrocentrismo. Ao apontar argumentos de ambos os lados, Shohat aborda alguns pontos afrocêntricos, tais como o fato do Egito ter sido “roubado” pelo Europa, entrando numa questão racial em que os europeus — inclusive muitos pesquisadores ocidentais — se negam a dar o crédito de uma civilização forte e estruturada como do território egípcio a uma população negra, resultando nesse “roubo”. Consequentemente há uma dificuldade e resistência dos ocidentais de aceitarem a possibilidade de uma grande líder, como Cleópatra, ser negra. Para quebrar este paradigma binário, Shohat destaca o fato de misturas raciais e culturais. Michael Grant 1 afirma que frequentemente gregos tomavam mulheres egípcias como amantes durante a colonização além-mar. Além de relações extraconjugais, viagens, comércio e estupros também eram responsáveis pela fusão entre povos, não apenas entre gregos e egípcios, mas também entre macedônios, que já eram em si uma população diversificada. A autora ainda aponta sobre qual seria o conceito para decretar alguém branco ou negro, seria somente sua aparência física? Ou seria necessário examinar cada parte do seu sangue? Isso derruba a teoria de uma Cleópatra completamente branca ou negra. A fisionomia de Cleópatra tem forte influencias por conta do cinema hollywoodiano, inclusive a total exclusão de seu possível nariz adunco, dando a ela uma figura totalmente europeia. A primeira imagem que vem na cabeça de muitos ao citar o nome, é da atriz Elizabeth Taylor, branca, de olhos violetas e atuando uma personagem que foi hiper sexualizada, para se “igualar” a imensa beleza que enfeitiçou César. Shohat discursa sobre atores e atrizes negras eram somente para papéis secundários. As ideias de negros em segundo plano eram reforçadas socialmente, inclusive por autores como Gobineau, citado pela autora, ao afirmar que a raça branca tinha o monopólio da beleza, da inteligência e da força. Tais atos resultaram em uma ampla busca de mulheres negras à aparência branca, algo notável pelo uso de clareadores de pele “alimentando a fantasia da mudança e da libertação dos grilhões da história e da cor negra” (SHOHAT, 2004). Retomando o início da síntese, a discussão sobre origem de Cleópatra vai além de sua aparência, é também sobre raça e gênero. Argumentos que sugerem sua origem exclusivamente a um povo é fantasiosa, rejeitando o fato de formações interculturais. Todavia, vale ressaltar que esse pensamento também é proveniente da forte propaganda em torno de sua imagem como totalmente europeia para a satisfação imaginária. “A identidade de Cleópatra está presa numa luta sobre as verdadeiras origens da História e da Civilização – entre a afirmação eurocêntrica da Grécia como ponto de origem e afirmação afrocêntrica do Egito. Mas a afirmação do inicio da história na Grécia ou no Egito, isto é, numa certa localização, é problemática em si mesma, uma vez que a história do mundo não tem um único ponto de origem.” (SHOHAT, p. 26). 1 GRANT, M. Cleopatra. Londres, Simon Schuster, 2001 [1972], esp. pp.xiii, 4, 5. (Citado pela autora, p. 17)
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