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Autora: Profa. Najla Mahmoud Kamel Colaboradoras: Profa. Mônica Teixeira Profa. Ronilda Ribeiro Psicologia Aplicada à Nutrição Professora conteudista: Najla Mahmoud Kamel Graduada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e em Psicologia pela Universidade Paulista (UNIP). Mestra e doutora em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (Ipusp). Especialista em Avaliação do Ensino Superior pela Universidade de Brasília (UnB) e em Ensino a Distância pela UNIP. Uma das autoras do livro Da Cultura de Provas para a Cultura de Avaliação e conteudista dos livros-texto Psicologia do Consumidor e Psicologia Econômica (EaD/UNIP). Atualmente, é professora titular da UNIP/SP das disciplinas Psicologia Aplicada à Nutrição; Psicologia do Consumidor; Psicologia Aplicada à Fisioterapia; Psicologia Jurídica; Estatística Aplicada; Bioestatística; Direitos Humanos; Pesquisa de Mercado; Responsabilidade Social; e Tópicos de Atuação Profissional. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. U505.91 – 20 K15p Kamel, Najla Mahmoud. Psicologia Aplicada à Nutrição / Najla Mahmoud Kamel - São Paulo: Editora Sol, 2020. 84 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Distúrbios alimentares. 2. Distúrbios psicossomáticos 3. Deficiência de nutrição. I. Título. CDU 159.9:613.2 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Bruno Barros Jaci Albuquerque de Paula Sumário Psicologia Aplicada à Nutrição APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA .................................................................................................................. 11 1.1 Psicanálise ............................................................................................................................................... 17 1.2 Behaviorismo ......................................................................................................................................... 21 1.3 Gestalt ....................................................................................................................................................... 23 1.4 Psicologia cognitiva ............................................................................................................................ 25 1.5 Psicologia humanista .......................................................................................................................... 28 1.6 Psicologia do desenvolvimento ...................................................................................................... 29 1.7 Psicologia social .................................................................................................................................... 30 2 PERSONALIDADE E MOTIVAÇÃO ............................................................................................................... 32 2.1 Personalidade ......................................................................................................................................... 32 2.2 Motivação ................................................................................................................................................ 33 3 PERCEPÇÃO ....................................................................................................................................................... 36 4 COMPORTAMENTOS DIVERGENTES ......................................................................................................... 37 4.1 Neuroses ................................................................................................................................................... 37 4.2 Psicoses ..................................................................................................................................................... 39 4.3 Perversões ................................................................................................................................................ 40 Unidade II 5 DISTÚRBIOS DA ALIMENTAÇÃO ................................................................................................................. 44 5.1 Anorexia nervosa .................................................................................................................................. 46 5.2 Bulimia nervosa .................................................................................................................................... 48 5.3 Vigorexia .................................................................................................................................................. 49 5.4 Comer compulsivo ............................................................................................................................... 50 5.5 Ortorexia .................................................................................................................................................. 51 5.6 Drunkorexia ............................................................................................................................................ 51 5.7 Obesidade ................................................................................................................................................ 51 6 O ESTRESSE E AS DEFICIÊNCIAS DE NUTRIÇÃO .................................................................................. 57 6.1 Estresse ..................................................................................................................................................... 57 6.2 Burnout .................................................................................................................................................... 61 6.3 Deficiências de nutrição .................................................................................................................... 63 7 DISTÚRBIOS PSICOSSOMÁTICOS .............................................................................................................. 64 7.1 Sistema digestório ............................................................................................................................... 64 8 DEPRESSÃO E ALTERAÇÕES ALIMENTARES .......................................................................................... 68 7 APRESENTAÇÃO Esta disciplina tem como objetivo compreender a importância da psicologia, seus principais conceitos e como ela se relaciona com a área da nutrição. Vamos entender, por exemplo, como o estudo da percepção, da personalidade e da afetividade das pessoas (seres psicossociais) determinam a relação entre o comportamento e as suas consequências. Nesse sentido,serão abordados temas importantes para o profissional da área de nutrição. Inicialmente, traçaremos um breve panorama de como a psicologia se desenvolveu como ciência. Em seguida, serão apresentadas algumas das principais teorias psicológicas destacando alguns de seus conceitos importantes. Verificaremos também quais são os comportamentos considerados como divergentes, como as neuroses, as psicoses e as perversões. Posteriormente, vamos descrever os principais distúrbios alimentares, assim como o conceito de estresse, as deficiências nutricionais, os distúrbios psicossomáticos e, finalmente, como a depressão provoca alterações alimentares. Finalmente, será possível compreender a importância do equilíbrio psicossomático na constituição do ser saudável. INTRODUÇÃO Esta disciplina é importante para as diversas áreas profissionais que são comprometidas com a alimentação. Entender o comportamento de um paciente proporciona maior segurança na tomada de decisões tanto do nutricionista como de outros profissionais comprometidos com o profissional da área da nutrição. Para Vivilaine Maturana (2010): “o ato de comer, muitas vezes, estava relacionado a diversas questões do âmbito social, estético e emocional, e como estas áreas se encontram quando o olhar sobre as partes dá lugar à complexidade do todo” (MATURANA, 2010, p. 219). Sabe-se que muitos pacientes, quando procuram o nutricionista, relatam o quanto é angustiante a insatisfação com o seu peso e a frustração relacionada às dietas que lhes foram administradas pelo profissional da área. Essa frustração decorre do fato de que elas não conseguem seguir, por muito tempo, as regras determinadas pelas dietas. Nesse sentido, a psicologia pode auxiliar o nutricionista a entender, por exemplo, o que leva as pessoas a burlarem as dietas, qual a relação desses pacientes com a alimentação, entender por que algumas pessoas fazem uso da compensação ou da compulsão. Veremos posteriormente, com mais detalhes, como essas estratégias se desenvolvem. A esse respeito, Henrique Carneiro (apud MONTANARI, 2013, p. 10) afirma que: 8 A comida para os seres humanos é sempre cultura [...] nunca apenas pura natureza. A humanidade adotou como parte essencial de suas técnicas de sobrevivência os modos de produção, de preparação e de consumo dos alimentos, desde o conhecimento sobre as plantas comestíveis até o uso do fogo como principal artifício para transformar o alimento bruto em um produto cultural, ou seja, em comida. A cozinha, assim, funda a própria civilização. Montanari (2013), complementa ainda: Comida é cultura quando consumida, porque o homem, embora podendo comer de tudo, ou talvez justamente por isso, na verdade não come qualquer coisa, mas escolhe a própria comida, com critérios ligados tanto às dimensões econômicas e nutricionais do gesto quanto aos valores simbólicos de que a própria comida se reveste. Por meio de tais percursos, a comida se apresenta como elemento decisivo da identidade humana e como um dos mais eficazes instrumentos para comunicá-la (MONTANARI, 2013, p.16). Atualmente a alimentação não pode ser entendida apenas como uma forma de nutrir o corpo para a sobrevivência. Trata-se de um processo complexo que tem relação com diversos fatores como históricos, familiares, sociais, religiosos e emocionais. Essas relações que o alimento possibilita são mutáveis, pois vão se desenvolvendo em todas as fases da vida de uma pessoa. Um exemplo importante é a relação de um bebê com a sua mãe. Durante a amamentação é possível estabelecer uma relação emocional que, quando bem vivenciada entre a criança e a mãe, será aprendida e levada por toda a vida. Existem estudos como a da bióloga Suzana Herculano-Houzel (2003, p. 198) explicando a relação da alimentação na adolescência: “com o cérebro em franca produção de capas gordurosas para suas fibras nervosas, não é de se espantar que elas gostem tanto de frituras e manteiga em abundância”. Além disso o adolescente tem a necessidade de pertencer a um grupo e de ser aceito por ele. Ele é influenciado pelo chamado grupo de referência. Nesse sentido esse grupo passa a ser um guia de comportamento para esse adolescente incluindo o tipo de alimento que esse grupo faz uso. Saiba mais Como afirmado por Renssen e Villela, o adolescente busca maior independência e autonomia, arriscando-se em relacionamentos fora da família. Conheça mais sobre o assunto em: RENSSEN, C.; VILLELA, N. Contribuições de um grupo terapêutico sistêmico para pais com filhos na fase da adolescência. Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria Ipub/UFRJ, 2007. 9 O tipo de alimento e a forma de se alimentar são contextos repletos de sentidos e emoções que vão sendo passadas pelas famílias. Quando repetimos essas experiências, relembramos a família e passamos a nos sentir pertencendo a um grupo e a estarmos dando continuidade a uma tradição. Leonardo (2009) nos mostra como essa relação entre alimento e tradições aparecem em outras culturas. Segundo ele, na Espanha os amigos se encontram na praça para dividirem sementes de girassol; no Paraguai, as reuniões acontecem para tomarem chá; na Itália, as refeições têm durações mais longas objetivando um maior tempo de contato entre as pessoas do grupo; e na cultura árabe, as mulheres utilizam a preparação da comida para a confraternização. Com o contato dessa disciplina, vamos conhecer a um pouco da área da psicologia, seus termos técnicos e como eles se aplicam no entendimento do comportamento humano e em especial no comportamento alimentar. Assim, desenvolveremos a capacidade de o aluno perceber na prática os aspectos psicológicos que determinam, consciente ou inconscientemente, os comportamentos alimentares adequados e patológicos. 11 PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO Unidade I 1 A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA Figura 1 – Psi, o símbolo da psicologia A palavra “psicologia” deriva das palavras gregas psique, que significa “alma”, e logia, que significa “estudo de” entendida inicialmente como a ciência que estuda a alma. Atualmente ela é entendida como a ciência que estuda o comportamento, os processos psíquicos e as interações socioculturais. No final do século XIX, a psicologia passa a ser reconhecida como uma ciência que compreende o comportamento humano, tanto o observável quanto o não observável. Esse desenvolvimento se dá juntamente com o aparecimento do capitalismo, e nesse novo contexto tanto a visão de mundo quanto a visão sobre o homem sofreram mudanças significativas, fatores determinantes para o surgimento das primeiras teorias psicológicas que se limitaram à análise da mente e de seus mecanismos. Inicialmente, a psicologia se interessou pelo comportamento individual e de suas respostas ao ambiente. Observação O conceito de ambiente foi entendido posteriormente pelos psicólogos como sendo constituído tanto pelo ambiente físico quanto pelo social, ou seja, incluía outras pessoas. Quando falamos em estudo do comportamento, é importante destacar o conceito de subjetividade entendido como o nosso modo de agir, de pensar, os nossos pensamentos e as nossas emoções. As primeiras escolas psicológicas que surgiram foram: • Estruturalismo: identificado como o estudo da estrutura consciente da mente e do comportamento, sobretudo das sensações, tendo como representante Edward Titchener (1867-1927). Ele utilizou 12 Unidade I como método a introspecção, na qual o indivíduo explora seus próprios pensamentos e sensações para compreender as experiências sensoriais. • Funcionalismo: objetivava estudar os processos conscientes, não se limitando apenas a estruturas. Nessa escola, a mente estaria em constante interação com o meio ambiente. • Associacionismo: fundada por Edward Thorndike (1874-1949), teórico que elaborou a primeira teoria de aprendizagem. Ela se dá por meio de associação de ideias. Outros estudos foram se desenvolvendo após o surgimento da psicologia, determinando diferentes objetos de estudo. Entreeles podemos destacar a psicopatologia, ciência que estuda os estados mentais patológicos do ser humano. Esses estados patológicos podem determinar uma predominância de quadros emocionais disfuncionais que, durante a vida do indivíduo, geram sofrimento psíquico. Ao fazermos uma comparação com a medicina, por exemplo, destacam-se os estudos dos processos psíquicos que originam os comportamentos físicos, corporais. Nesse momento surge a chamada área da psicossomática explicando como a mente pode influenciar o funcionamento do corpo. Ainda, as questões estudadas pela psicologia estão relacionadas à personalidade, à aprendizagem, à motivação, à memória, à inteligência, ao funcionamento do sistema nervoso, à comunicação interpessoal, ao desenvolvimento humano, ao comportamento sexual, à agressividade e ao comportamento grupal, entre outras. Portanto, ao observarmos a história da psicologia como ciência, nos deparamos com diversas teorias psicológicas. Para Bock (2002): O estudo dos fenômenos psicológicos depende da concepção de ser humano, adotada por cada escola psicológica. Os fenômenos psicológicos referem-se a processos que acontecem em nosso mundo interno e que são construídos durante a nossa vida. São processos contínuos, que nos permitem pensar e sentir o mundo, nos comportarmos das mais diferentes formas, nos adaptarmos à realidade e transformá-la. Esses processos constituem a nossa subjetividade (BOCK, 2002, p. 23). A psicologia como ciência humana permite conhecermos o ser humano e a forma como ele se relaciona com o mundo. O psicólogo utiliza em seu trabalho o conhecimento científico e técnico possibilitando diagnosticar os problemas e, a partir da utilização de técnicas adequadas, fazer uma interpretação e intervenção adequadas. Essa ciência dispõe de instrumentos próprios para a obtenção de dados sobre os processos psíquicos, tais como testes psicológicos e técnicas de entrevista e de observação. Podemos destacar que o conhecimento das teorias psicológicas permite ao psicólogo determinar um caminho mais adequado para iniciar seu trabalho junto a seus pacientes, seja ele de caráter individual ou grupal, visando sempre a promoção da saúde mental do indivíduo. 13 PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO É importante levar em consideração que a busca pela saúde mental se dá também no sentido preventivo e, nesse sentido, o psicólogo também pode criar estratégias que evitem o aparecimento de doenças, distúrbios de comportamento vendo o homem na sua totalidade: como ser biológico, sociológico, psicológico e, ao mesmo tempo, inserido em um contexto em que ele interage ativamente. Por volta de 1930, surge a psicologia social. Essa área estuda de que forma ocorrem as interações sociais, as manifestações comportamentais decorrentes da interação de uma pessoa com outras pessoas ou a expectativa resultante dessa interação. Nesse momento, o interesse dos psicólogos passa a ser a investigação das interações dos indivíduos nos grupos e na sociedade. A partir de então, muitos aspectos foram investigados, como o efeito das organizações sobre os indivíduos; a relação dos indivíduos dentro de um mesmo grupo e de grupos diferentes; os diferentes tipos de papéis que o indivíduo assume quando em ambientes diferentes e funções sociais diferenciadas; a dinâmica de grupos; as atitudes e preconceitos de grupos; conflitos grupais; obediência; e transformações sociais. Essas informações foram tão significativas que determinaram um interesse pelas empresas que passaram a colocar em prática esses conhecimentos. Um estudo muito interessante foi o de Kurt Lewin (1890-1947), cujo modelo descreve que para haver uma mudança pessoal ou organizacional é necessário passar por três etapas. A primeira é o descongelamento. [...] envolve a preparação, em que se reconhece a necessidade de mudança e abre-se mão das velhas crenças e atitudes. A mudança ocorre na segunda etapa, geralmente acompanhada de confusão e agonia motivadas pelo desmantelamento da antiga mentalidade ou sistema. O terceiro e último estágio, o “congelamento”, ocorre quando a nova mentalidade se cristaliza e há uma sensação de conforto e estabilidade ocasionada por essa nova condição (O LIVRO..., 2012, p. 221). Para Lewin, essa etapa é a mais difícil, uma vez que geralmente resistimos a mudanças e a alterações em nossa rotina. Para ele, é importante “criar um ambiente de segurança psicológica durante a etapa de descongelamento” (O LIVRO..., 2012, p. 221). Lembrete Para Kurt Lewin, o indivíduo inserido em uma sociedade não era um ser passivo, diferentemente do behaviorismo, que considerava que a influência dos outros era que moldava o indivíduo. Para ele, havia uma interação do indivíduo com o seu entorno. Um outro estudo foi o de Solomon Asch, que após suas pesquisas, provou que as pessoas se submetem ao poder do grupo, adotando uma atitude de conformidade em relação a esse poder. De acordo com o nosso entendimento em relação ao autor, podemos destacar: 14 Unidade I • O grupo exerce efeitos sociais profundos em seus membros. • Um certo grau de conformidade colabora para funções sociais importantes. • As pessoas sentem-se obrigadas a se adequar para pertencer ao grupo. • São capazes de fingir ou até convencer a si mesmas que concordam com a maioria. • A tendência à conformidade pode ser mais forte do que os valores ou percepções básicas das pessoas. Já Erving Goffman (1922-1982) desenvolveu a teoria do gerenciamento de impressões. Segundo ele, a vida é uma interpretação dramática construída a partir da interação social, que pode ser comparada a uma peça de teatro. Nesse sentido, ele explica como mantemos e intensificamos nossas identidades sociais: Tal qual os atores, as pessoas tentam criar uma impressão favorável de si mesmas, definindo roteiro, cenário, figurino, habilidades e adereços. [...] há o “palco” onde atuam nossas personas públicas e os bastidores, onde se desenrola nossa vida privada. [...] existe uma plateia que assiste ao espetáculo (O LIVRO..., 2012, p. 228). Por sua vez, Robert Zajonc (1923-2008) desenvolve a teoria da familiaridade, que se resume da seguinte forma: “quanto mais se vê, mais se gosta”. Para ele, as preferências que demonstramos não são racionais: A exposição repetida a um estímulo gera familiaridade em relação a ele. A familiaridade produz uma mudança de atitude em relação ao estímulo, transformando-a em preferência ou afeição. Essa preferência é emocional e forma-se em nível subconsciente antes que o indivíduo se dê conta (O LIVRO..., 2012, p. 232). Há de se registrar que no âmbito da psicologia social existe um denominador comum, cuja subjetividade é uma dimensão importante. A subjetividade hoje permanece massivamente controlada pelos dispositivos de poder e de saber que colocam as inovações técnicas, científicas e artísticas a serviço das figuras mais retrógradas da socialidade. E, contudo, outras modalidades de produção subjetiva – processuais e singularizantes – são concebíveis. Estas formas alternativas de reapropriação existencial e de autovalorização podem tornar-se amanhã a razão de vida das coletividades humanas e dos indivíduos que recusam abandonar-se à entropia mortífera, característica do período que nós atravessamos (JACQUES, 1998, p. 26). 15 PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO Tanto a sociologia quanto a psicologia têm demonstrado interesse no estudo dos pequenos grupos sociais, pensando o grupo como uma intermediação entre o indivíduo e a massa. Os estudos dos pequenos grupos sociais, embora sejam realizados por várias áreas de conhecimentos humano-sociais, são em geral associados com a sociologia e a psicologia. Na psicologia, o estudo sistemático dos pequenos grupos sociais, buscando compreender a dinâmica dos mesmos, tem início na década de 1930 e 1940, com Kurt Lewin. Moreno [Jacob Levy] inicia com o teatro da espontaneidade que vai levar ao psicodrama. Na área de pesquisa cria a sociometria para o estudo derelações de aproximação e afastamento entre as redes de preferência e rejeição, tanto nos grupos quanto na comunidade como um todo. Lewin cria o termo “dinâmica de grupo”, que foi utilizado pela primeira vez em 1944. Não podemos esquecer que a preocupação com grupos, tanto de Moreno quanto de Lewin aparece em seguida às inovações tayloristas e fordistas que levam à elevação dos lucros, mas também à deterioração das relações tanto dos operários entre si quanto em relação a chefias e patrões (JACQUES, 1998, p. 200). Ainda, para Pedrinho Guareschi: Mais que identificar cosmovisões gerais de pessoas ou grupos, o que na verdade cremos ser importante e necessário, é revelar como as pessoas sofrem e são prejudicadas, na sua vida cotidiana, devido a relações que são estabelecidas de maneira desigual e injusta. Com isso nosso trabalho poderá contribuir, de maneira iluminadora e emancipatória, na construção de uma sociedade economicamente justa, politicamente democrática, culturalmente plural, eticamente solidária (JACQUES, 1998, p. 101). Nesse sentido, observa-se que a psicologia percorreu vários caminhos aplicando-se a várias áreas de conhecimento: Nossa matéria-prima, portanto, é o humano em todas as suas expressões, as visíveis (o comportamento) e as invisíveis (os sentimentos), as singulares (porque somos o que somos) e as genéricas (porque somos todos assim) – é o ser humano-corpo, ser humano-pensamento, ser humano-afeto, ser humano-ação e tudo isso está sintetizado no termo subjetividade (BOCK, 2011, p. 8). Ainda a esse respeito, Bock nos chama a atenção para duas questões importantes: Os sujeitos são os responsáveis pela sua subjetividade, mas não o fariam se não fosse a vida coletiva, as construções coletivas simbólicas que permitem que toda atividade sobre o mundo exterior tenha seu correspondente subjetivo. [...] A subjetividade não cessará de se modificar, pois as experiências cotidianas sempre trarão novos elementos para renová-la (BOCK, 2011, p. 10). 16 Unidade I Observação Kurt Lewin é considerado o pai da psicologia social e da psicologia das organizações. Estudou a interação social e os efeitos da pressão social no comportamento e as dinâmicas de trabalho nas organizações. Entre suas obras podemos destacar: Teoria Dinâmica da Personalidade (1935) e Princípios da Psicologia Topológica (1936). Figura 2 – Psicologia e nutrição, ciências multidisciplinares Como visto anteriormente, a psicologia é uma ciência que abrange o estudo dos processos e comportamentos mentais humanos no geral, não apenas dos comportamentos anormais. Assim, o relacionamento entre o nutricionista e seu paciente torna-se importante, pois não basta apenas o profissional ter a técnica. Faz-se necessário conhecer a realidade socioeconômica e cultural do paciente, levando-se em consideração seus valores, suas crenças, o lugar que ele ocupa na família, entre outros aspectos. Portanto, o sucesso no tratamento necessita desse conhecimento, que, se satisfatório, será importante para o diálogo e a confiança, uma vez que o paciente procura o nutricionista porque algo não está bem com ele. O desafio para o profissional de saúde é de ter uma relação “terapêutica” com os pacientes, tentar localizar e esclarecer o problema e ajudar a resolvê-lo. É importante deixar claro que esse conhecimento, esperado do profissional, irá ajudá-lo, inclusive, a procurar ajuda de outros profissionais, como por exemplo, do psicólogo. A comunicação entre nutricionista e paciente deve ser efetiva e útil, ao passo que se deve evitar responder impulsivamente ou dar conselhos sem pensar. É importante que o profissional mantenha um certo distanciamento do paciente, ação essa que advém de uma maturidade, experiência e prática, o que demonstra autoconfiança. 17 PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO 1.1 Psicanálise Figura 3 – Freud é conhecido como o fundador da psicanálise Sigmund Freud, fundador da psicanálise, publicou uma ampla obra durante toda a sua vida, mostrando suas descobertas e formulando leis sobre a estrutura e funcionamento da psique humana. Freud foi defensor da existência de processos mentais inconscientes. Para ele, o inconsciente é uma instância psíquica de emoções e sentimentos reprimidos da consciência. A repressão ocorre devido ao conteúdo insuportável dessas emoções e desses sentimentos. No entanto, há conteúdos que mesmo num primeiro momento inconscientes podem passar para a consciência. Alguns exemplos podem ser destacados como os atos falhos, os sonhos e os lapsos de linguagem. Essa passagem, de acordo com ele, é favorecida pelo estado emocional do indivíduo, porém de forma disfarçada. De acordo com a sua teoria, o inconsciente exerce um papel importante na determinação do comportamento do indivíduo. Isto significa que não somos donos de nossas mentes, somos dominados e até mesmo dirigidos por processos mentais inconscientes, por desejos, por medos, por conflitos e por fantasias. O método de investigação utilizado na psicanálise é o método interpretativo, que busca significados ocultos (conteúdos latentes) do que é manifesto pelo paciente. Isso é possível por meio de ações e palavras que podem ocorrer por meio dos sonhos, dos delírios e das associações livres. O psicanalista faz uso da análise como técnica de tratamento visando à cura ou ao autoconhecimento. Dessa forma, a análise busca a origem do sintoma ou do comportamento manifesto ou latente, ou seja, do conteúdo não verbalizado com o objetivo de integrar tanto os conteúdos inconscientes quanto os conscientes. A interpretação dos conteúdos inconscientes pode ser realizada a partir dos sonhos, dos atos falhos ou das associações livres. É importante enfatizar que para o psicanalista importa tanto o funcionamento mental normal como o patológico. Para a psicanálise nada acontece por acaso, há sempre uma determinada explicação para tudo que acontece. Muito do que aparece em nossas mentes tem uma relação. Aparentemente são encarados como desconexos. 18 Unidade I Freud afirma que os instintos, e em especial os sexuais, são forças que nos levam à ação, permitem o desenvolvimento humano e por isso são vitais. Trata-se de uma energia que atua tanto internamente quanto externamente na vida do indivíduo. Para ele, esse processo ocorre desde a infância e posteriormente, na idade adulta, o desenvolvimento sexual se concretiza. Dessa forma, a sexualidade nos acompanha desde o nascimento até a morte, tornando-se importante na formação psíquica humana. Para ele, o instinto tem quatro componentes: uma fonte, uma finalidade, uma pressão e um objeto. Na fonte é onde surge uma necessidade. A finalidade é reduzir a necessidade fazendo com que o organismo se satisfaça. A pressão refere-se à quantidade de energia ou força que é investida para satisfazer ou gratificar o instinto. Finalmente, o objeto de um instinto é qualquer alternativa de ação ou expressão. Vejamos um exemplo aplicando os componentes dos instintos na área da nutrição. Imagine uma pessoa com fome. Quando o corpo consome energia em qualquer atividade, ele vai precisar de energia, que em nosso exemplo, seria o alimento. À medida que a necessidade aumenta ela vai se tornar consciente e será manifesta com o surgimento da fome. Se a fome não for satisfeita, a pressão pode aumentar para que de alguma forma alivie a fome. Todo esse processo deve acontecer com finalidade de reduzir a tensão provocada pela fome que vem acompanhada por outras ações, como levantar-se, ir até a cozinha ou a um restaurante escolher várias opções e comê-las. Portanto, uma pessoa diante de uma necessidade irá buscar uma atividade para reduzir a tensão para que o corpo volte ao nível de equilíbrio antes de a necessidade surgir. Esse processo de equilíbrio, tensão e atividade é denominado por Freud de modelo de tensão-redução. Para Freud, existem dois grupos de instintos: os instintos de vida e os instintos de morte. Os instintos de vida objetivam a autopreservaçãoda pessoa; os instintos sexuais (que são os mais conhecidos) e a preservação da espécie. Os instintos de morte são os instintos cuja energia é dirigida em um sentido mais destrutivo. Além do conceito do inconsciente e dos instintos, ele apresenta a estrutura do aparelho psíquico composto pelo id, ego e superego. O id é a estrutura onde se localizam os instintos de vida e de morte. suas principais características são: uma instância sem lógica de organização ou juízo de valor. Constitui-se de conteúdos inconscientes, que são inatos ou adquiridos e que buscam contínua gratificação sob a predominância do denominado princípio do prazer. O ego é a estrutura do aparelho psíquico que está em contato com a realidade externa. Essa estrutura é guiada pelo princípio da realidade. uma de suas características importantes é que ele equilibra o id e o superego. Finalmente temos o superego, que é constituído pelas exigências sociais e culturais adquiridas pelo indivíduo em seu ambiente social. Nesse sentido, o indivíduo vai introjetando as normas e leis 19 PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO sociais que irão constituir uma parte da personalidade. Ele representa a força moral em decorrência dessa internalização. Freud também nos trouxe outros conceitos importantes, entre eles destacamos: • A maior parte de nossos desejos e pensamentos reprimidos estão relacionados a conflitos de ordem sexual que têm origem na infância. • É na infância que se estrutura a personalidade e por isso, é uma fase importante. • Existe uma sexualidade infantil e por isso ele coloca a sexualidade no centro da vida psíquica. • A libido significa desejo ou anseio. Ela é a energia dos instintos sexuais. Com a psicanálise Freud explica de que forma é possível o indivíduo diminuir a angústia provocada pelos conflitos internos. Ele contribui, nesse sentido, mostrando o quanto é importante a utilização dos mecanismos de defesa. A seguir apresentamos alguns tipos de mecanismos de defesa: • Deslocamento: os sentimentos relacionados a uma memória são deslocados a um conteúdo psíquico substituto. Exemplo: uma pessoa, ao lidar com uma situação estressante, pode comer excessivamente para aliviar a tensão. • Distração: a atenção é desfocada. Exemplo: assistir a uma aula focando a atenção em outros pensamentos. • Fantasia: criação de um mundo próprio, imaginário. Exemplo: a pessoa que fantasia o par perfeito. • Identificação: essencial no processo de desenvolvimento psicossexual, garante a internalização de comportamentos e o estabelecimento do juízo crítico. Exemplo: o adolescente que se comporta de acordo com o grupo de amigos. • Negação da realidade: o indivíduo passa momentaneamente a negar um fato real. Exemplo: a pessoa que se recusa a acreditar na morte de um amigo. • Racionalização: a pessoa busca apresentar uma explicação coerente, lógica e moralmente aceita para um comportamento, uma ideia ou um sentimento. Exemplo: uma pessoa que explica que não consegue seguir uma dieta devido a sua família. • Regressão: comum em pessoas que não assumem a responsabilidade ou consequência por seus atos. Exemplo: o adolescente que se comporta como uma criança quando deseja algo. • Projeção: qualidades, sentimentos e desejos que são expulsos de si e localizados em outra coisa ou pessoa. Exemplo: quando uma pessoa se queixa a respeito do comportamento de alguém ou quando a própria pessoa gostaria de ter tal comportamento. 20 Unidade I • Idealização: o objeto é engrandecido e exaltado psiquicamente. Exemplo: a pessoa que idealiza a dieta perfeita. • Sublimação: mecanismo mais evoluído, implica no desempenho de uma atividade humana que requer sua energia de pulsão sexual para a realização. Pode ocorrer em criações literárias, artísticas ou intelectuais. Com o surgimento da psicanálise outros estudos foram se desenvolvendo. A seguir, algumas considerações sobre outros teóricos que trouxeram trabalhos relacionados à fase oral, que inicialmente é explicada por Freud. De acordo com o estudo de Viviliane Maturana (2010), para entender mais sobre a relação estabelecida pelo indivíduo com a alimentação, é importante conhecer mais sobre algumas teorias psicológicas que nos levam a pensar sobre a problemática que envolve o sujeito, sua subjetividade e a alimentação. A autora coloca em evidência o estudo sobre a fase oral, período que dura de 0 a 2 anos, em que a zona de erotização do bebê é a boca e o prazer ainda está ligado à ingestão de alimentos e à excitação da mucosa dos lábios e da cavidade bucal. Para ela, na fase oral existe uma necessidade intensa de gratificação e satisfação. Assim, desde o nascimento, tais necessidades estão concentradas, predominantemente, em volta dos lábios, na língua e, um pouco mais tarde, nos dentes. Porém, a psicanálise não destacou apenas a fase oral, para Fadigman e Frager, segundo Maturana (2010), a pulsão primária do bebê não é social ou interpessoal, mas funciona apenas para receber alimento para atenuar as tensões de fome e sede. Enquanto é alimentada, a criança é também confortada, aninhada, acalentada e acariciada. Então, num primeiro momento, ela associa o prazer à redução da tensão no processo da alimentação. Dessa forma, a boca seria a primeira área do corpo que o bebê pode controlar. Para Freud, nessa fase, a maior parte da energia libidinal disponível é direcionada ou focalizada justamente nessa área. Então, ao longo do crescimento da criança, outras áreas do corpo desenvolvem-se e tornam-se importantes regiões de gratificação. Ainda segundo Freud, alguma energia é permanentemente fixada nos meios de gratificação oral também durante a fase adulta, pois existem muitos hábitos orais bem desenvolvidos e um interesse contínuo em manter prazeres orais. Comer, chupar, morder, lamber ou beijar com estalo, por exemplo, são expressões físicas desses interesses. Pessoas que mordicam constantemente, fumantes e os que costumam comer demais, para Freud, são indivíduos parcialmente fixados na fase oral, e cuja maturação psicológica pode não ter se completado. Na mesma linha, Fadigman e Frager salientam que a fase oral tardia, depois do aparecimento dos dentes, inclui a gratificação dos instintos agressivos, como morder o seio, causando dor à mãe e levando-a à inibição do ato de amamentar e gerando consequências no futuro: Essa agressividade do ato de morder, somada à privação do seio, pode, mais tarde, na fase adulta, desenvolver problemas ligados a essa fase, como por exemplo, o sarcasmo, o arrancar o alimento de alguém, a fofoca e alguns outros. Para eles [Fadigman e Frager], a transformação dos interesses em 21 PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO prazeres orais não foge à normalidade, porém, o que a torna patológica seria uma sistematização da gratificação nessa área, isto é, se uma pessoa for excessivamente dependente de hábitos orais para aliviar a ansiedade (MATURANA, 2010, p. 219). Se a gratificação sistemática ligada à oralidade pode ser apresentada como uma patologia, a compulsão alimentar, os parâmetros de saciedade e de satisfação também podem ser estudados por esse viés. 1.2 Behaviorismo Alto-falante Alavanca reativa Grade elétricaAlimentador Luzes Figura 4 – Skinner e suas experiências com ratos O behaviorismo, conhecido como teoria do comportamento ou teoria comportamental, desenvolveu-se no século XIX influenciado pelas ciências biológicas. Essa teoria destacou o comportamento observável do ser humano mostrando que a introspecção não é essencial para seus métodos. Há de se destacar dois teóricos importantes: Watson e Skinner. Essa teoria teve como marco inicial um artigo publicado por Watson em 1913, intitulado”Psychology as the Behaviorist Views it”. Watson nesse artigo chama a atenção para o objetivo dessa teoria: a predição e o controle do comportamento. De acordo com Watson, toda aprendizagem depende do meio externo. Dessa forma, todo comportamento é condicionado (aprendido) e condicionável. Para o behaviorismo, comoo seu objeto de estudo dizia respeito a um objeto observável e mensurável, este podia ser reproduzido em diferentes condições e em diferentes sujeitos. Os principais pressupostos de Watson podem ser resumidos da seguinte maneira: • O comportamento pode ser analisado por métodos científicos objetivos, pois é composto de respostas dadas no meio externo. 22 Unidade I • O comportamento é redutível a processos físico-químicos devido a sua composição: secreções glandulares e movimentos musculares. • Existe no comportamento um determinismo de causa e efeito, pois há sempre uma resposta diante de um estímulo eficaz. • Os processos conscientes não podem ser cientificamente estudados, pois há dúvidas de sua existência. • O homem passa a ser estudado como um produto do processo de aprendizagem, que se inicia desde a infância. • Os behavioristas, de alguma forma, excluem a motivação de seus estudos, pois acreditam que sua natureza é essencialmente psicológica. Com relação a essa questão, veremos posteriormente o surgimento de teorias psicológicas que levam em consideração o quanto a motivação é importante ao determinar comportamentos. Por exemplo: em um ambiente de consumo e, ainda, permitindo a continuidade de uma dieta. Outro teórico behaviorista importante foi Skinner que afirmou que: “O objetivo do behaviorismo é eliminar todo tipo de coerção, transformando o ambiente e ajustando o que nos controla” (O LIVRO..., 2012, p. 80). Skinner dá continuidade às descobertas de Watson mostrando que há dois tipos de comportamentos: o reflexo (não condicionado, não é aprendido) e o operante (aprendido, há uma resposta devido um estímulo). Por exemplo: é um comportamento reflexo quando uma pessoa saliva diante de um cheiro de comida. Uma criança que só come todo o almoço se a mãe o recompensar com um presente é um comportamento operante. Dessa forma, podemos dizer que existem comportamentos que podem ser aprendidos e outros não. A aprendizagem passa a acontecer e a se apresentar pelas consequências comportamentais motivadas pelas condições ambientais facilitadoras ou que dificultam a aprendizagem, a partir da estrutura estímulo-resposta. Outros conceitos importantes também foram destacados por essa teoria. O primeiro deles diz respeito ao reforço positivo, entendido como uma recompensa. Esse tipo de reforço pode determinar comportamentos e, com isso, fazer com que as pessoas aprendam e repitam tais ações a partir desse reforço. Assim, ele possibilita o aumento da probabilidade de ocorrência dos comportamentos e é definido pelo resultado que produz no comportamento. Além dele, existe o reforço negativo, porém nele o aumento da ocorrência do comportamento aparece para que o estímulo aversivo desapareça ou seja prevenido. Ele pode ser observado em dois momentos: por meio da fuga em que a pessoa realiza um comportamento com o objetivo de terminar com o evento aversivo (negativo); e pela prevenção, na qual a pessoa emite um comportamento para evitar a ocorrência de um evento aversivo. Por exemplo, uma pessoa que tem muito medo de trovões 23 PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO (evento aversivo). Aqui há duas possibilidades de minimizar esse medo: por meio da fuga, em que a pessoa ao observar um relâmpago, que normalmente vem antes do trovão, pode se esconder em um lugar seguro dentro de casa (fuga); ou após ver o relâmpago ela pode tampar os ouvidos para não ouvir o trovão (prevenção). Necessário destacar que Skinner construiu seus estudos realizando experimentos com ratos, na denominada caixa de Skinner. Na primeira experiência, ele fez uso do reforço positivo, no caso utilizando a água, fazendo com que o rato (que ficou um dia inteiro sem tomar água) aprendesse a pressionar uma alavanca, que encontrava-se dentro da caixa, permitindo que uma gota de água caia no chão e ele matasse a sua sede. Na segunda experiência, Skinner apresentou a um outro rato (que não estava com sede) um estímulo aversivo, no caso um choque no assoalho da caixa, que quando o rato pressionasse a alavanca, mesmo não estando com sede, permitia que o choque terminasse. Nessa experiência fez-se o uso do reforço negativo. Observamos que nas duas experiências o comportamento de pressionar a alavanca aumentou: na primeira o comportamento permitia o aparecimento do reforço positivo (água) e na segunda, o comportamento permitiu a eliminação do reforço negativo (choque). O behaviorismo pode, nesse sentido, nos descrever e explicar como os comportamentos relacionados à nutrição são aprendidos e a partir disso temos a possibilidade de modificá-los. Lembrete O princípio de condicionamento e estímulo-resposta da teoria behaviorista pode ser bastante útil para o nutricionista, uma vez que pode fazer uso de vários reforços positivos para, de alguma forma, mudar o comportamento alimentar de seu paciente. 1.3 Gestalt Figura 5 – Gestalt: relação figura e fundo Outra teoria psicológica importante é a da gestalt, que explica como percebemos o mundo, a nós mesmos e os outros. Nesse sentido, os estudiosos dessa linha preocuparam-se em compreender os processos psicológicos que estavam envolvidos no que denominaram ilusão de ótica. Esse fenômeno, que ocorre com todos, surge quando o estímulo físico é percebido diferentemente do que uma pessoa tem dele na realidade. Por exemplo, a percepção dos fotogramas estáticos do cinema. O movimento que vemos na tela é uma ilusão de ótica causada pela pós-imagem da retina (a imagem demora um pouco 24 Unidade I para se apagar em nossa retina). E como as imagens vão se sobrepondo na retina, temos a sensação de movimento, mas o que de fato está na tela é uma fotografia estática (BOCK, 2011). A gestalt também explica a relação entre figura e fundo. A figura é constituída dos aspectos da experiência, que são eleitos como dominantes e que se sobressaem em relação ao fundo. Já o fundo é composto pelas experiências anteriores. Observação Figura e fundo podem oscilar de acordo com o que é salientado como relevante pelo psiquismo na situação. Diferentemente dos behavioristas, os gestaltistas, quando explicam a relação existente entre estímulo e resposta, trazem uma informação complementar, a de que entre o estímulo e a resposta existe a percepção. Essa teoria nos trouxe contribuições importantes para que possamos compreender o que significa uma boa percepção, que depende de uma “boa” forma. De acordo com a gestalt, a percepção, para ser efetiva, necessita levar em consideração certos princípios como: fechamento, simetria e regularidade dos pontos que compõem qualquer figura. Um outro aspecto importante a salientar é a relação parte-todo: “[...] o todo não pode ser entendido simplesmente como um conjunto das partes, mas sempre quando vemos uma parte, ocorre uma tendência à restauração do equilíbrio da forma” (BOCK, 2011, p. 18). Alguns pressupostos dessa teoria: • A análise das partes de um objeto não necessariamente proporciona uma compreensão do todo. • Se o todo se separa, a forma (gestalt) perde sua identidade. • O estudo da percepção é o tema central dessa teoria. • O indivíduo é dotado de emoções e percepções que permitem sua vivência. O fundador dessa abordagem foi Perls, que publicou o livro Ego, Fome e Agressão. O autor, nessa época, propõe novos elementos para compor a personalidade humana, como o instinto de fome, a agressão biológica e a necessidade da gratificação. Nesse sentido, ele atribui estágios no desenvolvimento do instinto de fome: pré-natal (antes do nascimento), pré-dental (amamentação), incisivo (morder) e molar (morder e mastigar). Esses estágios estariam envolvendo a alimentação como nutrição e como relação com o mundo. Perls exemplifica isso citando a impaciência do indivíduo com a alimentação: para ele muitas pessoas têm o hábito de engolir a comida como se fosse um líquido, demonstrando, de acordo com o autor, uma personalidade 25 PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO impaciente desse indivíduo além de umamá relação com a alimentação. Saiba mais Conheça mais sobre Frederick Perls e como a gestalt-terapia foi criada: MATURANA, V. Reflexões acerca da relação entre a alimentação e o homem. Revista IGT, v. 7, n. 12, p. 219, 2010. Disponível em: https://www.igt. psc.br/ojs/include/getdoc.php?id=1573&article=292&mode=pd. Acesso em: 30 mar. 2020. Para os gestaltistas, o estímulo de um ambiente depende da percepção e da interpretação de uma pessoa. Por exemplo: a percepção de um alimento (estímulo) que se encontra em uma padaria diferencia-se de uma pessoa que está com fome em relação a uma pessoa saciada. Além disso, aliado a essa questão da percepção e da interpretação, existe uma hierarquia de necessidades. Dependendo do sujeito e do momento, surge uma necessidade dominante, aquela que de alguma forma precisa ser satisfeita. Para Perls, essa hierarquia das necessidades está sempre sendo operada pelo indivíduo para que o organismo restabeleça o equilíbrio procurando vias e meios para isso de acordo com a interação com o meio. 1.4 Psicologia cognitiva A psicologia cognitiva estuda a cognição e os processos mentais que estão por detrás do comportamento, ganhando força pelo avanço da tecnologia. Para Bock (2011, p. 18), “hoje, o que temos são teorias derivadas dessa vertente pioneira, e ela inspirou, em parte, os estudos do campo cognitivista, que é de muita importância para a psicologia social”. Para a psicologia cognitiva, a aprendizagem ocorre por meio da educação, pressuposto baseado em como as pessoas estabelecem associações entre conceitos, memorizam sequências de conceitos, resolvem os problemas e têm ideias. Para os teóricos dessa linha, uma aprendizagem é válida quando possibilita formas eficazes de comunicação para facilitar as associações entre produtos e serviços. Por exemplo: vamos supor que foi apresentada uma lista com diversos nomes de alimentos para uma pessoa. Se fosse pedido para que ela se lembrasse das palavras, observaríamos que as mais lembradas seriam as primeiras e as últimas da lista. Esse fenômeno é chamado de efeito de posicionamento em série. Um outro aspecto importante dessa teoria é a aprendizagem por associação em par. Por exemplo, a criação de marcas que sugerem o uso de determinado produto ou serviço. 26 Unidade I Os estudos dessa linha teórica da psicologia ocasionaram novos olhares para o entendimento do cérebro. Os psicólogos passaram a estudar os processos mentais, cognitivos, principalmente os que estavam relacionados com a memória, a percepção e as emoções: No começo do século XXI, a psicologia cognitiva continua a ser a abordagem predominante, com grande impacto nos campos da neurociência, educação e economia. Sua influência estendeu-se ao debate natureza versus criação, já que, diante das recentes descobertas nas áreas de genética e neurociência, psicólogos evolucionistas, como Steven Pinker, defendem que nossos pensamentos e ações são determinados pela constituição do nosso cérebro e que, a exemplo de outras características herdadas, estão sujeitos às leis de seleção natural (O LIVRO..., 2012, p. 159). Um estudo importante nessa área foi o entendimento da estrutura da memória. Após várias pesquisas, criou-se o modelo de memória de armazenamento múltiplo, que compreende três sistemas: • Memória sensorial: compreende os cinco sentidos (visão, audição, paladar, tato e olfato). Nela ocorre a atenção preliminar em que o estímulo é analisado. • Memória temporária: em que a informação fica temporariamente armazenada. Estudos mostraram que ela consegue processar de cinco a sete porções de informações, ou seja, se receber muita informação parte dela será perdida. • Memória permanente: em que as informações são armazenadas definitivamente. Esses e outros estudos na área da psicologia cognitiva foram tão importantes que transformaram o conceito de inteligência. Anteriormente, éramos avaliados quanto à inteligência por meio do chamado Quociente de Inteligência (QI). Então, a partir dos estudos do psicólogo Daniel Goleman no livro Inteligência Emocional, aparece a discussão sobre o conceito de inteligência. Para ele, a obtenção de nosso sucesso é decorrente da chamada inteligência emocional, que está dividida em cinco áreas de habilidades: • autoconhecimento emocional; • controle emocional; • automotivação; • reconhecimento de emoções em outras pessoas; • habilidade em relacionamentos interpessoais. Dessa forma, percebe-se que para a pessoa ser classificada como emocionalmente inteligente ela deve ter uma habilidade tanto de entender outras pessoas (inteligência interpessoal) quanto entender a si mesmo (inteligência intrapessoal). 27 PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO Posteriormente outro psicólogo, Howard Gardner, propôs uma divisão da inteligência em sete competências: • inteligência verbal ou linguística; • lógico-matemática; • cinestésica-corporal (capacidade de usar o próprio corpo); • espacial; • musical; • interpessoal; • intrapessoal. A inteligência, portanto, é afetada pelo estado emocional do indivíduo. Outro estudo importante está relacionado às atitudes. Segundo Daniel Katz (1903-1998), as atitudes teriam quatro funções básicas: • Função instrumental ajustativa ou utilitária: é a função que tem como premissa o reforço e a punição. O indivíduo forma sua atitude em torno da recompensa que poderá obter e da forma pela qual poderá reduzir a insatisfação. São atitudes que procuram maximizar os ganhos e minimizar os custos. • Função ego-defensiva: essa função atende a uma necessidade básica do psiquismo em termos de proteção do eu. Protege o indivíduo distorcendo a realidade se esta se apresentar incongruente com sua autoimagem e com seus valores. • Função de expressão de valores: essa função faz o indivíduo expressar atitudes apropriadas a seus valores pessoais e seu autoconceito. Dessa expressão o indivíduo obteria uma satisfação em termos de experimentar um estado de congruência. Uma dona de casa que recusa enlatados, por exemplo, elogiará um restaurante de comida caseira. • Função de conhecimento: essa função seria necessária para construir seu universo de forma organizada, procurando dar significado e organização às percepções. Para tanto, elementos que são percebidos como inconscientes ou incompletos são reorganizados ou modificados para formar um todo (GADE, 1998, p. 137-138). Atualmente, segundo Christiane Gade, nenhuma pesquisa consegue afirmar e constatar que uma mudança de atitude tenha gerado uma mudança no comportamento. Por isso a autora prefere falar em possibilidades de mudança: 28 Unidade I As atitudes parecem ter graus de resistência à mudança e dificuldade em provocá-la. Esta graduação parece ser determinada pelas características e componentes da atitude a ser modificada, pela personalidade do indivíduo e sua relação com o grupo social e pelas técnicas utilizadas. Geralmente é objetivo de mudança de atitude uma modificação da valência da atitude existente, tentando transformar uma atitude negativa em positiva ou vice-versa. Para uma empresa é interessante que o consumidor passe a gostar do seu produto e a não gostar do produto concorrente. Este tipo de mudança desejada é denominado incongruente porque o sinal desejado é oposto ao sinal existente. Outra forma de mudança de atitude é a tentativa de aumentar o grau negativo de uma atitude negativa ou o grau positivo de uma positiva (GADE, 1998, p. 141). 1.5 Psicologia humanista A psicologia humanista, que traz dois teóricos importantes como Rogers e Maslow, tem como pressupostos: • ela é centrada na pessoa e não no comportamento; • prioriza a condição de liberdade do sujeito contra a pretensão determinista; • visa a compreensão e o bem-estar da pessoa e não o controle; • psicologia não seria a ciência do comportamento, e sim da pessoa; • crença nas responsabilidades do indivíduo e na sua capacidade de prever as ações mais apropriadas para serem utilizadas em sua realidade.Para Rogers, as pessoas se definem por sua experiência. Segundo o autor, todo indivíduo vive em um mundo de experiência no qual é o centro. Esse mundo particular, composto de eventos, percepções, sensações, é denominado campo fenomenal ou campo experiencial e está disponível à consciência e que pode ou não corresponder à realidade objetiva. Dessa forma, o comportamento humano decorre de um esforço para satisfazer as necessidades humanas. De acordo com ele, há três condições vistas como eficazes para o aperfeiçoamento da condição humana: I – consideração positiva incondicional: a pessoa deve aceitar-se como ela é; II – empatia: é necessário que o indivíduo se coloque no lugar do outro, com os referenciais do outro tentando sentir o que ele sente; e III – congruência: relativa à coerência interna que implica em autoconhecimento, transformação do humano em um ser autêntico, sem disfarces. 29 PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO Portanto, Rogers nos apresenta uma teoria centrada no indivíduo. Outro nome importante dessa área é Maslow, considerado um dos fundadores dessa linha. Ele estudou a autorrealização humana que procura suas capacidades que muitas vezes estão inibidas. Resumidamente, o que seria essa autorrealização: • fazer de cada escolha uma maneira para o crescimento; • abrir-se para experiências novas; • arriscar-se no novo; • decidir sozinho; • responsabilizar-se e ser honesto por seus atos; • compreender que as respostas devem ser procuradas nele mesmo; • desenvolver suas próprias potencialidades; • reconhecer suas próprias defesas; • estar ciente de que a insatisfação é inerente ao ser humano. Maslow construiu a teoria motivacional intitulada Teoria da Hierarquia das Necessidades, que será apresentada posteriormente. Para ele, a motivação orienta o comportamento e é a força que está por trás de nossas necessidades. Mais adiante, explicaremos como é entendida essa teoria. 1.6 Psicologia do desenvolvimento O principal representante dessa psicologia foi o psicólogo Jean Piaget. Sua teoria, denominada epistemologia genética, parte do princípio de que existe certa continuidade entre os processos biológicos, a adaptação ao meio e a inteligência. Para ele, a inteligência é usada pelo indivíduo como uma das formas de adaptação. A adaptação seria um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, dois outros conceitos importantes desenvolvidos por ele. A acomodação corresponde à utilização de algo já existente no mundo que faria parte de seu próprio funcionamento, e a assimilação seria a modificação de esquemas com o objetivo de o organismo se ajustar às coisas novas que surgem em sua vida Ele afirma que as estruturas biológicas, sensoriais e neurológicas, vão amadurecendo à medida que entram em contato com o meio, resultantes da interação do homem com seu meio ambiente. 30 Unidade I Segundo Piaget, todas as relações que o indivíduo apresenta com relação ao seu ambiente e ao seu social vão evoluindo em todas as fases de vida, classificando-as em períodos de desenvolvimento: • Período sensório-motor (0 a 2 anos): a criança começa, através da percepção e de seus movimentos, a conhecer o mundo que a cerca através da manipulação de objetos. Inicialmente, apresenta comportamentos reflexos, como a sucção. • Período pré-operatório (2 a 7 anos): a criança é egocêntrica, apresentando uma leitura da realidade parcial. Sua percepção abstrata começa a se desenvolver. • Período das operações concretas (6 a 12 anos): a lógica da criança começa a se desenvolver e com isso, ela consegue organizar situações. Porém, ela depende do mundo concreto para realizar abstrações. • Período das operações formais (12 anos em diante): nesse período, desenvolve-se a capacidade para o pensamento abstrato, permitindo um modo mais flexível para pensar e manipular as informações. De acordo com Bock: Segundo Piaget, cada período é caracterizado por aquilo que de melhor o indivíduo consegue fazer nessas faixas etárias. Todos os indivíduos passam por todas essas fases ou períodos, nessa sequência, porém o início e o término de cada uma delas dependem das características biológicas do indivíduo e de fatores educacionais, sociais. Portanto, a divisão nessas faixas etárias é uma referência, e não uma norma rígida (BOCK, 2002, p. 101). 1.7 Psicologia social A psicologia também desenvolveu estudos sobre a influência dos grupos nos indivíduos. Observa-se que um grupo não é simplesmente uma reunião de pessoas que riem ou choram juntas, trata-se de um agrupamento, um agregado social de indivíduos em constante interação que se aceitam mutuamente e partilham das mesmas metas. Independentemente do tipo de ambiente, não é possível desprezar o quanto este influencia o comportamento. De acordo com Mowen (2003), existem cinco tipos de situações de influência: • Ambiente físico: aspectos físicos e espaciais concretos do ambiente que envolvem uma atividade de consumo. • Ambiente social: efeitos que outras pessoas provocam sobre o consumidor durante uma atividade de consumo. • Tempo: efeitos da presença ou ausência do tempo nas atividades de consumo. 31 PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO • Definição de tarefa: razões que geram a necessidade de os consumidores comprarem ou consumirem um produto ou serviço. • Estados antecedentes: estados psicológicos e de espírito temporários que um consumidor traz para uma atividade de consumo. Entre as possibilidades de ação de um grupo, ele também pode influenciar ou decidir um comportamento. Mowen (2003) nos apresenta alguns tipos de grupos: • Grupo de referência: grupos cujos valores, normas, atitudes ou crenças são usadas por uma pessoa como um guia de comportamento. • Grupo de aspiração: grupo ao qual a pessoa gostaria de pertencer. Se for impossível participar do grupo, ele se tornará simbólico para ela. • Grupo de dissociação: grupo ao qual a pessoa não quer se associar. • Grupo primário: grupo do qual a pessoa faz parte e no qual interage ativamente. Se caracterizam pela intimidade entre seus membros e pela falta de limites para a discussão de vários assuntos. • Grupo formal: grupo cuja organização e estrutura são definidas por escrito. Por exemplo, sindicatos trabalhistas, universidades e grupos estudantis. • Grupo informal: grupo que não tem estrutura organizacional por escrito. Geralmente são baseados no fator social, por exemplo, um grupo de amigos que se encontram com frequência para praticar um esporte, jogar cartas ou fazer festas. Com relação aos tipos de grupos, Gade (1998) afirma que a família é o mais importante dos grupos primários e é o primeiro agente da socialização do indivíduo. Para ele, grupo de referência é o grupo de indivíduos igualmente importante, pois seus julgamentos, preferências, crenças e comportamentos servem de ponto de referência para a orientação do indivíduo, que passa a se comportar como o grupo. Finalmente, após uma breve apresentação de algumas áreas da psicologia, podemos concluir que a psicologia nos traz diferentes explicações de como o comportamento humano se desenvolve. No entanto, não há escola psicológica mais importante ou melhor do que a outra, pois cada uma delas trouxe descobertas importantes para o mesmo objeto de estudo, o comportamento humano. Observação O mapeamento de decisões inconscientes por meio das técnicas da neurociência tem conseguido explicar o comportamento que vai além de apenas uma vontade consciente. 32 Unidade I 2 PERSONALIDADE E MOTIVAÇÃO 2.1 Personalidade A palavra personalidade apresenta variações de significado. Esse fato ocorre devido às influências de outras áreas de conhecimento, como a antropologia, a sociologia, a filosofia, a biologia e a genética. No entanto, geralmente representa um conceito de unidade integrativa do ser humano, uma noção de totalidade. No senso comum, a personalidade é usada para se referir à capacidade de uma pessoa de tomar decisões, a uma característica marcante da pessoa como a timidez ou extroversão,por exemplo, ou, ainda, a alguém importante ou ilustre, ou se a pessoa é boa ou má. No entanto, para a psicologia, trata-se de um conjunto de características que diferenciam os indivíduos, cujos atributos dizem respeito à constituição, ao temperamento, à inteligência, ao caráter e a um jeito específico de se comportar. Essas características são constantes, esperadas daquela pessoa. Dessa forma, a pessoa torna-se original, possui particularidades permitindo que as outras pessoas esperem certos comportamentos desse indivíduo em determinados contextos. São elementos temperamentais herdados e elementos adquiridos durante o desenvolvimento de uma pessoa em interação com o meio. Ambos os elementos, ao final, formam o mundo interno psíquico de um indivíduo. Porém, a personalidade não é um aspecto imutável. Certas características vão evoluindo de acordo com a organização interna da pessoa. Basicamente, a maior parte das teorias psicológicas apresentou uma definição para o termo personalidade. Por exemplo, Freud afirma que a estrutura da personalidade já está formada aos 4 ou 5 anos de idade, enquanto, para Piaget, ela começa a se formar entre os 8 e 12 anos. A partir do estudo da personalidade, foi possível detectar que alguns distúrbios podem se relacionar a ela. Mais adiante mostraremos alguns desses distúrbios. A seguir, de forma sucinta, destacamos algumas teorias da personalidade: • Teoria psicodinâmica: considera que as origens da personalidade estão nas motivações e nos conflitos inconscientes, frequentemente sexuais. Para Freud, o desenvolvimento da personalidade tem sua base principal na satisfação dos instintos sexuais. • Teoria humanista: as motivações positivas são importantes para o crescimento e a formação da personalidade, de acordo com Carl Rogers, seu principal representante. • Teoria dos traços: as pessoas diferem entre si de acordo com o grau que têm de determinado traço de personalidade, afirma Gordon Allport. • Teoria da aprendizagem: de base cognitivo-social, localiza as raízes da personalidade nos modos como as pessoas pensam, agem e reagem ao ambiente. 33 PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO • Teoria do apego: o vínculo da pessoa com o mundo é a primeira relação com o meio. Aqui espera-se que essa relação tenha sido desenvolvida em base segura, na qual a criança percebe o mundo como um lugar confiável. Dessa forma, podemos concluir que, independentemente da teoria da personalidade, nosso comportamento está baseado na forma como interagimos com outras pessoas, com o ambiente, na forma como aprendemos e no quanto as nossas experiências passadas nos afetam. Observação Gordon Allport é considerado um dos fundadores da psicologia da personalidade. Para o psicólogo, a personalidade é formada por três tipos de traços. Os cardinais, ou paixões dominantes, como o altruísmo, não aparecem em todas as pessoas e as que têm costumam ficar conhecidas por isso. Os centrais, como a honestidade ou a violência, são os traços que definem a personalidade na falta dos cardinais. Os secundários, como ficar nervoso ao ser apresentado a estranhos, são traços que vêm à tona em situações específicas. 2.2 Motivação A motivação é a alteração do estado de uma pessoa que a conduz para um comportamento voltado a um objetivo. A motivação diz respeito à direção, intensidade e persistência de um comportamento ao longo do tempo. Como afirma Michael Solomon (2002): Entender a motivação é entender por que os consumidores fazem o que fazem. Por que algumas pessoas escolhem fazer bungee jumping em uma ponte [...] enquanto outras passam seu tempo livre jogando xadrez ou trabalhando no jardim? Seja para matar a sede, acabar com o tédio ou alcançar uma profunda experiência espiritual, tudo o que fazemos tem uma razão, mesmo se não pudermos articulá-la (SOLOMON, 2002, p. 95). A motivação é constituída de várias necessidades, sentimentos e desejos que levam a pessoa a esse comportamento. Ela surge a partir de um estímulo que a conduz a uma necessidade, que em seguida leva à motivação. O estímulo pode ser: interno, que vem do próprio indivíduo, como a fome ou o desejo de viajar; ou externo, que pode vir de uma mensagem de propaganda ou de um comentário. Reconhecer uma necessidade é perceber a discrepância entre uma condição real e uma condição desejada. Há dois tipos de necessidades: • Expressão (hedonista): que se refere ao desejo que se tem de atender aos requisitos sociais, do ego e estéticos, relacionado à manutenção do conceito de si mesmo. 34 Unidade I • Utilitária: que se refere ao desejo que se tem de resolver problemas básicos do dia a dia. Entre as teorias de motivação está a teoria da hierarquia de necessidades de Maslow, como já citado anteriormente. Para Maslow, as necessidades são ordenadas como se estivessem representadas em uma pirâmide. As necessidades são: Fisiologia Segurança Social Estima Realizações pessoais Criatividade, talento, desenvolvimento pessoal Reconhecimento, status, autoestima Amor, amizade, família, comunidade Segurança da família, do corpo, da propriedade Comida, água, abrigo, sono Figura 6 – Pirâmide de Maslow No entanto, a hierarquia de Maslow já sofreu críticas, pois acredita-se que os jovens, ao contrário dos mais velhos, se concentram mais nas necessidades de realização pessoal do que nas fisiológicas. Nesse caso, autores como Morris e Maisto (2004) explicam que: De fato, a dificuldade em satisfazer necessidades básicas pode na verdade promover a satisfação de necessidades superiores: um casal com dificuldades financeiras para construir uma família pode acabar se aproximando muito mais como resultado dessa vivência. A teoria de Maslow nos leva a refletir sobre diversas situações a respeito das diferenças entre as pessoas, a vontade e as motivações que impulsionam cada sujeito e o desejo de estar no mais alto grau da pirâmide ou não, tendo em vista que o que é importante para um pode não o ser para outro. [...] A importância de se conhecer as teorias da motivação se justifica porque é importante que os profissionais, principalmente da área da saúde, entendam os mecanismos que levam a pessoa a apresentar determinados comportamentos, principalmente quando necessitam aderir a tratamentos específicos. Algumas vezes, o sujeito pode apresentar dificuldade na aceitação exatamente por não se sentir motivado ou não acreditar que aquilo será melhor para ele. É fundamental que o profissional esteja atento às motivações que levaram a pessoa até o tratamento. Podemos citar como exemplo a pessoa que segue motivada para o tratamento porque deseja apenas o alívio da sua dor, visto que 35 PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO conviver com ela é insuportável. Nesse caso, assim que ela encontra o alívio, abandona o tratamento. Assim, a motivação não está baseada na busca da cura ou da melhora prolongada, pois para isso seria necessário que o sujeito se sentisse motivado, acreditasse e se lançasse para alcançar seus objetivos. É sempre importante que, para que o sujeito se sinta motivado, ele entenda o que está acontecendo, a partir de uma linguagem acessível em que haja espaço para questionamentos. Caso contrário, não será possível sentir motivação na pessoa, afinal, como se sentir motivado se o indivíduo não compreende o que está acontecendo com ele? Portanto, é fundamental que, quando você for um profissional, procure diagnosticar a motivação do seu cliente para o tratamento. Use de seus conhecimentos técnicos explicando a ele todas as etapas e condutas do seu trabalho em uma linguagem que ele possa entender e na qual sinta-se seguro e motivado (p. 265-266). Ainda sob a ótica da motivação, a teoria das necessidades aprendidas, de David McClelland, se destaca pelas quatro necessidades básicas aprendidas que levam à motivação. São elas: • Motivação de realização: lutar pelo sucesso e solucionar problemas. • Necessidade de associação: fazer amigos e tornar-se membro de um grupo. • Necessidadede poder: obter e exercitar o controle sobre outras pessoas. Essa necessidade pode ser: positiva, resultando no poder persuasivo e inspirador; ou negativa, por meio do desejo de dominar e obter submissão dos outros. • Necessidade de exclusividade: desejo de nos percebermos como pessoas diferentes e originais. Um fator importante, relacionado aos profissionais da área da saúde, é o atendimento de pacientes doentes. Nesse contexto os aspectos motivacionais devem estar presentes na fase do tratamento, uma vez que é necessário que a pessoa se sinta envolvida para obter o resultado esperado, tanto da parte do indivíduo que se submete ao tratamento quanto do profissional. Segundo Lindzey, Hall e Thompson (1977): Um motivo é qualquer coisa que inicia o comportamento. Há duas classes de motivos: impulsos (ou necessidades) e incentivos. Os impulsos (drives) são incitações à ação. Impulsos originados em processos orgânicos internos, identificáveis, são chamados impulsos não aprendidos ou primários. A fome é um exemplo. Outros impulsos são adquiridos através da aprendizagem; a competição é um tipo de impulso aprendido (LINDZEY; HALL; THOMPSON, 1977, p. 328). Os autores se referem ao que denominaram de teoria da redução dos impulsos. Outros autores, como Morris e Maisto (2004), afirmam que nossas necessidades corporais, como a fome, por exemplo, criam um estado de tensão ou estimulação, chamado impulso. Dessa forma, para 36 Unidade I que o organismo retorne ao equilíbrio ele precisa agir, ou seja, o comportamento será a busca por comida. Essa teoria classifica os impulsos em duas categorias: • Impulsos inatos: são os impulsos não aprendidos, chamados também de primários. Eles estão presentes em todos os seres e garantem a sobrevivência das espécies, inclusive a humana. Exemplos deles são o sexo, a fome e a sede. • Impulsos secundários: ao contrário dos anteriores, esses são adquiridos por meio da aprendizagem e podem mudar de uma pessoa para outra, pois cada indivíduo pode sentir-se motivado a buscar sua satisfação de diferentes maneiras e de acordo com os estímulos que recebeu. Algumas pessoas são motivadas a praticar boas ações e outras a ganhar dinheiro, por exemplo. Outro estudo sobre a motivação é a teoria da ativação, explicada por Morris e Maisto (2004): A ativação se refere a um estado de alerta. O nível de ativação que ocorre em um determinado momento se apresenta ao longo de um continuum. Numa ponta, está o estado de alerta extremo; na outra, está o sono. Às vezes, o comportamento parece ser motivado pelo desejo de reduzir o estado de ativação; em outros momentos, parece ser motivado pelo desejo de intensificar esse mesmo estado. Por exemplo: quando você está cansado, tira um cochilo. Quando está entediado, vê TV (MORRIS; MAISTO, 2004, p. 263). Cabe, nesse momento, enfatizar a importância do nutricionista como elemento estimulador para seu paciente. O seu papel é fundamental para motivá-lo a seguir um determinado tratamento. 3 PERCEPÇÃO Anteriormente, foi apresentada a teoria da gestalt, mostrando o quanto ela interessou-se em explicar a percepção. A seguir, tendo como foco a área da nutrição, veremos os seguintes conceitos: imagem corporal, autoimagem e autoestima. Todos esses aspectos interferem na percepção de uma pessoa. A imagem corporal é como o nosso corpo se parece para nós mesmos, trata-se da representação mental dele para nós. A autoimagem é o que pensamos de nós mesmos e parte importante dela é composta pela imagem corporal. A imagem de nós mesmos são representações descritivas e avaliativas em torno do “ eu” que determinarão como nos sentimos sobre nós mesmos. Esse sentimento influenciará nossas ações, interferindo em nossas experiências de vida, em nossa saúde psíquica, na nossa atitude em relação a nós mesmos e com as demais pessoas. A autoimagem não é inata, pois ela se desenvolve e evolui a partir das observações dos outros e da própria auto-observação. Esse desenvolvimento acontece desde a infância. A criança, a partir de suas experiências, vai reformulando sua autoimagem no sentido de reforçar alguns aspectos ou substituindo-os 37 PSICOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO por outros. Dessa forma, podemos observar que em cada período da vida, a autoimagem apresenta características específicas. Observação Pode haver uma distorção quando a imagem refletida no espelho não é percebida da mesma maneira pela pessoa que se encontra em frente dele. Trata-se de uma distorção da autoimagem, fato que ocorre com a pessoa que tem anorexia nervosa, por exemplo. Todo corpo apresenta as marcas da história de sua existência. Portanto, quanto mais forem os estímulos e as possibilidades de novas experiências do recém-nascido, por exemplo, mais completa será sua formação do esquema corporal. O mesmo é percebido na fase da adolescência, considerada como o período mais crítico para a formação da imagem corporal. Nela, as transformações corporais ocorrem de maneira muito rápida e na maioria das vezes a maturidade psicológica e a mental não acompanham as mudanças físicas. Veremos, posteriormente, que grande parte dos distúrbios alimentares ocorre na fase da adolescência. Juntamente com a autoimagem e a imagem corporal, um outro fator importante é a autoestima, sentimento que a pessoa tem sobre si mesma como um todo. Em todas as pessoas existe um potencial favorável ou não para o seu desenvolvimento, mostrando que tudo dependerá da relação que a pessoa tem consigo mesma. Dessa forma, o profissional deve ficar atento ao seu paciente, pois às vezes para a pessoa o recuperar-se pode representar algo que não condiz com o seu merecimento. Por exemplo, a autoestima positiva pode funcionar como um sistema imunológico da consciência. Em contrapartida, o indivíduo com baixa autoestima tende a ser pouco exigente com ele mesmo e com o que recebe das outras pessoas. Para a psicologia, o estudo da percepção é de extrema importância, pois o comportamento das pessoas é baseado na interpretação que fazem da realidade, e não na realidade em si. Desse modo podemos compreender que a percepção do mundo é diferente para cada pessoa, cada um percebe um objeto ou uma situação de acordo com os aspectos que considera importantes para si. Um exemplo disso é o fato de as pessoas terem percepções diferentes mesmo passando pelas mesmas experiências. As percepções podem ser classificadas como normais se realmente correspondem àquilo que o observador vê, ouve e sente, contudo, podem ser deficientes se houver ilusões dos sentidos ou mesmo alucinações. 4 COMPORTAMENTOS DIVERGENTES 4.1 Neuroses Freud, entre as suas contribuições, afirmou que o ser humano é um “animal doente”, pois a civilização exige sacrifícios que causam conflitos inconscientes. O psicanalista contribuiu para o estudo das doenças 38 Unidade I mentais, dividindo seu campo de estudo em três estruturas psíquicas: neurose, psicose e parafilias. Na Classificação Internacional de Doenças (CID 10) elas são descritas entre inúmeras outras. De acordo com ele, as estruturas psíquicas manifestam o jeito como cada um se posiciona diante da angústia causada pela civilização. Saiba mais Para saber mais sobre as doenças mentais: AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2003. A neurose é um termo que se refere a qualquer desequilíbrio mental que causa angústia e ansiedade, porém, ao contrário da psicose e de algumas outras desordens mentais, não impede ou afeta o pensamento racional, permitindo, dessa forma, que o indivíduo permaneça a realizar suas atividades. Segundo a psicanálise, a maioria das pessoas é afetada pela neurose de alguma forma. As neuroses podem ser classificadas em: • Neurose obsessiva: geralmente são pessoas que tentam resolver os conflitos internos entre a lei e o desejo, se defendem do mundo que as angustia por sua imprevisibilidade e contingências, e que vivem nos limites das normas
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