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Artigo - Conceitos religiosos dentro do Estado Laico

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Conceitos religiosos dentro do Estado Laico 
Geisy Garnes 
PREÂMBULO 
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte 
para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos 
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a 
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e 
sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e 
internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção 
de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa Do Brasil. 
Historicamente, religião e Estado foram moldados como uma só desde o início 
das grandes civilizações. Era “pela vontade de Deus” que o poder se concentrava na mão 
de uma única pessoa e em nome dele que batalhas eram justificadas por vários séculos. 
A religião não atuava apenas sobre a moral e os costumes do povo, mas também 
era a base da estrutura de poder do Estado. É ainda sobre esse paradigma que o Brasil 
começa sua história como nação independente e por isso instituiu em sua primeira 
constituição o catolicismo como religião oficial do país. 
Só na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891, o país 
passa a ser laico e retrata em sua lei maior a liberdade religiosa. Desde então, essa 
liberdade foi mantida como direito fundamental. Na atual carta magna, promulgada em 
1988, ela está presente no inciso VI do artigo 5º e no inciso I do artigo 19: 
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer 
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes 
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, 
à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo 
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na 
forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; [...] 
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos 
Municípios: 
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, 
embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus 
representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na 
forma da lei, a colaboração de interesse público; 
Mas na prática a separação entre Estado e Igreja foi muito mais tímida. Em todos 
os momentos, de democracia ou ditadura, a religião esteve presente. Foi “sob a proteção 
de Deus” que a Assembléia Nacional Constituinte instituiu uma nova ordem para o Estado 
brasileiro. O trecho que compõe o preâmbulo de nossa Constituição pode não ter força 
normativa, mas deixa claro as diretrizes de um Estado que ainda não sabe se desvincular 
do cristianismo sob a qual se formou, há mais de 500 anos. 
Neste ponto, pode parecer infundada minha fala sobre a força que esse vínculo 
ainda tem na sociedade brasileira, mas as provas aparecem diariamente no convívio social 
e político, as vezes na própria estrutura normativa e principalmente, nos debates levados 
ao STF (Supremo Tribunal Federal) e demais tribunais do Brasil. 
Exemplo disso, a meu ver, está no ensino religiosa nas escolas públicas, garantida 
por lei - (artigo 33, caput e §§ 1º e 2º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 
– “LDB” e o artigo 11, § 1º do Acordo Brasil-Santa Sé) – e compatível com a Constituição 
Federa, conforme a ADI 4.439. 
Apesar de pregar tolerância religiosa e ser dita como “fundamental às liberdades 
de crença, expressão e manifestação de ideias”, na maioria das escolas essa 
representatividade é quase nula. 
O que se vê com frequência é o cenário desenhado pelo ministro Luís Roberto 
Barroso, o “espaço público, que é a sala de aula, sendo cedido para a pregação de uma 
religião específica”. A impossibilidade em abraçar todas as religiões e desenvolver ensino 
isento que retrate toda essa diversidade religiosa faz com que a matéria viole a laicidade 
de forma velada pela Constituição. 
A própria “necessidade” de garantir de forma positivada o ensino religioso nas 
escolas públicas comprova a relação próxima entre o Estado e a Igreja e fere a 
neutralidade pregada pela laicidade do Estado. Os discursos que afirmam a manutenção 
do sistema, como é hoje, confirmam que o pensamento cristão está enraizado na 
população de maneira que transformar a questão em senso comum. 
Em outra aspecto, é possível perceber essa “relação estreita” na necessário de 
discutir a presença de crucifixos e outros símbolos religiosos nas dependências públicas 
– presença a qual sou contrária por ter o mesmo entendimento manifestado pelo ministro 
Marco Aurélio em seu voto na ADPF 54: “a República Federativa do Brasil não é um 
Estado religioso tolerante com minorias religiosas e com ateus, mas um Estado secular 
tolerante com as religiões, o que o impede de transmitir a mensagem de que apoia ou 
reprova qualquer delas”. 
O entendimento também se aplica na análise de inconstitucionalidade da 
interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta 
tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. Mesmo sobre a 
definição de que o ‘Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto 
às religiões”, a audiência pública que debateu o tema contou com a participação maciça 
de grupos religiosos, a maioria favorável a criminalização do procedimento médico. 
É na fala da Dra. Maria José Fontelas Rosado Nunes, professora da Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo, pesquisadora do Conselho Nacional de 
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e diretora da Organização Não 
Governamental Católicas pelo Direito de Decidir, durante audiência pública que o peso 
da cultura religiosa no Estado fica clara. 
Ela defendeu que embora vários dos argumentos contrários à liberdade de escolha 
das mulheres no campo reprodutivo se apresentem como oriundos de uma corrente laica, 
científica, seriam, na verdade, a expressão de uma doutrina e de uma moral religiosa 
específica. Por vezes demais, o direito da mãe, ou melhor, da família, é deixado de lado 
por questões “morais”, fortemente influenciadas pela religião. 
Aqui cabe ressaltar que os conceitos individuais de vida, baseados na crença ou 
não, jamais foram ou serão desrespeitados. Pelo contrário, a neutralidade diante da 
situação, a exclusão da criminalização da interrupção da gravidez de feto anencéfalo, não 
tira o direito dos pais que escolhem seguir com a gestação, apenas garante a possibilidade 
de pôr fim a um sofrimento físico e psicológico para aqueles que não conseguem. 
A defesa do inciso VI do artigo 5º também aparece em outros conflitos, como por 
exemplo, permitir sacrifício de animais em rituais religiosos. Se fosse para simplesmente 
emitir opinião, aplicaria minha vivência e falaria como quem deixou de consumir 
qualquer alimento de origem animal há mais de um ano por ser contra a crueldade da 
indústria. 
Mas o direito pede uma visão ampla, te faz fugir de um único ponto de vista, 
obriga a mergulhar na complexidade de cada realidade. Defender a liberdade religiosa de 
maneira igualitária, como garantia fundamental e cobrar a efetividade e proteção do inciso 
VI do artigo 5º da Constituição Federal é despir preconceito criados socialmente e 
entender a importância dos ritos para a fé de um povo. 
O sacrifício nos ritos das religiões de matriz africana não é mero entretenimento, 
faz parte de um processo de fortalecimento da fé, não se admite nenhum tipo de crueldade 
com o animal e por isso são empregados procedimentos e técnicas para uma morte rápida. 
O caso é muito diferente das touradas tradicionais na Espanha, por exemplo, em que os 
animais são feridos e mortos para “diversão”. 
É por perceber os sacrifícios exclusivamente nos ritos como direito fundamental a 
liberdade religiosa que renuncio a minhas crenças pessoais paradefender a Constituição. 
Neste momento, ser contrária diversidade de religiões e rituais é compactuar com a 
intolerância e o preconceito, que devem ser combatidos diariamente em nossa sociedade.

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