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A história e a evolução do Código Civil Geisy Garnes Para entender a história do Código Civil brasileiro é preciso voltar 94 anos antes da sua criação, em 1822, quando a Independência do Brasil foi declarada por Pedro de Alcântara, o Dom Pedro I, às margens do Rio Ipiranga, no dia 7 de setembro. Com o fim da ligação com Portugal, era clara a necessidade da criação de um Código Civil e Criminal próprio para o Brasil, já que o que regia a população na época eram as Ordenações Filipinas, um compilado de alvarás, decretos e resoluções dos reis portugueses. A importância do projeto era tamanha, que a Constituição Imperial, feita dois anos depois da independência, em 1824, estabelecia a organização dos dois códigos o mais rápido possível, ambos baseados na “justiça e equidade”. Em 1830, o Código Criminal foi sancionado por Dom Pedro I, mas o Civil só foi criado 92 anos depois. Ao longo dos anos, as leis fechadas e rígidas criadas no século XVIII, que ainda vigoravam no país, impediam completamente a integração com as inovações econômicas e sociais. Por isso, em 1855 o governo imperial iniciou o processo de elaboração do Código Civil. No entanto, entendeu que antes era necessária uma revisão da legislação brasileira e nomeou o jurisconsulto Teixeira de Freitas para a função. Depois da análise, Teixeira de Freitas chamou a legislação de “um imenso caos de leis complicadas e extravagantes” e produziu a “Consolidação das Leis Civis”, um documento com 1.333 artigos que foi aprovado pelo imperador em 1858. Curiosidades: O trabalho de Teixeira de Freitas com a “Consolidação das leis civis” foi baseado no estudo da história do direito português, no direito romano moderno e nos valores humanistas e universalista. O projeto consistia em notas divididas em duas partes: a Geral, que tratava das pessoas e das coisas, e a Especial, que continha dois livros. O primeiro trazia direitos pessoais e abrangia família e obrigações dos cidadãos. O segundo era direcionado aos direitos reais, que incluía também o direito das sucessões. Essa divisão do código, em Geral e Especial, é feita até hoje. Os 1.333 artigos feitos por Teixeira de Freitas vigoraram no Brasil de 1858 até 1917, quando o Código Civil de Beviláqua foi aprovado. No mesmo ano, Freitas foi contratado pelo Ministério da Justiça para elaborar o Código Civil. Ele então escreveu 5 mil artigos que chamou de “Esboço de Código Civil”. O projeto, no entanto, não recebeu boa aceitação por promover a unificação do Direito Civil e Comercial. Nos anos seguinte, outras tentativas vieram – em 1871 com Visconde de Seabra, 1872 com o conselheiro do império Nabuco de Araújo, 1881 com Felício dos Santos e em 1890 com Antônio Coelho Rodrigues, que cinco anos depois chegou a liderar uma Comissão Especial para indicar os projetos que viriam servir de parâmetro para o código – mas só em 1899 foi dado o primeiro passo para o Código Civil ser criado. Por indicação do paraibano Epitácio Pessoa, ministro da justiça da época, o então presidente do Brasil, Campo Sales, convidou Clóvis Beviláqua para elaborar o primeiro Código Civil do país. Curiosidade: Jornalista e um dos criadores do “Jornal Laborum Literarium”, Beviláqua ingressa na faculdade de direito em 1878, em Recife, e 11 anos depois se torna professor de filosofia na Faculdade de Direito e defensor da linha teórica reformista dentro da universidade. Sua escolha como “criador” do Código Civil brasileiro desagradou diretamente o então senador Rui Barbosa, que defendia fortemente que “uma tarefa dessa envergadura” não deveria ser feita apenas por uma pessoa. A justificativa era de que Beviláqua não possuía conhecimento suficiente para liderar o projeto. Em seis meses de trabalho, Clóvis Beviláqua concluiu o texto do Código Civil. O projeto então foi submetido a uma comissão revisadora composta por jurisconsultos e enviado para aprovação na Câmara dos Deputados em 1900. Depois de passar pela análise dos deputados, o texto foi encaminhado para o Senado Federal, onde uma comissão liderada por Rui Barbosa recebeu o projeto. Após três dias, o senador entregou um manuscrito de 217 folhas sobre “o parecer do Senado sobre a redação do Código Civil”. O documento não criticava os aspectos jurídicos do Código, mas sim a redação. Para Rui Barbosa, o texto estava “mal redigido”. A postura do senador não agradou políticos, nem escritores, e deu início a uma longa discussão, com réplicas e treplicas que fizeram projeto emperrar no Senado. Anos depois, a discussão é retomada após a Câmara dos Deputados propor adotar o projeto de forma temporária, até o Senado tomar uma decisão. Em uma nova análise, os senadores aprovam o texto com as alterações de Rui Barbosa e enviam o Código Civil de volta para a Câmara em 1912. Os debates entre deputados duram até 1915, quando o projeto finalmente é aprovado. Em janeiro de 1916, o presidente Venceslau Brás sanciona o primeiro Código Civil do Brasil. Curiosidade: O projeto era inspirado no liberalismo econômico e dava grande ênfase a proteção patrimonial. Nele, a propriedade privada e a liberdade contratual chegaram a merecer tutela absoluta, sem qualquer possibilidade de relativização. Por outro lado, o Código era marcado pelo conservadorismo familiar extremo. Assim como o Código Civil atual, o feito por Beviláqua era dividido em Geral e Especial. A primeira parte é composta de três livros: Das pessoas, Dos bens e Dos fatos jurídicos. Já a segunda parte é formada por quatro: Do direito de família, Do direito das coisas, Do direito das obrigações e Do direito das sucessões. Com o passar dos anos e as mudanças sociais do século XX, o Código de Beviláqua se tornou antiquado, principalmente por conta de sua linha de individualismo possessivo em relação aos direitos patrimoniais e das novas características morais, sociais e afetivas da sociedade brasileira. Em 1961, Orlando Gomes foi convidado pelo Governo Federal para elaborar um Anteprojeto de Código Civil. O texto chegou a ser enviado à Câmara, mas mudanças feita no Direito de Família não foram aceitas pela comunidade jurídica e por isso, ele foi retirado para passar por modificações. Após oito anos, em 1969, uma comissão foi criada para rever e reelaborar o Código Civil. Miguel Reale foi nomeado como presidente com a missão de aproveitar ao máximo o projeto anterior, feito por Orlando Gomes, mas acabou produzindo um novo texto. Curiosidade: Miguel Reale é um jurista, sociólogo, filosofo e idealizador da Teoria Tridimensional do Direito, uma forma de abordar questões da ciência jurídica, na qual o direito se compõe de três aspectos: direito como fator social, como norma e como valor. O projeto unificou ao Código Civil o Código das Obrigações, texto produzido por Caio Mário da Silva Pereira também em 1961, e que assim como a iniciativa de Orlando Gomes, não foi aprovado pelo governo. Com isso, Miguel Reale promoveu a unidade de direito das obrigações civis e comerciais. A proposta ainda substituiu as disposições que não correspondiam mais aos valores ético-jurídicos da época e deixou o texto mais aberto à recepção das conquistas da ciência e da jurisprudência – ao contrário dos códigos baseados nos modelos oitocentistas, que eram marcados por uma linguagem precisa e poucas brechas para aplicação da “realidade”. A comissão trabalhou no projeto do começo de 1969 até 1973, ano em que o texto do Código Civil foi repassado ao Governo Federal e publicado no Diário Oficial da União para apreciação pública. Em 1975 foi enviado para análise da Câmara de Deputados. Após anos de discussão, o Código foi mandado para o Senado Federal. O ano era 1984 e mais uma vez, o projeto ficou parado no Senado. Foram necessários 13 anos até que, em novembro de 1997, o texto foi aprovado e enviado novamente para análise dos deputados. Várias alterações foram feitasna Câmera ao longo de 1998, principalmente no Direito da Família, para adequação com a realidade da sociedade. Nessa época, o texto também sofreu forte influência da Constituição de 1988. Após 27 anos no Congresso Nacional, o Código Civil elaborado pela comissão presidida por Miguel Reale foi aprovado em janeiro de 2002. Em virtude a complexidade das mudanças, foi necessário um ano para compreensão e análise dos juristas. Em janeiro de 2003, o texto passou a vigorar no país. Principais mudanças – Assim como o texto anterior, o novo Código permaneceu dividido em Parte Geral – que trata das Pessoas, Bens e Fatos Jurídicos – e Parte Especial, que contém cinco livros: das Obrigações, das Empresas, das Coisas, da Família e das Sucessões. O Código Civil de 2002 introduziu inovações importantes no regime de bens e casamento, na maioridade civil e em várias questões do dia-a-dia do brasileiro. Mas as principais conquistas foram em relação a igualdade entre homens e mulheres. No direito da Família, o Código estabeleceu a igualdade entre os cônjuges, extinguindo as expressões “chefe de família” e “pátrio poder”, que foi substituído por “poder familiar”, igualando assim pais e mães. Antes, o chamado pátrio poder dava ao homem a liderança da família, e a responsabilidade sobre todas decisões legais. O texto de 2003 acabou com a possibilidade de o marido anular o casamento caso a mulher não fosse virgem. Essa lei permaneceu em vigor no país por quase 100 anos. Homens e mulheres passaram a ser obrigados a se casar com separação total de bens só depois dos 60 anos. No Código anterior a idade para isso era diferente entre os sexos. Mulheres aos 50 e homens aos 60 anos. A partir de 2003, a mãe perdeu a preferência na guarda dos filhos com o fim do casamento. Hoje, os pais são igualmente considerados e a guarda fica com quem tem a melhor condição financeira, incluindo outros parentes. Mesmo com todas as alterações, o adultério continuou sendo motivo para a perda da guarda dos filhos na separação judicial, tanto para a mulher, como para o homem. Um novo regime de bens no casamento foi criado. Passaram a valer a comunhão de bens, a comunhão universal, a separação de bens, o regime dotal e o regime de participação final nos aquestos. As mudanças também garantiram ao homem o poder de adotar o sobrenome da esposa e o direito de pessoas pobres se casarem no civis com isenção as taxas (custos). O Código ainda definiu a união estável como um intermediário entre o casamento e o concubinato e estabeleceu que um novo casamento, união estável ou concubinato da pessoa que recebe pensão alimentícia encerra a obrigação do antigo cônjuge a zelar pelo pagamento. O texto ainda simplificou o ato de testar. Testamento feito de próprio punho passaram a ser aceitos com a assinatura de três testemunhas, ou até sem nenhuma, se antes da morte fosse confirmado por um juiz. Uma nova forma de divisão para herança também passou a valer. Filhos, pais e cônjuges passaram a receber de forma igual. As condições para adoção também foram reformuladas. Hoje, qualquer casal pode adotar uma criança, basta um dos cônjuges ter completado 18 anos e comprovar estabilidade da família. Além disso, qualquer maior de 21 anos pode dar entrada ao processo, independente do estado civil. O Código encerrou ainda a diferença entre adoção plena e restrita. Graças as mudanças, não há mais qualquer distinção entre filhos. Os adotivos possuem os mesmos direitos dos legítimos e ilegítimos. Em 2003, a maioridade no Brasil passa de 21 para 18 anos. O novo Código também encerrou a necessidade de as assinaturas de documentos serem reconhecidas em cartórios. A Receita Federal passou a poder confiscar imóveis de pessoas com débito e os condomínios passaram a poder punir, inclusive com expulsão, moradores com “comportamento antissocial”.
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