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Importância da argumentação jurídica nas decisões judiciais Geisy Garnes No meio do plenário da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, o defensor se prepara para sua argumentação oral. Diante dos desembargadores começa a fundamentar o pedido de liberdade do cliente de 80 anos, preso como líder de uma milícia armada responsável por pelo menos quatro execuções em Campo Grande. O advogado discorre sobre a idade avançada do cliente, dos vários problemas de saúde e da fragilidade das provas para o crime que o mantém no presídio federal de segurança máxima de Mossoró (RN). Ao fim, reforça a situação de calamidade do sistema penal brasileiro e afirma que deixar o réu preso é "crônica de morte anunciada". Mesmo após apelar para o “bom senso” dos desembargadores, o defensor tem seu pedido negado. Ouve do relator do processo que a administração do presídio federal informou oficialmente dispor de corpo de médico e espaço específico para acompanhamento de internos com problemas de saúde, que os medicamentos são diariamente disponibilizados e que ainda há possibilidade de atendimento particular dentro na unidade prisional. O desembargador cita a lista de profissionais qualificados a disposição do réu e afirma que diante da gravidade dos crimes imputados a ele, sua prisão é necessária para garantia da ordem pública. Por unanimidade, a prisão é mantida conforme o voto do relator. A cena que aconteceu em Campo Grande no dia 15 de outubro de 2019 é vivenciada todos os dias no país e garantida na Constituição Federal no inciso IX do Artigo 93: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”. Julgamentos públicos e decisões fundamentadas exigidos na constituição são, como defende Nelson Jorge Júnior [1], “instrumentos de limitação de poder dos magistrados e garantia de aplicação do princípio da legalidade”. É através desses atos jurisdicionais que conhecemos as razões para cada decisão e temos a certeza do cumprimento dos direitos fundamentais e de sentenças compatível com as leis, mais próximas o possível da realidade. Essa garantia também reforça o poder e a importância da argumentação. Através das palavras das provas o magistrado vai extrair a essência dos fatos e julgar de maneira “justa”. A partir disso, vai detalhar os motivos que levam a sua decisão. Esse texto, mais que explicativo, tem poder de convencimento. Na análise do habeas corpus citado no início do artigo, por exemplo, todos os desembargadores acompanharam o voto o relator, mesmo após sustentação oral do defensor. Podemos dizer que sua argumentação foi melhor fundamentada. Diante disso, é essencial lembrar que na aplicação do direito é inevitável que a verdade nem sempre corresponda à justiça dos julgamentos, como define Tercio Sampaio Ferraz Júnior ao refletir sobre argumentação, segurança jurídica e justiça: “o jurista hodierno percebe haver um descompasso entre realidade daquilo que ocorreu fora do processo e a realidade das provas, sendo que, assim, a “essência verdadeira do fato é inatingível” e a “reconstrução precisa dos fatos é impossível”, apelando-se muitas vezes, para a noção de verdade suficiente” [2]. Essa verdade suficiente retratada pelo Tércio Sampaio é formada pelo conjunto de provas e principalmente da argumentação jurídica. A “fusão de horizontes” no processo vai permitir a construção do conhecimento e assim, embasar a decisão dos magistrados. A decisão, por sua vez, deve ser defendida de forma clara ao longo da argumentação, de modo que traga segurança e legitimidade para a escolha feita. É pela argumentação do magistrado, pela linguagem aplicada na decisão, que muitas vezes se constrói uma nova percepção, ou se confirma algo já dito, sobre o fato. Afinal, como defende Lênio Luiz Streck, “a linguagem, então, é totalidade; é a abertura para o mundo; é, enfim, condição de possibilidade. Melhor dizendo, a linguagem, mais do que condição de possibilidade, é constituinte e constituidora do saber, e, portanto, do nosso modo-de-ser-no-mundo, que implica as condições de possibilidade que temos para compreender e agir” [3]. Por isso, argumentação jurídica é essencial para a decisão judicial. Ela garante segurança e legalidade, que as escolhas dos magistrados não serão arbitrárias ou excessivas de subjetividade e muitas vezes traz a luz da constituição aos fatos. BIOGRAFIA Abertura tratada da análise de habeus corpus do empresário Jamil Name, preso em setembro de 2019 durante operação Omertà. A sustentação oral foi feita pelo advogado Renê Siufi no dia 15 de outubro do ano passado e foi negada pelos desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. [1] NELSON JORGE JÚNIOR (2008, p. 6). [2] TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, Argumentação Jurídica, p. 119. [3] LENIO LUIZ STRECK, Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 8 ed. rev. atual. Porto Alegre: Do Advogado, 2009. p. 202.
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