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Stephane D’arc 5º semestre - Medicina Gastrites Gastrite significa inflamação do estômago com sintomas desagradáveis, que surgem na região epigástrica, relacionados ou não às refeições. As gastrites podem ser de caráter agudo ou crônico, de acordo com a característica do infiltrado inflamatório. Gastrite aguda - As gastrites agudas apresentam algumas características especiais: 1. surgem subitamente 2. apresentam curta duração e habitualmente são afecções transitórias. 3. Podem acometer exclusivamente o corpo gástrico, somente a região antral ou ambos, simultaneamente. Mas quais são as causas de gastrites? Podem ser infecção, lesão, uso regular de anti-inflamatórios não- esteroides (AINEs) e consumo excessivo de álcool. As infecções bacterianas e virais estão entre as causas mais frequentes de agressão para o estômago. Os estafilococos, shigellas e salmonelas são comuns nas chamadas toxiinfecções alimentares, as gastroenterocolites agudas. Ocorrem com mais frequência no verão, época em que os alimentos se deterioram mais facilmente. Os vômitos, a diarréia e a febre constituem os sintomas que levam ao diagnóstico. A gastrite aguda associada ao H. pylori é uma situação que raramente tem sido descrita. Em geral, a infecção é adquirida na infância, mas passa despercebida, aparentemente sem sintomas nessa fase aguda. Quando adquirida na idade adulta, pode ocasionar dor ou desconforto epigástrico, náuseas, vômitos, halitose e astenia, sintomas que se iniciam num período de três a sete dias após a infecção e persistem durante poucos dias ou poucas semanas. Muitos casos devem passar despercebidos, porque quase nunca se documentam, por endoscopia com biópsia, os casos de dispepsia aguda. Um achado consistente da infecção aguda é a redução da produção de ácido, a qual volta ao normal após alguns meses. Essa perda transitória da secreção ácida tem sido atribuída a fatores bacterianos, como a produção de um fator inibitório da secreção ácida pelas células parietais, ou a uma resposta do hospedeiro, como a liberação de citocinas, como a interleucina-1 beta, capaz de suprimir a secreção ácida em ratos. Em razão da alta prevalência de gastrite crônica associada ao H. pylori, supõe-se que muitos casos de dispepsia aguda sejam decorrentes de uma infecção primária pela bactéria. Giardíase e estrongiloidíase, em suas fases iniciais, ocasionam gastrite aguda e, por vezes, são responsáveis por gastroduodenites que podem mimetizar os sintomas de uma úlcera. Os sintomas podem adquirir caráter crônico, com flatulência, dores abdominais de localização variada e irregularidade do hábito intestinal, com diminuição da consistência das fezes. As diarréias crônicas são mais comuns em crianças. As infecções fúngicas ocorrem usualmente em pacientes imunossuprimidos. O microorganismo encontrado com maior frequência nesses casos é a Candida albicans, muitas vezes associada ao citomegalovírus e, mais raramente, ao herpes vírus. O estresse agudo intenso (grandes cirurgias, queimaduras graves, fraturas múltiplas) pode provocar erosões e úlceras agudas na mucosa gástrica, que ocasionam hemorragia digestiva alta. A endoscopia de urgência é indicada para diagnóstico e tratamento das lesões sangrantes. Deve-se instituir, desde o início do Stephane D’arc 5º semestre - Medicina quadro, tratamento com inibidores de bomba protônica, por via endovenosa. Essas lesões são também denominadas úlceras de estresse, úlceras de Cushing (quando associadas a traumatismo craniano) e de Curling (quando decorrentes de queimaduras extensas), ou lesão aguda da mucosa gastroduodenal. O uso abusivo de etanol é uma das causas mais lembradas da gastrite aguda. As lesões produzidas pelo álcool resultam no rompimento da barreira da mucosa gástrica e consequente retrodifusão de íons H+. As observações endoscópicas revelam a presença de hiperemia, erosões, petéquias e exsudato purulento, que, entretanto, retornam ao normal num período que varia de sete a dez dias. Os antiinflamatórios não-esteróides (AINE), entre os quais se inclui o ácido acetilsalicílico (AAS), são os agentes responsáveis pelo maior número de gastrite aguda. As lesões decorrentes do uso de AINE e AAS podem apresentar desde discreto enantema até necrose maciça da mucosa, porém, usualmente, a lesão aguda é de pouca importância clínica. A resolução das lesões ocorre espontaneamente, em poucos dias, com a suspensão do agente agressor, sem terapêutica específica. As lesões são quase sempre superficiais, e, por isso, o sangramento, quando acontece, é de pouco significado clínico. O grande problema do uso contínuo, indiscriminado ou não, desse tipo de medicamento é quando sua ação agressiva supera a extraordinária capacidade de defesa da mucosa; sabe-se que a integridade da mucosa gástrica depende, fundamentalmente, da produção de prostaglandinas. A COX-1 tem funções fisiológicas bem definidas, como produzir prostaciclinas, que, quando liberadas na mucosa gástrica, têm papel protetor. A COX-2 é expressa, em geral, como parte da resposta a um estímulo inflamatório em diferentes tecidos. A inibição da síntese de prostaglandinas pelo uso de antiinflamatórios não-esteróides pode resultar no surgimento de lesões gástricas, a gastropatia secundária aos AINE. No meio médico, nos pacientes que precisam do uso continuado de AINE, os IBP são os medicamentos de escolha. É sempre aconselhável rever a real necessidade da utilização dos AINE e, se possível, substituí-los, por exemplo, por paracetamol, que possui boa propriedade analgésica, mas não antiinflamatória. A gastrite crônica é hoje conceituada como uma entidade essencialmente histológica, caracterizada por infiltrado inflamatório mononuclear, com ou sem polimorfonucleares, que pode comprometer as mucosas do corpo e do antro ou ambas. Existe fraca correlação entre o quadro clínico e os aspectos endoscópicos e histológicos, a qual envolve basicamente dois padrões: Gastrite crônica associada ao Helicobacter pylori O H. pylori é uma bactéria espiralada, Gram-negativa, que coloniza a camada de muco que reveste a mucosa gástrica. A infecção pelo H. pylori é uma das mais comuns em seres humanos, estimando-se que acometa mais de 50% da população mundial, com prevalência maior em países em desenvolvimento. A evolução clínica da infecção é determinada pela interação complexa entre o hospedeiro e os fatores do microorganismo. Classicamente, a quantidade de bactérias e a presença de fatores de virulência, como a ilha de patogenicidade associada aos genes cag e vacA e os componentes bacterianos como a urease e as porinas, são necessárias para que a bactéria possa instalar-se e sobreviver sobre o epitélio gástrico e ser responsável pela resposta inflamatória do hospedeiro. O microorganismo pode causar lesão diretamente nas células epiteliais por enzimas e toxinas ou indiretamente pela resposta inflamatória do Stephane D’arc 5º semestre - Medicina hospedeiro. A infiltração leucocitária da mucosa é induzida e regulada por diversos fatores bacterianos. A bactéria causa a secreção de uma potente citocina, a interleucina-8, cuja produção é potencializada pelo fator de necrose tumoral e pela interleucina-1, liberados pelos macrófagos em reposta a lipopolissacárides bacterianos. Uma vez adquirida, a infecção persiste para sempre, já que, embora a presença do H. pylori evoque resposta imune local e sistêmica, ela é incapaz de promover a erradicação da bactéria. Após o processo agudo, a evolução vai depender do padrão de gastrite causado pela infecção. Indivíduos com gastrite predominantemente antral mantêm a capacidade de secretar ácido e poderão ter risco aumentado para úlcera duodenal, ao passo que naqueles em que a gastrite é mais intensano corpo haverá uma secreção ácida reduzida, em consequência da destruição progressiva da mucosa oxíntica. Nesse grupo de pacientes, a inflamação pode resultar no desenvolvimento de atrofia da mucosa gástrica que predispõe ao câncer gástrico, principalmente quando associada a tabagismo, consumo de álcool ou história pregressa familiar de câncer de estômago. Como a infecção gástrica adquirida ocorre quase sempre na infância, especula-se que fatores ambientais ocorridos nesse período possam contribuir para o desenvolvimento da infecção. Assim, desnutrição, deficiências vitamínicas, dieta pobre em frutas e vegetais que possam promover redução da secreção ácida na infância contribuiriam para o desenvolvimento de gastrite também do corpo e, consequentemente, favoreceriam a evolução para gastrite atrófica e desenvolvimento do câncer gástrico. Outros fatores de risco, relacionados ao hospedeiro, podem estar envolvidos na gênese da neoplasia gástrica associada à gastrite crônica pelo H. pylori. A presença de polimorfismos de genes importantes para a codificação e produção de proteínas pró- inflamatórias pode direcionar a resposta do hospedeiro primariamente para a gênese da neoplasia. Foi demonstrada a presença de genótipos pró- inflamatórios da interleucina-1 (IL-1) em pacientes portadores de câncer gástrico associado à gastrite crônica H. pylori positiva. Essa interleucina é um potente inibidor da secreção ácida, que potencialmente cria melhores condições para a sobrevivência bacteriana. Esse tipo de gastrite acomete principalmente o corpo e fundo gástricos, isto é, raramente compromete o antro. Caracteriza-se, nas formas mais avançadas, pela atrofia da mucosa. É uma doença autossômica dominante, induzida pela presença de anticorpos de anti-célula parietal e antifator intrínseco, em que a perda das células parietais provoca, eventualmente, secreção inadequada de fator intrínseco e de ácido, baixa absorção de vitamina B12 e consequente deficiência dessa vitamina, levando ao aparecimento de anemia perniciosa. Pode estar associada a outras doenças de caráter auto-imune, como tireoidite de Hashimoto e doença de Graves. O diagnóstico é feito por meio de dados clínicos, quando os pacientes apresentam manifestações hematológicas e/ou neurológicas da anemia perniciosa, e por endoscopia digestiva com biópsia, para estudo histopatológico e da pesquisa do anticorpo de anticélula parietal. Formas especiais de gastrite pouco frequentes incluem as gastrites granulomatosas e as gastrites eosinofílica e linfocítica. A gastrite eosinofílica é uma afecção rara, de etiologia desconhecida, caracterizada por infiltrado eosinofílico na parede do estômago. Nas formas de acometimento mucoso, o antro é mais freqüentemente acometido, produzindo ulcerações, nodosidades e pregas mucosas salientes; o acometimento muscular pode provocar estreitamento da luz gástrica, e a infiltração da serosa, peritonite e ascite. Os sintomas mais comuns incluem Stephane D’arc 5º semestre - Medicina dor epigástrica, saciedade precoce, desconforto pós- prandial, náuseas, vômitos e sintomas decorrentes de anemia, por perda crônica de sangue. Os exames radiológico e endoscópico podem revelar presença de pregas salientes, especialmente no antro, irregularidades da mucosa, ulceração e estreitamento da luz do estômago. O diagnóstico definitivo é feito por biópsia endoscópica, eosinofilia periférica e presença de acometimento do intestino delgado, configurando, com frequência, o quadro de gastroenterite eosinofílica. A gastrite linfocítica, denominada também gastrite varioliforme ou gastrite erosiva crônica, também é rara, caracterizando-se pela presença de múltiplas nodulações com erosões centrais e hiperemia circunjacente. Os sintomas, com frequência intermitentes, incluem epigastralgia do tipo úlcera, dor abdominal, náuseas, vômitos, perda de peso e sangramento oculto ou ativo. O diagnóstico é feito pela histologia que revela pelo menos 20% de linfócitos em relação às células do epitélio superficial. O exame histológico da mucosa gástrica é obrigatório no diagnóstico das gastrites. Dessa forma, a realização de exame endoscópico com biópsia é imprescindível para a correta diferenciação de outras afecções gástricas, como a dispepsia funcional. A anamnese, especialmente o histórico medicamentoso, e o exame físico são importantes, contudo outros exames complementares podem ser indicados em situações específicas, de acordo com as possíveis etiologias já discutidas. Para os pacientes que desenvolvem LAMGD (lesão aguda mucosa gastroduodenal) associada aos AINE, deve-se suspender o uso de AINE, se possível; na impossibilidade, introduzir IBP, uma vez ao dia, em dose plena. Nos pacientes H. pylori positivos, erradicar a bactéria. Se o AINE tiver que ser mantido, deve-se avaliar a possibilidade de substituí-lo por um antiinflamatório inibidor específico da COX-2, como celecoxib. A gastrite aguda causada por germes oportunistas, que ocorre nos pacientes imunossuprimidos e é associada a algum parasita, deve receber tratamento específico, dirigido ao agente causal. A gastrite crônica, como já mencionado, tem no H. pylori o grande responsável por mais de 90% dos casos e, portanto, é curada com a erradicação da bactéria entidade eminentemente histológica. A erradicação da bactéria em pacientes dispépticos levará, evidentemente, à resolução do processo inflamatório, porém vários trabalhos da literatura demonstram que a melhora da sintomatologia tem sido observada em menos de 10% dos casos. Com base no que foi mencionado, não é uma tarefa fácil orientar o paciente que apresenta gastrite crônica antral relacionada ao H. pylori. Como já apontado, essa bactéria é considerada um carcinógeno do tipo I. O risco inerente de câncer em longo prazo é significativamente maior que na população não- infectada. Calcula-se que de 1,5 a 3% dos infectados poderão vir a ter câncer, na dependência de fatores ambientais, genéticos e, provavelmente, da cepa da bactéria. Dessa forma, todos os infectados deverão submeter-se a tratamento de erradicação? De modo geral, havendo na família incidência alta de câncer gástrico, está indicada a erradicação. A gastrite crônica auto-imune não tem tratamento específico. As manifestações clínicas estão relacionadas com as sequelas da doença avançada, como as deficiências de vitamina B12 e de ferro, que deverão ser corrigidas. Os pacientes com anemia perniciosa necessitam de terapia de reposição parenteral, por toda a vida. As gastrites granulomatosas associadas à doença de Crohn, tuberculose e sífilis devem receber o tratamento da doença de base. A gastrite eosinofílica usualmente responde à corticoterapia, e a gastrite linfocítica não tem terapêutica específica eficaz; algumas possibilidades de tratamento incluem os antagonistas dos receptores H2 e corticosteróides.
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