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Conceito: As farmacodermias são doenças tegumentares (pele e/ou mucosa) e/ou sistêmicas desencadeadas, direta ou indiretamente, de diferentes maneiras, pelo uso de remédios. Etimologicamente, o conceito de farmacodermia não necessariamente condiz com o termo em si, de maneira que talvez fosse melhor designá-la como RMA( reações medicamentosas adversas). A OMS define RMA como uma reação não intencional causada por medicamentos utilizados em doses usuais para o homem. A maioria dessas reações é evitável e dose-dependente. As RMA podem, ainda, ser sub classificadas em dois tipos: as do tipo A, que representam 80% dos casos, são consideradas previsíveis e dose-dependentes; as do tipo B são imprevisíveis, não dependem da dose de medicação administrada e compreendem as reações de hipersensibilidade e as idiossincrásicas não imunes. As RMA de potencial gravidade são reunidas por meio do acrônimo SCAR (do inglês severe cutaneous adverse reactions), sendo incluídas nesse grupo a síndrome de Stevens-Johnson (SJS), a necrólise epidérmica tóxica (NET) e a síndrome de hipersensibilidade a fármacos (SHF) ou erupção a fármacos com eosinofilia e sintomas sistêmicos (conhecida em inglês pelo acrônimo DRESS – drug rash with eosinophilia and systemic symptoms). Pelo fato de o rash nem sempre ser notável, esta palavra foi substituída por reaction Epidemiologia: É difícil precisar a verdadeira incidência das RMA. Estudos estimam que as RMA representem de 3 a 6% de todas as admissões hospitalares. Dos doentes hospitalizados, 5 a 30% vêm a apresentar farmacodermias; por outro lado, os hospitalizados em consequência de farmacodermias adquirem outra em 30% dos casos. Em determinados hospitais, 1/7 do tempo de internação é consumido por esse tipo de doente. As RMA estão entre as principais causas de morte em vários países. RMA são menos frequentes em crianças (imaturidade imunológica e ausência de exposição prévia), com uma incidência estimada em torno de 1,5%, que aumenta com a idade. Apesar da falência imunológica relativa, as RMA prevalecem no idoso em função das alterações relacionadas com a farmacocinética dos medicamentos e com o uso de múltiplos fármacos. Mulheres são mais frequentemente acometidas. O clima e o ambiente têm importância no desencadeamento de determinadas farmacodermias (como fotossensibilização). Há fatores que predispõem ao aparecimento de RMA, como ocorre nos casos de substâncias indutoras de lúpus eritematoso. A deficiência genética da enzima glicose-6-fosfato desidrogenase leva à instalação de anemia hemolítica com o uso de determinados fármacos. Hoje já são descritos alelos HLA de classe I e II que conferem predisposição genética para RMA. Um dos exemplos mais bem detalhados consiste na identificação do HLA-B*1502 como fator de predisposição para desenvolvimento da SJS com o uso de carbamazepina. Mecanismos: RMA são desencadeadas por mecanismos imunológicos e não imunológicos. As reações de natureza imunológica são chamadas de alergia medicamentosa. RMA por mecanismos não imunológicos são muito mais frequentes, e incluem as interações medicamentosas. A utilização de fármacos costuma desencadear a produção de anticorpos, embora sem expressão clínica. O teste laboratorial mais empregado na demonstração de causa medicamentosa para determinada dermatose é o que se baseia na quantidade de liberação do interferon-γ por linfócitos expostos (no sobrenadante da cultura após incubação com o possível agente) comparados a não expostos. A sensibilidade desse teste varia em função do fármaco. Outras provas podem ser úteis em determinadas situações, como o teste de contato (patch test) nos casos de eritema pigmentar fixo. Apesar dessa disponibilidade, a maioria dos casos de RMA, inclusive os graves, são manejados apenas com o exame clínico, seja pela indisponibilidade dos testes citados, seja pela rápida evolução do quadro clínico. Uma anamnese atenciosa é a principal ferramenta para identificação do agente causal. As vias pelas quais os medicamentos são administrados relacionam-se, de certo modo, com a forma de RMA; registrando-se anafilaxia com medicamentos injetáveis, eczema de contato com tópicos etc. - Reações imunológica: Todos os quatro tipos de hipersensibilidade descritos por Gell e Coombs estão representados nas farmacodermias: tipo I – anafilática: pode ser produzida por analgésicos, aminopirina, penicilinas, soros etc. tipo II – citotóxica: tem sido encontrada nos casos de púrpura trombocitopênica pelo sedormide tipo III – por imunocomplexos: tem sido relativamente frequente, como no caso da doença do soro pela penicilina tipo IV – celular tardia: é dos mais frequentes; é o mecanismo que ocorre em todos os casos de eczema de contato (sulfas, irgasan etc.). Reações cruzadas: Ocorrem quando medicamentos diferentes compartilham um mesmo radical, por exemplo, a sulfa, a fenolftaleína e a anilina compartilham o anel parafenilenodiamina. Pacientes com alergia à penicilina apresentam reação cruzada com cefalosporina em 10% dos casos, eczema de contato a timerosal (antiga substância do mertiolate) e piroxicam. O metabolismo dos inibidores da bomba de prótons gera sulfonamidas. - Reações não imunológicas: Efeito colateral secundário:É decorrente da ação secundária e não terapêutica do medicamento, por exemplo, eflúvio anágeno e alopecia secundários ao uso de citostáticos e sonolência pelo uso de anti-histamínicos. Alterações metabólicas:Fármacos podem alterar o status nutricional ou metabólico por vários mecanismos, como retinóides sistêmicos, levando ao aparecimento de xantomas, e hidantoína, interferindo na absorção de folato e desencadeando estomatite aftosa. Interações medicamentosas: Existem três mecanismos pelos quais os medicamentos podem interagir e causar RMA: uma substância interferir na excreção de outra: probenecida reduzindo a excreção de penicilina pelo rim uma substância inibir ou estimular enzimas importantes na degradação de outra: rifampicina ou griseofulvina diminuindo a eficácia de pílula anticoncepcional; fluconazol potencializando a ação de hidantoína e da clorpropamida medicamentos competindo pelo mesmo local, que pode ser o da proteína plasmática transportadora; nesse caso, potencializando o efeito ou o deslocamento do receptor e, portanto, diminuindo a ação do fármaco deslocado. Por exemplo, fenilbutazona ou ácido acetilsalicílico deslocando cumarínicos, causando sangramento; folato administrado concomitantemente com metotrexato reduz a ação deste, por deslocá-lo do receptor. Exacerbação de doença pré-existente: Como a griseofulvina, os barbitúricos e a cloroquina na porfiria latente por ativação enzimática; lítio e agentes betabloqueadores desencadeando psoríase Alterações de equilíbrio ecológico :Aparecimento de candidíase e diarreia decorrentes de alteração da flora intestinal por uso prolongado de antibiótico. Clindamicina desencadeando quadro de colite pseudomembranosa causada por Clostridium difficile. Mecanismos farmacológicos: Decorrem de ação farmacológica direta de determinada substância; um exemplo é a urticária não alérgica provocada pela degranulação dos mastócitos, liberando histamina em decorrência do uso de opiáceos, atropina, ácido acetilsalicílico e outros. Superdosagem: Ocorre após ter sido ultrapassado, a curto prazo ou após uso prolongado (efeito cumulativo), o limite de tolerância do organismo. É o que ocorre na ingestão acidental ou não de barbitúricos, levando ao coma ou quando a clofazimina causa hipercromia. Exemplo clássico de efeito cumulativo tardio, embora raro, é o aparecimento da doença de Bowen muitos anos após a ingestão de arsênico inorgânico. Apresentações clínicas: Praticamente todos os tipos de eflorescências podem ser provocados por remédios, de maneira que o dermatologista, diante de um quadro clínico atípico, deve primeiro pesquisar a causa medicamentosa. Do mesmo modo, não é um exagero afirmar que os remédios são capazes de provocar alterações em quase todos os órgãos e sistemas: rins, pulmões, fígado e órgãos hematopoiéticosmerecem atenção especial. A seguir são citadas algumas das principais. - Eritema pigmentar fixo: O eritema pigmentar fixo é uma variante de RMA que acomete uma localização específica após exposição ao agente causal. Está associado, principalmente, ao uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINE), dipirona e sulfas. Reações cruzadas e reativação após exposição a medicamentos de classes distintas são descritas. O quadro caracteriza-se por uma lesão inicialmente eritemato edematosa que evolui para hipercromia de natureza melânica e tende a se intensificar mediante novas re-exposições. A lesão é caracteristicamente arredondada, medindo alguns centímetros de diâmetro, que se reacende, ou seja, fica eritematosa, sempre no mesmo local. Em casos graves a lesão pode evoluir para bolha. A principal característica do eritema fixo é, como o nome indica, a fixidez do local da lesão. Seu mecanismo é alérgico, mas ainda não totalmente esclarecido; trata-se, provavelmente, de vasculite. - Urticária: A erupção urticariforme é caracterizada pelo aparecimento de pápulas e placas eritematosas, infiltradas, associadas a prurido intenso.O caráter transitório é característico e as lesões individuais tendem a desaparecer em menos de 24 h. Pode ser uma das diversas manifestações das RMA, mais comumente, por hipersensibilidade mediada por IgE, por ação direta nos mastócitos ou por complexos imunes circulantes. A condição pode estar associada a quadros mais graves, como angioedema e anafilaxia. A duração individual das lesões por mais de 24 h, dor ou intensa queimação local devem chamar atenção para hipótese diagnóstica de vasculite urticariforme. - Eczema de contato: É uma erupção eritematovesiculosa, pruriginosa, circunscrita à área de contato do remédio; decorre de um mecanismo de hipersensibilidade retardada (tipo IV de Gell e Coombs). As medicações agem como haptenos (antígenos incompletos) e, portanto, só passam a alergizar quando se conjugam a proteínas da própria pele do paciente que se expôs previamente ao remédio (no mínimo com 8 a 10 dias de antecedência); assim, podem então, como antígeno completo, sensibilizar o linfócito T. O diagnóstico de certeza é feito pelo teste de contato, isto é, a aposição da substância à pele em um quadrado de alguns milímetros, pelo prazo de 48 h. A resposta positiva é dada pelo minieczema, ou seja, pela reação eritematovesiculosa, no local do teste. - Atrofia: Ocorre, sobretudo, em consequência do uso de corticoides fluorados tópicos; estrias atróficas, principalmente de localização na região inguinocrural, são relativamente comuns, em decorrência do acréscimo de corticosteroides aos antimicóticos locais, com uso recorrente. - Síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica: Consideradas, por muitos anos, como entidades distintas, a SJS e a NET são atualmente consideradas espectros opostos de uma mesma doença denominada necrólise epidérmica. Quando o descolamento epidérmico for < 10% da superfície corporal (SC), os pacientes são classificados como SJS, > 30% da SC como NET e entre 10 e 30% da SC como formas transicionais. São caracterizadas por necrose de queratinócitos que resultam no descolamento da epiderme, acometimento mucoso (uretrite, estomatite, balanite, vulvovaginite, conjuntivite, uveíte e até mesmo pan-oftalmia com cegueira subsequente) e por sintomas gerais como febre, mialgias e artralgias. O acometimento oftálmico é a sequela crônica mais frequente. A maioria dos casos é causada por fármacos, principalmente os betalactâmicos, os anticonvulsivantes aromáticos, as sulfonamidas, o alopurinol e os AINE. A possibilidade de etiologia infecciosa deve ser considerada, principalmente em casos de lesões que mimetizem o eritema polimorfo, o que justifica a classificação controversa da SJS como eritema multiforme major. O mecanismo desencadeador inicial parece ser mediado por linfócitos citotóxicos, que, por meio das linfocinas IL-6, IL10 e do fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α), induziriam à apoptose maciça pela ativação dos receptores Fas,* possivelmente devido a modificações em proteínas de complexo maior de histocompatibilidade tipo I por ligação não covalente do fármaco desencadeante a antígenos leucocitários humanos (HLA) específicos, levando à ativação de células T CD8 + . Haveria ainda uma interação com o aumento exagerado na quantidade de óxido nítrico e da óxido nítrico sintetase produzidos nos queratinócitos que, por sua vez, foram estimulados pelo aumento do TNF-α e do interferon-α, produzidos a partir dos linfócitos T ativados. Tratamento: Basicamente é a interrupção do uso do fármaco. Em casos agudos e graves, a terapêutica deve ser imediata e heroica (epinefrina, corticosteroide venoso, massagem cardíaca, traqueostomia etc.). Conforme já visto, as farmacodermias mimetizam praticamente todas as erupções cutâneas, por isso exigem terapêutica adequada a cada caso, levando-se em consideração o mecanismo patogênico, a natureza e extensão das lesões cutâneas e o comprometimento de outros órgãos.
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