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Objetivos 1. Descrever os sinais e sintomas que alertam para a suspeita de imunodeficiência subjacente (dados da anamnese e do exame físico). REFERÊNCIA: Cecil As imunodeficiências são geralmente divididas em várias categorias: imunodeficiências de anticorpos ou células B (55% de todas as deficiências imunes), imunodeficiências celulares ou de célula T (20%), imunodeficiências associadas ao sistema fagocítico (20%), defeitos imunes do sistema imune nato e anomalias imunes associadas ao sistema de complemento (5%). Embora muitas das imunodeficiências primárias já sejam observadas em lactentes e crianças pré-escolares, as imunodeficiências humorais (células B) mais comuns tornam-se evidentes em fases mais tardias da vida, acometendo principalmente os adultos jovens. • Manifestações clínicas Pistas a partir do Patógeno Infectante e do Sistema Orgânico Envolvido Um paciente que apresenta linfadenite ou abscessos recorrentes causados por organismos Gram-negativos de baixa virulência como Escherichia coli, Serratia ou Klebsiella pode apresentar anormalidades na função de fagócitos. Infecções por patógenos pouco comuns, como Staphylococcus epidermidis ou Pseudomonas, e, principalmente, por Burkholderia cepacia, também podem sugerir uma doença de fagócitos. Outra apresentação característica de pacientes com um defeito de fagócito é o histórico de recorrentes infecções cutâneas com Staphylococcus aureus positivo para catálase, um achado que ressalta a importância de fagocitose eficiente e morte intracelular mediada por superóxidos no controle dessas infecções. Um histórico de queda tardia do coto umbilical (mais de seis a oito semanas de vida) ou má cicatrização de feridas sugere o diagnóstico de defeitos de adesão leucocitária. A adenite supurativa é comum em pacientes com doença granulomatosa crônica, podendo ser uma pista importante para o diagnóstico a presença de bactérias Gram-negativas no tecido. A gengivoestomatite e as erosões dentárias são características de pacientes com defeitos de fagócitos, como a deficiência de adesão leucocitária. Úlceras orais recorrentes são comuns em pacientes com neutropenia cíclica. Defeitos nos componentes finais da cascata do sistema complemento de C5 a C9 estão associados a infecções por Neisseria, como a meningite causada por Neisseria meningitidis ou a artrite séptica causada por Neisseria gonorrhoeae. Pacientes com deficiência de C3 podem apresentar septicemia devastadora, especialmente por microrganismos Gram-negativos; este é um achado consistente com o importante papel do complemento, particularmente de C3b, na opsonização e na facilitação da fagocitose. As deficiências de linfócitos B costumam causar infecções sinopulmonares de repetição, frequentemente causadas por bactérias encapsuladas, como Streptococcus pneumoniae ou Haemophilus influenzae. O exame da faringe e das cavidades nasais, à procura de sinais de sinusite, incluindo cobblestoning na porção posterior da faringe, descarga pós-nasal ou rinorreia purulenta, é importante. As membranas timpânicas podem apresentar-se deformadas e cicatriciais, em decorrência de infecções crônicas e recorrentes da orelha média. À ausculta do tórax, estertores podem sugerir bronquiectasias como uma complicação de infecções pulmonares recorrentes. O baqueteamento digital indica doença pulmonar importante. Uma manifestação característica em pacientes com agamaglobulinemia ligada ao X (ALX) é a suscetibilidade incomum à meningoencefalite viral causada por enterovírus (p. ex., coxsackievírus e ecovírus). Sintomas gastrointestinais crônicos causados por Giardia lamblia são provavelmente relacionados à imunidade mucosa prejudicada e à falta de imunoglobulina de secreção (Ig) A. Crescimento bacteriano excessivo no intestino delgado e infecções por Yersinia e Campylobacter podem levar a sintomas gastrointestinais crônicos; a diarreia e ocasionalmente a má absorção podem apresentar sintomas em pacientes com imunodeficiência variável comum (CVID). As células T são essenciais não só para controlar infecções virais, fúngicas, micobacterianas e protozoárias, mas também em fornecer sinais cruciais para ajudar as células B a produzirem imunoglobulinas. Uma extensa candidíase na membrana mucosa sugere defeito nas células T. Os pacientes com defeitos imunes celulares muitas vezes se apresentam com infecções oportunistas como Mycobacterium avium-intracellulare e Pneumocystis jirovecii. Sistema Linfático em Pacientes com Imunodeficiência A avaliação do sistema linfático à procura de hepatoesplenomegalia e da presença ou ausência de tecido linfoide constitui um aspecto importante do exame físico de um paciente com suspeita de imunodeficiência grave. Pacientes com imunodeficiência combinada (SCID) ou ALX infantil não apresentam tecidos linfoides palpáveis ou tonsilas visíveis. No entanto, a presença de tecido linfoide pode ser controversa: pacientes adultos com CVID ou deficiência de IgA podem na verdade ter tecido linfoide aumentado e até mesmo hepatoesplenomegalia. Isto ocorre porque o sistema reticuloendotelial torna-se hiperplásico na ausência de anticorpos opsonizantes. Imunodeficiência e Autoimunidade Deficiências de componentes do início da cascata do sistema complemento, como C4 e C2, muitas vezes presentes em adultos como uma doença autoimune associada, manifestada primeiramente com artrite, frequentemente associada à vasculite cutânea. Uma erupção semelhante à observada no lúpus acompanhada de títulos negativos ou muito baixos de anticorpos antinucleares pode ocorrer nas deficiências dos componentes iniciais da via clássica da cascata do sistema complemento. Pacientes com algumas imunodeficiências primárias apresentam características de autoimunidade que envolvem o sistema hematopoético ou outros sistemas orgânicos. O diagnóstico da CVID, por exemplo, pode ser precedido por anemia hemolítica autoimune. Imunodeficiência e Doença Gastrointestinal Muitos dos pacientes com imunodeficiências primárias apresentam sintomas e achados clínicos referentes ao trato gastrointestinal. Em uma pesquisa com 248 pacientes com CVID, 21% apresentaram doença gastrointestinal significativa. Doença hepática ocorreu em outros 12%. O crescimento excessivo de bactérias no intestino delgado, incluindo infecções por Yersinia e Campylobacter, infestações parasitárias por organismos como a G. lamblia e enterites virais crônicas causadas por enterovírus e citomegalovírus, são relativamente comuns em pacientes com defeitos nas imunidades mediadas por linfócitos T ou B. A incidência de intolerância à lactose é alta em pacientes com imunodeficiências. Da mesma maneira, pacientes com deficiência de IgA muitas vezes se apresentam com manifestações gastrointestinais. Imunodeficiência e Histórico Familiar Um histórico familiar detalhado de um paciente com suspeita de imunodeficiência pode trazer informações valiosas. Várias imunodeficiências são ligadas ao X; portanto, um histórico familiar de homens na família materna afetados por infecções anormalmente frequentes ou que morreram nos primeiros anos da infância devem sugerir a possibilidade de uma forma de imunodeficiência ligada a esse cromossomo. Nestes casos, deve-se esperar que a mãe seja portadora, embora a taxa de novas mutações nas doenças ligadas ao X seja significativa; portanto, um histórico familiar negativo pode não excluir um padrão herdado. A CVID e a deficiência de IgA são distúrbios familiares e muitas vezes ocorrem em um local de outros membros de família com distúrbios autoimunes. REFERÊNCIA: Imunodeficiências primárias - [Da suspeita clínica ao tratamento] Estes sinais incluem: infeções de repetição, nomeadamente otites, rinossinusites e pneumonias; infeções graves como por exemplo osteomielites, meningites, celulites e septicemia; necessidade de antibioterapia prolongada e endovenosa; atraso de desenvolvimento estaturoponderalna criança; abcessos cutâneos profundos e recorrentes ou em órgãos internos; candidíase oral persistente ou infeção fúngica cutânea e história familiar de imunodeficiência. As primeiras manifestações podem ocorrer logo na infância, embora algumas imunodeficiências se manifestem apenas na idade adulta, e outras podem ser transitórias (como a hipogamaglobulinemia transitória da infância). A expressão clínica é muito variável, podendo ser assintomática, como nalguns casos de défice de IgA, como também muito grave, com infeções difíceis de tratar, algumas potencialmente fatais ou com complicações daí decorrentes. Vários órgãos ou sistemas podem ser atingidos, como as vias aéreas (com sinusites, otites e pneumonias), o aparelho gastrointestinal (sendo a diarreia crónica a principal manifestação), a pele e mucosas (por ex. com candidíases, abcessos cutâneos e úlceras), entre outros, podendo mesmo haver atingimento sistémico, com quadros de sépsis. Podem também fazer parte das manifestações clínicas das IDP, outras patologias, como as doenças autoimunes, inflamatórias, alérgicas e neoplásicas – em particular as linfoproliferativas, quer integrando o quadro clínico inicial da IDP, quer surgindo no decorrer do seu processo evolutivo. Atenção especial deve ser dada ao atingimento do estado geral do doente e à evolução estaturoponderal nas crianças. 2. Caracterizar as fases clínicas da infecção pelo HIV (diferenciar claramente o paciente soro positivo do paciente com a SIDA). REFERÊNCIA: Harrison CICLO DE REPLICAÇÃO DO HIV O HIV é um vírus de RNA cuja característica fundamental é a transcrição reversa do seu RNA genômico em DNA pela enzima transcriptase reversa. O ciclo de replicação do HIV começa com a ligação de alta afinidade da proteína gp120, por meio de uma parte de sua região V1 próxima à extremidade N-terminal, ao seu receptor localizado na superfície da célula do hospedeiro, a molécula CD4. A molécula CD4 é uma proteína de 55 kDa encontrada predominantemente em um subgrupo de linfócitos T responsáveis pela função auxiliar do sistema imune. Essa molécula também está expressa na superfície dos monócitos/macrófagos e das células dendríticas/células de Langerhans. Depois da fixação à molécula CD4, a gp120 sofre uma alteração de conformação que facilita a ligação a um dos dois correceptores correspondentes. Os dois principais correceptores do HIV-1 são o CCR5 e o CXCR4. O acoplamento do vírus a um ou aos dois receptores permite sua entrada na célula e é um determinante importante do tropismo celular do vírus. Algumas células dendríticas (CD) expressam uma diversidade de receptores de lectina do tipo C na sua superfície (um dos quais é conhecido como DC-SIGN), que também se ligam com alta afinidade à proteína gp120 do envoltório do HIV, permitindo que a CD facilite a disseminação do vírus para as células T CD4+ Depois da ligação da proteína do envoltório viral à molécula CD4, associada à alteração de conformação da gp120 do envoltório viral descrita antes, ocorre a fusão com a membrana celular do hospedeiro por ação da molécula gp41 recém-exposta, que penetra na membrana plasmática da célula-alvo e enrola-se sobre si própria para aproximar o virion da célula-alvo. Após a fusão é iniciada a retirada da camada proteica do capsídeo – uma etapa que facilita a transcrição reversa e leva à formação do complexo de pré-integração, composto de RNA viral, enzimas e proteínas acessórias e cercadas pelas proteínas da matriz e capsídeo. Como o complexo pré-integração atravessa o citoplasma e chega ao núcleo, a enzima viral transcriptase reversa catalisa a transcrição reversa do RNA genômico em DNA, resultando na formação de DNA proviral de fita dupla do HIV. Na etapa de pré-integração do ciclo de replicação, o genoma viral é vulnerável aos fatores celulares que podem bloquear a progressão da infecção. Em especial, a proteína citoplásmica tripartite motif-containing 5-α (TRIM5-α) é um fator de restrição do hospedeiro que interage com o capsídeo retroviral. Embora o exato mecanismo de ação de TRIM5-α permaneça incerto, o capsídeo do HIV-1 não é reconhecido pela forma humana de TRIM5-α. Assim, esse fator do hospedeiro não é efetivo para restringir a replicação do HIV-1 em células humanas. A família de proteínas celulares apolipoprotein B mRNA editing enzyme (catalytic polypeptide-like 3 [APOBEC3]) também inibe a progressão da infecção viral após a entrada do vírus na célula e antes da sua entrada no núcleo. As proteínas APOBEC3, que são incorporadas dentro de vírions e liberadas no citoplasma de células recém infectadas, ligam-se ao único intermediário de DNA negativo e desaminam a citidina viral, causando a hipermutação dos genomas retrovirais. O HIV desenvolveu uma estratégia eficaz para proteger-se das APOBEC. A proteína viral Vif marca a APOBEC3 para degradação no proteassomo. Com a ativação da célula, o DNA viral tem acesso ao poro nuclear e é exportado do citoplasma para o núcleo, onde se incorpora aos cromossomos da célula hospedeira pela ação de outra enzima codificada pelo vírus, a integrase. O provírus do HIV (DNA) incorpora-se ao DNA nuclear, preferencialmente no interior dos íntrons dos genes ativos e nos pontos quentes (hotspots) regionais. Esse provírus pode permanecer inativo sob o ponto de vista transcricional (latente) ou pode manifestar vários graus de expressão gênica, incluindo a produção ativa de vírus. A ativação celular desempenha um importante papel no ciclo replicativo do HIV e é fundamental à patogênese da doença causada por este vírus HIV. É necessário haver algum grau de ativação da célula hospedeira para iniciar a transcrição do DNA proviral incorporado em RNA genômico ou RNA mensageiro (mRNA). Esse último processo pode não estar necessariamente associado à expressão detectável dos marcadores clássicos de ativação na superfície celular. A esse respeito, a ativação da expressão do HIV a partir do estado latente depende da interação de diversos fatores celulares e virais. Depois da transcrição, o mRNA do HIV é transcrito em proteínas que sofrem modificações por glicosilação, miristolação, fosforilação e clivagem. A partícula viral é formada pela reunião das proteínas, das enzimas e do RNA genômico do HIV na membrana plasmática das células. A progressão pelo ciclo de replicação viral é profundamente influenciada por vários produtos gênicos reguladores do vírus. De modo semelhante, cada fase do ciclo de replicação do HIV representa um alvo real ou potencial de intervenção terapêutica. Até hoje, as enzimas transcriptase reversa, protease e integrase, assim como os processos de ligação e fusão do vírus com a célula-alvo, foram utilizados clinicamente como alvos para intervenção farmacológica. ESTÁGIO ASSINTOMÁTICO – LATÊNCIA CLÍNICA Embora o intervalo entre a infecção inicial e o início da doença clínica seja amplamente variável, o intervalo médio para os pacientes não tratados é de cerca de 10 anos. Conforme ressaltado antes, a doença causada pelo HIV com replicação viral ativa é contínua e progressiva durante esse período assintomático. A taxa de progressão da doença correlaciona-se diretamente com os níveis de RNA do HIV. Os pacientes com níveis plasmáticos altos de RNA do HIV evoluem para a doença sintomática mais rapidamente que os indivíduos com baixos níveis de RNA do HIV. Alguns indivíduos, designados como pacientes sem progressão da doença em longo prazo, apresentam pouco ou nenhum declínio das contagens de células T CD4+ por intervalos longos. Em geral, esses indivíduos têm níveis extremamente baixos de RNA viral; um subgrupo conhecido como “controladores de elite” tem níveis de RNA viral < 50 cópias por mililitro. Alguns outros pacientes permanecem totalmente assintomáticos, embora suas contagens de células T CD4+ apresentem declínio contínuo e progressivo até chegar a níveis extremamente baixos. Nessescasos, o desenvolvimento de uma doença oportunista pode ser a primeira manifestação da infecção pelo HIV. Durante o período assintomático da infecção, a taxa média de declínio das células T CD4+ é de cerca de 50/µL. Quando a contagem de células T CD4+ diminui a menos de 200/µL, o estado de imunodeficiência resultante é suficientemente grave para colocar o paciente sob risco alto de infecções oportunistas e neoplasias e, desse modo, de desenvolver doença detectável clinicamente. DOENÇA SINTOMÁTICA Os sinais e os sintomas da doença causada pelo HIV podem surgir a qualquer momento durante a evolução da infecção. Em termos gerais, o espectro das enfermidades observadas modifica-se à medida que a contagem das células T CD4+ declina. As complicações mais graves e potencialmente fatais da infecção causada pelo HIV ocorrem nos pacientes com contagens das células T CD4+ < 200/µL. O diagnóstico de Aids é confirmado em qualquer indivíduo com 6 anos ou mais de idade infectado pelo HIV com contagem de células T CD4+ < 200/µL, bem como em qualquer paciente HIV-positivo que apresente uma das doenças associadas ao HIV, as quais são consideradas indicativas de um distúrbio grave da imunidade celular. REFERÊNCIA: Cecil INFECÇÃO PRIMÁRIA A história natural da infecção pelo HIV-1 é ilustrada na Figura. Durante a infecção aguda pelo HIV-1, ocorre a replicação viral maciça nos linfócitos T CD4 + na ausência de uma resposta imune adaptativa. As células TCD4+ no tecido linfoide associado ao intestino e outros sítios mucosos expressam altos níveis do correceptor de HIV CCR5 e, portanto, são particularmente propensas à infecção e depleção pelas variantes R5 do HIV-1, que são comumente transmitidas. Isso está em contraste com a infecção crônica, em que menos de 1% de todas as células TCD4+ são infectadas em qualquer momento. Como resultado dessa infecção inicial maciça, geralmente são vistos níveis de mais de 1 milhão de cópias/mL de RNA do HIV associado ao virion no plasma no prazo de 2 semanas após a infecção, e os pacientes tendem a apresentar uma série de sinais e sintomas, conhecidos como síndrome retroviral aguda. Pode haver declínios importantes na contagem de células TCD4+ periféricas na infecção primária, resultando em infecções oportunistas. Em várias semanas, o desenvolvimento de uma resposta de linfócitos T citolíticos específicos para o HIV-1 resulta em controle parcial da replicação viral, e o pico de carga viral cai e atinge um estado de equilíbrio, conhecido como set point. A magnitude do set point da carga viral durante a segunda fase assintomática da infecção reflete um equilíbrio dinâmico entre a replicação viral e a resposta imune específica ao HIV-1. Este set point determina a taxa de progressão para a fase clínica final da AIDS. IMUNIDADE ESPECÍFICA PARA O HIV-1 O hospedeiro monta uma vigorosa resposta imune após a infecção pelo HIV-1. Acredita-se que o vírus ative as células dendríticas plasmacitoides através de receptores do tipo toll, resultando na secreção de interferons tipo I e outras citocinas inflamatórias. Enquanto os interferons tipo I têm propriedades antivirais diretas e aumentam a resposta imune específica para HIV-1, a secreção excessiva pode desempenhar um papel fundamental na ativação imune patogênica de células TCD4+ e CD8+. Células exterminadoras naturais (Natural killers, NK) são importantes células efetoras da resposta imune inata que se tornam ativadas quando a infecção de células-alvo por HIV-1 ou por outros vírus levam à infrarregulação (downregulation) de moléculas do HLA. Pacientes que expressam determinados alelos do receptor NK são mais propensos a se tornarem não progressores a longo prazo, sugerindo que essas células podem desempenhar um papel protetor possivelmente por controlar a replicação precoce do HIV-1, levando ao desenvolvimento de uma resposta imune adaptativa eficaz. As células dendríticas mieloides desempenham um papel importante na apresentação de antígenos do HIV-1 para células T CD4 + e CD8 + específicas para o HIV-1, resultando na iniciação da resposta imune adaptativa. Elas expressam as moléculas de CD4 e foi demonstrado que se ligam ao HIV-1. Acredita-se que, no processo de apresentação de antígeno, essas células podem inadvertidamente transmitir o HIV-1 para grupos de células T CD4 + ativadas. O papel da resposta humoral na infecção pelo HIV-1 não está claro. Anticorpos específicos para o HIV-1, que são utilizados para diagnosticar a infecção pelo HIV-1, não se desenvolvem até que ocorra o pico da viremia. Há, desse modo, um período de janela na infecção primária pelo HIV-1, durante o qual a viremia está presente na ausência de anticorpos detectáveis. Um subconjunto de anticorpos que finalmente aparece é capaz de prevenir a infecção bloqueando a interação da proteína gp120 do envelope do HIV-1 com o CD4 e com proteínas do correceptor na superfície das células-alvo. Estes assim chamados anticorpos neutralizantes estão presentes em títulos relativamente baixos e têm acesso limitado às regiões críticas da gp120. Apesar de poderem exercer uma pressão seletiva significativa sobre o vírus, o escape imunológico é comum, e a maioria das evidências sugere que esses anticorpos não desempenham um papel importante no controle da replicação viral na maioria dos não progressores a longo prazo. A depleção seletiva de células T CD4 + é a principal razão para a infecção por HIV-1 resultar em uma imunossupressão tão profunda; as chamadas células T auxiliares (T helpers) desempenham um papel importante em todos os aspectos da resposta imune adaptativa. A capacidade de proliferação específica das células T CD4 + e de secreção de citocinas-chave, tal como a interleucina-2, é perdida logo após a infecção primária, de modo que toda a resposta específica para HIV-1 se torna falha. As células T CD8 + contribuem para o controle da infecção pelo HIV-1 pela lise direta das células infectadas e pela secreção de fatores solúveis como a proteína inflamatória do macrófago 1β que se ligam aos receptores de quimiocina, impedindo a entrada do HIV-1 em células-alvo. No entanto, a resposta da célula T CD8 + específica de HIV-1, que controla parcialmente a replicação do HIV-1 após o pico da viremia na infecção primária, não leva à imunidade esterilizada ra, em parte devido ao reservatório de vírus latentes em células T CD4 + de memória em repouso, que se estabelece logo após a infecção. Essas células quiescentes provavelmente não fazem proteínas do HIV-1 e, portanto, não são reconhecidas por linfócitos T citolíticos. Além disso, a resposta de linfócitos T citolíticos em pacientes com doença progressiva é de má qualidade, com capacidade proliferativa limitada. Mais importante, a baixa fidelidade da transcriptase reversa do HIV-1 resulta no aparecimento de mutações a cada rodada de replicação. O EFEITO DA REPLICAÇÃO DE HIV-1 NO SISTEMA IMUNOLÓGICO Enquanto a resposta imune específica do HIV-1 ajuda a limitar a taxa de replicação viral, a esterilização imune nunca é alcançada e o vírus tem um impacto negativo sobre o sistema imune. A replicação viral contínua resulta na imune ativação crônica. O mecanismo não é compreendido. A resposta imune crônica ao vírus pode levar à inflamação inespecífica e a translocação microbiana, resultante de depleção de células T CD4 + no tecido linfoide associado ao intestino, também pode ser importante. Seja qual for o mecanismo, a ativação imune parece estimular a depleção de células T CD4+. Níveis aumentados de marcadores de ativação são vistos nas células NK, células B, células TCD4+ e células T CD8+. A ativação é acompanhada por um aumento nas taxas de reposição dessas células. A função das células NK é comprometida, o que pode predispor ao mau controle de outros vírus. Defeitos das células B resultam em hipergamaglobulinemia e a produção de autoanticorpos. Redução das respostasde anticorpos às vacinas também é vista conforme as células T CD4 + diminuem. Embora a perda de células T CD4 + infectadas contribua para a depleção de CD4, há uma grande depleção de células TCD4+ mesmo que a qualquer momento durante a infecção crônica apenas 1% ou menos destas células estejam infectadas. Assim, acredita-se atualmente que a ativação imune crônica levando à morte de células T CD4+ não infectadas é o principal mecanismo para a depleção de CD4+. Há evidências de exaustão imune tanto das células TCD4+ quanto das CD8+, e há um declínio nas respostas qualitativas características das células TCD8+ para outros vírus crônicos, tais como o citomegalovírus e o vírus de Epstein-Barr. Isso pode ser resultado da anergia ou da depleção de células TCD4+ que são necessárias para manter as respostas das células TCD8+ funcionais. CONSEQUÊNCIAS CLÍNICAS DA INFECÇÃO POR HIV A imunodeficiência clínica é associada aos estágios tardios da infecção pelo HIV-1, quando a intensa depleção de células T CD4 + já ocorreu. Entretanto, certo nível de imunodeficiência pode estar presente logo após a infecção devido às alterações qualitativas na resposta imune relacionada com a replicação viral continuada. Como resultado, os pacientes são mais suscetíveis a infecções como Mycobacterium tuberculosis antes que a contagem de CD4 atinja o limiar de 200 células/µL que define AIDS. Os pacientes também são muito mais suscetíveis a neoplasias malignas, tais como linfoma não Hodgkin, em qualquer contagem de células TCD4+. Outras infecções oportunistas ocorrem em contagens de células T CD4 + previsíveis. Infecções por Pneumocystis jiroveci ocorrem em contagens de CD4 inferiores a 200 células/µL, infecções por Cryptococcus neoformans e Toxoplasma gondii ocorrem em contagens de CD4 inferiores a 100 células/µL, e infecções por Mycobacterium avium e citomegalovírus ocorrem em contagens de CD4 abaixo de 50 células/µL. Enquanto essas infecções são uma consequência da diminuição da imunidade celular, há também um aumento acentuado em infecções pneumocócicas invasivas em pacientes infectados pelo HIV-1, possivelmente devido a defeitos na imunidade humoral. 3. Descrever o fluxograma de diagnóstico de AIDS. REFERÊNCIA: MedCurso 2019 Visando encurtar a janela diagnóstica (período inicial em que a infecção já está estabelecida, porém os anticorpos anti- HIV ainda não apareceram), foi incorporado o Teste Molecular (TM) para a pesquisa de ácidos nucleicos do HIV. O próprio imunoensaio de 4ª geração, que detectam ao mesmo tempo anticorpos anti-HIV de todas as classes (IgM, IgG, IgA e IgE) além de antígenos circulantes produzidos diretamente pelo vírus (o p24 do capsídeo viral). A combinação dessas duas metodologias (IE de 4a geração como “triagem” + TM como “teste confirmatório”) já permite estabelecer o diagnóstico após os dez primeiros dias de infecção. Cumpre ressaltar que o mais sensível de todos, e por isso considerado o “de escolha” para a maioria das situações na atualidade, é o FLUXOGRAMA 3. Para finalizar, é importante salientar que existem fluxogramas que permitem CONFIRMAR o diagnóstico somente com testes rápidos. Tais exames, inclusive, são preferenciais em determinadas circunstâncias (Tabela 11). TABELA 11: Situações Especiais Onde o Teste Rápido está Indicado • Regiões sem infraestrutura laboratorial ou de difícil acesso. • Programas governamentais como “Rede Cegonha”, PSF etc. • Centros de Testagem a Aconselhamento. • Segmentos populacionais móveis (“flutuantes”). • Segmentos populacionais mais vulneráveis. • Parceiros de portadores do HIV. • Acidentes ocupacionais (no paciente-fonte). • Violência sexual (no agressor). • Gestantes que não foram testadas no pré-natal, ou cuja idade gestacional não assegure o recebimento do resultado antes do parto. • Parturientes e puérperas não testadas no pré-natal ou cujo resultado do teste ainda não seja conhecido. • Abortamento espontâneo, em qualquer idade gestacional. • Pessoas que recebem o diagnóstico de tuberculose (atualmente o TR é MANDATÓRIO neste grupo). • Pessoas que recebem o diagnóstico de alguma DST. • Pessoas que recebem o diagnóstico de hepatite viral. • Pessoas com manifestações clínicas sugestivas de infecção pelo HIV ou doenças oportunistas. • Pacientes atendidos em pronto-socorro. FLUXOGRAMA 1: “Diagnóstico com 2 testes rápidos” Neste fluxograma a ideia é utilizar dois Testes Rápidos (TR) de forma sequencial. Se o primeiro TR for negativo o segundo TR não é realizado, e o laudo é liberado como “amostra não reagente para HIV”, incluindo a ressalva de que diante de suspeita clínica uma nova testagem deverá ser realizada após 30 dias... Se o primeiro TR for positivo realiza- se o segundo TR, e se ambos forem positivos o diagnóstico é confirmado! Na discordância do segundo TR com o primeiro (isto é, segundo TR negativo), orienta-se repetir o fluxograma desde o início. Caso o fluxograma já tenha sido repetido e a mesma discordância persista, deve-se proceder ao teste convencional com coleta de sangue por punção venosa periférica (aplicando, neste caso, preferencialmente o FLUXOGRAMA 3 descrito adiante). FLUXOGRAMA 2: “Diagnóstico pelo teste salivar + teste rápido” Trata-se de uma variação do fluxograma 1 em que o primeiro teste rápido passa a ser o teste rápido “salivar” (ou seja, utilizando fluido oral, e não sangue). As orientações para sua interpretação e formatação dos laudos é idêntica ao que já foi descrito no fluxograma 1. FLUXOGRAMA 3: “Diagnóstico por IE de 4ª geração + teste molecular” Como vimos, a grande vantagem do IE de 4ª geração (detecção simultânea de antígeno viral e anticorpos anti- HIV) é sua menor janela diagnóstica, identificando os indivíduos infectados de maneira extremamente precoce. O teste molecular, por sua vez, nada mais é que uma dosagem da carga viral, é também altamente específico. Logo, a imensa maioria das pessoas infectadas pelo HIV apresentará ambos os testes positivos! Por outro lado, um indivíduo não infectado dificilmente terá os dois testes positivos. Existe a possibilidade de o imunoensaio ser positivo e o teste molecular negativo (carga viral abaixo do limite de detecção). Tal situação pode ter duas explicações: (1) o imunoensaio é um “falso-positivo”; (2) o teste molecular é um “falso-negativo”. Quem resolve essa dúvida são os testes sorológicos “confirmatórios”, como o Western blot, Immunoblot ou Immunoblot rápido. Os testes sorológicos confirmatórios (o mais utilizado é o Western blot) são extremamente específicos para infecção pelo HIV, pois demonstram a presença concomitante de vários anticorpos diferentes, cada um deles direcionado contra um antígeno viral específico. Quando o paciente é positivo no Western blot isso quer dizer que com certeza ele entrou em contato com o vírus selvagem. Como na infecção pelo HIV não ocorre cura espontânea, um indivíduo que apresenta teste molecular “negativo”, com teste sorológico confirmatório positivo, certamente é um controlador de elite que, após a infecção inicial, conseguiu colocar a viremia abaixo do limite de detecção dos testes moleculares. FLUXOGRAMA 4: “Diagnóstico por IE de 3ª Geração + Teste Molecular” Este fluxograma é semelhante ao fluxograma 3, diferindo por um único detalhe: o teste 1 é um IE de 3ª geração, isto é, um teste sorológico onde se pesquisa apenas a presença de anticorpos anti-HIV, sem detecção de antígeno p24... A grande desvantagem é a janela diagnóstica um pouco maior... Todavia, vale lembrar que, na prática, a maioria dos infectados pelo HIV não se encontra nos estágios iniciais da infecção... Logo, este fluxograma é capaz de estabelecer o diagnóstico na maior parte dos casos! FLUXOGRAMA 5: “Diagnóstico por IE de 3ª Geração + Teste Sorológico Confirmatório (Western blot, Immunoblot...) Até pouco tempo atrás este era o fluxograma habitualmente realizado.Encontra-se agora ultrapassado, por não permitir um diagnóstico verdadeiramente precoce da infecção, além do que necessita obrigatoriamente de testes sorológicos confirmatórios, o que onera e aumenta complexidade do processo diagnóstico. 4. Descrever o mecanismo de progressão da infecção pelo HIV. REFERÊNCIA: Harrison FISIOPATOLOGIA E PATOGÊNESE A marca característica da doença causada pelo HIV é a imunodeficiência profunda, que resulta basicamente das deficiências quantitativa e qualitativa progressivas da subpopulação de linfócitos T conhecidos como células T auxiliares, que ocorre no contexto da ativação imune policlonal. O subgrupo de células T auxiliares é definido fenotipicamente pela presença da molécula CD4 em sua superfície, a qual serve como receptor celular primário para o HIV. Também é necessária a presença de um correceptor que se liga à molécula CD4 para que haja ligação, fusão e entrada eficientes do HIV-1 nas células-alvo. O HIV utiliza dois correceptores principais (CCR5 e CXCR4) para a fusão e entrada; esses correceptores também são os receptores principais de certas citocinas quimiotáxicas conhecidas como quimiocinas e pertencem à família de receptores acoplados à proteína G dotados de sete domínios transmembrana. Alguns dos mecanismos responsáveis pela depleção celular e/ou pela disfunção imune das células T CD4+ já foram demonstrados in vitro; isso inclui a infecção e a destruição diretas dessas células pelo HIV e os efeitos indiretos, como a “depuração” imune das células infectadas, a morte celular induzida pela ativação imune aberrante e a exaustão imune causada pela ativação celular anômala com resultante disfunção celular. Os pacientes com níveis de células T CD4+ abaixo de determinados limiares têm riscos elevados de desenvolver várias doenças oportunistas, particularmente as infecções e as neoplasias que constituem as doenças definidoras da Aids. Algumas manifestações da Aids, como o sarcoma de Kaposi e as anormalidades neurológicas, não podem ser totalmente explicadas pela imunodeficiência causada pela infecção pelo HIV porque essas complicações podem surgir antes do desenvolvimento de imunodeficiência grave. A combinação dos efeitos patogênicos e imunopatogênicos virais que ocorre durante a evolução da doença causada pelo HIV, desde o momento da infecção inicial (primária) até o aparecimento da doença em estágio avançado, é complexa e variada. É importante reconhecer que os mecanismos patogênicos da doença causada pelo HIV são multifatoriais e polifásicos, diferindo nos diferentes estágios da doença. Por conseguinte, é essencial considerar a evolução clínica típica de um indivíduo infectado pelo HIV e ainda não tratado para que se possam analisar de modo mais completo esses eventos patogênicos. EVENTOS INICIAIS DA INFECÇÃO PELO HIV: INFECÇÃO PRIMÁRIA E DISSEMINAÇÃO INICIAL Com a utilização do modelo de transmissão pelas mucosas, os primeiros eventos (depois de algumas horas) que ocorrem depois da exposição da superfície mucosa ao HIV determinam se a infecção ocorrerá e também a evolução subsequente das próximas etapas da infecção. Embora a barreira mucosa seja relativamente eficaz para limitar o acesso do HIV aos alvos suscetíveis da lâmina própria, o vírus pode atravessar essa barreira por transporte dentro das células de Langerhans, um tipo epidérmico de CD, situadas logo abaixo da superfície, ou por falhas microscópicas da mucosa. As falhas significativas da barreira mucosa, como ocorrem com as doenças genitais ulcerativas, facilitam a entrada do vírus e aumentam a eficiência da infecção. Em seguida, o vírus busca alvos suscetíveis, os quais basicamente são as células T CD4+ dispersas espacialmente na mucosa. Essa dispersão espacial dos alvos constitui um obstáculo significativo ao estabelecimento da infecção. Esses obstáculos explicam a baixa eficiência da transmissão sexual do HIV. As células T CD4+ em repouso “parcial” e as células T CD4+ ativadas funcionam como amplificadores iniciais da infecção. Os linfócitos T CD4+ em repouso são mais abundantes; contudo, as células T CD4+ ativadas produzem quantidades maiores do vírus. Quando a infecção está estabelecida, o vírus replica nas células linfoides da mucosa, submucosa e, em alguma extensão, em tecidos linforreticulares que drenam os tecidos intestinais. Por um período variável de tempo que pode ser de poucos ou muitos dias, o vírus não consegue ainda ser detectado no plasma. Esse período é chamado de fase “eclipse” da infecção. À medida que mais vírus são produzidos nos primeiros dias ou semanas, eles são dispersos, primeiramente para os linfonodos regionais e depois para outros compartimentos linfoides onde conseguem acesso fácil às concentrações altas de células T CD4+ (células-alvo), permitindo a ocorrência de uma viremia “explosiva” em níveis altos prontamente detectáveis pelos exames atualmente disponíveis Um órgão linfoide importante – os tecidos linfoides associados ao intestino (GALT) – é um dos alvos principais da infecção pelo HIV e o local onde grandes quantidades de células T CD4+ (em geral, células de memória) são infectadas e deletadas, tanto pelos efeitos virais diretos quanto pela apoptose associada à ativação. Quando a replicação viral alcança esse limiar e o vírus está amplamente disseminado, a infecção está definitivamente estabelecida e o processo é irreversível. É importante ressaltar que a infecção inicial das células suscetíveis pode variar, até certo ponto, de acordo com a via de infecção. Os vírus que penetram diretamente na corrente sanguínea por meio do sangue ou dos hemocomponentes infectados (i.e., transfusões, uso de agulhas contaminadas para aplicação de drogas injetáveis, lesões por objetos cortantes, transmissão materno-fetal durante o parto ou período perinatal, ou relação sexual durante a qual ocorre traumatismo suficiente para causar sangramento) provavelmente são removidos da circulação pelo baço e por outros órgãos linfoides, onde as infecções focais primárias começam, seguidas de disseminação mais ampla por todos os outros tecidos linfoides, conforme descrito anteriormente Alguns estudos demonstraram que a transmissão sexual do HIV resulta de um único evento infectante e que existe um “gargalo” genético viral para a transmissão. Nesse aspecto, algumas características da glicoproteína do envoltório viral desempenham uma função importante na transmissão, no mínimo para os subtipos A e C do HIV. Os vírus transmissores, geralmente conhecidos como “vírus iniciadores”, costumam representar uma parcela pequena dos vírus circulantes que causam a viremia do parceiro transmissor; esses vírus são menos divergentes com sequências de marcação como as sequências de alça V1-V2 mais curtas e menos sítios de glicosilação N- terminais em comparação com as variantes circulantes principais. Em geral, os vírus são quase exclusivamente cepas R5 e costumam ser sensíveis à neutralização por anticorpos do parceiro transmissor. Quando a replicação ocorre no parceiro recém infectado, os vírus iniciadores divergem e acumulam sítios de glicosilação, tornando-se progressivamente mais resistentes à neutralização. O surto repentino de viremia e a disseminação ampla do vírus durante a infecção primária pelo HIV podem estar associados à síndrome aguda da infecção pelo HIV, que ocorre em graus variados em cerca de 50% dos indivíduos como primo-infecção. Em geral, essa síndrome está associada aos níveis altos de viremia (estimados em milhões de cópias de RNA viral por mililitro de plasma), que persiste por várias semanas. Os sinais e os sintomas semelhantes aos da mononucleose aguda estão relacionados diretamente com a ocorrência da viremia. Quase todos os pacientes desenvolvem algum grau de viremia durante a primoinfecção e isso contribui para a disseminação do vírus para todos os tecidos linfoides, mesmo que possam continuar assintomáticosou não se lembrar de terem sintomas. Aparentemente, o nível inicial da viremia plasmática da primoinfecção pelo HIV não determina necessariamente a taxa de progressão da doença; contudo, a estabilização do nível de viremia plasmática no estado de equilíbrio depois de cerca de um ano parece correlacionar-se com a taxa de progressão da doença dos pacientes que não são tratados. Acredita-se que os níveis extremamente altos de viremia observados em muitos pacientes com infecção aguda pelo HIV estejam associados com uma maior probabilidade de transmissão do vírus para outras pessoas por diversas rotas, incluindo transmissão sexual, compartilhamento de agulhas e seringas e transmissão vertical intraparto, perinatal ou pelo aleitamento. ESTABELECIMENTO DA INFECÇÃO CRÔNICA E PERSISTENTE • Persistência da replicação viral A infecção pelo HIV é singular entre as infecções virais humanas. A despeito das respostas imunes celulares e humorais robustas desencadeadas depois da infecção primária, uma vez estabelecida a infecção, o vírus consegue escapar da destruição completa por mecanismos imunes e, paradoxalmente, parece beneficiar-se com a ativação imune e nunca é eliminado por completo do corpo. Ocorre infecção crônica, a qual persiste com graus variáveis de replicação viral contínua no paciente não tratado por um período médio de cerca de 10 anos, antes de manifestar doença clínica. O estabelecimento da infecção crônica e persistente constitui a marca característica da doença causada pelo HIV. A infecção pelo HIV muito raramente leva o hospedeiro à morte durante a primoinfecção. Alguns vírus, como o HSV, não são eliminados por completo do corpo depois da infecção, mas entram em estado de latência; nesses casos, a latência clínica é acompanhada de latência microbiológica. Como já foi mencionado, esse não é o caso da infecção pelo HIV. A cronicidade associada à replicação viral persistente também pode ser vista em alguns casos de infecções por HBV e HCV; porém, nessas infecções o sistema imune não é um alvo do vírus. • Fuga do HIV do controle efetivo pelo sistema imune Inerente ao estabelecimento da cronicidade da infecção pelo HIV é a capacidade do vírus de evitar o controle adequado e a eliminação pelas partes celular e humoral do sistema imune. O vírus dispõe de vários mecanismos para conseguir essa evasão. Entre esses destaca-se, pela sua importância, o estabelecimento de um nível persistente de replicação associado à geração, por mutação e rearranjo, de uma diversidade viral. A seleção dos mutantes que escapam ao controle dos linfócitos T citotóxicos (LTC) CD8+ é fundamental à propagação e à progressão da infecção pelo HIV. As análises detalhadas do HIV isolado sequencialmente e das respostas do hospedeiro demonstraram que a evasão viral dos epítopos das células T CD8+ e das células B ocorria pouco depois da infecção e permitia que o vírus permanecesse um passo à frente das respostas imunes eficazes. Além do vírus escapar dos LTCs com as taxas altas de mutação, acredita-se que a resposta inicialmente forte se torna qualitativamente disfuncional em virtude da ativação imune maciça resultante da replicação viral persistente, algo semelhante à exaustão dos LTC CD8+ descrita no modelo murino de infecção pelo vírus da coriomeningite linfocitária (VCML). Vários estudos indicaram que a exaustão de células T CD8+ específicas do HIV durante a ativação imune prolongada está associada com a expressão de receptores inibitórios, como a molécula de morte programada (PD) 1 (da família de moléculas B7-CD28), bem como a perda de polirreatividade e capacidade proliferativa. Outro mecanismo que contribui para a evasão do HIV ao controle do sistema imune é a hiporregulação (induzida pelas proteínas virais Nef, Tat e Vpu) das moléculas HLA da classe I na superfície das células infectadas pelo vírus; isso resulta na incapacidade de os LTC CD8+ reconhecerem e destruírem a célula-alvo infectada. Embora essa hiporregulação das moléculas HLA da classe I possa favorecer a eliminação das células infectadas pelo HIV pelas células natural killer (NK), esse último mecanismo não parece eliminar de maneira eficaz as células infectadas pelo vírus. O HIV utiliza no mínimo três mecanismos para evadir-se às respostas neutralizantes: hipervariabilidade da sequência primária do envoltório, glicosilação extensiva do envoltório e mascaramento conformacional dos epítopos neutralizantes. Estudos que acompanharam a resposta imune humoral ao HIV a partir dos pontos mais iniciais após a infecção primária indicam que o vírus sofre mutações contínuas para escapar da resposta imune emergente de forma que os anticorpos sequenciais induzidos não neutralizam o vírus autólogo. Infelizmente, quando esses anticorpos amplamente neutralizantes são formados, eles são inefetivos para conter a replicação viral no paciente. A viremia persistente também resulta em exaustão das células B de maneira semelhante à exaustão relatada para as células T CD4+, acrescentando os defeitos na resposta humoral ao HIV. O HIV infecta preferencialmente as células T CD4+ ativadas (inclusive as células T CD4+ específicas para o vírus) e, desse modo, essa perda das respostas virais específicas desencadeadas pelas células T auxiliares tem consequências negativas profundas para o controle imunológico da replicação do vírus, ocorre nos estágios iniciais da infecção e estudos realizados com animais sugeriram que 40 a 70% de todas as células T CD4+ de memória do GALT sejam eliminadas durante a infecção aguda. Outro mecanismo potencial de evasão das células infectadas pelo HIV de forma a evitar a eliminação pelos LTC CD8+ é o sequestro das células infectadas em sítios imunologicamente privilegiados, inclusive o sistema nervoso central (SNC). A evasão do HIV à eliminação mediada imunologicamente durante a infecção primária permite a formação de um pool de células com infecção latente, as quais podem não ser reconhecidas ou completamente eliminadas pelos LTC específicos para o vírus ou pela terapia antirretroviral (TARV). Durante esse período, a maioria dos pacientes faz a transição clínica da infecção primária aguda para os intervalos variáveis de latência clínica ou doença em atividade latente. • O reservatório do HIV: obstáculos para a erradicação do vírus Existe um conjunto de células T CD4+ em repouso com infecção latente e que servem pelo menos como um componente do reservatório persistente do vírus em praticamente todas as pessoas infectadas pelo HIV, incluindo aquelas que recebem TARV. As células carregam uma forma integrada do DNA do HIV no genoma do hospedeiro e podem permanecer nesse estado até que um sinal de ativação venha a desencadear a expressão dos transcritos do HIV e, em última instância, formar vírus capazes de replicar-se. Esse tipo de latência deve ser diferenciado da latência pré-integração, na qual o HIV entra em uma célula T CD4+ em repouso e, na ausência de um sinal de ativação, a transcrição reversa do genoma viral ocorre até certo ponto, mas o DNA do provírus resultante não pode ser incorporado ao genoma do hospedeiro. Esse período de latência pré-integração pode estender-se por horas ou dias e, quando não há um sinal de ativação para a célula, o DNA proviral perde sua capacidade de iniciar uma infecção produtiva. Quando essas células são ativadas antes da deterioração do complexo de pré-integração, a transcrição reversa prossegue até o fim e o vírus continua seu ciclo de replicação. O reservatório de células que se encontram em estado de latência pós-integração é estabelecido precocemente durante a evolução da primoinfecção pelo HIV. Os reservatórios das células infectadas pelo HIV (em latência ou não) podem desenvolver-se em alguns compartimentos, inclusive tecidos linfoides, sangue periférico e SNC (provavelmente nas células da linhagem dos monócitos/macrófagos), assim como em outros locaisainda não definidos. Desse modo, o reservatório persistente de células infectadas e/ou os níveis baixos de replicação viral persistente são os obstáculos principais de qualquer tentativa de erradicação do vírus dos indivíduos infectados. • Latência clínica versus latência microbiológica Com exceção dos indivíduos que não têm progressão da doença em longo prazo, o nível de células T CD4+ no sangue diminui progressivamente nos indivíduos infectados pelo HIV na ausência de TARV. O declínio das células T CD4+ pode ser gradativo ou abrupto, esse último caso geralmente refletindo um pico significativo nos níveis de viremia plasmática. A maioria dos pacientes é relativamente assintomática durante esse declínio progressivo e, em geral, diz-se que está em um estado de latência clínica. Esse termo pode gerar confusão porque não significa latência da doença, tendo em vista que a progressão (embora seja lenta em muitos casos) geralmente é inexorável durante esse período. Além disso, a latência clínica não deve ser confundida com latência microbiológica porque níveis variáveis de replicação viral sempre ocorrem durante esse período de latência clínica. TRANSLOCAÇÃO MICROBIANA E ATIVAÇÃO IMUNE PERSISTENTE Um dos mecanismos propostos para explicar a ativação imune persistente consiste na ruptura da barreira mucosa do intestino em consequência da replicação do HIV em seu interior e a destruição dos tecidos linfoides da submucosa. Em consequência dessa destruição, há um aumento dos produtos (principalmente lipopolissacarídeos [LPS]) das bactérias que são transferidos do lúmen intestinal pela mucosa danificada para a circulação, resultando na ativação imune e na inflamação sistêmicas persistentes. ATIVAÇÃO IMUNE E INFLAMAÇÃO PERSISTENTES CAUSAM DISFUNÇÃO IMUNE O estado ativado causado pela infecção pelo HIV é refletido pela hiperativação das células B seguida de hipergamaglobulinemia; turnover acelerado dos linfócitos; ativação dos monócitos; expressão dos marcadores de ativação das células CD4+ e CD8+; ampliação da apoptose celular associada à ativação; hiperplasia dos linfonodos, principalmente nas fases iniciais da doença; aumento da secreção das citocinas pró-inflamatórias, principalmente IL-6; elevação dos níveis da proteína C-reativa, do fibrinogênio, dos dímeros-D, da neopterina, da β2-microglobulina, do interferon ácido-lábil, dos receptores solúveis (R) da IL-2; dos receptores do fator de necrose tumoral; do sCD27 e do sCD40L; e fenômenos autoimunes. CONDIÇÕES CLÍNICAS ASSOCIADAS COM ATIVAÇÃO IMUNE E INFLAMAÇÃO PERSISTENTES NA DOENÇA PELO HIV Outros distúrbios crônicos relatados incluem fragilidade óssea, determinados tipos de câncer, disfunção imune persistente, diabetes, doenças renais e hepáticas e disfunção neurocognitiva que, em conjunto, compõem um estado de envelhecimento acelerado. Apoptose. Tipo de morte celular programada e constitui um mecanismo normal para a eliminação das células esgotadas durante a organogênese, bem como na proliferação celular que ocorre durante resposta imune normal. O HIV pode desencadear vias de apoptose dependentes de Fas e independentes de Fas, a primeira delas geralmente sendo chamada de morte celular induzida pela ativação através de uma via extrínseca envolvendo a suprarregulação do receptor de morte Fas e do ligante Fas. As vias independentes de Fas podem ser extrínsecas com diferentes receptores de morte ou intrínsecas devido à sub-regulação das proteínas apoptóticas, como Bcl-2. Mais recentemente, o fenômeno da piroptose, uma forma inflamatória de morte celular envolvendo a suprarregulação da enzima pró- inflamatória caspase 1 e a liberação da citocina pró-inflamatória IL-1 β, foi ligado a um efeito de observador (bystander) da replicação viral em células T CD4+. Alguns produtos dos genes virais foram associados ao aumento da suscetibilidade à apoptose, inclusive o Env, o Tat e o Vpr. Por outro lado, estudos demonstraram que o Nef tem propriedades antiapoptóticas. Fenômenos autoimunes. Refletem, pelo menos em parte, a ativação crônica do sistema imune e a desregulação das células B e T. Os fenômenos autoimunes incluem anticorpos contra autoantígenos expressados em linfócitos e outras células intactas ou contra proteínas liberadas de células em processo de morte. Os anticorpos antiplaquetários têm alguma relevância clínica, visto que podem contribuir para a trombocitopenia da doença causada pelo HIV. Além disso, foram descritos autoanticorpos dirigidos contra várias proteínas séricas como albumina, imunoglobulina e tireoglobulina. O mimetismo molecular, seja por patógenos oportunistas ou pelo próprio HIV, também é um desencadeante ou um cofator na autoimunidade. Os anticorpos contra as proteínas do envelope do HIV, especialmente a gp41, costumam ter reação cruzada com proteínas do hospedeiro; os exemplos mais conhecidos são anticorpos dirigidos contra a membrana-região externa proximal de gp41 que também reagem com fosfolipídeos e com a cardiolipina. CITOCINAS E OUTROS FATORES SOLÚVEIS NA PATOGÊNESE DO HIV Acredita-se que as citocinas, componentes importantes dessa rede imunorreguladora, desempenham papéis importantes na doença pelo HIV durante as fases iniciais e crônicas da infecção. Uma potente “tempestade de citocinas” pró-inflamatórias é induzida durante a fase aguda da infecção pelo HIV, provavelmente uma resposta das células inflamatórias recrutadas por tecidos mucosos em que o vírus inicialmente se replica em níveis muito elevados. As citocinas induzidas durante essa fase inicial incluem IFN-α, IL-15 e a quimiocina CXC IP-10 (CXCL10), seguidas por IL-6, IL-12 e TNF-α e um pico tardio da citocina anti-inflamatória IL-10. Os fatores solúveis da imunidade inata também são induzidos após a infecção, incluindo neopterina e β-microglobulina. Várias dessas citocinas e fatores de expressão precoce não são sub-regulados após a fase inicial da infecção pelo HIV, como é visto nas infecções virais de autorresolução, persistindo durante a fase crônica da infecção e contribuindo para a manutenção de níveis elevados de ativação imune. As citocinas e os fatores associados com as respostas imunes inatas iniciais deveriam conter a replicação viral, mas a maioria é formada por potentes indutores da expressão/replicação do HIV devido a sua capacidade de induzir à ativação imune que leva a uma maior produção viral e a um aumento em células-alvo prontamente disponíveis para o HIV (células T CD4+ ativadas). TURNOVER DE LINFÓCITOS NA INFECÇÃO PELO HIV Uma consequência importante da infecção pelo HIV parece ser a transição das células de um reservatório mais inativo para outro com taxa mais alta de turnover. É provável que uma das consequências da taxa mais alta de turnover seja a taxa de morte celular mais acelerada. O papel do timo na homeostase das células T humanas do adulto e na patogênese do HIV é controverso. Embora alguns dados indiquem um papel importante do timo na manutenção dos números de células T e sugiram que o comprometimento da função tímica possa ser responsável pelo declínio das células T CD4+ observado no contexto da infecção pelo HIV, outros estudos concluíram que o timo desempenha um papel mínimo na patogênese do HIV. 5. Identificar e definir as doenças definidoras de SIDA, relacionando-as com os principais sistemas acometidos (respiratório, digestivo, cutâneo, neurológico). REFERÊNCIA: MedCurso 2019 MANIFESTAÇÕES SISTEMA RESPIRATÓRIO As doenças do trato respiratório representam a maior causa de morbimortalidade na infecção pelo HIV. Três acometem os pulmões: pneumonia bacteriana recorrente, tuberculose e infecção pelo P. jiroveci. Genericamente, a forma mais comum de apresentação é a pneumonia (infiltrado pulmonar nos exames de imagem), e a principal causa de óbito, em nosso meio, é a tuberculose. A etiologia das infecções respiratórias no paciente HIV+ varia emfunção de diversos fatores, a saber: (1) nível de CD4; (2) região de moradia/visitação; (3) condições socioeconômicas; (4) uso de quimioprofilaxia. SINUSITE E TRAQUEOBRONQUITE. O quadro clínico é semelhante ao do paciente imunocompetente. Febre, cefaleia e secreção nasal, ou febre e tosse produtiva. Agentes etiológicos: bactérias encapsuladas (pneumococo e Haemophilus influenzae, cuja incidência está aumentada no HIV+). PNEUMONIA BACTERIANA. Agente etiológico mais comum, assim como nos soronegativos, é o pneumococo. A chance de pneumonia pneumocócica no paciente HIV+ é seis vezes maior que na população geral, e a chance de bacteremia por este germe chega a ser cem vezes maior! É importante ressaltar que o risco de pneumonia por Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa. Tabagistas HIV+ que conseguem parar de fumar reduzem o risco de pneumonia bacteriana em cerca de 50%. RODOCOCOSE. O Rhodococcus equi é um cocobacilo Gram-positivo que pode causar pneumonia ou infecção disseminada em portadores de Aids. Suas principais manifestações clínicas são febre e tosse. No RX de tórax, além de consolidações alveolares, costuma haver cavitação pulmonar. PNEUMOCISTOSE PULMONAR (PCP). Agente etiológico: Pneumocystis jiroveci. Antes do TARV, causava infecção pulmonar em mais de 80% dos pacientes HIV+. Em 65% das vezes, inclusive, esta era a primeira doença definidora de Aids que aparecia. P. jiroveci continua sendo causa de grande sofrimento: nos EUA, ele é o principal agente etiológico de pneumonia no paciente HIV+. Mais de 95% dos pacientes têm CD4 < 200 (principal fator de risco), e muitos desconheciam ser portadores do HIV. Febre recorrente, sudorese noturna, candidíase orofaríngea e perda ponderal inexplicada são sinais de imunodepressão “moderada” que alertam para o risco iminente de pneumocistose pulmonar. - Diagnóstico de PCP: curso arrastado, com semanas de queixas inespecíficas do tipo febre, fadiga, tosse seca (ou com pouco escarro claro), dispneia aos esforços, dor torácica retroesternal e perda ponderal. A ausculta respiratória só está alterada em 1/3 dos casos (com roncos e estertores). O RX de tórax pode ser normal (20% nas fases precoces), ou então, apresentar infiltrado intersticial bilateral e difuso, a TC pode apresentar áreas de “vidro fosco” ou “pneumonite”. Densos infiltrados peri-hilares são pouco comuns nos dias de hoje, mas podem aparecer evolutivamente. A PCP é a infeção pulmonar que mais se associa à ocorrência de hipoxemia, não raro, mais grave do que o esperado pelo estado clínico do paciente... O diagnóstico definitivo requer a demonstração do fungo em material obtido da via aérea. A pesquisa no escarro tem sensibilidade de 90%. O lavado broncoalveolar com biópsia transbrônquica tem sensibilidade próxima a 100%. A espera pelo resultado dos exames confirmatórios não deve atrasar o início do tratamento empírico. - Tratamento da PCP: A droga de primeira escolha é o Sulfametoxazol-Trimetoprim (SMX-TMP) em altas doses (15-20 mg/kg/dia de TMP, dividido em quatro tomadas diárias por 21 dias). A incidência de efeitos colaterais é de 20- 85%, sendo rash cutâneo leve (tolerável), mas, às vezes, hipoplasia de medula óssea (pancitopenia) ou síndrome de Stevens-Johnson. Casos leves-moderadas são a combinação de dapsona com trimetoprim, clindamicina com primaquina ou atovaquona em monoterapia. Nos casos graves, recomenda-se pentamidina IV. Todas essas drogas também devem ser mantidas por 21 dias. Portadores de PCP que desenvolvem hipoxemia, além de antimicrobianos, devem receber glicocorticoide. TUBERCULOSE. O risco de tuberculose nesses indivíduos é cerca de 100 vezes maior que na população geral, e a tuberculose é a principal causa de óbito em pessoas que vivem com HIV/Aids. O teste de escolha nesta situação é o teste rápido. Pacientes HIV+ que não apresentam sinais e sintomas de tuberculose ativa devem realizar a Prova Tuberculínica (PT) na avaliação laboratorial inicial, repetindo este exame anualmente caso o resultado seja negativo. Se PT ≥ 5 mm, descartada “tuberculose-doença”, tratar a infecção latente por tuberculose, ou ILTB, com isoniazida diária por 9 meses. Pode-se associar piridoxina (vitamina B6) 50-100 mg/dia, como prevenção da neuropatia induzida por isoniazida. A média de CD4 com que a doença aparece gira em torno de 326 céls/microl. As manifestações clínicas são variáveis em função do CD4: contagens altas (> 350) se associam à forma pulmonar apical cavitária, ao passo que contagens mais baixas (< 350) se associam às formas pulmonares atípicas (ex.: infiltrado em lobos inferiores + adenopatia hilar), doença extrapulmonar ou mesmo TB disseminada. A ocorrência de qualquer forma de TB num paciente HIV+ (incluindo a pulmonar) é considerada sinal de imunodeficiência, indicando o início da TARV. A TARV diminui a morbimortalidade da TB... Vale lembrar que não apenas o HIV é fator de risco para tuberculose, mas a própria tuberculose acelera a evolução para Aids (transativação heteróloga do HIV). O tratamento tuberculostático inicial deve ser idêntico ao do paciente HIV negativo. Priorizar o uso de rifampicina. Dada a grande vulnerabilidade do paciente HIV+ à tuberculose, recomenda-se que o diagnóstico de TB seja pesquisado nesses doentes através da realização conjunta de três metodologias diferentes: TRM-TB (teste rápido molecular), baciloscopia e cultura para BK com teste de sensibilidade. Vale lembrar que a chance de TB resistente é maior em portadores do HIV... O tratamento tuberculostático inicial deve ser idêntico ao do paciente HIV negativo (esquema RIPE), podendo ser modificado conforme os resultados do antibiograma. MICOBACTERIOSES ATÍPICAS. Infecções por outras micobactérias que não o BK também têm incidência aumentada no paciente HIV+. As etiologias mais frequentes são o M. avium e o M. intracelulare – constituintes de um subgrupo denominado “MAC” (Mycobacterium Avium Complex). Tais micro-organismo estão presentes no meio ambiente (solo e água), e invadem o corpo de indivíduos profundamente imunodeprimidos (CD4 < 50) através do trato respiratório e digestivo. A apresentação mais comum é a doença disseminada, caracterizada por febre, perda ponderal e sudorese noturna. Também podem ocorrer diarreia, dor abdominal, linfadenopatia e hepatoesplenomegalia. INFECÇÕES FÚNGICAS. Além do P. jiroveci, outras espécies de fungos podem causar pneumopatia oportunista no paciente HIV+. No caso da criptococose (segunda micose pulmonar mais comum), o paciente costuma apresentar febre, tosse e dispneia, eventualmente hemoptise. A forma mais comum de histoplasmose na Aids (terceira micose pulmonar mais frequente) é a Histoplasmose Progressiva Disseminada (PDH). MANIFESTAÇÕES SISTEMA DIGESTÓRIO LESÕES OROFARÍNGEAS. LESÕES DO ESÔFAGO. Suspeitadas em todo paciente com dor retroesternal e odinofagia (piora da dor à deglutição), sendo mandatório realizar uma EDA para esclarecer o diagnóstico. As principais etiologias são: (1) Candida; (2) CMV; e (3) Herpes-simplex. Na infecção pelo CMV, é clássico o encontro de uma úlcera única de grandes dimensões (> 2 cm), enquanto o HSV tipicamente produz múltiplas pequenas úlceras agrupadas. Tratamento sistêmico, com antifúngicos ou antivirais específicos, deve sempre ser instituído. LESÕES DO ESTÔMAGO. De um modo geral são infrequentes na infecção pelo HIV, ainda que a acloridria seja um achado comum. Alguns indivíduos desenvolvem lesões de Kaposi e linfoma num contexto de doença disseminada. LESÕES DOS INTESTINOS. Diarreia, dor abdominal e febre representam sinais e sintomas altamente prevalentes ao longo da história natural da infecção pelo HIV. - Infecções Bacterianas Patógenos como Salmonella, Shigella e Campylobacter são mais comuns em homossexuais masculinos, causando doença mais grave na vigência de Aids (maior risco de bacteremia). A salmonelosenão tifoide (S. typhimurium), cursa com um quadro de febre, anorexia, fadiga e diarreia. O diagnóstico é confirmado por hemo e/ou coprocultura, e o uso de ciprofloxacina por período ≥ 6 meses é recomendado. A febre tifoide (S. typhi) também é mais incidente no paciente HIV+ em regiões endêmicas. Disenteria aguda por Shigella ou Campylobacter – com forte dor abdominal em cólica, febre alta e diarreia sanguinolenta/leucócitos fecais aumentados – apresenta incidência aumentada. - Infecções por Protozoários Os três protozoários que mais provocam diarreia (geralmente crônica) no paciente HIV+ são: (1) Cryptosporidia; (2) Microsporidia; e (3) Isospora. A criptosporidíase possui incidência de 1% ao ano com CD4 < 300, sendo adquirida por consumo de água ou alimentos contaminados. Agente etiológico: Cryptosporidium parvum. A apresentação clínica varia em função do grau de imunodepressão, os portadores de Aids avançada têm diarreia grave e persistente, ameaçadora à vida. Em 75% dos casos existe dor abdominal em cólica, e em 25% ocorrem náuseas e vômitos. Às vezes a doença se estende para a árvore biliar, surgindo colecistite alitiásica ou colangite. Pancreatite aguda é outra complicação possível, secundária à oddite (inflamação e estenose do esfíncter de Oddi na papila duodenal). O diagnóstico é confirmado pela identificação de oocistos ou do próprio parasita no exame de fezes ou na biópsia de intestino delgado. A microsporidíase possui manifestações gastrointestinais semelhantes às da criptosporidíase. A grande diferença é que esta condição é causada por protozoários de pequeno tamanho, obrigatoriamente intracelulares (espécie mais comum = Enterocytozoon bieneusi). A confirmação idealmente deve ser feita pela microscopia eletrônica das fezes ou aspirado/biópsia intestinal. Pode se disseminar para diversos sítios extraintestinais (ex.: olhos, fígado, SNC, músculos), provocando lesão local (ex.: conjuntivite, hepatite etc.). O tratamento também deve ser de suporte, e a TARV costuma melhorar o quadro. O albendazol (400 mg 2x/dia) por ser benéfico em alguns pacientes. A isosporidíase é causada pela Isospora belli, um patógeno típico de regiões tropicais e subtropicais, as manifestações clínicas são semelhantes, pode ocorrer diarreia grave. O diagnóstico é confirmado pelo exame de fezes, que revela a presença de oocistos. A isosporidíase responde muito bem ao SMX-TMP, independentemente da TARV. - Infecções Virais A colite por Citomegalovírus (CMV) acomete 5-10% dos portadores de Aids na ausência de TARV. O quadro é marcado por diarreia crônica, dor abdominal, perda ponderal e anorexia. O diagnóstico é confirmado pelo exame endoscópico (ex.: colonoscopia), que revela a presença de múltiplas ulcerações mucosas. A biópsia das lesões demonstra as típicas inclusões intranucleares (“olhos de coruja”) e intracitoplasmáticas. O tratamento consiste em ganciclovir ou foscarnet por 3 a 6 semanas (além da TARV efetiva). Define-se enteropatia induzida pelo HIV como o quadro de diarreia crônica em que nenhum agente etiológico além do HIV pode ser identificado. Hoje já está claro que o próprio HIV consegue lesar a mucosa do tubo digestivo. O HIV induz um estado hiporregenerativo na mucosa gastrointestinal! Isso leva à perda de enzimas digestivas na borda em escova dos enterócitos, resultando em deficiência de lactase e síndrome de má absorção. O tratamento deve ser de suporte, buscando-se a TARV efetiva. - Micobactérias e Fungos Micoses como histoplasmose, coccidioidomicose e penicilinose também podem cursar com diarreia, dor abdominal e febre, geralmente num contexto de doença disseminada. Quadros de peritonite primária podem ser causados pelo Coccidioides immitis. LESÕES HEPATOBILIARES. As principais condições envolvidas são: (1) hepatites virais crônicas; (2) esteatose hepática; (3) hipersensibilidade medicamentosa; (4) síndrome da reconstituição imune (geralmente na forma de uma “hepatite granulomatosa”). - Coinfecção com Hepatites Virais A taxa de coinfecção por HIV e vírus hepatotrópicos varia conforme a região geográfica. Geralmente, a coinfecção tende a ser mais frequente em usuários de drogas ilícitas endovenosas. A presença do HIV influi negativamente no curso das hepatites virais. A infecção pelo HCV também é “facilitada” pela presença do HIV: a carga viral do HCV nos coinfectados é em média dez vezes maior que nos indivíduos HIV-. O risco de óbito (por falência hepática) também é cerca de dez vezes mais alto na vigência da coinfecção. - Hipersensibilidade Medicamentosa Diversos fármacos comumente prescritos aos pacientes HIV+ podem causar hepatotoxicidade. Os ITRN, por exemplo, ao inibirem a DNA-polimerase mitocondrial, podem trazer sérios prejuízos ao metabolismo oxidativo dos lipídios, produzindo esteatose hepática. Caso mais graves evoluem com acidose metabólica importante e até mesmo falência hepática aguda. - Hepatites Granulomatosas Infecções micobacterianas e fúngicas (ex.: TB, MAC, histoplasmose) representam as principais etiologias de inflamação granulomatosa do fígado, que muitas vezes se manifesta no contexto da SRI. Eventualmente, tais doenças podem se apresentar como massas hepáticas (ex.: tuberculoma). O diagnóstico é confirmado pela biópsia das lesões. LESÕES PANCREÁTICAS. Em geral são causadas por toxicidade medicamentosa. As drogas mais comumente envolvidas são o ddI e a pentamidina. O CMV é uma causa importante de pancreatite aguda infecciosa. Infecções fúngicas disseminadas (ex.: histoplasmose) também podem cursar com pancreatopatia. MANIFESTAÇÕES DERMATOLÓGICAS Mais de 90% dos soropositivos apresentam uma ou mais dessas condições. MANIFESTAÇÕES SISTEMA NEUROLÓGICO Cerca de 1/3 dos portadores de Aids que não se encontram em uso de TARV desenvolve uma ou mais doenças oportunistas no SNC, com destaque para as infecções e neoplasias. MENINGITE ASSÉPTICA, ENCEFALITE E NEUROPATIA CRANIANA. Cefaleia e sinais de irritação meníngea (ex.: rigidez de nuca) são indícios de inflamação aguda das meninges que podem ser vistos nas fases iniciais da infecção pelo HIV. Descartadas outras etiologias (por meio da punção lombar), pode-se chegar à conclusão de que o quadro está sendo causado pelo próprio HIV. Na maioria das vezes, a resolução da meningite asséptica associada ao HIV é espontânea, dentro de duas a quatro semanas. Menos comumente sobrevêm sinais e sintomas de meningoencefalite aguda, ocorrem convulsões e redução do sensório. Também podem apresentar mononeuropatias cranianas agudas, envolvendo predominantemente o VII par (paralisia facial periférica), e ocasionalmente o V (trigêmio) e/ou o VIII (vestibulococlear). A hiperestimulação de células imunes no interior do SNC (levando à secreção de citocinas pró-inflamatórias) parece ser o principal mecanismo fisiopatogênico de todos esses eventos. ENCEFALOPATIA PELO HIV. No SNC, o HIV se localiza no interior das células que expressam a molécula de CD4, sendo os constituintes da micróglia (células fagocíticas da família dos macrófagos) seu principal “alvo”. A perda generalizada de neurônios resulta em graus progressivos de disfunção neurocognitiva (HAND = HIV-Associated Neurocognitive Disorders), evoluindo de um estágio inicial, perceptível apenas com o emprego de testes neuropsicométricos (ANI = Asymptomatic Neurocognitive Impairment), passando por quadros leves/moderados (MND = Minor Neurocognitive Disorder) até culminar em sinais e sintomas de franca síndrome demencial (HAD = HIV-Associated Dementia). O tratamento genérico dessas afecções é a TARV, que pode levar a uma melhora completa ou parcial do quadro, dependendo da precocidade de seu início. AVC. Vimos que tanto a infecção pelo HIV quanto a TARV podem ocasionar o surgimento de múltiplos fatores de risco cardiovascular, o que aumenta a incidência de acidente vascular cerebral.Doenças oportunistas como vasculite cerebral pelo vírus varicela-zóster, neurossífilis, embolia séptica nas infecções fúngicas sistêmicas, podem estar envolvidas na sua etiologia. DOENÇAS DA MEDULA ESPINHAL. Existem dois principais padrões sindrômicos de acometimento da medula espinhal em portadores do HIV: (1) mielopatia vacuolar; e (2) ataxia sensorial “pura”. Outras causas de mielopatia nesses doentes são: infecção pelo HTLV-I (paraparesia espástica tropical), neurossífilis (tabes dorsalis), herpes-simples, herpes-zóster e linfoma (efeito de massas intramedulares compressivas). A mielopatia vaculoar é a forma mais comum de acometimento medular e, assim como a encefalopatia pelo HIV, parece ser causada pela ação de citocinas neurotóxicas liberadas em grande quantidade no interior do tecido nervoso. Na ataxia sensorial, as colunas dorsais da medula encontram-se predominantemente lesadas, o que acarreta um quadro clínico de dificuldade de marcha por ataxia sensorial “pura”. Esses pacientes apresentam perda da propriocepção e da sensibilidade vibratória. NEUROPATIA PERIFÉRICA. A forma mais comum de neuropatia periférica na Aids é a Polineuropatia Sensitiva Distal (PNSD), também chamada por alguns de neuropatia sensitiva dolorosa. O carro-chefe das queixas clínicas é a dor em queimação nas extremidades. Ao exame, observa-se hipoestesia distal simétrica com distribuição do tipo “luvas” e “botas”. Alterações motoras são discretas, geralmente limitando-se à ocorrência de fraqueza da musculatura intrínseca das mãos e dos pés. - Principais Infecções Oportunistas do SNC NEUROCRIPTOCOCOSE. A meningite criptocócica é a principal causa de meningite na Aids, e seu risco se torna exponencialmente aumentado com contagens de CD4 < 100. Trata-se de um quadro subagudo, em que o doente evolui ao longo de dias ou semanas com febre, náuseas e vômitos, cefaleia holocraniana, alterações progressivas do sensório e sinais de irritação meníngea (estes últimos muitas vezes são discretos ou mesmo ausentes, dependendo do grau de imunodepressão). No entanto, o que chama a atenção na meningite criptocócica é a presença de HIPERTENSÃO LIQUÓRICA significativa, que justifica os sinais e sintomas de hipertensão intracraniana. A hipertensão liquórica é prontamente detectável quando da realização de uma punção lombar. NEUROTOXOPLASMOSE. A neurotoxoplasmose é a principal etiologia de lesão cerebral com efeito de massa no paciente HIV+. Ela costuma ser uma doença de reativação, isto é, são tipicamente os portadores de infecção latente (IgG anti-Toxoplasma positivo) que desenvolvem abscessos necrosantes no parênquima cerebral pela recrudescência de cistos teciduais de T. gondii em face à imunodepressão progressiva. Pacientes HIV+ que na avaliação laboratorial inicial têm IgG anti- Toxoplasma negativo devem ser orientados quanto às formas de prevenção primária (ex.: evitar alimentos crus, principalmente carnes, e evitar contato desprotegido com solo ou fezes de gatos). O quadro clássico da neurotoxoplasmose consiste em déficit neurológico focal subagudo, acompanhado de febre e cefaleia. Podem ocorrer convulsões e sinais de hipertensão intracraniana, em particular nos pacientes que desenvolvem intenso edema perilesional. O diagnóstico é feito de forma empírica na prática, pelo encontro de alterações radiológicas clássicas. Achados: lesões focais com centro hipodenso e captação “anelar” (periférica) de contraste, com importante edema associado, predominando nos núcleos da base. Devido à sua elevada morbimortalidade, a biópsia cerebral (padrão-ouro para confirmar o diagnóstico) só é indicada para os pacientes que não respondem após duas a quatro semanas de tratamento. O esquema de primeira escolha consiste em sulfadiazina + pirimetamina + leucovorin, por um mínimo de quatro a seis semanas. História prévia de neurotoxo – ou CD4 < 100 em pacientes com IgG anti-Toxoplasma positivo – indicam quimioprofilaxia até que o CD4 fique > 200 por ≥ 6 meses em resposta à TARV. LEUCOENCEFALOPATIA MULTIFOCAL PROGRESSIVA (LEMP). Contudo, na Aids, o vírus JC pode causar uma doença “de reativação”, caracterizada pelo surgimento de pequenos focos de desmielinização da substância branca subcortical que aumentam progressivamente de tamanho, coalescendo e se espalhando pelos hemisférios cerebrais, tronco encefálico e cerebelo. O quadro clínico resultante é marcado por uma evolução arrastada e pontuada por déficits neurológicos focais sucessivos e cumulativos. Pode haver alteração do sensório em casos graves, e 20% dos pacientes fazem crises convulsivas. Um quadro agudo – ex.: cefaleia, febre e náuseas/vômitos – não é esperado na LEMP, devendo sugerir outras etiologias. O diagnóstico é confirmado pela detecção de DNA do vírus JC no liquor (por PCR) em associação à presença de múltiplas lesões desmielinizantes na substância branca das regiões occipitais e parietais do cérebro. Tais lesões são hipodensas e não captam contraste na TC de crânio, e no exame de RNM são hiperintensas em T2. Não há tratamento específico, sendo a base da terapia a restauração da competência imunológica com a TARV. 6. Caracterizar as principais doenças oportunistas relacionadas à SIDA (meningite criptocócica, toxoplasmose cerebral, pneumocistose, doença citomegálica, candidíase esofágica e orofaríngea, histoplasmose). REFERÊNCIA: Harrison MENINGITE CRIPTOCÓCICA DEFINIÇÃO E ETIOLOGIA. O Cryptococcus, um gênero de fungo leveduriforme, é o agente etiológico da criptococose. As duas espécies, C. neoformans e C. gattii, podem causar criptococose nos seres humanos. As duas variedades de C. neoformans –grubii e neoformans – correlacionam-se com os sorotipos A e D, respectivamente. EPIDEMIOLOGIA. Desde o início da pandemia do HIV no começo da década de 1980, a maioria dos casos de criptococose ocorreu em pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids). Para entender o impacto da infecção pelo HIV sobre a epidemiologia da criptococose, vale a pena lembrar que, no início da década de 1990, houve > 1.000 casos de meningite criptocócica por ano na cidade de Nova Iorque – um número que ultrapassou em muito o de casos de meningite bacteriana. Com o advento do tratamento antirretroviral efetivo, a incidência de criptococose relacionada com a Aids caiu consideravelmente entre os indivíduos tratados, por isso a maioria dos casos de criptococose atualmente ocorre em regiões do mundo com recursos limitados. PATOGÊNESE. A infecção criptocócica é adquirida por inalação de partículas infecciosas aerossolizadas. A natureza exata dessas partículas não é conhecida; as duas formas prováveis são pequenas células de levedura ressecadas e basidiósporos. Pouco se sabe sobre a patogênese da infecção inicial. Tendo em vista que a infecção criptocócica é comum, enquanto a doença é rara, o consenso é o de que os mecanismos pulmonares de defesa em indivíduos com integridade imunológica são altamente efetivos no combate a esse fungo. No entanto, evidências indicam que algumas infecções criptocócicas humanas acarretam um estado de latência em que microrganismos viáveis ficam abrigados por períodos prolongados, possivelmente em granulomas. Portanto, a inalação de células e/ou esporos criptocócicos pode ser seguida de depuração ou do estabelecimento de um estado latente. Em geral, a criptococose manifesta-se clinicamente como meningite criptocócica crônica. Os mecanismos pelos quais o fungo se dissemina para fora dos pulmões e entra no sistema nervoso central (SNC) continua pouco compreendido. O mecanismo pelo qual as células criptocócicas atravessam a barreira hematencefálica é objeto de estudo intensivo. Evidências atuais sugerem que a migração direta das células fúngicas se dê através do endotélio ou do transporte dos fungos dentro dos macrófagos, como invasores em um “cavalo de Troia”. A cápsula criptocócica é antifagocítica,
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