Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Sumário UNIDADE 1: Conceitos iniciais ................................................................................. 4 o que é morfologia? ................................................................................................... 5 formas linguísticas ..................................................................................................... 7 morfema ..................................................................................................................... 8 alomorfia .................................................................................................................. 13 morfema zero ........................................................................................................... 15 classificação dos morfemas ..................................................................................... 16 raiz ........................................................................................................................... 17 vogal temática .......................................................................................................... 19 afixo ......................................................................................................................... 21 desinência ................................................................................................................ 26 estrutura nominal ..................................................................................................... 35 estrutura verbal ........................................................................................................ 36 base e raiz presa ....................................................................................................... 38 contrastes ................................................................................................................. 40 outros tipos de morfe ............................................................................................... 41 oposições e neutralização ........................................................................................ 42 modelos de análise mórfica 1 .................................................................................. 44 exercícios ................................................................................................................. 48 UNIDADE 2: morfologia e suas interfaces .............................................................. 50 morfologia e fonologia ............................................................................................ 51 morfologia e sintaxe ................................................................................................ 58 morfologia e etimologia ........................................................................................... 60 morfologia e ortografia ............................................................................................ 61 morfologia e semântica ............................................................................................ 62 modelos de análise mórfica 2 .................................................................................. 64 exercícios ................................................................................................................. 67 UNIDADE 3: a renovação lexical ............................................................................. 68 o léxico e o dicionário .............................................................................................. 69 o nascimento de um vocábulo .................................................................................. 71 processos de formação de vocábulos ....................................................................... 76 derivação .................................................................................................................. 78 o problema da derivação regressiva ......................................................................... 83 abreviatura ............................................................................................................... 85 composição .............................................................................................................. 86 onomatopeia ............................................................................................................. 87 subprocessos de formação ....................................................................................... 89 modelos de análise mórfica 3 .................................................................................. 90 exercícios ................................................................................................................. 93 UNIDADE 4: a flexão ................................................................................................ 94 flexão nominal ......................................................................................................... 95 flexão verbal ............................................................................................................ 99 a questão do grau ................................................................................................... 103 modelos de análise mórfica 4 ................................................................................ 104 exercícios ............................................................................................................... 106 Respostas dos exercícios .......................................................................................... 107 Bibliografia ............................................................................................................... 113 UNIDADE 1: Conceitos iniciais Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 5 O QUE É MORFOLOGIA? Na intenção de produzir uma obra clara, concisa e direta, explicarei rapidamente o que é a morfologia. Sabemos que a língua é analisada das unidades mais simples às mais complexas. Uma lista quase completa dessas estruturas é esta, de modo que o fonema é a mais simples e o texto é a mais complexa. Texto Frase Oração Sintagma Vocábulo Morfema Fonema CONCEITOS Talvez você não saiba alguns detalhes dessa lista. Primeiro, veremos mais adiante que vocábulo e palavra não são a mesma coisa (na verdade, a palavra é um tipo de vocábulo), mas, para todos os efeitos, vocês podem considerar que o sejam por enquanto. Além disso, não incluímos período nessa lista, porque entendemos que período é um exemplo de frase verbal, portanto ele entra no grupo das frases. Alguns autores fornecem definições para a morfologia: “O objeto de estudo da morfologia costuma concentrar as atenções do professor e do pesquisador em duas ‘frentes de trabalho’. De um lado, está a palavra; de outro, estão os seus elementos constituintes.” (HENRIQUES, 2014, 1). Perceba-se que a morfologia é, simplificadamente, o estudo dos morfemas e dos vocábulos. No Megamanual de morfologia do português, encontra-se a seguinte definição: “a morfologia, como área de pesquisa, por sua vez, estuda e analisa os vocábulos, desde sua constituição e depreensão em unidades menores até a sua classificação em categorias lexicais” (GANDULFO, 2021, 5). Ainda devemos ter noção de que os planos gramaticais são abstratos e acessíveis somente no plano mental. Existe uma competência morfológica a que todos nós temos acesso na nossa língua materna, e essa competência é natural e intuitiva. Por exemplo, você pode não saber o que são substantivos, adjetivos, artigos, verbos. Mas você percebe que a formação exato > exatamente é correta, mas casa > casamente não. Além disso, uma criança pode conjugar erroneamente o verbo fazer como eu fazi, no pretérito perfeito; entretanto, essa conjugação, ainda que esteja errada, foi bem pensada: pela regra de vend-er > vend-i// cresc-er > cresc-i // entend-er > entend-i // perd-er > perd- i // prend-er > prend-i, a criança entendeu que a conjugação de faz-er fosse faz-i, Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 6 tratando o verbo como regular. Isso é evidência de um conhecimento morfológico internalizado. Mas, Roberto, o que são esses morfemas aí? Vamos chegar lá em breve... Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 7 FORMAS LINGUÍSTICAS O conceito de forma linguística é citado em obras gramaticais: “um ou mais fonemas providos de significado” (MACAMBIRA, 1987, 17). A classificação dessas formas foi estabelecida por Bloomfield e atualizada por Mattoso Câmara – que incluiu entre elas as formas dependentes. Acho importante que você, leitor, entenda até que ponto algo é forma ou não. Para isso, você precisa entender o que é autonomia fonológica e autonomia morfológica. Você pode perceber que as palavras casa, irmã e céu têm uma sílaba tônica: /ca/, /mã/ e /céu/, respectivamente. No entanto, a partícula que é átona. Perceba que, na frase “Ele sabe que eu posso sair”, a sequência que eu é pronunciada de uma só vez (/kew/), porque o que é átono. As formas que possuem sílaba tônica, como as primeiras, são fonologicamente autônomas; as que não a possuem, como o que, não são fonologicamente autônomas. Além disso, algumas formas nunca vêm separadas no discurso, e aparecem obrigatoriamente ligadas a uma outra forma. Quando comparamos fazer com refazer, percebemos que a forma [re] significa de novo, novamente; porém, essa forma sempre aparece grudada com outra: reescrever, reproduzir, reimprimir. Ela nunca aparece isolada no discurso, somente como re–. Outras formas, como casa, aparecem isoladas no discurso: aquela casa é linda, comprei uma casa, estou em casa. Essas formas que aparecem separadas das demais no discurso são formas morfologicamente autônomas. As outras, como re–, não são morfologicamente autônomas. Agora, vamos à classificação das formas. As formas linguísticas podem ser presas, dependentes ou livres. Formas presas são aquelas que não têm autonomia morfológica, isto é, que sempre vêm “grudadas” em outra forma no discurso. Essas formas são os morfemas, que estudaremos mais à frente, e podem ou não ter autonomia fonológica. Por exemplo, o prefixo pré– em pré-história, é fonologicamente autônomo, porque possui sílaba tônica; já re– em refazer não é fonologicamente autônomo, porque é átono. Formas dependentes possuem autonomia morfológica, mas não fonológica. É o caso das partículas átonas: conjunções, preposições, artigos, pronomes oblíquos átonos. Formas livres são aquelas com autonomias morfológica e fonológica. É o caso dos substantivos, dos verbos, dos adjetivos, dos pronomes em geral, dos advérbios em geral, dos numerais em geral. Quanto à ideia de vocábulos e palavras, as formas não presas (ou seja, pelas dependentes e pelas livres) são vocábulos. As formas livres são palavras. Então, dizemos que as formas dependentes são vocábulos sem status de palavra, enquanto as formas livres são vocábulos com status de palavra. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 8 MORFEMA Para que você, leitor, tenha um mínimo de aporte teórico, vou elencar aqui as principais definições de morfema. Para Evanildo Bechara, “Chama-se morfema a unidade mínima significativa ou dotado de significado que integra a palavra” (BECHARA, 2019, 360). Para Celso Cunha, “A essas unidades significativas mínimas dá-se o nome de morfema” (CUNHA, 2016, 90). Para Rocha Lima, “Cada um desses morfemas representa a menor unidade de significação que pode figurar numa palavra.” (LIMA, 2019, 241). Para Amini Boainain Hauy, “Como componentes formais da palavra, os morfemas são elementos estruturais indecomponíveis e unidades mínimas de significação, que não admitem, portanto, subdivisão em unidades significativas menores” (HAUY, 2015, 475). Para Fernando Pestana, Morfema é a menor parte significativa que constitui uma palavra” (PESTANA, 2019, 107). Para Napoleão Mendes de Almeida, "Morfema é o elemento linguístico que mostra as relações entre as ideias (é o prefixo, o sufixo, a desinência, a preposição, a conjunção, o verbo auxiliar, a intonação, a acentuação, a ordem dos termos etc.)" (ALMEIDA, 1965, 350). Para Celso Pedro Luft, "Esses constituintes estruturadores das palavras são os morfemas: as menores unidades significativas, significantes mínimos, indivisíveis" (LUFT, 1974, 90). Para Luiz Antonio Sacconi, “Dá-se o nome morfema ao elemento linguístico que, isolado, não possui valor, servindo apenas para relacionar semantemas na oração, para definir a categoria gramatical (gênero, número, pessoa), etc.” (SACCONI, 1989, 79). Para Valter Kehdi, “Entre os morfemas e os fonemas, há uma diferença qualitativa: enquanto aqueles são significativos, estes são distintivos” (KEHDI, 2007, 16). Para José Lemos Monteiro, “Num conceito restrito, reserva-se o termo morfema aos elementos que se opõem ao semantema, e este se refere à parte fundamental ou núcleo significativo do vocábulo” (MONTEIRO, 2002, 14). Para Flávia de Barros Carone, “A menor unidade significativa, como vimos a propósito do texto de Mário de Andrade, é o morfema, que tem a propriedade de articular-se com outras unidades de seu próprio nível” (CARONE, 1988, 21). Para Inez Sautchuk, “O morfema constitui um elemento estrutural da língua cuja função é nomear os três elementos básicos desse mundo [objetos, qualidades e ações] ou relacioná-los” (SAUTCHUK, 2018, 4). Para Maria Carlota Rosa, “Cada morfema é um átomo de som e significado – isto é, um signo mínimo” (ROSA, 2019, 95). Para Carlos Alexandre Gonçalves, "A rigor, então, o morfema é a menor unidade formal de uma língua" (GONÇALVES, 2019, 26). Para Bloomfield, morfema é “uma forma recorrente (com significado) que não pode ser analisado em formas recorrentes (significativas) menores” (BLOOMFIELD, 1966, 27). No Megamanual de morfologia do português, você encontra a seguinte definição: “morfema é a menor unidade linguística dotada de significação própria” (GANDULFO, 2021, 21). O estudante deve saber perfeitamente o que é morfema, porque ele é a unidade de estudo da morfologia. E ele ainda deve saber diferenciá-lo do morfe. Vamos, então, entender esses conceitos. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 9 Você deve entender, antes de mais, que o morfema é uma unidade abstrata com a qual nós realizamos várias operações gramaticais, para criar palavras novas, por exemplo. O nosso cérebro trabalha morfologicamente com morfemas. Além disso, o morfema é uma unidade indivisível, portanto você não consegue criar dois morfemas a partir de um só. O morfema deve ser, por natureza, indivisível. Outra característica do morfema é a significação. Todo morfema é dotado de significação, mas não confunda significação com sentido! Essa significação pode ser semântica, lexical (e então, sim, ela tem a ver com sentido), ou pode ser funcional, gramatical (e enão não tem conteúdo semântico). Vejamos o seguinte exemplos: agronegócio. Nessa palavra, podemos identificar o elemento [agro], que significa agrário, na zona rural. Esse morfema tem um papel semântico evidente. No entanto, em menina, o [a] é apenas um indicador do gênero feminino; por conseguinte, ele não possui valor semântico, mas sim papel gramatical. Então, já entendemos que o morfema é indivisível e significativo. Agora, nós temos de ser capazes de identificar um morfema numa palavra. Como fazemos isso? A divisão de um vocábulo em morfemas se chama análise mórfica, e a principal técnica de análise mórfica é a comutação. Assim, para encontrar um morfema, você deve comparar o vocábulo com outros da mesma espécie até chegar à mínima divisão. Vamos analisar, como exemplo, a palavra orçamento. É possível que troquemos o –o final por –ário: orçament-o > orçament-ário. Descobrimos o primeiromorfema: orçament[o]. Agora, sabemos que orçamento vem de orçar (orçamento é o ato de orçar), então orça-r > orça-ment-o. Descobrimos mais um morfema: orça[ment][o]. Se orçamento vem de orçar, há a conjugação eu orço (do verbo orçar), o que comprova mais um morfema: orç-o > orç-a-mento. Há agora mais um morfema: orç[a][ment][o]. Por fim, sabemos que não existe palavra mais simples para orçar, ou seja, não encontramos nenhuma outra palavra que originou orçar. Portanto, assumimos que o [orç] seja um morfema também, porque ele não pode ser dividido. Assim, há quatro morfemas: [orç][a][ment][o]. Esse é o jogo da análise mórfica. Você vai comparando palavras até chegar à análise final. Veja só um exemplo mais simples: como dividimos casa? Ora, simples! cas-a gera cas-inha. Então, o [a] é morfema. Como a palavra casa é primitiva, o [cas] é indivisível, então ele também é um morfema. A análise de casa é, portanto, [cas][a]. Vamos a um exemplo um pouco mais complicado: descentralização. Quando você se deparar com uma palavra assim, muito complexa, tente procurar a mais primitiva de onde ela veio? Descentralização vem de centralização, central, centro... centro! Exatamente. Descentralização vem de centro. Agora, vamos explicar como centro se tornou descentralizar, etapa a etapa. centro > central > centralizar > descentralizar > descentralização Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 10 Quando nos habituamos a explicar como a forma primitiva gerou a derivada, mais complexa, conseguimos ver mais nitidamente os morfemas. Veja o primeiro processo: centr-o > centr-al Já podemos concluir algumas coisas. Por centro ser palavra primitiva, aquele [centr] é indivisível e, portanto, é um morfema. Além disso, [o] é um morfema que alternou com [al]. central > central-izar Agora devemos tomar cuidado, que [izar] não é um morfema. Por exemplo, com centralizar podemos formar eu centralizo (central-iz-ar > centraliz-o). Aqui descobrimos que [iz] é um morfema, porque ele fica isolado entre [central] e [o]: [centr][al]iz[o]. Além disso, o [r] de centralizar pode alternar com [do]: centraliza-r > centraliza-do. Isso mostra que o [r] é um morfema e que o [a] também é um morfema: [centr][al][iz][a][r]. centralizar > descentralizar Essa foi fácil! O elemento [des] é um morfema que foi adicionado à palavra centralizar. Esse morfema significa fazer o oposto; assim, descentralizar significa fazer o oposto de centralizar, ou seja, tirar do centro. descentraliza-r > descentraliza-ção Agora, aquele morfema [r] deu o lugar para [ção], que também é um morfema, porque não pode ser dividido. Agora chegamos à análise final: [des][centr][al][iz][a][ção]. * * * * * Agora que aprendemos a dividir morfemas, vamos aprender a diferença entre morfe e morfema. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 11 Já sabemos que morfema é a m[inima unidade abstrata linguística significativa. O morfe é, então, a estrutura fonológica que preenche esse morfema. Como assim? Para explicar esse conceito, eu costumo usar algo que chamo de analogia das caixas. Imagine você uma caixa que contém um monte de sons. Bem, nessa ideia, o morfema é a caixa, e o morfe é o conteúdo da caixa. Por exemplo, na palavra centro, vimos que [centr] é um morfema, e ele é um morfema porque ele tem uma função na palavra e uma posição para preencher. Porém, esse morfema é preenchido pelos sons /s’ẽtru/. Veremos mais à frente que os morfemas são classificados quanto à função e quanto à posição, mas o morfema é apenas a unidade, o espaço a ser preenchido; o morfe é o que preenche o morfema, é o som. Essa divisão é importante para entendermos o que é o morfema zero e a alomorfia mais à frente. * * * * * Antes de passarmos ao próximo tópico, acho interessante tratar da visão de Andrew Spencer sobre os morfemas. Ele, na obra Morphological Theory, explica o mapeamento de morfemas, e afirma que existem duas metáforas que os linguistas utilizam para elucidá-lo: “One is to regard morphemes as things which combine with each other to produce words. In this metaphor, a morpheme is a bit like a word, only smaller, and the morphology component of a grammar is a bit like syntax in that its primary function is to stick the morphemes together. The other metaphor regards morphemes as the end product of a process or rule or operation. Here, it is not the existence of the morphemes that counts but rather the system of relations or contrasts that morphemes create” (SPENCER, 1991, 12). Tradução: Uma diz respeito aos morfemas como coisas que se combinam para produzir vocábulos. Nessa metáfora, um morfema se assemelha a um vocábulo, mas menor, e o componente morfológico de uma gramática se parece com a sintaxe, cuja função principal é unir os morfemas. A outra metáfora se refere aos morfemas no produto final de um processo, de uma regra ou de uma operação. Aqui, não é a existência do morfema que vale, mas o sistema de relações ou contrastes que os morfemas criam. Spencer, diferentemente dos morfologistas brasileiros, mostra a ideia de que o morfema não necessariamente é preenchido por um morfema (ou seja, nem sempre ele será uma “coisa” concreta, como avalia no texto), mas sim pode ser uma regra. Os morfologistas brasileiros não apresentam essa ideia explicitamente porque o morfema como regra não é muito frequente no português, embora ocorra em alguns casos. Veja- se, por exemplo, o caso de avô-avó. O feminino de avô não é realizado por nenhum morfe concreto: na verdade, a passagem de avô para avó é resultado de uma metafonia, de uma regra que forçou a mudança de timbre da vogal (de fechado para aberto). Nesse Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 12 caso, o morfema que indica o gênero não pode ser identificado estruturalmente na palavra; ele é uma regra que provocou uma mudança fonológica na palavra. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 13 ALOMORFIA Aprendemos há pouco que o morfema é uma unidade abstrata e que o morfe é a estrutura fonológica que o preenche. Bem, a alomorfia é, então, definida como a variação de morfe para o mesmo morfema. Acontece que, em virtude de fenômenos etimológicos ou fonológicos diversos, um morfe se altera sem que o morfema perca sua função ou seu papel. Por exemplo, na palavra pedra é primitiva e, por comparação com pedr-inha, sabemos que ela possui dois morfemas: [pedr][a]. No entanto, pedra gera a palavra petrificar, que pode ser dividida da seguinte forma [petr][ific][a][r]1. Perceba-se que os morfemas [pedr], de pedra, e [petr], de petrificar, têm exatamente a mesma função. É comum que algumas palavras busquem raízes etimologicamente mais antigas para executar algumas derivações. É o caso de pedra-petrificar, vida-vital e outros. Dizemos, então, que aquele morfema sofreu alomorfia, ou seja, mudou de forma, mas continua sendo o mesmo morfema, porque não perdeu sua significação nem seu papel. A alomorfia não pode ser pormenorizada por enquanto, contudo, à medida que virmos os tipos de morfema, estudaremos mais profundamente o fenômeno da alomorfia. O problema todo é que fica difícil analisar uma palavra se a forma do morfema mudou, certo? Como fazemos a análise mórfica, então? Vamos tomar por exemplo a palavra legal (no sentido de estar dentro da lei). É evidente que legal vem de lei, certo? Afinal, percebemos uma relação semântica e morfológica entre ambas. No entanto, um estudante desatento pode pensar que, comparando-se ambas as formas, a divisão de legal seja le-i > le-gal. Essa divisão, porém, está incorreta, porque sabemos que o sufixo formador de adjetivos relativos a um substantivo é [al]: pesso-a > pesso-al, indústri-a > industri-al. A única variação desse sufixo é [ar], quando ele se associa a uma palavra com –l em geral: sol > solar, escola > escolar, anel > anelar.Não há a variação [gal]. Logo, por conhecer o elemento [al] (que mais à frente veremos que é um sufixo), sei que legal se divide como [leg][al], de modo que os morfemas [leg] e [le], de lei, são alomórficos. Por mais que alguns professores sejam contrários a essa ideia, uma parte do entendimento teórico da morfologia está associada à habilidade de memorização. É importante decorar os prefixos e os sufixos da língua porque, assim, a análise mórfica fica mais apurada. Por saber e decorar o sufixo [al], analisei mais corretamente legal. * * * * * 1 A demonstração dessa análise fica a cargo do leitor. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 14 A última coisa que eu acho importante ressaltar neste capítulo é a ideia de que morfe é som. Aprendemos isso no tópico anterior: morfe é a estrutura fonológica (entenda-se sonora) que preenche o morfema. Agora, atente a este exemplo: feliz > felicidade. Algum principiante pode pensar que houve alomorfia nesse caso, porque o z de [feliz] se tornou c em [felic][idad][e]2. Na verdade, isso é um erro, porque o z de feliz e o c de felicidade têm exatamente o mesmo som. A letra c antes de e ou i assume o fonema /s/, e a letra z em fim de sílaba também representa o fonema /s/. Portanto, tanto o z quanto o c assumem o mesmo fonema, o mesmo som. Se se trata do mesmo som, então não houve alomorfia simplesmente porque a forma (o som) não mudou. Nós apenas escrevemos de maneira diferente, mas os morfemas [feliz] e [felic] têm exatamente o mesmo som. Não houve alomorfia. 2 O sufixo é [dade], que pode variar para [idade] e [edade]: leal-dade, real-idade, honest-idade, seri-edade, comun-idade. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 15 MORFEMA ZERO Agora vamos entender um pouco sobre o morfema zero. Se o morfe é a estrutura fonológica que preenche o morfema, um morfema zero é aquele que não é preenchido por nenhum morfe. Por enquanto ainda é complicado explicar o morfema zero com exemplos concretos, porque ainda não estudamos os tipos de morfema. No entanto, existe uma regra que determina que toda mudança de classe é mediada por uma derivação, ou seja, se uma palavra de uma classe quer ser empregada em outra, deve obrigatoriamente ocorrer uma derivação (prefixal, sufixal, parassintética, conversiva... estudaremos isso mais adiante). E a derivação, no mais das vezes, é realizada por afixos (que são morfemas). Então, veja um exemplo: flor é substantivo, mas quero empregá-lo como verbo. Posso realizar uma derivação sufixal e formar flor-esc-er, com a adição dos morfemas [esc], [e] e [r], ou floriscar, com os morfemas [isc], [a] e [r]. Agora, o que acontece com florar? Nas formações florescer e floriscar, adicionaram-se três morfemas: o primeiro ([esc] e [isc]) é o afixo que mediou a derivação, os outros dois ([e] e [a] e [r]) são típicos da terminação dos verbos infinitivos. No caso de florar, não podemos dividir simplesmente como flor-a-r, porque falta à estrutura o afixo que mediou a derivação: flor-Ø-a-r. É daí que surge a ideia do morfema zero: o contraste entre estruturas semelhantes evidencia a existência desse morfema. Vamos a mais um exemplo. Os nomes variáveis em gênero têm uma projeção do gênero por um morfema (chamado desinência de gênero). No caso de professor-a, o [a] é uma desinência de gênero feminino, porém, em professor-Ø, a palavra é masculina, mas aquele morfema que indica o gênero está vazio. Mas por que não podemos simplesmente supor que esse morfema não está lá? Porque esse nome varia em gênero, então existe um morfema que indica essa variação. O fato de esse morfema não ser preenchido é um indicador de que ele está no masculino: professor[Ø] > professor[a]. Nós estudaremos melhor os casos de alomorfia e de morfema zero em cada tipo de morfema. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 16 CLASSIFICAÇÃO DOS MORFEMAS No português, conhecemos quatro tipos de morfema: raiz, vogal temática, afixo e desinência. Neste tópico, vamos introduzir o assunto para compreender essa classificação que será pormenorizada posteriormente. Primeiro, devemos entender que todo vocábulo, por mais simples que seja, possui um morfema básico, que lhe concede o sentido inicial. Então, conhecemos vocábulos constituídos de um só morfema (ignorando-se os zeros), como flor e mar. A partir de flor, podemos gerar floricultura, florescer, florar, florzinha, floreio. Todas essas palavras fazem parte da mesma “família”, porque possuem o mesmo sentido básico, que foi modificado por outros elementos periféricos. Então, há um morfema, em todas essas palavras, responsável por indicar o sentido inicial de todos os vocábulos, e há outros para modificar esse sentido inicial. Por exemplo, fazer possui um morfema que indica o sentido inicial: [faz]. Podemos acrescer a esse vocábulo morfemas periféricos responsáveis pela modificação do sentido. No caso de refazer, o elemento [re] altera o sentido, de modo que refazer significa fazer de novo. Agora, em outra via, conhecemos o verbo cant[a]r e vend[e]r. Esse morfema destacado tem alguma função, porque, quando conjugamos cantar no pretérito perfeito, obtemos cant-ar > cant-ei, mas, com vender, formamos vend-er > vend-i (e não vend- ei). Aparentemente, essa vogal antes do r em verbos infinitivos indica como deve ser efetuada a conjugação; portanto, esse morfema não tem valor semântico, mas sim gramatical. Isso mostra que esses morfemas têm funções diferentes e são classificados diferentemente. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 17 RAIZ Aquele morfema que vimos que está presente em todas as palavras de uma mesma “família” se chama raiz (ou morfema lexical, ou morfema nuclear). A raiz (R) é o morfema responsável por designar o sentido e a classe iniciais do vocábulo: flu-ir, in-flu-ir, flu-ência, in-flu-ente, in-flu-enciar. Quando duas palavras possuem a mesma raiz, dizemos que elas são cognatas. O conjunto formado por todas as palavras cognatas a uma primeira é chamado de grupo lexical (ou família de palavras para alguns gramáticos). Por exemplo, a partir de pedr- a, podemos encontrar vários cognatos: pedr-inha, petr-ificar, pétr-eo, pedr-eiro, em- pedr-ar, a-pedr-ejar. O conjunto constituído por pedra e por todos os seus cognatos forma um grupo lexical: {pedra, pedrinha, petrificar, pétreo, pedreiro, empedrar, apedrejar...}. Vamos aos exemplos. Ocorre alomorfia na raiz? Sim! Os exemplos são vários: árvore > arborizado ([arvor]~[arbor]) cão > canil ([cã]~[can]) estado > estatal ([estad]~[estat]) estômago > estomacal ([estomag]~[estomac]) fruta > frugal ([frut]~[frug]) ler > legível ([l]~[leg]) lei > legal ([le]~[leg]) nariz > narigudo ([nariz]~[narig]) ordem > ordinário ([ordem]~[ordin]) pedra > petrificar ([pedr]~[petr]) poder > possível ([pod]~[poss]) touro > taurino ([tour]~[taur]) vida > vital ([vid]~[vit]) ouro > áureo ([our]~[aur]) nadar > natação ([nad]~[nat]) Além disso, a raiz pode ser zero? Nos artigos definidos, a raiz é zero. Esse é o único caso em que a raiz é zero. Perceba que, quando se passa o para o feminino, a, nenhuma parte da palavra é mantida, por isso a raiz é zero: Ø-o > Ø-a, Ø-os, Ø-as. O VERBO IR Sobre o verbo ir, há a seguinte referência: “a vogal temática de ir é zero, em consequência de crase” (MONTEIRO, 2002, 127). Como veremos a seguir, essa afirmação implica entender que a raiz de ir é [i]. Portanto, o verbo ir tem um morfema zero, que é a vogal temática, e não a raiz: [i][Ø][r]. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 18 * * * * * Agora, vamos discutir a noção de radical. A maioria dos gramáticos normativos, na verdade, distinguem radical e raiz de maneira diferente daquela como os morfologistas fazem.Para a gramática normativa, o radical é o morfema nuclear ou lexical (que chamamos aqui de raiz), e a raiz é, na verdade, um resquício etimológico que conecta palavras com um antigo vínculo etimológico (no latim, por exemplo). Então, a raiz é um conceito etimológico, diacrônico, e não sincrônico. Para os morfologistas em geral, a raiz é o morfema lexical ou nuclear, e o nome radical significa, basicamente, o conjunto formado pela raiz e pelos afixos da palavra (estudaremos os afixos mais à frente). Por exemplo, descentralizar, que vimos anteriormente, tem [centr] como raiz e [descentraliz] como radical (porque [a] e [r] não são nem raízes, nem afixos). Alguns autores, ainda, falam sobre a progressão do radical, da seguinte forma: [centr]o (radical primário) [central] (radical secundário) [centraliz]ar (radical terciário) [descentraliz]ar (radical quarternário) [descentralizaçã]o (radical quinário) Portanto, alguns autores, como José Lemos Monteiro, também entendem que outra definição para raiz é radical primário, uma vez que o radical primário sempre será a própria raiz. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 19 VOGAL TEMÁTICA A ideia da vogal temática (VT) é confusa entre os morfologistas, porque há várias controvérsias quanto às suas explicações. De todo modo, a noção geral é que as vogais temáticas são morfemas sem valor semântico; elas só têm valor gramatical. A vogal temática é aquele morfema que nós vimos nos verbos cant[a]r e vend[e]r. No caso dos verbos, a vogal temática é responsável por indicar a conjugação (primeira, segunda ou terceira). Nesse caso, só existem três vogais temáticas verbais: a, e e i, para as terminações verbais: cant-a-r, am-a-r, vend-e-r, perd-e-r, part-i-r, ped-i- r. No caso dos nomes, a vogal temática serve para a manutenção da eufonia (do bom som): em sac-o, o [o] é uma vogal temática nominal; sem ela, a pronúncia não ficaria agradável ao sistema fonológico da língua: *sac. Todas as vogais podem ser temáticas? Nos verbos, somente a, e e i: cant-a-r, vend-e-r, part-i-r. Nos nomes, todas podem ser temáticas: cam-a, lent-e, med-o, táx-i, ma-u. Além disso, as vogais temáticas nominais são obrigatoriamente átonas. Quando um nome termina em vogal tônica ou em consoante, a vogal temática é zero: café-Ø, mar-Ø. Existe vogal temática zero? Os nomes terminados em vogal tônica ou em consoante têm vogal temática zero. Para os verbos, depende do caso. Veja a tabela abaixo: ZERO NA VOGAL TEMÁTICA Conjugação Tempo e modo Número e pessoa Exemplo Qualquer uma Presente do indicativo 1.ª pessoa do singular cant-Ø-o vend-Ø-o part-Ø-o Qualquer uma Presente do subjuntivo Todas cant-Ø-emos vend-Ø-amos part-Ø-amos 2.ª e 3.ª Pretérito perfeito do indicativo 1.ª pessoa do singular vend-Ø-i part-Ø-i Ocorre alomorfia na vogal temática? Nos nomes, não. Nos verbos, sim, e com bastante frequência. Antes de analisarmos a tabela abaixo, já adianto uma informação importante: nos verbos, qualquer caso de vogal temática zero é considerado uma alomorfia. Por exemplo, em cant-a-r e cant-Ø-o, entende-se que há alomorfia em [a]~[Ø]3. Agora, sim, partamos à análise dos casos de alomorfia regular na vogal temática verbal. 3 Essa é a notação que indica que dois morfemas são alomórficos: [A]~[B]. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 20 ALOMORFIA NA VOGAL TEMÁTICA Conjugação Tempo e modo Número e pessoa Alomorfia Exemplo Qualquer uma Presente do indicativo 1.ª pessoa do singular [a]~[Ø] [e]~[Ø] [i]~[Ø] cant-Ø-o vend-Ø-o part-Ø-o Qualquer uma Presente do subjuntivo Todas [a]~[Ø] [e]~[Ø] [i]~[Ø] cant-Ø-emos vend-Ø-amos part-Ø-amos 2.ª e 3.ª Pretérito perfeito do indicativo 1.ª pessoa do singular [e]~[Ø] [i]~[Ø] vend-Ø-i part-Ø-i 1.ª Pretérito perfeito do indicativo 1.ª pessoa do singular [a]~[e] cant-e-i 1.ª Pretérito perfeito do indicativo 3.ª pessoa do singular [a]~[o] cant-o-u 2.ª Pretérito imperfeito do indicativo Todas [e]~[i] vend-i-a vend-í-amos vend-i-am 2.ª Particípio – [e]~[i] vend-i-do 3.ª Presente do indicativo 2.ª pessoa do singular [i]~[e] part-e-s 3.ª Presente do indicativo 3.ª pessoa do singular [i]~[e] part-e 3.ª Presente do indicativo 3.ª pessoa do plural [i]~[e] part-e-m Existe divergência na doutrina quanto ao caso dos verbos de 2.ª conjugação empregados no pretérito imperfeito do indicativo, como vendíamos. Alguns autores entendem que a vogal temática é [i], como eu expus na tabela (vend-í-amos); outros, porém, entendem que a vogal temática é zero (vend-Ø-íamos). Você entenderá isso melhor quando estudarmos as desinências verbais. No entanto, de qualquer maneira, ocorre alomorfia (ou [e]~[i], ou [e]~[Ø]). * * * * * Agora é interessante discutir a noção de tema. Para a maioria dos pesquisadores, tema é o conjunto formado pela raiz e pela vogal temática. Portanto, em casa, o tema é [casa]; em cantar, o tema é [canta]. Quando a vogal temática é zero, dizemos que o vocábulo é atemático. Quando ele tem vogal temática, é temático, e tem tema em a, em e, em i... dependendo de sua vogal temática. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 21 AFIXO Para entender o conceito de afixo, devemos relembrar a noção de raiz. Se a raiz fornece o sentido e a classe iniciais do vocábulo, os afixos são justamente modificadores do sentido ou da classe da base. Afixos são, então, morfemas que se associam a bases (vocábulos ou raízes) para modificar seu sentido ou sua classe. Já estudamos, então, a análise e a formação de descentralização: centr-o > centr-al > central-iz-a-r > des-centr-al-iz-a-r > des-centr-al-iz-a-ção A raiz é [centr], porque esse é o radical primário, isto é, a raiz da forma primitiva, que é mantida ao longo de toda a formação. Os elementos periféricos que foram adicionados alteraram o sentido e a classe da base várias vezes: [al], [iz], [des], [ção]. Perceba as alterações: [al]: centro (substantivo) > central (adjetivo; que se refere ao centro) [iz]: central (adjetivo) > centralizar (verbo; pôr no centro) [des]: centralizar > descentralizar (tirar do centro) [ção]: descentralizar (verbo) > descentralização (substantivo) Podemos notar que alguns elementos aparecem antes de base (como o [des]) e outros aparecem depois dela. Os afixos que aparecem antes da base são os prefixos (P); os que vêm depois dela, sufixos (S). Podemos estabelecer algumas distinções essenciais entre os prefixos e os sufixos além da posição. Os prefixos são majoritariamente modificadores semânticos. Eles não alteram a classe do vocábulo e modificam mais significativamente o sentido do vocábulo: fazer > refazer (fazer de novo), viver > conviver (viver junto). Há alguns poucos casos em que o prefixo muda a classe do vocábulo. Esses podem ser mais recentes, principalmente com [anti], [extra], [pré], [pró] e [pós], ou mais antigos. Todos geralmente envolvem uma mudança de substantivo para adjetivo. Entre os exemplos mais recentes, podemos encontrar esquadrão antibomba (bomba > antibomba), políticas extra-acordo (acordo > extra-acordo), discurso pré-eleição (eleição > pré- eleição), movimento pós-Independência (independência > pós-independência), anos pós-colonização (colonicação > pós-colonização). Entre os exemplos mais antigos, encontramos demente (de+mente), inglório (in+glória), imberbe (im+barba), inúmero (i+número). Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 22 Os sufixos são majoritariamente modificadores categoriais, porque atuam mais significativamente na mudança de classe, e não na mudança de sentido. Os sufixos em geral tendem a ser mais seletivos em relação à categoria das bases a que se ligam. Vejam só alguns exemplos de mudanças que os sufixospodem provocar. VALOR DO SUFIXO Mudança de classe Alguns sufixos Exemplos De substantivo para adjetivo [aco] [ado] [al]/[ar] [âneo] [eno] (...) demônio > demoníaco vermelho > avermelhado pessoa > pessoal momento > momentâneo Chile > chileno (...) De substantivo para verbo [(ar)] [iscar] [ear]/[ejar] [ecer]/[escer] [izar] (...) arma > armar flor > floriscar corte > cortejar noite > anoitecer cloro > clorizar (...) De adjetivo para substantivo [dade]/[idade]/[edade] [ez]/[eza] [ia] [ice] [ície] (...) real > realidade belo > beleza alegre > alegria velho > velhice calvo > calvície (...) De adjetivo para verbo [(ar)] [iscar] [ear]/[ejar] [ecer]/[escer] [izar] (...) alegre > alegrar verde > verdejar escuro > escurejar pálido > empalidecer mortal > mortalizar (...) De adjetivo para advérbio [mente] rápido > rapidamente De verbo para substantivo [(a)] [(e)] [(o)] [ção] [mento] (...) quebrar > quebra embarcar > embarque custar > custo colocar > colocação receber > recebimento (...) De verbo para adjetivo [vel] [dor] [ão] [or] [nte] (...) vender > vendível amar > amador cagar > cagão cantar > cantor pedir > pedinte (...) No entanto, existem, sim, sufixos não alteram a classe da base a que se associam. Nós vamos dividi-los em dois grupos: os que indicam grau e os que não indicam grau. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 23 Os que não indicam grau são estes: [ista], [eiro], [ada], [aria]/[eria], [al]4, [agem], [itar], [icar]. VALOR DO SUFIXO Classe Alguns sufixos Exemplos Substantivo [ista] [ismo] [eiro] [ada] [aria]/[eria] [al] [agem] flauta > flautista capital > capitalismo limão > limoeiro faca > facada sorvete > sorveteria cipó > cipoal picareta > picaretagem Adjetivo [ista] clássico > classicista Verbo [icar] [itar] beber > bebericar saltar > saltitar Os que indicam grau associam-se a várias classes distintas (inclusive aos advérbios), sem mudá-las. Os sufixos que indicam grau são inicialmente [inho], [zinho], [ão], [zão], [íssimo], [érrimo], [imo], mas alguns outros se podem enquadrar nessa lista: [udo], [aço], [aréu], [uço], [eto], [eco], [ola], etc. VALOR DO SUFIXO Classe Alguns sufixos Exemplos Substantivo [inho]/[zinho] [ão]/[zão] [uço] [eco] [aréu] (...) menino > menininho garoto > garotão dente > dentuço jornal > jornaleco fogo > fogaréu (...) Adjetivo [inho] [ão]/[ão] clássico > classicista Verbo [icar] [itar] beber > bebericar saltar > saltitar Agora vamos às perguntas padrão... Existe prefixo zero? Não. Existe alomorfia no prefixo? Sim. Alguns prefixos sofrem alomorfia. Vejam-se alguns exemplos na tabela abaixo. 4 Esse sufixo [al] é diferente daquele [al] que citamos anteriormente, que aparece em central. O [al] de central indica referência (o que se refere ao centro); o [al] de areal, por exemplo, indica zona de grande extensão (grande extensão de areia, nesse caso). Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 24 PREFIXOS Alomorfes Exemplos [i] [im] [in] irreal impossível inapto [intra] [intro] intracelular introvertido [co] [com], [con] correlação conviver [sobre] [super] sobreviver superfino Existe sufixo zero? Sim, existe. Quando um nome5 se torna verbo por meio da adição da terminação –ar, há um sufixo zero que medeia essa derivação. arm-a > arm-Ø-a-r Ainda há os casos como quebrar-quebra, em que alguns autores, como Luiz Carlos de Assis Rocha, preveem tratar-se de sufixação (e não derivação regressiva, como a maioria analisa). Mas esse caso será mais bem analisado posteriormente. Existe alomorfia no sufixo? Sim, alguns sufixos sofrem alomorfia. Veja alguns exemplos na tabela abaixo: SUFIXOS Alomorfes Exemplos [dade] [edade] [idade] leal > lealdade sério > seriedade honesto > honestidade [ção] [cion] inflar > inflação inflação > inflacionar [al] [ar] pessoa > pessoal sol > solar [ear] [ejar] claro > clarear festa > festejar * * * * * 5 Substantivo ou adjetivo Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 25 Outra dúvida muito comum entre os recém-estudiosos é esta. Existem palavras com mais de um prefixo? Bem, é verdade que não é tão comum a adjunção de vários prefixos quanto a de vários sufixos, mas, sim, existem várias palavras com mais de um prefixo. Veja-se: pôr > compor > decompor > decomponível > indecomponível Exatamente, três prefixos! Perceba: [pôr] > [com[por]] > [de[com[por]]] > [[de[com[poní]]]vel] > [in[[de[com[poní]]]vel]]. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 26 DESINÊNCIA Agora estudaremos as desinências. As desinências, no português, são os morfemas que designam as flexões dos verbos e dos nomes. O emprego das desinências está relacionado à concordância, na sintaxe. Vejam-se estas sentenças: O menino é lindo A menina é linda Inicialmente, já ouso enfatizar a diferença entre a vogal temática e a desinência. A vogal temática não indica gênero e não está relacionada à concordância; a desinência está intimamente ligada à concordância. Existem dois grupos de desinências: as verbais e as nominais. Começaremos pelas nominais, que julgo serem mais simples, porque só existem quatro. As desinências nominais são divididas em desinência de gênero (DG) e desinência de número (DN). Há divergências na análise de ambas, então estudaremos cada uma separadamente. * * * * * No português, só existem dois gêneros: o masculino e o feminino. Os autores divergem no critério que utilizam para diferenciar os gêneros: enquanto uns lidam com a ideia de contraste, outros tratam da ideia de marca. Os autores que falam em contraste comparam o masculino e o feminino para chegar às desinências. Por exemplo, para eles, menin-o se opõe a menin-a; portanto, o [o] é desinência de gênero masculino, e o [a] é desinência de gênero feminino. Já em professor-Ø e professor-a, o [Ø] é desinência de gênero masculino e o [a] é desinência de gênero feminino. Um argumento a favor do [o] como desinência de gênero é o de que, intuitivamente, acreditamos que essa terminação leva as palavras a serem masculinas. Por exemplo, a gramática normativa entende que gênio é uma palavra estritamente masculina, portanto o correto seria sempre empregá-la no masculino: “Ele é um gênio”, “Ela é um gênio”. No entanto, no português não monitorado, muito vemos “Ela é uma gênia”. Nós tendemos a flexionar gênio por acreditar que a trminação –o leve a palavra a ser masculina. Um detalhe importante! A palavra policial varia em gênero, mas essa variação não é expressa morfologicamente. Existem o masculino o policial e o feminino a policial. Nesse caso, dizemos que o gênero é marcado por dois morfemas zero diferentes: o policial-Ø e a policial-Ø, de modo que o primeiro [Ø] é desinência de Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 27 gênero masculino, e o segundo [Ø] é desinência de gênero feminino, alomórfica àquele [a] de menina. Logo, os autores que lidam com a ideia de contraste entendem que o sistema de desinência de gênero seja este: DESINÊNCIAS DE GÊNERO Masculino Feminino [Ø]~[o] [a]~[Ø] Os autores que preferem adotar a ideia de marcas entendem que, para cada parâmetro gramatical, existe uma forma básica (não marcada) e outra complexa (marcada). Nesse caso, o masculino, devido a seu emprego genérico, é tomado por forma básica, isto é, não marcada; se é não marcada, não tem marca. Assim, a desinência de masculino sempre será [Ø]. Em menino, por exemplo, o [o] é visto como vogal temática, e não desinência de gênero. Outro argumento para o zero masculino é a ausência de terminação própria parao masculino: menino (termina em /u/), mestre (termina em /i/), professor (termina em /R/), um (termina em /ũ/), oficial (termina em /aw/), judeu (termina em /ew/). Porém, a maioria absoluta dos nomes variáveis em gênero terminam em –a quando estão no feminino: menina, professora, uma, oficiala, judia. Há alguns poucos casos excepcionais, como os nomes comuns de dois gêneros (por exemplo, policial e estudante) , avó, que faz feminino somente por metafonia6, e ré. Nessa visão, aquela ideia de que os nomes comuns de dois gêneros têm desinência de gênero [Ø] no masculino e no feminino ainda persiste. Portanto, para esses autores, o sistema de desinências de gênero é assim: DESINÊNCIAS DE GÊNERO Masculino Feminino [Ø] [a]~[Ø] * * * * * Agora, vamos tratar da desinência de número. Aqui há a mesma ideia de contraste e de marca, com visões diferentes. Os autores que trabalham com a ideia de contraste comparam o singular com o plural e chegam a uma conclusão quanto ao morfema que indica plural. Fato é que não existe marca para o singular: todo nome no singular tem desinência de número [Ø]. No plural, porém, a conclusão muda. Quando comparamos formas distintas, percebemos que o mecanismo mais frequente de 6 Vamos estudar a metafonia mais adiante. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 28 pluralização é a adição do morfema [s]: festa-Ø > festa-s, mesa-Ø > mesa-s, medo-Ø > medo-s, menino-Ø > menino-s. No entanto, com alguns substantivos com terminações específicas, ocorre a adição do elemento [es] (ou [is], de mesmo som): professor-Ø > professor-es, canal-Ø > cana-is, réptil-Ø > répte-is, mês-Ø > mes-es, país-Ø > país-es. Esses morfologistas afirmam, então, que há outro morfema [es] (ou [is]), alomorfe a [s], que também indica o plural. Um detalhe importante! Assim como vimos no gênero, existem os nomes comuns de dois números, que asumem a mesma forma no singular e no plural: o pires > os pires, o tórax > os tórax. Nesses casos, acontece o mesmo: aparece um morfema zero no singular e outro no plural para indicar a oposição: o pires-Ø > os pires-Ø. Então, além de [s] e [es], ainda há o alomorfe [Ø] para a desinência de número. Então, o sistema de desinências de número é este: DESINÊNCIAS DE NÚMERO Singular Plural [Ø] [s]~[es]/[is]~[Ø] Os autores que trabalham com a ideia de marca, porém, costumam fazer uma análise diacrônica (histórica): antigamente, palavras como amor se grafavam amore, com esse –e final. Por isso, o plural de amor é amores. Daí surge a ideia de que somente o [s] é desinência de número, e o [e] é, na verdade, uma vogal temática. Ainda existe um outro argumento, sincrônico (referente ao estágio atual da língua), que favorece a ideia de que não existe o alomorfe [es] para a desinência de número. Quando se passa amores, no plural, para o diminutivo, obtém-se frequentemente amorezinhos. Perceba-se que o e de amores permaneceu próximo à base, enquanto o s indicador de plural passou para o fim do vocábulo: amore-s > amore- zinho-s. Isso indica que o [es] não é um morfema sozinho, e sim dois morfemas distintos: o [s] é a verdadeira desinência de número, e o [e] é uma vogal temática arcaica, que só se expressa no plural. Esses autores, então, entendem que o sistema de desinências de número é este: DESINÊNCIAS DE NÚMERO Singular Plural [Ø] [s]~[Ø] * * * * * Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 29 Agora vamos estudar as desinências verbais. Elas também se dividem em três grupos: as modo-temporais (DMT), as número-pessoais (DNP) e as verbo-nominais (de infinitivo, Dinf, de gerúndio, Dger, e de particípio, Dpart). Vamos começar com as desinências modo-temporais. Todo verbo possui um morfema que indique seu tempo e seu modo. Existem dois modos no português: o indicativo e o subjuntivo7. O indicativo contempla estes tempos: presente, pretérito perfeito, pretérito imperfeito, pretérito mais-que-perfeito, futuro do presente e futuro do pretérito. O subjuntivo contempla estes tempos: presente, pretérito imperfeito e futuro. Cada um desses nove tempos terá uma DMT diferente. Além disso, é importante salientar que essas desinências terão alomorfes a depender da conjugação. Então, todos os verbos são divididos em três conjugações, de acordo com a forma do infinitivo: a primeira (dos verbos terminados em –ar, como cantar), a segunda (dos verbos terminados em –er, como vender) e a terceira (dos verbos terminados em –ir, como partir)8. Detalhe: os verbos pôr e derivados (repor, compor, supor, etc.) são de segunda conjugação, porque apresentam a VT [e] em algumas conjugações: põ-e-s, põ-e-m. Vejamos o sistema de desinências modo-temporais do português: DESINÊNCIAS MODO-TEMPORAIS Modo Tempo Morfemas Restrição Exemplo In di ca ti vo Presente [Ø] É sempre assim. cant-Ø-as vend-Ø-es part-Ø-es Pretérito perfeito [Ø] É sempre assim. cant-Ø-ou vend-Ø-eu part-Ø-iu Pretérito imperfeito [va]~[ve]~[a]~[e] Na segunda pessoa do plural, usa-se [ve]; nas demais, [va]. Essa forma só é usada com verbos de primeira conjugação. canta-va-s cantá-ve-is vendi-a-s vendí-e-is parti-a-s partí-e-is Na segunda pessoa do plural, usa-se [e]; nas demais, [a]. Essa forma só é usada com verbos de segunda ou de terceira conjugação. 7 Entendemos, aqui, que o imperativo é apenas um empréstimo do presente do indicativo e do do subjuntivo, com emprego discursivo especializado, e não um modo separado dos outros. 8 Uma curiosidade. A maioria dos verbos pertence à primeira conjugação (cerca de 16.000). A soma das quantidades de verbos de segunda e de terceira conjugação não supera nem sequer 12% da quantidade de verbos de primeira conjugação. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 30 Pretérito mais-que- perfeito [ra]~[re] Na segunda pessoa do plural, usa-se [re]; nas demais, [ra]. canta-ra-s cantá-re-is vende-ra-s vendê-re-is parti-ra-s partí-re-is Futuro do presente [ra]~[re] Na primeira pessoa do singular e do plural e na segunda pessoa do plural, usa-se [re]; nas demais, usa- se [ra]. canta-re-i canta-rá-s vende-re-i vende-rá-s parti-re-i parti-rá-s Futuro do pretérito [ria]~[rie] Na segunda pessoa do plural, usa-se [rie]; nas demais, [ria]. canta-ria-s canta-ríe-is vende-ria-s vende-ríe-is parti-ria-s parti-ríe-is S ub ju nt iv o Presente [e]~[a] Nos verbos de primeira conjugação, usa-se [e]; nos de segunda ou terceira, usa- se [a]. cant-e-s vend-a-s part-a-s Pretérito imperfeito [sse] É sempre assim. canta-sse-s vende-sse-s parti-sse-s Futuro [r] É sempre assim. canta-r-es vende-r-es parti-r-es Comentamos, no capítulo de vogal temática, que a doutrina diverge quanto à DMT do pretérito imperfeito do indicativo de verbos de 2.ª ou de 3.ª conjugação. Alguns autores entendem que o [i] é vogal temática, e o [a] ou [e] é DMT, como eu expus na tabela: vendIa = vend[i]VT[a]DMT. Outros, porém, entendem que a vogal temática, nesses casos, é zero, e que a DMT é [ia] ou [ie]: vendia = vend[Ø]VT[ia]DMT. * * * * * Agora vamos ver as desinências número-pessoais. Elas sempre vêm logo após as desinências modo-temporais nos verbos, e indicam, obviamente, o número e a pessoa. Existem dois números (singular e plural) e três pessoas gramaticais (primeira, segunda e terceira). Há, então, seis combinações de pessoa e número. O problema é que as desinências que indicam essas pessoas sofrem alomorfia a depender do tempo e do modo. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 31 Podemos dizer, então, que há um conjunto padrão de DNPs, que é o do presente do subjuntivo9: PADRÃO GERAL DE DNP Número e pessoa Morfema Exemplo 1.ª pessoa do singular [Ø] cante-Ø venda-Ø parta-Ø 2.ª pessoado singular [s] cante-s venda-s parta-s 3.ª pessoa do singular [Ø] cante-Ø venda-Ø parta-Ø 1.ª pessoa do plural [mos] cante-mos venda-mos parta-mos 2.ª pessoa do plural [is] cante-is venda-is parta-is 3.ª pessoa do plural [m] cante-m venda-m parta-m Esse padrão engloba cinco dos tempos que estudamos. Então, existem quatro padrões especiais: o do presente do indicativo, o do pretérito perfeito do indicativo, o do futuro do presente e o do futuro do subjuntivo10. PADRÃO DO PRESENTE DO INDICATIVO Número e pessoa Morfema Exemplo 1.ª pessoa do singular [o] cant-o vend-o part-o 2.ª pessoa do singular [s] canta-s vende-s parte-s 3.ª pessoa do singular [Ø] canta-Ø vende-Ø parte-Ø 1.ª pessoa do plural [mos] canta-mos 9 Esse padrão aparece em todos os tempos e modos, exceto no presente do indicativo, no pretérito perfeito do indicativo, no futuro do presente do indicativo e no futuro do subjuntivo. 10 Esse também vale para o infinitivo flexionado. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 32 vende-mos parti-mos 2.ª pessoa do plural [is] canta-is vende-is part(i)-is 3.ª pessoa do plural [m] canta-m vende-m parte-m PADRÃO DO PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO Número e pessoa Morfema Exemplo 1.ª pessoa do singular [i] cante-i vend-i part-i 2.ª pessoa do singular [ste] canta-ste vende-ste parte-ste 3.ª pessoa do singular [u] canto-u vende-u parti-u 1.ª pessoa do plural [mos] canta-mos vende-mos parti-mos 2.ª pessoa do plural [stes] canta-stes vende-stes parti-stes 3.ª pessoa do plural [ram] canta-ram vende-ram parte-ram PADRÃO DO FUTURO DO PRESENTE DO INDICATIVO Número e pessoa Morfema Exemplo 1.ª pessoa do singular [i] cantare-i vendere-i partire-i 2.ª pessoa do singular [s] cantará-s venderá-s partirá-s 3.ª pessoa do singular [Ø] cantará-Ø venderá-Ø partirá-Ø 1.ª pessoa do plural [mos] cantare-mos vendere-mos partire-mos 2.ª pessoa do plural [is] cantare-is vendere-is partire-is 3.ª pessoa do plural [o] cantarã-o Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 33 venderã-o partirã-o PADRÃO DO FUTURO DO SUBJUNTIVO Número e pessoa Morfema Exemplo 1.ª pessoa do singular [Ø] cantar-Ø vender-Ø partir-Ø 2.ª pessoa do singular [es] cantar-es vender-es partir-es 3.ª pessoa do singular [Ø] cantar-Ø vender-Ø partir-Ø 1.ª pessoa do plural [mos] cantar-mos vender-mos partir-mos 2.ª pessoa do plural [des] cantar-des vender-des partir-des 3.ª pessoa do plural [em] cantar-em vender-em partir-em Portanto, este é o quadro final de DNPs do português: DESINÊNCIAS NÚMERO-PESSOAIS Número e pessoa Morfemas 1.ª pessoa do singular [Ø]~[o]~[i] 2.ª pessoa do singular [s]~[ste]~[es] 3.ª pessoa do singular [Ø]~[u] 1.ª pessoa do plural [mos] 2.ª pessoa do plural [is]~[stes]~[des] 3.ª pessoa do plural [m]/[o]~[ram]~[em] Como você bem pode perceber, a DNP da 1.ª pessoa do plural é a única que nunca se altera. * * * * * Por fim, vamos falar das desinências verbo-nominais. Todo verbo possui três formas nominais: o infinitivo (terminado em –r), o gerúndio (terminado em –ndo) e o particípio (terminado em –do). Essas desinências são mais simples: Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 34 DESINÊNCIAS VERBO-NOMINAIS Forma Morfemas Infinitivo [r] Gerúndio [ndo] Particípio [d] Há dois detalhes importantes. O primeiro é que um morfologista atenta para o fato de que a desinência de gerúndio não deveria ser [ndo], mas sim somente [do], porque esse “n” ortográfico apenas indica a nasalização da vogal temática: partindo = /part’ĩdu/. O segundo é que a desinência do particípio é somente o [d], porque o que vem depois são terminações tipicamente nominais. Por exemplo, amado tem a desinência de particípio [d] e a vogal temática (ou desinência de gênero, a depender da doutrina) [o], porque essa se alterna com o [a] feminino: amada. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 35 ESTRUTURA NOMINAL Agora nós vamos aprender as estruturas dos verbos e dos nomes portugueses. Nós dividimos os nomes em dois grupos: os que variam em gênero e os que não variam em gênero. Os nomes não variáveis em gênero seguem esta estrutura: RX+VT+DN Antes de mais: o que é RX? RX é o conjunto de tudo que vem antes da vogal temática; isso pode englobar só a raiz, a raiz e alguns sufixos, mais de uma raiz, etc. Por exemplo, “agronegócio” tem duas raízes, “casa” só tem uma raiz, “convivência” tem uma raiz e dois afixos. Mas todos eles terminam em VT+ DN. [agro]R[negóci]R[o]VT[Ø]DN [cas]R[a]VT[Ø]DN [con]P[viv]R[ênci]S[a]VT[Ø]DN Os nomes variáveis em gênero seguem esta estrutura: RX+VT+DG+DN Todos os nomes que variam em gênero projetam uma desinência de gênero além dos outros elementos. Então, “menina”, “subgerentes” e “gostoso” se analisam assim: [menin]R[Ø]VT[a]DG[Ø]DN [sub]P[ger]R[ent]S[e]VT[Ø]DG[s]DN [gost]R[os]S[o]VT[Ø]DG[Ø]DN Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 36 ESTRUTURA VERBAL Agora estudaremos especificamente a estrutura dos verbos. Sabemos que os verbos possuem dois grupos de formas: as formas conjugadas e as formas nominais. Primeiro, conheçamos a fórmula geral das formas conjugadas: RX+VT+DMT+DNP Quaisquer formas conjugadas possuem esse padrão. cantamos = [cant]R[a]VT[Ø]DMT[mos]DNP vendessem = [vend]R[e]VT[sse]DMT[m]DNP partais = [part]R[Ø]VT[a]DMT[is]DNP convivia = [con]P[viv]R[i]VT[a]DMT[Ø]DNP As formas nominais do português são o infinitivo, o gerúndio e o particípio. No entanto, o infinitivo pode ser pessoal ou impessoal. O infinitivo impessoal segue esta estrutura: RX+VT+DINF Lembre que a DINF é [r]. cantar = [cant]R[a]VT[r]Dinf vender = [vend]R[e]VT[r]Dinf partir = [part]R[i]VT[r]Dinf O infinitivo pessoal pode ser flexionado em número e pessoa, portanto ele recebe uma DNP. RX+VT+DINF+DNP Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 37 As DNPs empregadas nesse caso são as mesmas do futuro do subjuntivo. cantar = [cant][a][r][Ø] vendermos = [vend][e][r][mos] partirdes = [part][i][r][des] cantarem = [cant][a][r][em] O gerúndio segue a seguinte estrutura: RX+VT+DGER E a DGER é [ndo]. cantando = [cant]R[a]VT[ndo]Dger vendendo = [vend]R[e]VT[ndo]Dger partindo = [part]R[i]VT[ndo]Dger Por fim, esta é a estrutura do particípio: RX+VTV+DPART+VTN+DG+DN Como eu sinalizei, o particípio possui duas VTs: a primeira é verbal, a segunda é nominal. Além disso, a DPART é [d]. cantado = [cant]R[a]VT[d]Dpart[o]VT[Ø]DG[Ø]DN vendida = [vend]R[I]VT[d]Dpart[Ø]VT[a]DG[Ø]DN partidos = [part]R[a]VT[d]Dpart[o]VT[Ø]DG[s]DN Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 38 BASE E RAIZ PRESA Agora vamos estudar os conceitos de base e raiz presa. Base é o vocábulo ou a raiz presa que deu origem ao vocábulo que se está analisando. Aqui, já percebemos que vocábulos primitivos não têm base, porque eles não vieram de nenhum outro. Quando analisamos a palavra descentralização, vimos a seguinte sequência. centro > central > centralizar > descentralizar > descentralização Bem, aqui a ideia é simples: centro é a base de central, central é a base de centralizar e assim sucessivamente. * * * * * Mas o que são raízes presas? As raízes são divididas em raízes livres e raízes presas. Raiz livre é aquela que consegue gerar um nome ou um verbo sem o auxílio de afixos, ou seja, o nome só pode ter R, VT, DG e DN, e o verbo só pode ter R, VT e DINF. R+VT+DN = [mar], [cas]a, [mes]a, [pedr]a R+VT+DG+DN = [filh]o, [menin]o, [garot]o R+VT+DINF = [cant]ar, [vend]er, [ped]ir Todas as raízes acima elencadas são livres. É evidenteque elas podem gerar palavras com afixos: marítimo, casinha, mesona, padreiro, cantor. No entanto, existem raízes que só conseguem constituir palavras quando estão ligadas a outra raiz ou a um afixo: [agr(o)] = [agr]ário, [agro]negócio, [agro]indústria [terr]11 = [terr]or, [terr]ível, a[terr]orizar 11 Esse [terr] é diferente do [terr] de terra, porque eles têm sentidos e origens diferentes. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 39 Essas raízes são presas. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 40 CONTRASTES Neste tópico e no próximo, vamos estudar outras classificações de morfes. Primeiro, vários autores distinguem os morfes pelas oposições. Assim, os morfes podem ser divididos em quatro grupos: aditivos, subtrativos, contrastivos e suprassegmentais. Os morfes aditivos são aqueles que provocam somente a adição de segmentos fonológicos à palavra. cantor > cantora fazer > desfazer Os morfes subtrativos provocam somente a subtração de fonemas: irmão > irmã mau > má Os morfes comutativos efetuam a troca de um grupo de segmentos fonológicos por outro. agitar > agitação menino > menina Os morfes suprassegmentais provocam a metafonia, isto é, a mudança de timbre de uma vogal. avô > avó famoso (ô) > famosa (ó) Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 41 OUTROS TIPOS DE MORFE Existem, ainda, outros tipos de morfe descritos pelos morfologistas. Vou tentar reunir aqui todas as classificações que podem ser encontradas nesses livros. O morfe cumulativo é aquele que acumula os papéis de outro que se ausentou (ou seja, que realiza um morfema zero). Por exemplo, sabemos que passei está no pretérito perfeito por causa da DNP [i], já que a DMT é zero. Então, dizemos que a DNP [i] acumula as funções da DMT e, assim, o morfe “i” é cumulativo. O morfe relacional é aquele cuja função é relacionar outras estruturas morfológicas. Para os morfologistas que citam esse tipo de morfe, os relacionais são as preposições e as conjunções portuguesas: com, de, para, e, mas. O morfe redundante é aquele que aparece para reforçar uma característica que já é indicada por outro. Por exemplo, na passagem de famoso a famosa, o morfe [a] já indica o feminino; porém, há um morfe suprassegmental que altera o timbre da vogal o de fechada para aberta. Assim, esse morfe suprassegmental é redundante, porque reforça uma carcterística que já é indicada pelo [a]. Os morfes homônimos são aqueles que se pronunciam da mesma forma, mas têm origens e significados diferentes. Há dois exemplos que já vimos neste manual: o sufixo [al] de pessoal e o de areal. Eles são diferentes: o primeiro indica relação, o segundo indica área de grande extensão. O outro é a raiz [terr] de terra e a de terror. Elas são evidentemente diferentes, porque têm sentidos diferentes e origens diferentes também, apesar de serem pronunciadas igualmente. O morfema latente é o morfema zero que se opõe a outro morfema zero. É o caso dos nomes comuns de dois gêneros e os comuns de dois números, como já vimos anteriormente. Há dois morfemas zero para cada distinção (masculino e feminino ou singular e plural), e eles são opostos por esse parâmetro. Então, o morfema zero de estudante (para o gênero) e o de tórax (para o número) é latente. O morfema interno é aquele que vem acoplado a um sufixo, mas não faz parte dele propriamente. Já relatamos neste manual casos de morfema interno, mas sem nos referirmos diretamente a ele. Por exemplo, sabemos que o sufixo [iz] vem acompanhado da VT [a] e da desinência [r]: concreto > concretizar, real > realizar. Sabemos disso porque, se [izar] fosse um só morfema, ele não poderia ser dividido em outros três morfemas: [iz], [a] e [r]. Porém, isso é, sim, possível. Contudo, vários autores afirmam que [izar] é o sufixo por uma questão meramente didática, uma vez que os morfemas [a] e [r] são internos ao sufixo [iz]. Portanto, temos duas opções de nomenclatura: chamar o [izar] de sufixo em sentido lato (ou somente sufixo lato) ou o [iz] de sufixo em sentido estrito (ou somente sufixo estrito). Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 42 OPOSIÇÕES E NEUTRALIZAÇÃO Nós vimos anteriormente, com as desinências, a noção de marca. Nessa noção, para cada parâmetro morfológico (número, gênero, tempo, modo, etc.) existe uma forma básica, não marcada (com morfema zero) e uma complexa, marcada. Estas são as formas básicas: AS FORMAS BÁSICAS Gênero Masculino Número Singular Tempo e modo Presente do indicativo Número e pessoa 3.ª pessoa do singular Todas as outras formas são, consequente e obrigatoriamente, complexas. Então, o que dizemos aqui é que todas as formas partem do estágio básico ao complexo. É por isso que dizemos que irmão gerou irmã, e não o inverso, por mais que pareça. Acontece que a mudança de gênero ocorre sempre do masculino para o femino e, assim, irmão passou a irmã pela exclusão do o final. Nesse sentido, existem dois tipos de oposição entre formas do mesmo parâmetro. A oposição privativa (ou contraditória) é a oposição que se faz entre uma forma não marcada e uma forma marcada. festa-Ø ≠ festa-s menino-Ø ≠ menin-a canta-Ø-s ≠ canta-rá-s cantará-Ø ≠ cantará-s A oposição polar (ou equipolente) é a oposição que se faz entre duas formas marcadas. canta-rá-s ≠ canta-sse-s cantare-i ≠ cantare-mos * * * * * Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 43 Agora vamos falar do conceito de neutralização. Bem, voltemos à ideia das formas marcadas e não marcadas. A existência de formas não marcadas favorece a economia mórfica, porque não somos obrigados a decorar várias marcas, mas sim somente as marcas das formas marcadas, porque as formas não marcadas não têm marca. No entanto, se fôssemos pensar num “ideal de língua”, o normal seria que as formas marcadas se opusessem às formas não marcadas sempre, para que a distinção entre a marca e a não marca fosse clara, mas, também devido à economia mórfica, isso nem sempre acontece, e acaba ocasionando a neutralização. A definição técnica vem a seguir. Neutralização é a perda da marca que deveria opor uma forma complexa a uma básica. Então, vamos começar com um exemplo simples: a forma cantava está na 3.ª pessoa do singular, mas também pode estar na 1.ª pessoa do singular: eu cantava, ele cantava. Naturalmente, a primeira pessoa do singular é uma forma complexa, então ela deveria se opor à forma da terceira pessoa do singular, no entanto essas formas são iguais. Outro exemplo é do verbo fazer: existe a forma ele fez, com DNP zero. Contudo, existe a forma eu fiz, também com DNP zero. Isso é uma neutralização, porque a DNP da 1.ª pessoa do singular não deveria ser zero. Por quê? Bem, fato é que a neutralização é um fenômeno comum em todos os planos gramaticais, e a língua dispõe de mecanismos que possibilitam evitá-la. Por exemplo, no caso de fez-fiz, é evidente que a diferença de vogais e e i é suficiente para evitar a neutralização, isto é, por mais que a forma fiz seja morfologicamente neutra, o falante sabe distinguir claramente fez de fiz. Já no caso de cantava, a sintaxe consegue dirimir as formas, ou seja, a exposição do sujeito resolve o problema da neutralização: eu cantava (1.ª pessoa), meu amigo cantava (3.ª pessoa). Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 44 MODELOS DE ANÁLISE MÓRFICA 1 Os modelos abaixo abordarão somente os tópicos que nós estudamos. Mais à frente, veremos análises mais aprofundadas. 1) Ansiosamente Essa palavra vem de ânsia. ânsia > ansiosa > ansiosamente Na forma primitiva, ânsia, há a estrutura básica dos nomes invariáveis em gênero: [ânsi]R[a]VT[Ø]DN. Depois se acrescentaram os sufixos [oso] e [mente] (que só aparecena forma feminina). [ânsi]R[a]VT[Ø]DN > [ansi]R[os]S[Ø]VT[a]DG[Ø]DN > [ansi]R[os]S[a]DG[ment]S[e]VT Vale ressaltar que, após o sufixo [mente], não há DG nem DN, porque “ansiosamente” é um advérbio, e os advérbios são invariáveis. 2) Anoitecer Essa palavra vem de noite. noite > anoitecer A forma noite se divide assim: [noit]R[e]VT[Ø]DN. Acrescentaram-se o prefixo [a] e o sufixo [ec], acompanhado da terminação verbal –er, de segunda conjugação. [noit]R[e]VT[Ø]DN > [a]P[noit]R[ec]S[e]VT[r]Dinf 3) Infelizmente Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 45 Essa palavra vem de feliz. feliz > infeliz > infelizmente A forma primitiva só tem preenchida a raiz: [feliz]R[Ø]VT[Ø]DG[Ø]DN. Foram adicionados os afixos [in] e [mente] (na forma feminina). [feliz]R[Ø]VT[Ø]DG[Ø]DN > [in]P[feliz]R[Ø]VT[Ø]DG[Ø]DN > [in]P[feliz]R[Ø]DG[ment]S[e]VT 4) Comunidades Essa palavra vem de comum. comum > comunidade > comunidades A forma simples só tem raiz: [comum]R[Ø]VT[Ø]DG[Ø]DN. Foi adicionado o sufixo [idade] e a desinência de número foi trocada para [s]. [comum]R[Ø]VT[Ø]DG[Ø]DN > [comun]R[idad]S[e]VT[s]DN 5) Estável Essa palavra vem de estar. estar > estável O verbo possui R, VT e desinência: [est]R[a]VT[r]Dinf. Foi adicionado o sufixo [vel]. [est]R[a]VT[r]Dinf > [est]R[a]VT[vel]S[Ø]VT[Ø]DG[Ø]DN Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 46 6) Amores Essa palavra vem de amar. amar > amor > amores O verbo primitivo contém R, VT e desinência: [am]R[a]VT[r]Dinf. Adicionou-se o sufixo [or] e a palavra foi passada ao plural, que, nesse caso, pode ser interpretado de duas formas, como já estudamos. [am]R[a]VT[r]Dinf > [am]R[or]S[Ø]VT[Ø]DN > [am]R[or]S[e]VT[s]DN [am]R[a]VT[r]Dinf > [am]R[or]S[Ø]VT[Ø]DN > [am]R[or]S[Ø]VT[es]DN 7) Embarcação Essa palavra vem de barco. barco > embarcar > embarcação A forma primitiva tem R e VT: [barc]R[o]VT[Ø]DN. Adicionou-se o prefixo [em], um sufixo zero (acompanhado da terminação verbal –ar) e o sufixo [ção]. [barc]R[o]VT[Ø]DN > [em]P[barc]R[Ø]S[a]VT[r]Dinf > [em]P[barc]R[Ø]S[a]VT[ção]S[Ø]VT[Ø]DN 8) Vice-diretora Esta análise é um pouco mais complexa, porque somos obrigados a enxergar a alomorfia na raiz. A palavra, evidentemente, vem de diretora, feminino de diretor, mas sabemos que diretor é aquele que dirige (uma escola, um projeto, etc.). Então, diretor vem de dirigir, com adição do sufixo [or] e alomorfia na raiz. Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 47 dirigir > diretor > diretora > vice-diretora Primeiro, dirigir: [dirig]R[i]VT[r]Dinf. Essa palavra deu origem a diretor: [diret]R[or]S[Ø]VT[Ø]DG[Ø]DN. Por sua vez, essa palavra passou ao feminino, depois recebeu o prefixo [vice]. [dirig]R[i]VT[r]Dinf > [diret]R[or]S[Ø]VT[Ø]DG[Ø]DN > [diret]R[or]S[Ø]VT[a]DG[Ø]DN > [vice]P[diret]R[or]S[Ø]VT[a]DG[Ø]DN 9) Repartamos Sabemos que repartamos é conjugação de repartir, que deriva de partir. partir > repartir > repartamos A forma partir é primitiva: [part]R[i]VT[r]Dinf. Adicionou-se o prefixo [re] e, depois, conjugou-se o verbo na 1.ª pessoa do plural do presente do subjuntivo. [part]R[i]VT[r]Dinf > [re]P[part]R[i]VT[r]Dinf > [re]P[part]R[Ø]VT[a]DMT[mos]DNP 10) Concretizei Essa palavra vem de concreto. concreto > concretizar > concretizei Semelhantemente ao exemplo anterior, concreto é a forma simples: [concret]R[o]VT[Ø]DN. Ela gerou o verbo concretizar pela adição do sufixo [iz(ar)], que foi conjugado na 1.ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo. [concret]R[o]VT[Ø]DN > [concret]R[iz]S[a]VT[r]Dinf > [concret]R[iz]S[e]VT[Ø]DMT[i]DNP Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 48 EXERCÍCIOS 1) Identifique, nas sentenças abaixo, as formas livres, as dependentes e as livres. a. Comprei uma blusa. b. Ele olha as árvores. c. A pessoa com dor entra o hospital. 2) Indique, nas comparações abaixo, em que morfema(s) ocorreu alomorfia. a. caber, caibo b. amável, amabilidade c. industrial, escolar d. ilegível, inútil e. ama, amei f. perderei, perderá g. garota, (a) jovem h. entregásseis, entregardes i. olhos, (os) tórax 3) Indique, nos vocábulos a seguir, se há algum morfema zero. Se o houver, indique, também, como esse morfema é classificado. a. cantássemos b. teclarei c. gatinhos d. amores e. mesas f. sol g. amado 4) As análises mórficas abaixo estão incorretas. Justifique suas incoerências. Lembre-se de que todos os morfemas zero devem ser analisados. a. mato = [mat]R[o]VT b. mesa = [mes]R[a]DG[Ø]VT c. mestre = [mestr]R[Ø]VT[e]DG[Ø]DN d. cantei = [cant]R[Ø]VT[e]DMT[i]DNP e. encaixar = [encaix]R[Ø]S[a]VT[r]Dinf f. quadro = [quadr]R[o]VT[Ø]DG[Ø]DN g. quiseres = [quis]R[e]VT[r]Dinf[es]DNP 5) Realize a análise mórfica dos vocábulos abaixo. Justifique suas análises. Lembre-se de que todos os morfemas zero devem ser analisados. a. enquadramento b. amado c. renovar d. subterrâneo e. ricaço f. nervosinha g. empedrar 6) Nos vocábulos abaixo, identifique se a raiz destacada é livre ou presa. a. psicologia Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 49 b. contrário c. rústico d. marceneiro e. aerodinâmica 7) Para a forma curcular, existem duas entradas correspondentes: o verbo circular, que significa mover-se em círculo, e o adjetivo circular, que significa que tem forma de círculo. Realize a análise mórfica desses dois vocábulos, evidenciando suas diferenças. 8) Para a forma pata, existem duas entradas correspondentes: o substantivo pata, que significa membros ou extremidades dos animais, e o outro substantivo pata, que significa fêmea do pato. Realize a análise mórfica desses dois vocábulos, evidenciando suas diferenças. 9) Aprendemos, nesta unidade, que a maioria dos sufixos é responsável pela mudança categorial, isto é, pela mudança de classe. No entanto, existem algumas formações irregulares: o nome correpondente à pessoa que cuida de fazenda é fazendeiro, mas o nome correspondente à pessoa que cuida de unhas é manicure, e não *unheiro. Agora reflita. Por que, para a morfologia, o mecanismo de criação de fazendeiro é preferível ao de manicure? 10) Vamos supor que você esteja conversando com uma pessoa que não conhece profundamente a metalinguagem da língua portuguesa, embora seja nativa dessa língua. Mostre um teste pelo qual você poderia comprovar que ela tem um conhecimento morfológico internalizado. UNIDADE 2: Morfologia e suas interfaces Morfologia concisa para ensino superior Roberto Gandulfo 51 MORFOLOGIA E FONOLOGIA Martinet, linguista estruturalista, dividiu a a linguagem em duas articulações: a primeira e a segunda. A primeira articulação é a morfologia, em que se articulam estruturas mínimas significantes. A segunda é a fonologia, em que se articulam estruturas mínimas não significantes. É por isso que as nomenclaturas de ambas as áreas são próximas: fonema e morfema, fone e morfe, alofonia e alomorfia. * * * * * Um ponto de contato entre a morfologia e a fonologia está no plano estrutural, uma vez que, em alguns casos, ocorrem fenômenos fonológicos que alteram a estrutura interna dos morfemas. Essas alterações, em geral, são aleatórias. Essas modificações fonológicas são denominadas metaplasmos. Existem vários metaplasmos, ocasionados por diversas situações. Neste tópico, não vamos tratar de todos, mas somente de alguns que são mais frequentes em português. O primeiro é a prótese. Prótese é a adição de fonemas no início do vocábulo. Não é frequente em português, mas existem alguns resquícios: em palavras como estar e escrever, o e é expletivo, e some quando se realizam algumas derivações. [ob]+estar > obstar estar+[vel] > [in]+estável > instável [in]+escrever
Compartilhar