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Antifúngicos Os fungos são organismos muito complexos e apresentam algumas características que os tornam difíceis de lidar na clínica. A principal questão é a resistência dos fungos, pois várias infecções fúngicas têm tratamentos longos, com uso de mais de uma substância. Existe uma variação morfológica muito grande nos fungos, que podem variar entre leveduriformes e filamentosos, o que também implica em diferenças no tratamento. Além disso, existe uma adaptação dos fungos para ambientes hostis, seja por calor, umidade ou escuro. Isso faz com que eles tenham o crescimento mantido, mesmo em situações adversos. Também deve-se levar em consideração as formas de resistência dos fungos, como os esporos, que dificultam o tratamento por reativar infecções que já haviam sido combatidas. O maior problema relacionado ao tratamento com antifúngicos é a maior homologia molecular com humanos (eucariotos), pois a semelhança entre componentes celulares justifica a perda de especificidade, deixando esses fármacos mais tóxicos. Existe uma maior incidência de doenças fúngicas atualmente, com um arsenal terapêutico limitado. Isso pode ser justificado por um aumento crescente da população suscetível a infecções oportunistas, como imunodeficiências, a exemplo do HIV; estados imunodeprimidos, como ocorre em idosos, diabéticos e gestantes; aumento do número de transplantes, que requerem o uso de imunossupressores; uso de antineoplásicos, em condições associados ao câncer, que podem facilitar a ocorrência de infecções secundárias; e o abuso de antibacterianos e antimicrobianos como um todo, por provocar uma redução da microbiota. Há ainda alguns problemas relacionados aos antifúngicos que levam uma redução na adesão do tratamento e um aumento na resistência fúngica à ação desses fármacos. Existem poucos alvos seletivos, sendo que os alvos mais usuais apresentam homologia muito grande às células dos mamíferos, o que confere toxicidade. Além disso, vários fungos são resistentes ao tratamento, seja por mutações e seleção natural ou pelo abuso dos fármacos, o que pode aumentar a pressão seletiva. A cronicidade do tratamento também é relevante, pois várias condições fúngicas, mesmo que relativamente simples, podem durar de meses a anos, em razão de esporos resistentes. O diagnóstico de condições fúngicas é relativamente mais complexo, pois exige meios de cultura específicos e tempo maior de cultura. O agente antifúngico ideal deve conter amplo espectro de ação, para poder ser usado em vários tipos de infecções, baixa toxicidade, possibilidade de usar por vias de administrações diferentes e alta penetração tecidual, em especial pensando em órgãos de difícil acesso como SNC, olhos e testículos. • Componentes básicos dos fungos e alvos terapêuticos Os fungos têm parede celular, que é um dos grandes alvos para tratamento com antifúngicos, por ser uma característica específica dos fungos Além disso, a membrana celular deles é rica em ergosterol, um análogo do colesterol. O primeiro alvo é a síntese de DNA, sendo a flucitosina o único fármaco representante dessa classe. Fármacos que atuam na mitose também incluem exclusivamente a griseofulvina, que impede a polimerização dos microtúbulos fúngicos, de maneira seletiva, impossibilitando a divisão celular. O terceiro grupo de substâncias atua na membrana fúngica, interagindo com o ergosterol e formando poros na membrana, a exemplo da anfotericina. Os azois são os antifúngicos mais conhecidos e utilizados e atuam na rota sintética do ergosterol, impedindo sua formação. Alguns outros fármacos também podem atuar na rota sintética, em outros pontos. Também existem fármacos que atuam na parede fúngica e, portanto, apresentam maior seletividade. Entre eles, destacam-se as equinocandinas. 1. Antifúngicos com ação genética A flucitocina é o representane único da classe. Ela é um pró- fármaco, que precisa ser ativada pela citosina desaminase, uma enzima fúngica, para exercer seu efeito. Ela consegue atravessar a membrana por permases, presentes normalmente na membrana fúngica. No meio intracelular, ela é ativada por uma enzima de distribuição preferencial em fungos, denominada citocina desanimase, que irá fazer a conversão da forma inativa na forma ativa. Uma vez ativado no interior da célula fúngica, esse fármaco inibe a ação da timidilato sintetase, uma enzima responsável pela formação de desoxi-timidina, a base incorporada no DNA em proliferação, inibindo a replicação do DNA. Isso faz com que haja uma redução na proliferação do fundo e promove um efeito fungistático. Esse fármaco é altamente efetivo em leveduras, por apresentarem maior quantidade de permeases e por uma atividade de divisão celular maior. Ele é muito utilizado em meningites, principalmente as causadas por Criptococcus, Preferencialmente leveduriformes Preferencialmente filamentosos Essencialmente dimórficos Candida albicans Aspergillus fumigatus Histoplasma capsulatum Cryptococcus neoformans Trichophyton spp, Epidermophyton spp, Microsporum spp. Blastomyces dermatidis Coccidioides immitis Sporothrix spp mas também pode ser usada em outras infecções, como as causadas por Candida. Além disso, a estrutura simples garante uma distribuição efetiva no organismo, incluindo SNC, olhos e distribuição sistêmica. Uma das vantagens é o efeito sinérgico quando associada aos poliênicos, que interagem com o ergosterol formando canais na membrana fúngica, otimizando a entrada na flucitocina, o que pode aumentar a efetividade do fármaco em fungos que não são tão sensíveis, como o Aspergillus. Entre os principais problemas, estão distúrbios no TGI e hematopoiéticos. Isso ocorre por serem dois locais de frequente proliferação celular e, mesmo que os efeitos sejam seletivos para fungos, essa seletividade não é 100%, fazendo com que uma pequena quantidade de flucitocina seja capaz de atravessar membranas humanas e ser ativada por enzimas análogas à fúngica. 2. Antifúngicos com ação mitótica O único representante da classe é a griseofulvina, que apresenta relevância histórica, sendo usada desde 1950. Atualmente, é usada em condições muito específicas. Tem uma ocorrência natural, podendo ser classificado como um antibiótico, pois é produzido pelo Penicillium griseofulvum como um mecanismo de defesa. A griseofulvina possui uma estrutura química rica em oxigênio, o que dificulta sua absorção por garantir uma maior polaridade, mas a absorção por via oral é suficiente. No entanto, a principal forma de uso é tópica, sendo muito utilizada para infecções cutâneas por ser queratinofílica, o que faz com que ela se acumule na pele. Ela apresenta uma grande afinidade por microtúbulos fúngicos, muitas vezes impedindo a polimerização correta, ela impede a ocorrência de mitose, reduzindo a proliferação, com efeito fungistático. Entre os problemas, estão o baixo espectro antifúngico e o fato de ela ser um indutor de enzimas do CYP450, provocando interações farmacólogicas, reduzindo o efeito de outros fármacos usados concomitantemente. 3. Antifúngicos com ação na membrana Todos os fármacos dessa classe apresentam alguma relação com o ergosterol como alvo de ação. O HMG-CoA é o principal precursor de esteroides, que sofre ação da HMG-CoA-redutase para formar o mevalonato, que pode ser ativado em isopreno, precursor necessário para a formação do esqualeno. A enzima esqualeno-mono-oxidase forma o esqualeno-2,3-epóxido, precursor do estigmasterol, relacionado às plantas, o lanosterol, que participará da rota de formação do colesterol, e o ergosterol, constituinte da membrana dos fungos. Os fármacos cujos alvos estão relacionados ao ergosterol são os macrolídeos poliênicos, como anfotericina B,cujo alvo é o ergosterol propriamente dito, por terem afinidade com a estrutura do esterol; os inibidores da esqualeno-epoxidase,enzima que irá mediar a conversão do esqualeno em esqualeno-2,3-epóxido, como terbinafina; e os inibidores da lanosina-14ª-desmetilase, enzima responsável pela conversão do lanosterol em ergosterol, representados pelos azois. A) Macrolídeos poliênicos Anfotericina B é o principal representante atual, a nistatina é usada em poucas situações e a candicidina, que não é mais utilizada. Esses fármacos apresentam grande afinidade pelo ergosterol. Eles apresentam porções hidrofílicas, que interage com porções hidrofílicas na membrana, e hidrofóbicas, que interage com a estrutura do ergosterol presente na membrana, o que delimita poros na membrana, permitindo uma perda da integridade do microambiente fúngico, por extravasamento de íons, aminoácidos, glicose e outras estruturas. Eles apresentam, portanto, efeito fungicida mais relevante do que fungistático. Por isso, eles são padrão-ouro no tratamento de infecções fúngicas disseminadas. Embora sejam altamente seletivos, a estrutura do colesterol é muito semelhante à do ergosterol, o que pode fazer com que haja interação da anfotericina com o colesterol, acarretando alta toxicidade. Como efeitos adversos, os efeitos mais comuns são calafrios, febre, tremores e cefaleia, por aumento na liberação de interleucinas e citocinas, como TNF e IL-1, em razão da morte de células humanas como ação do fármaco. Além disso, pode ocorrer toxicidade renal em 80% dos pacientes, pois a formação de poros na superfície epitelial renal provoca perda de função, e redução de K+/Mg2+ em 25%, o que pode acarretar desequilíbrio ácido-base, por uma perda anormal de substâncias que poderiam controlar esse equilíbrio. Além disso, pode haver redução de função hepática, anemia (por lise de hemácias ou redução de eritropoetina), trombocitopenia e irritação endotelial. As desvantagens no uso dos poliênicos incluem baixa absorção oral e baixa penetração no LCR, por apresentarem uma estrutura química complexa, capacidade de ligação a proteínas, o que forma reservatórios, e eliminação lenta, por sua alta lipofilicidade. A nistatina oral pode ser usada para controlar infecções no TGI, principalmente em casos de superinfecção por Candida. Ela também pode ser usada em cremes e pomadas, a fim de impedir proliferação fúngica. Uma alternativa para contornar a toxicidade dos poliênicos, principalmente a anfotericina, é o uso de formações lipossomais, uma formulação farmacêutica onde são utilizados fosfolipídeos organizados como uma bicamada lipídica, delimitando um compartimento central (como uma célula artificial). A anfotericina se insere nessa bicamada lipídica, por apresentar alta afinidade aos lipídeos, portanto ela só se dissociaria ao lipossoma para interagir com outros lipídeos com maior afinidade, como o ergosterol. B) Inibidores da esqualeno-epoxidase Esses fármacos são quimicamente divididos em alilaminas, como a terbinafina, e os benzilaminas, a exemplo da butenafina. Esses fármacos impedem a conversão do esqualeno em lanosterol, reduzindo a síntese de ergosterol, o que confere um efeito fungistático. Além disso, a interrupção na formação de ergosterol provoca um acúmulo de esqualeno que pode ser tóxico para os fungos, garantindo também um efeito fungicida. Eles não são tão usados na prática atualmente, pois são muito efetivos contra fungos filamentosos, mas não apresentam amplo espectro. Além disso, alguns fungos, como a Candida, apresenta uma resistência natural a esses fármacos. A estrutura química desses fármacos é altamente lipofílica e queratinofílica, possibilitando seu uso em dermatomicoses e onicomicoses. A absorção oral ocorre, mas não é tão relevante. Os efeitos indesejados são leves, como dores de cabeça e alterações do TGI, quando utilizados em uso sistêmico. C) Imidazois e triazois Os principais representantes dessa classe são cetoconazol, fluconazol, itraconazol e miconazol. Eles promovem inibição da lanosina-14-desmetilase, reduzindo a síntese de ergosterol, o que garante um efeito fungistático relevante. A isoforma dessa enzima em humanos é denominada em CYP3A, uma das enzimas componentes do citocromo P450. Por reduzir a presença de ergosterol, eles alteram a fluidez da membrana, o que confere a capacidade de modificar o funcionamento fúngico e reduzir a proliferação desses fungos. Essa redução impede o “brotamento de leveduras”, relevante principalmente ao considerar fungos dimórficos, capazes de formar hifas invasivas a partir de leveduras. Apresentam varias formas de administração, podendo ser usado por via oral, tópica e intravenosa. Além disso, apresentam efeito importante em infecções sistêmicas, não sendo restrito a infecções cutâneas e superficiais. A alta relação da concentração LCR:SORO possibilita o uso de fluconazol para tratamento de meningites fúngicas. A maioria dos representantes apresenta um alto tempo de meia-vida, fazendo com que a duração no organismo seja longa, o que é interessante no tratamento de infecções sérias, pois mesmo que o paciente esqueça uma dose, é difícil o fármaco alcançar concentrações sub-terapêuticas. Os azólicos são fármacos de primeira escolha em razão de seu amplo espectro de ação, sendo que existem várias espécies de fungos altamente sensíveis a esses fármacos, muitos deles relacionados a infecções oportunistas, e poucos fungos resistentes, como a Candida krusei e Zygomycetes spp. O principal problema em relação aos azóis é a interação medicamentosa, por inibição enzimática de várias enzimas do CYP450, reduzindo o metabolismo de alguns fármacos e consequente aumento de concentração plasmática e do potencial de toxicidade (marcados com asterisco vermelho). Outros problemas possíveis são náusea, cefaleia, dor abdominal, alterações no TGI (podem ser relacionadas a alteração na microbiota), hepatotoxicidade que pode ser fatal pela inibição de várias enzimas hepáticas, interações farmacológicas que aumentam a concentração dos azóis (como a ciclosporina), redução do efeito dos poliênicos e a possibilidade de recidivas após tratamento em decorrência de esporos. No uso prolongado, pode ocorrer redução de esteroides sexuais e adrenocorticais, por interferir na rota de síntese de colesterol. Esses efeitos adversos podem ser utilizados no tratamento de alguns cânceres, como de próstata e de suprarrenal, que apresentam como consequência o aumento desses hormônios ou se beneficiam desse aumento. → Imidazólicos São, entre os azóis, os que mais tem impacto na síntese de esteroides humanos, reduzindo a concentração de hormônios sexuais, mineralocorticoides e glicocorticoides O cetoconazol foi o primeiro com uso oral, sendo um dos primeiros com uso sistêmico. Uma desvantagem é que ele não ultrapassa a barreira hematoencefálico. Apresenta diversas formas farmacêuticas: creme, shampoo, comprimido, suspensão oral, tornando-o um fármaco versátil O miconazol e o clotrimazol são usados, basicamente, de forma tópica, pois apresentam um perfil indesejado muito grande para uso sistêmico. Também existem muitas formas farmacêuticas disponíveis, mas são pouco efetivos para o combate de infecções em cabelos e unhas. → Triazólicos Possuem menor impacto na síntese de esteroides O itraconazol é o principal triazolico de uso sistêmico mais utilizado recentemente. Ele pode ser administrado por via oral ou parenteral e é muito efetivo em dermatófitos. Não chegam ao SNC. O fluconazol apresenta uma estrutura pequena, fazendo com que sua distribuição seja boa no SNC e em líquidos oculares, sendo que sua biodisponibilidade pode chegar a 100%. Por isso, é muito usado para o controle de meningites, infecções oculares e alguns casos de candidíase sistêmica. Voriconazol e posaconazol são fármacos mais recentes, que podem ser utilizados na profilaxia e no tratamento de quadros sérios e invasivos, a fim de evitar a seleção de resistênciaentre fungos. 4. Antifúngicos com ação na parede São representados pelas equinocandinas, fármacos semisintéticos, ou seja, naturalmente podem existir alguns tipos de equinocandinas que servirão como precursor para outros fármacos. A equinocandina não é mais utilizada na clínica, sendo os fármacos mais relevantes a caspofungina, a micafungina e a anidulafungina. O mecanismo de ação das equinocandinas leva em conta uma estrutura celular presente apenas nos fungos, inibindo a enzima -1,3-glicano sintetase, responsável pela síntese da parede celular fúngica. A ausência da parede torna o fungo mais exposto, fazendo com que haja perda da integridade fúngica. O efeito do uso desses fármacos varia de acordo com o fungo em questão, em razão das diferenças entre as paredes fúngicas. Para Candida, a ação pode ser fungicida, já que a desestabilização da parede pode ser suficiente para provocar morte celular. Outros fungos, como Aspergillus, podem ser menos atingidos, gerando apenas efeitos fungistáticos. Eles podem ser associados a outros fármacos em infecções refratárias Apresenta como problemas pouca absorção oral, pela estrutura grande, fazendo com que a maior parte das formulações seja por uso parenteral, e hepatotoxicidade Escolha do antifúngico
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