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FILOSOFIA DO DIREITO

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FILOSOFIA DO DIREITO
INTRODUÇÃO 
Pensar o Direito tendo como ponto de partida as normas jurídicas positivadas pelo Estado costuma ser denominado estudo dogmático do Direito. A Filosofia do Direito, por outro lado, é considerado um estudo da zetética jurídica (cf. Tércio Sampaio Ferraz Jr.), pois não limita seu objeto às normas jurídicas estatais. Adota-se uma postura de indagação, de questionamento sobre o que é o Direito, qual sua origem e sua finalidade, porque ele passou a ser identificado com as normas jurídicas estatais etc. 
O estudo da Filosofia do Direito traz dificuldades adicionais para o estudante de direito porque demanda conhecimentos da filosofia como um todo. Não existe um critério consensual e objetivo para inserir um pensador nas diversas áreas da zetética jurídica: Filosofia do Direito, Sociologia do Direito, Teoria Geral do Direito, História do Direito etc. No máximo, pode-se falar em uma tradição que considera um estudioso como integrante de um ou vários destes campos do conhecimento. O objetivo da Filosofia do Direito é pensar o fenômeno jurídico do ponto de vista ontológico (o que é o direito, qual a sua forma e seu conteúdo e como se transforma historicamente), epistemológico (qual o método para conhecê-lo cientificamente), axiológico (quais os valores ligados ao Direito) e teleológico (qual a finalidade do Direito). 
A etimologia de vários termos pode ser encontrada no idioma grego Dogmática: verbo dokein = doutrinar, ensinar. Zetética: verbo zetein = perquirir, questionar, indagar. Ontologia: ontos (ser) + logos (teoria, estudo). Epistemologia: episteme (conhecimento) + logos. Axiologia: aksios (valor) + logos (teoria, estudo). Teleologia: telos (finalidade) + logos (teoria, estudo). Existem diversos critérios para organizar a Filosofia do Direito. O mais comum é adotar uma divisão: por períodos (filosofia antiga, patrística, medieval, renascentista, moderna, iluminista, contemporânea); por autores e a partir da dicotomia juspositivismo e jusnaturalismo. 
JUSNATURALISMO E JUSPOSITIVISMO 
Uma das dicotomias tradicionais do Direito divide o pensamento jurídico em duas correntes: o juspositivismo e o jusnaturalismo. A exemplo de outras classificações, há controvérsias quando se trata de enquadrar os pensadores do direito nestes dois grupos. Além disso, tal divisão é criticada porque implica numa simplificação que não abrange perfeitamente algumas linhas filosóficas. 
· Jusnaturalismo 
O jusnaturalismo era a corrente jurídica predominante até o século XIX. Ela concebe a existência de um “direito natural”, que se torna critério para pensar o direito positivo (posto pelo legislador). Afirmar o direito como “natural” significa negar que ele seja algo decorrente da decisão ou vontade humana. Sob o rótulo de jusnaturalismo encontram-se reflexões diversificadas a respeito do Direito. Ainda assim, é possível encontrar algumas classificações bastante recorrentes, como a que utilizamos a seguir: 
a) Jusnaturalismo antigo: surge com filosofia grega na antiguidade. O direito é identificado com a justiça, mas esta não corresponde necessariamente à lei. A justiça é pensada conjuntamente com a ética e a política, esta última entendida como condição natural dos seres humanos, voltada para o bem comum. Segundo o filósofo grego Aristóteles(384 a 322 a.C.), examinar a natureza das coisas – não apenas as leis – é indispensável para pensar o justo (a filosofia do Direito aristotélica será explicada mais adiante). A filosofia e o direito romano se constituem a partir dos princípios e ideias do pensamento jusnaturalista grego. Segundo Epicuro (270 a.C. a 341 a.C.) – filósofo grego do período helenístico (último período da filosofia antiga grega) – a justiça se estabelece a partir do que é útil socialmente, evitando ou minimizando o desprazer (dor e perturbação) de todos, sendo assim, o justo é estabelecido a partir do consenso, pela convenção dos homens, que optam por aquilo que será útil reciprocamente. Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.) – jurista romano da filosofia estoica – se opõe à ideia epicurista de justiça como pacto humano que positiva a lei: o justo se apresenta como virtude dirigida pela razão natural, sendo anterior e condicionante do direito positivo. 
b) Jusnaturalismo Teológico: para a filosofia patrística e medieval, Deus é a fonte da lei e do justo, portanto, a teologia está diretamente ligada o Direito. Na filosofia antiga, há uma relação entre religiosidade e direito. Contudo, este vínculo se apresenta de modo mais profundo e institucional. Conforme a vertente teológica (cristã, islâmica ou judaica) há uma fonte sagrada que deve ser considerada necessariamente (Bíblia, Alcorão ou Torá/Pentateuco) na reflexão sobre o justo. Essa corrente dialoga diretamente com os pensadores da filosofia antiga, especialmente Platão e Aristóteles. 
· Distinção entre filosofia patrística e medieval 
Patrística: decorre da fundação do cristianismo, trata-se da filosofia dos pais (padres) da Igreja, como Paulo de Tarso (5 a 67 d.C.) – apóstolo de Cristo, conhecido como São Paulo. O mais destacado representante é Santo Agostinho (354 a 430 d.C.). Desenvolve-se ao longo do séc. I a VII, no início, concomitantemente com a filosofia antiga. Trata-se de um momento no qual a filosofia cristã tenta afirmar-se diante de outras correntes filosóficas (estoicismo, epicurismo, ceticismo etc.).
Medieval: a vertente cristã se desenvolve do século VIII ao XIV, tentando compatibilizar razão e fé ao tratar das questões relativas a direito e justiça. 
No catolicismo, a impossibilidade humana de alcançar a plenitude da razão faz com que parte da verdade somente possa ser conhecida pela revelação, que deve ser confirmada pela Instituição Eclesiástica, que neste momento já consolidou seu poder político e o reforça por meio de suas teorias. A expressão “Escolástica” designa parte da filosofia deste período, pois as escolas, controladas pela Igreja, ensinam a filosofia cristã. Guilherme de Ockham (1288-e São Tomás de Aquino (1225-1274) são dois pensadores que se destacam, este último afirma que a lei estabelece fins que expressam a racionalidade instituída por Deus. 
c) Jusnaturalismo Moderno: concebe a existência de direitos naturais individuais, que podem ser reconhecidos por uma razão comum a todos os seres humanos, portanto, universal. O direito positivo, dentro desta visão, teria por objetivo garantir a proteção dos direitos naturais. Os Estados que surgem no final da Idade Moderna positivam suas leis na forma de declarações (e.g. Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão na França). A concepção subjacente é a de que o Estado está apenas reconhecendo certos direitos, não os está criando, ou seja, o direito positivo é mero reprodutor do direito natural inerente de todo indivíduo. Esta corrente é também denominada de jusnaturalismo racionalista, pois o pensamento moderno-iluminista propõe-se a pensar o direito natural apenas a partir da razão, sem considerar a fé como elemento teórico, a exemplo do que ocorria na escolástica medieval. John Locke (1632-1704) ilustra essa corrente de pensamento, juntamente com muitos outros, como Jean Jacques Rousseau (1712-1778) e Immanuel Kant (1724-1804) – melhor explicado adiante.
 O filósofo inglês era um teórico dos ideais liberais e seu pensamento espelha o programa da crescente classe burguesa, que se opõe aos regimes monárquicos absolutistas. A legitimidade do direito positivo decorreria de um “contrato social”: um acordo de vontade entre os súditos. A liberdade natural original dos indivíduos e uma escolha racional levariam à submissão consentida: sujeitar-se à autoridade do Estado e do direito como melhor forma de preservar os direitos naturais individuais (liberdade econômica, igualdade jurídica, propriedade privada, elementos indispensáveis para a reprodução das relações sociais capitalistas em desenvolvimento). 
· Juspositivismo 
O juspositivismo é uma corrente de pensamento que surgiu no século XIX e predomina até o presente. Criticaa ideia de direito natural, afirmando que só existe o direito positivo (posto pelo Estado), ou seja, decorrente da criação, da decisão humana. Nessa visão, a deontologia (o exame do dever ser) tem como ponto de partida obrigatório a norma jurídica estatal. O Direito enquanto norma estatal. Para o juspositivismo, reconhecer a existência de normas oriundas dos costumes e dos contratos, não implica na negação do direito enquanto conjunto ordenado de normas estatais, pois uma norma proveniente de um contrato ou decorrente do costume somente é norma jurídica quando reconhecida como tal pelo Estado, conforme as regras estabelecidas previamente por ele mesmo.
A exemplo do que ocorre com o “jusnaturalismo”, a denominação de "juspositivista" abrange correntes de pensamento que divergem bastante entre si. O ponto comum entre os pensadores do juspositivismo é a identificação do direito com as normas jurídicas postas pelo Estado. A dicotomia juspositivismo vs. jusnaturalismo é bastante reducionista. Por essa razão, o professor Alysson Mascaro, na obra anteriormente indicada, distingue “três caminhos da Filosofia do Direito contemporâneo". 
Além do juspositivismo, que é um dos caminhos, há duas vertentes de crítica ao pensamento juspositivista: as marxistas (e.g. Pachukanis) e as não marxistas (e.g. Carl Schmitt e Michel Foucault). No interior do juspositivismo, Mascaro estabelece a distinção entre três variantes: o juspositivismo eclético (e.g. Miguel Reale); o juspositivismo estrito (e.g. Hans Kelsen); e o juspositivismo ético (e.g. Jürgen Habermas). Vejamos cada uma das correntes sinteticamente: 
a) Juspositivismo Eclético: é uma espécie de momento de transição entre o jusnaturalismo e o juspositivismo que surge no século XIX. Identifica o direito a partir das normas positivadas, fundamentando-o, contudo, em algo externo ao ordenamento jurídico: a cultura, a moral, os valores sociais etc. É eclético porque afirma que o direito somente pode ser explicado enquanto combinação de várias fontes. Miguel Reale, por exemplo, na obra Teoria Tridimensional do Direito, afirma que o direito deve ser entendido como integração de fato, valor e norma. A Escola Histórica do Direito, do século XIX, cujo principal expoente é Friedrich Karl Von Savigny, explica o fenômeno jurídico como manifestação do “espírito do povo” (Volksgeist) – cultura, usos e costumes historicamente constituídos – que deve inclusive servir de guia para a adequada interpretação das normas jurídicas. 
b) Juspositivismo Estrito: esta corrente de pensamento jurídico se opõe às correntes ecléticas (culturalistas, historicistas etc.). Seu maior expoente é Kelsen, autor de Teoria Pura do Direito no início do século XX.A condição para o direito ser uma ciência é ter um único objeto: a norma jurídica. Outras fontes, outros objetos, devem ser excluídos do campo científico de estudo, pois a pureza é o pressuposto para a cientificidade.O direito pode ser explicado em termos estritamente normativos, sendo seu fundamento último uma norma (não um valor). 
c) Juspositivismo Ético: surge após a “crise” do juspositivismo estrito, pois esta corrente defendia que o Direito não se define enquanto tal a partir de ideias como moral, justiça ou democracia (o Direito, portanto, dos Estados totalitários – e.g. nazistas e fascistas – deveria ser reconhecido igualmente como Direito). Criticando o juspositivismo estrito, a vertente ética se desenvolve na segunda metade do século XX e retoma a reflexão sobre o Direito a partir de princípios de eticidade e da ideia de consenso social. A Teoria da Ação Comunicativa de Habermas é um caso exemplar desta forma de pensar. O juspositivismo ético não defende um “direito natural” – conteúdos jurídicos predeterminados – e também não é idêntico ao juspositivismo eclético (embora ambos pensem o direito eticamente), pois, para o juspositivismo ético, o direito positivo não é uma reescrita dos valores da moral, da cultura e da tradição, pelo contrário, é o direito que deve nortear a sociedade dentro de princípios que são a condição para que se efetive a opção mais racional para o todo social
FILOSOFIA DO DIREITO DE ARISTÓTELES 
Aristóteles é o principal expoente da filosofia do Direito na antiguidade. Nascido em Estagira (384 a 322 a.C.), região da Macedônia, foi aluno de Platão (428/427 a 378/347 a.C), que por sua vez, havia sido discípulo de Sócrates (470/469 a.C. a 399 a.C). A filosofia aristotélica apresenta diversos dissensos em relação ao seu antigo mestre Platão. O conceito de justiça platônico é tido como idealista demais, razão pela qual Aristóteles resgata a necessidade de uma reflexão a partir da observação daquilo que existe na realidade, concretamente no mundo. O jurista decide com justiça se fizer um juízo prudencial. O sujeito torna-se prudente a partir do seu contato com o mundo, com a vivência de experiências. 
O jovem é tendencialmente imprudente, porque é inexperiente, e o sábio é prudente porque é mais experiente. O juízo prudencial não é decorrência da sistematização de ideias abstratas. A prudência é uma virtude prática, pois está vinculada a um juízo a respeito das circunstâncias e das possibilidades concretas que existem no mundo. Para Aristóteles, as reflexões sobre direito e ética não podem estar desvinculadas (ao contrário do que acontece, recorrentemente, na atualidade). Sua principal obra sobre o tema é dedicada a seu filho e denomina-se Ética a Nicômaco. Dentre todas as partes, o Livro V é a mais importante e citada. Aristóteles sistematiza a reflexão a respeito da justiça a partir da seguinte divisão: 
✓Justiça Universal. 
✓Justiça Particular:distributiva e corretiva 
✓ Voluntária 
✓Involuntária 
A justiça é universal porque está em todas as demais virtudes, como a generosidade ou a coragem. Ser generoso ou corajoso é uma virtude, mas somente quando é exercida com justiça. O exercício da justiça depende da prudência que deve determinar o meio-termo evitando a carência e o excesso, que são os extremos. O covarde foge diante de qualquer risco; o extremo oposto, porém, é ser temerário – agir com excesso de ímpeto. A injustiça está nos extremos, a justiça na moderação. A justiça é particular porque é uma virtude em si mesma, não apenas na relação com as demais. Neste caso, justiça consiste em “dar a cada um o que é seu”, segundo uma proporção. A proporção da justiça em Aristóteles irá se expressar na famosa ideia de que o justo é tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, na medida de sua desigualdade. 
A determinação do que é justo, do que é devido a cada um, realiza-se por meio da distribuição, da correção ou da reciprocidade. Segundo Aristóteles, somente há justiça se as riquezas, benefícios e honrarias forem distribuídos na pólis. Trata-se da justiça distributiva. A distribuição pressupõe que haja, no mínimo, dois sujeitos em relação aos quais serão distribuídos os objetos, que, consequentemente, também precisam ser, no mínimo, dois. O mérito é o critério utilizado para determinar como será feita a distribuição. O significado de mérito varia conforme aquilo que a pólis valoriza, por exemplo, o “homem livre” na democracia; “a nobreza de nascimento”, na oligarquia. A proporção da justiça distributiva é geométrica. Ela opera tal como a “regra de três da matemática”. Por exemplo, 1 pessoa tem direito a 2 cotas, então 3 pessoas terão direito a 6 cotas. 
O justo é o respeito à proporção. A justiça corretiva (diortótica) é diferente da justiça distributiva: trata-se de estabelecer uma proporção aritmética, que reestabelece a igualdade entre as partes. A correção é aplicada a fatos decorrentes ou não de um acordo de vontades. Há relações que são voluntárias: a compra e venda, a locação etc. Sua origem é um acordo de vontades. Caso uma das partes não cumpra sua obrigação, é necessário aplicar a justiça corretiva, para que uma parte não fique em vantagem e outra em desvantagem. Há relações que Aristóteles denomina de involuntárias: o furto, o homicídio etc. Elas são chamadas de involuntáriasnão porque o ofensor agiu sem vontade, mas porque não tem origem em um acordo de vontades. 
Novamente, torna-se necessário reparar a perda sofrida por meio da justiça corretiva, caso contrário haverá vantagem e desvantagem de um sobre outro. A justiça decorrente da reciprocidade é uma terceira forma que não se inclui nas anteriores (distributiva e corretiva). A reciprocidade está diretamente ligada ao campo da economia, no qual se estabelece um padrão de equivalência. O dinheiro costuma ser, por conta de uma convenção,aquilo que expressa a equivalência padronizada. Ao tratar da reciprocidade, Aristóteles mostra que: não é o dinheiro que tem valor, mas os bens e serviços que são permutados por meio dele; justiça é respeitar a equivalência existente entre o valor dos diversos bens e serviços. Seguindo as linhas do pensamento platônico, Aristóteles afirma que a decisão a respeito do que é devido não se resume a mera aplicação de leis previamente estabelecidas. Aristóteles diferencia-se de Platão, porém, à medida que para o estagirita não são as ideias abstratas de justiça – conhecidas internamente pela razão – que orientam a decisão sobre o que é devido, e sim um juízo a respeito da realidade, da natureza das coisas, das particularidades de cada caso concreto julgado. Um exemplo ilustra o pensamento aristotélico: pela justiça distributiva, cada aluno deve ter uma nota proporcional aos seus acertos. No entanto, não seria justo aplicar provas iguais para crianças, adolescentes e adultos, avaliando a todos conforme o mesmo padrão. 
Para Aristóteles a lei precisa estar em conformidade com um princípio ético, portanto, ela não é válida apenas pela sua forma – pelo procedimento pelo qual foi criada – mas também por conta de seu conteúdo. A ideia de que as leis da polis podem ser questionadas por um critério externo costuma render a afirmação de que a Aristóteles é um adepto do jusnaturalismo, compactuando, portanto, da ideia de que existe um direito natural. Aristóteles de fato defende que pensar o Direito exige compreender a natureza das coisas, no entanto, ao contrário dos pensadores modernos, seu jusnaturalismo não postula direitos naturais universais, invariáveis no tempo e no espaço. Muito menos concebe que haja direitos subjetivos naturais.A equidade se apresenta em Aristóteles como uma peça fundamental para a concretização da justiça. Ela consiste no juízo que considera as particularidades do caso concreto – a constante transformação da realidade – e aquilo que não está abrangido pela lei, dada sua generalidade. A prudência, nesse sentido, é indispensável ao jurista, conforme dissemos anteriormente. O juízo equitativo tem papel primordial, não residual, na Filosofia do Direito de Aristóteles. 
Conhecer as leis e simplesmente aplicá-las indistintamente implica em injustiça por parte de quem decide, portanto, decidir bem exige não apenas conhecimento das leis, mas também de outras áreas que permitam ter uma compreensão adequada a respeito do mundo, dos seres, da realidade. Em Aristóteles, o dever ser, não pode ser encontrado simplesmente na lei positivada pelo Estado. Ele é determinado por elementos exteriores que precisam ser necessariamente conhecidos pelo jurista. Tampouco se associa o direito positivo à justiça. Por essa razão, Aristóteles não pode ser considerado um juspositivista. 
FILOSOFIA DO DIREITO ILUMINISTA
Immanuel Kant (1724-1804) é o filósofo alemão de maior destaque na filosofia iluminista do Direito. Convencionou-se afirmar que a filosofia kantiana antecede o advento filosofia contemporânea que se inicia com Hegel no século XIX. A filosofia iluminista desenvolveu-se durante o século XVIII e defendia o domínio da razão, em detrimento da fé, em todos os campos do conhecimento, inclusive na política e no Direito. Para entender a filosofia do Direito de Kant é preciso relacionar a Crítica da Razão Pura – na qual trata da teoria do conhecimento – com a Crítica da Razão Prática e a Fundamentação da Metafísica dos Costumes – nas quais trata do conhecimento do justo, do direito e da moral. Uma moral fundada na razão universal comum a todo indivíduo “Crítica”, no caso de Kant, significa a “verificação das condições de possibilidade de entendimento”. Ao propor uma Crítica da Razão Prática, Kant pretende examinar se e como é possível fundamentar racionalmente o que é designado como “justo”, “moral” e “lícito” etc. 
As teorias medievais, que defendiam uma moral revelada por Deus a alguns homens, fortalecem a autoridade do Clero e de seus aliados, os membros da realeza. Kant, ligado à tradição liberal- -iluminista, aponta outro fundamento para a moral: a razão, que é universal e, portanto, comum a todos os seres humanos. A liberdade, a igualdade, a propriedade, irão aparecer nas teorias liberais como direitos naturais individuais. Tais direitos poderiam ser reconhecidos por qualquer sujeito como inerentes ao indivíduo, bastando para tanto fazer uso das faculdades racionais que lhe são inatas. As teorias iluministas fortalecem as aspirações políticas da burguesia contra o Clero e os Reis. Ao mesmo tempo, serviam para legitimar os fundamentos da ordem econômica capitalista. 
Na Crítica da razão pura, Kant revela ter sido influenciado pelos pressupostos da filosofia moderna que, desde René Descartes, no século XVII: 
(i) buscavam um conhecimento certo – ideias claras, distintas e indubitáveis – não meramente provável. Opunham-se, portanto, aos antigos, para os quais a prudência era essencial, pois permitia um juízo de probabilidade.
(ii) estabeleceram o sujeito do conhecimento, não os objetos, como ponto de partida de uma epistemologia (teoria do conhecimento). Opunham-se, portanto, aos antigos, cujo ponto de partida para pensar a política e o direito era a totalidade, a pólis, não o indivíduo. Kant afirma que o ceticismo de David Hume (1711-1776) mudou sua forma de pensar: o conhecimento empírico – por meio da experiência no mundo – é sempre precário, pois a repetição de um acontecimento não é suficiente para toma-lo como certo. O juízo a posteriori (depois da experiência) não é totalmente seguro, portanto, não é perfeitamente confiável. Nas ciências naturais o conhecimento se dá empiricamente, portanto, nestes campos do conhecimento não é possível conhecer as coisas em si mesmas, mas apenas enquanto fenômenos que se apresentam aos sujeitos do conhecimento. 
Kant influencia Kelsen Veremos mais adiante que a filosofia do Direito de Kant influencia diretamente a de Hans Kelsen (jurista de maior destaque no século XX) que por essa razão é considerado um neokantiano. O pensamento kelseniano afirma que a ciência do direito somente pode alcançar o status de ciência – de conhecimento certo – se tiver como objeto apenas as normas jurídicas estatais. Kelsen, a exemplo de Kant, rejeita que a ciência do direito utilize métodos empíricos para explicar o fundamento do direito e a validade das normas jurídicas. O fundamento do direito é um princípio da razão, que pode ser conhecido sem nenhuma experiência concreta ou método empírico. Apesar de inspirado na filosofia de Kant, Kelsen rejeita o jusnaturalismo kantiano, pois para ele o direito não tem nenhum conteúdo específico, natural, como afirmara Kant, ao postular a liberdade e a propriedade como direitos naturais, por exemplo. 
No campo do Direito e da Moral, diferentemente, para Kant, existe sim a possibilidade de um entendimento racional de como as coisas são em si mesmas. Como dito, o conhecimento certo não se dá a posteriori. Logo, empiricamente não é possível determinar o justo. Assim, a racionalidade do direito e da moral será explicada a partir de juízos a priori, ou seja, anteriores a qualquer experiência. Essa explicação mostra como a filosofia do Direito de Kant será significativamente distinta da de Aristóteles, pois para este a prudência e a experiência eram fundamentais para pensar a justiça e o direito. As normas do mundo natural, em Kant, distinguem-se das morais e jurídicas. 
É apresentada uma distinção clássica (adotada por Kelsen,Reale e outros juspositivistas): 
(i) No mundo físico-natural, não há vontade, há uma causalidade universal e necessária, segundo leis da natureza (Se “A” é, “B” é. Há um nexo ôntico). (ii) No campo da Ética e do Direito, há a imputação de um dever ser, para determinadas hipóteses (Se “A” é, “B” deve ser. Há um nexo deôntico). Os agentes, neste caso, são livres, pois dotados de vontade para seguir ou não o que é devido. O agir moral racional deve se orientar por um imperativo categórico, que é conhecido por intermédio da razão. Se a vontade que determina a ação for guiada pelo imperativo categórico estará em conformidade com a razão. O imperativo categórico existe a priori, pois a razão o conhece independentemente de qualquer experiência. 
É a lei fundamental da razão pura prática, pois todo direito e moral deve estar em conformidade com o imperativo categórico. Na Crítica da Razão Prática, Kant enuncia o imperativo nos seguintes termos: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”. O imperativo categórico não tem um conteúdo específico. Toda norma, jurídica ou moral, no entanto, tem de estar em conformidade com o imperativo categórico. Kant dedica-se a examinar, por conseguinte, quais condutas estariam de acordo com o imperativo categórico. Um dos seus ensaios mais famosos neste sentido analisa a possibilidade da mentira e conclui que mentir é contrário ao imperativo categórico, porque não pode ser universalizado. Ao contrário de Aristóteles, para quem a equidade flexibiliza os rigores de uma lei, para Kant os imperativos categóricos são universais, portanto, o caso concreto e os elementos circunstanciais não servem para fundamentar exceções. 
A ação moral é o cumprimento do dever determinado apenas pelo próprio querer e nada mais. Age moralmente quem cumpre o que é devido intencionalmente, sem nenhuma outra intenção que não seja apenas e tão somente cumprir o dever. Não age moralmente quem cumpre um dever sem intenção de fazê-lo. Quem fala a verdade quando supunha estar mentindo – quando desejava mentir – não está agindo conforme a moral. Também não age moralmente quem pratica um dever em função das consequências do ato, seja o benefício individual, social ou mesmo psicológico. Por exemplo, quem fala a verdade para expiar eventual sentimento de culpa ou para ajudar a si mesmo ou a terceiro. O reconhecimento da moral e seu cumprimento dependem da disposição de cada indivíduo. 
Como há uma multiplicidade de interesses individuais, há uma dificuldade para a execução e mesmo para compreensão daquilo que é moral por parte dos indivíduos. Sendo assim, a boa vontade é fundamental para a realização da moral. A vontade não é “boa” pelas consequências que realiza, mas simplesmente porque ela é a manifestação do querer cumprir o dever moral. Como o fundamento da moral é reconhecido a priori pelo indivíduo, não será a aprovação a posteriori, tampouco sua existência na realidade ou concordância social que lhe conferirá valor. O direito, de maneira semelhante à moral, também deve estar em conformidade com o imperativo categórico. 
No caso de Kant, a exemplo dos demais pensadores liberais, a liberdade, a igualdade e a propriedade privada serão consideradas direitos naturais. Os direitos naturais são, por princípio, universais. O próprio direito é a afirmação da igualdade de todos exercerem sua liberdade de celebrar contratos, ou seja, de se relacionarem na esfera econômica estabelecendo direitos e deveres igualmente válidos entre si. O direito e a moral estabelecem um dever. No caso da moral, este dever é interno. No caso do direito ele é externo. Por isso, no direito, o simples cumprimento do dever, independentemente da intenção, é suficiente para que se dê por satisfeita a obrigação. 
Além disso, o direito possui a sanção como forma de constranger o indivíduo a cumprir o seu dever. Para o Direito, se o devedor paga um empréstimo estabelecido em contrato, há o cumprimento integral do dever jurídico. Não importa se o fez motivado pelo medo da sanção ou porque esperava conseguir novo empréstimo no futuro. Não é relevante saber se as razões foram altruístas ou egoístas. Agir conforme o ditame do dever é suficiente para dizer que a obrigação jurídica foi cumprida. Fazê-lo movido apenas pela intenção de cumprir o dever, não por outras motivações, faz com que o cumprimento da obrigação jurídica coincida também com o dever moral. Coagir significa cercear a liberdade. Portanto, a coação implica em contradição com o direito natural de cada indivíduo agir livremente. Se o direito é coercitivo, por conta da sanção, Kant precisa explicar porque neste caso a coerção é válida e está conforme a universalidade exigida pelo imperativo categórico. 
Kant afirma que a coerção do direito é necessária, justamente para evitar o cerceamento arbitrário da liberdade de um sujeito por outrem. Neste caso, portanto, o Estado é quem deve garantir o respeito ao Direito por intermédio de atos coercitivos se necessário for. Como o direito é válido igualmente para todos, sua universalidade continuaria sendo preservada. A questão que se coloca, por conseguinte, é: de onde o Estado extrai a legitimidade para impor o cumprimento do Direito por meio da coerção, do cerceamento da liberdade? Resposta: do contrato social. Essa resposta está inserida em uma tradição iniciada pelos modernos – vide Thomas Hobbes –para explicar a necessidade do Estado. Os modernos são conhecidos por explicar a legitimidade da autoridade do Estado a partir de teorias contratualistas. O Estado é apresentado como resultado de um consenso social. 
O indivíduo usa de sua liberdade natural para decidir pelo que seria o mais racional: o Estado ordenando a vida na sociedade civil, o que implica, no limite, no cerceamento da liberdade absoluta. Kant, seguindo o modelo contratualista moderno, coerente com sua epistemologia, afirma que o contrato social não precisa ser comprovado enquanto fato (se assim fosse seria necessário examinar isso empiricamente, na história), mas é o pressuposto racional necessário para regular a vida em sociedade. Os indivíduos reconhecem por meio da razão a necessidade de uma autoridade externa para preservar seus direitos (vida, liberdade, propriedade etc.). Se há uma concordância acerca da imposição de leis e de coerção, há uma espécie de pacto racional entre os membros da sociedade, ou seja, um contrato social que legitima a autoridade do Estado. 
A teoria do contrato social combina com os pressupostos epistemológicos da filosofia kantiana, pois reafirma a legitimidade de um dever – seguir a autoridade do Estado e da lei – sem recorrer a um exame empírico (um estudo dos acontecimentos históricos concretos, por exemplo). Novamente, os fundamentos de sua teoria se apresentam como reconhecíveis a priori. Kant é conhecido ainda por afirmar que o Estado de Direito – a defesa de um direito público – se universalizado globalmente, abrangendo todos os Estados, poderia propiciar a paz perpétua em nível mundial. O otimismo a respeito do papel do Direito para o progresso da sociedade é algo típico do pensamento iluminista, herança do pensamento dos filósofos modernos. Kant compactua destas ideias ao defender que a expansão do direito público corresponderia à universalização da razão e, consequentemente, permitiria o progresso da sociedade. 
CAMINHOS DA FILOSOFIA DO DIREITO CONTEMPORÂNEA
Toda ciência define um objeto de pesquisa e um método a ser utilizado para investigá-lo. Para Kelsen a ciência do direito tem como objeto as normas jurídicas que devem ser estudadas por um método analítico. Rejeita-se, portanto, qualquer sincretismo metodológico, bem como a utilização de métodos empíricos voltados a observar e interpretar a realidade. Ao mesmo tempo, especulações filosóficas sobre o justo também não teriam espaço para se atingir uma compreensão científica do direito nos moldes kelsenianos. Para Kelsen, o Direito não é puro, mas apenas a Ciência do Direito o seria (apenasuma interpretação ingênua conceberia que o jurista austríaco não percebe que as normas jurídicas são afetadas por elementos da realidade). Kelsen afirma que o direito sofre, sim, influência de fatores políticos, econômicos, morais etc. No entanto, seu objetivo é formular uma explicação a respeito do Direito que não tenha como objeto tais questões, comumente tratadas por outras ciências (política, econômica, ética, sociologia etc.). E a ciência do direito deveria, necessariamente, proceder assim – sendo pura – se quisesse garantir sua cientificidade, sua certeza. Atingir-se-ia, desse modo, uma Teoria Geral do Direito. 
Segundo Kelsen, o direito pode ser pensado do ponto de vista político ou ético, por exemplo. No entanto, sob tais perspectivas, o direito estaria sendo pensado ideologicamente. Isso somente não ocorreria quando o direito fosse pensado apenas em termos normativos. Os críticos de Kelsen, contudo, ressalvam que seu ideário anti-ideológico, na realidade, é uma ideologia em prol da legalidade e da ordem estatal. Ademais, tal reducionismo faz com que sua obra apresente apenas uma teoria geral das técnicas jurídicas, não uma ciência do Direito propriamente, que necessariamente deve ter um horizonte de pesquisa ampliado. Kelsen afirma que as normas jurídicas podem ser abordadas sob o ponto de vista da: 
(i) Estática jurídica: estuda as normas jurídicas em si mesmas, naquilo que têm de universal. Trata, portanto, dos elementos comuns a toda norma jurídica – enquanto estrutura de proposições – que é dotada de uma lógica interna invariável. 
(ii) Dinâmica jurídica: estuda as normas jurídicas no seu conjunto, a relação existente que forma o ordenamento jurídico. Trata da dinâmica de criação e perecimento das normas, na qual um ato normativo dá origem a outro. Do ponto de vista da dinâmica jurídica, uma das questões suscitadas é a validade das normas jurídicas produzidas. 
Como dito, para Kelsen, o direito não tem seu fundamento em algo que lhe seja exterior – um valor, por exemplo – caso contrário a adequação à moral – um fundamento ético – estaria condicionando a validade do direito. O direito também não é válido apenas quando resulta de um governo democrático, porque isso significaria condicionar a validade do direito a um critério político – a existência da democracia. A validade do direito, igualmente, não é determinada por sua adequação ao que se entende por justo. Kelsen reconhece que há um ato de vontade do legislador na produção das normas, no entanto, a ciência do direito não tem por objeto tal ato – isso exigiria a utilização de métodos empíricos e um estudo não normativo do direito, o que corrompe sua proposta original de uma ciência puramente normativa do Direito. Ademais, entender a motivação do legislador é irrelevante para compreender se seu ato é válido ou não. A dinâmica jurídica analisa a validade da norma jurídica (produzida por meio de ato de vontade do legislador) considerando o conjunto normativo que lhe precede. Noutras palavras, a validade de uma norma jurídica é determinada a partir de outras normas jurídicas que regulam a produção normativa. 
Em uma obra póstuma (Teoria geral das normas. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1986), Kelsen altera sua proposta original e afirma que a norma fundamental é uma ficção, não um pressuposto do pensamento científico do direito. Esta nova posição o distancia do pensamento de Kant, pois a norma fundamental deixa de ser condição teorética de conhecimento – pressuposto epistemológico – do ordenamento jurídico. Uma das questões que Kelsen tem de enfrentar a partir dos pressupostos estabelecidos é a seguinte: como identificar qual ordenamento jurídico deve ser obedecido? Qual o critério para afirmar que uma Constituição e não outra é obrigatória em relação a um determinado povo? A resposta de Kelsen consiste em afirmar que as normas jurídicas são objetivamente válidas, portanto, independem de uma escolha subjetiva, do reconhecimento dos sujeitos acerca da sua validade. A resposta de Kelsen é considerada um tanto quanto vaga, razão pela qual os críticos do positivismo jurídico irão afirmar que o Direito se constitui como tal na medida em que é reconhecido como obrigatório, por decorrência de um núcleo de poder que assim o institui e tem força concreta para garantir sua observância (por essa razão, quem detém o poder obriga os demais a reconhecer suas normas como sendo o direito). 
Essa consideração crítica irá aparecer de maneira atenuada na teoria do direito de Miguel Reale e de modo acentuado em Michel Foucault, autores que serão explicados mais adiante. As formulações teóricas de Kelsen sobre o direito parecem estar desvinculadas da prática jurídica, no entanto, ocorre exatamente o inverso. Para se constatar isso, basta observar que comumente a validade do direito é pensada em termos estritamente normativos: uma norma jurídica só é considerada sem validade – portanto, inaplicável – quando contraria outra norma jurídica (por exemplo, quando uma lei ordinária contraria a Constituição). Ademais, critério como justiça e/ ou moralidade ficam distantes do campo de análise do jurista que se inclina em direção ao juspositivismo estrito de Kelsen. A teoria hermenêutica de Kelsen, que segue os pressupostos de sua teoria, também é comumente adotada. 
Toda interpretação das leis feita pelos Tribunais, a princípio, é considerada válida, pois apenas o Judiciário está autorizado pela lei a dizer qual é o seu significado. Noutras palavras, até a interpretação mais absurda do ponto de vista lógico é válida, contanto que dentro do Judiciário tal interpretação seja aceita. Afirmar que a interpretação do Tribunal é injusta ou imoral, na perspectiva kelseniana, seria avaliar o direito fora dos quadrantes estritamente normativos, ou seja, segundo Kelsen, fora dos limites da ciência do Direito. Do ponto de vista da ciência jurídica, somente há duas interpretações: a autêntica – que por princípio tem validade – e a não autêntica (doutrinária). A primeira vem dos Tribunais, pois eles estão autorizados pelo direito a interpretar as leis (por isso o significado que atribuírem a um texto, qualquer que seja, sempre é válido). A segunda vem dos demais, dos doutrinadores, daqueles que não estão autorizados a interpretar o texto de lei. Kelsen não deixa de reconhecer certa indeterminação do direito, apesar da existência das normas, seja no campo da interpretação, seja no campo da integração do ordenamento jurídico. Isso o aproxima de uma posição decisionista/realista do direito. 
A interpretação, segundo Kelsen, é a escolha entre possibilidades interpretativas, opção entre significados que se podem atribuir a um texto normativo, portanto, ela abre um espaço para a decisão política. A integração do ordenamento jurídico, o preenchimento de lacunas, também evidencia a presença de decisões políticas no âmbito do direito. Kelsen afirma que o ordenamento jurídico é completo, pois tudo que não está proibido por uma lei, está juridicamente autorizado (a legalidade, portanto, tudo regula, seja positivamente, seja por exclusão, pela via negativa). Mesmo assim, os juízes, segundo Kelsen, afirmam a existência de lacunas quando julgam que a ausência de uma lei específica pode produzir uma decisão injusta (por exemplo, o Judiciário concede ao digitador o intervalo especial que existe especificamente ao datilógrafo, recorrendo à analogia para preencher uma lacuna na lei). 
As lacunas para Kelsen são “ideológicas”, não existem, são apenas ficções do Judiciário para evitar a injustiça. Essas considerações não afetam o modelo de pureza da ciência do Direito kelseniana. Como dito, Kelsen reconhecia que o Direito não é puro, está permeado por fatores externos às normas jurídicas. Pura seria a Teoria do Direito. No entanto, as consequências do reducionismo de Kelsen se manifestam novamente nos casos acima mencionados: 
(i) A ciência do direito deixa deliberadamente de examinar as razões que motivam as decisões políticas do Judiciário e, assim, não analisa quais fatores contribuem paraque o direito se institua concretamente de um ou de outro modo (por meio da decisão judicial), no caso da interpretação ou da integração do ordenamento jurídico; 
(ii) A ciência do direito não examina qual decisão política do Judiciário é a mais adequada, a mais justa, seja do ponto de vista ético, econômico, ambiental etc. Disso decorre a crítica anteriormente mencionada: há em Kelsen apenas uma teoria sobre técnicas jurídicas, não uma ciência do direito propriamente, pois esta deveria ser capaz de avaliar o direito na sua totalidade, tratando das questões acima mencionadas. Além disso, sem pensar o direito em seu aspecto concreto, a Ciência do Direito corre o risco de se tornar a descrição meras abstrações, o estudo de um texto que se propõe a regular a realidade, mas inexiste nela. 
O juspositivismo eclético Miguel Reale (1910-2006) é tido como jurista brasileiro de maior notoriedade no cenário nacional e internacional. É conhecido por ter elaborado a teoria tridimensional do direito. A vertente na qual a teoria do Direito de Reale se insere costuma ser denominada de culturalismo jurídico: o direito é parte das leis culturais (a moral também) e tem uma finalidade ética, preservar os valores – bens culturais – de uma sociedade. Reale é um filósofo contemporâneo de Kelsen, mas os antecedentes de sua teoria são encontrados na Escola Histórica do Direito do século XIX, que rejeitava o jusnaturalismo e foi confrontada com o juspositivismo estrito de Kelsen (que por sua vez será criticado pelo jurista brasileiro). Uma teoria jurídica pode ser classificada como eclética na medida em que explica o fundamento e a finalidade do direito não em termos estritamente normativos, mas a partir de outras fontes, fatos e valores. A partir do conceito de direito de Reale, podemos entender como está organizada sua teoria e filosofia do direito. Façamos uma análise de cada componente da definição proposta por ele: “Direito é a ordenação heterônoma, coercível, bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos segundo valores” (Lições Preliminares de Direito. 22. ed. São Paulo: Saraiva, p. 67). 
Sendo assim, o Direito é: 
(i) Ordenação: o direito nunca é uma única norma, mas sempre um conjunto de normas sistematizadas, organizadas de maneira hierárquica, onde as superiores conferem validade às inferiores. 
(ii) Heterônomo: o direito considera lícita a conduta pela exterioridade do ato, não pela motivação do sujeito. A moral, pelo contrário, é autônoma, pois o querer interno do sujeito é necessário para se configurar o cumprimento do preceito (vide Kant). 
(iii) Coercível: o descumprimento do Direito enseja sanções que podem implicar no uso da violência física (vide Kant). 
(iv) Bilateral: o direito sempre regula uma relação intersubjetiva, ou seja, uma relação entre pelo menos dois sujeitos. Neste aspecto, não difere da moral que também é bilateral. 
(v) Atributivo: o cumprimento do direito pode ser exigido por um sujeito em relação a outro. Isso é feito por intermédio do Estado. 
(vi) Integração normativa de fatos segundo valores: o direito não pode ser reduzido apenas ao seu aspecto normativo, deve ser considerada sua dimensão fática e axiológica (relação com valores sociais). ao seu aspecto normativo, deve ser considerada sua dimensão fática e axiológica (relação com valores sociais). 
Justamente por pensar o direito como ordenação normativa constituída a partir de fatos e orientada por determinados valores é que Reale apresenta uma Teoria Tridimensional do Direito – título de uma de suas obras. Nas palavras de Reale, o Direito é constituído de três dimensões irredutíveis, portanto ele é: 
(i) Fato: a realização ordenada do bem comum. Neste caso, a Sociologia do Direito examina o fenômeno jurídico como fato social e avalia a eficácia normativa, sua existência concreta. 
(ii) Norma: ordenação bilateral-atributiva. Neste caso, a Dogmática do Direito estuda a dimensão normativa do direito do ponto de vista de um normativismo abstrato, examinando a validade formal (técnico-jurídica) das normas, que é determinada a partir de outras normas jurídicas. 
(iii) Valor: concretização da ideia de justiça. Neste caso, a Filosofia do Direito examina o direito como valor do justo, ou seja, avalia o fundamento axiológico do direito, sua conformidade com a moral, com os valores da sociedade. A integração de fato, valor e norma depende de um poder que determine qual valor será protegido por qual norma propiciando ou repelindo a ocorrência de determinados fatos na sociedade. Ao contrário de Kelsen, Reale reconhece que o poder explica a nomogênese jurídica – a constituição do Direito –, no entanto, esse reconhecimento aparece de maneira atenuada em sua teoria, pois o poder não é um dos três elementos constitutivos do direito. Conforme já mencionamos, em Foucault, diferentemente, o poder aparecerá de maneira acentuada, como elemento determinante do direito. Outro ponto de contraste com a teoria de Kelsen encontra -se na afirmação de Reale de que o direito tem uma finalidade específica: realizar o bem comum, entendido como adequação aos valores da sociedade. 
Ao afirmar que o Direito tem uma dimensão axiológica, o autor não defende uma teoria jusnaturalista como a dos modernos, pois o valor do justo não está estabelecido previamente, mas desenvolve-se socialmente, culturalmente, no curso da história. Ainda que Reale rejeite as teorias jusnaturalistas, ele afirma que determinados valores se cristalizam socialmente por contingências históricas, ou seja, em decorrência de determinados acontecimentos. Trata-se de invariantes axiológicas, valores que se tornam universais e atemporais, como se fossem inatos (mas não o são propriamente, porque resultam de uma experiência histórica particular). Neste caso, as normas jurídicas devem se adequar a tais invariantes para serem consideradas justas. 
Ainda que a teoria de Miguel Reale possa parecer muito distinta da de Kelsen, trata-se de uma variação do juspositivismo. As normas jurídicas não perdem sua validade formal e, consequentemente, sua obrigatoriedade pela desconformidade com a moral ou pela perda de validade fática (eficácia). O Direito, neste caso, apenas perderia o seu sentido, sua razão de ser, mas não deixaria de ser Direito. Trata-se de uma posição distinta do pensamento antigo, para o qual direito injusto/ ineficaz não é direito.
Fonte: Concursos Jurídicos. GARCIA, Wander. 7ª Edição. Indaiatuba, São Paulo. Editora Foco, 2021

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