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1. Conceito É uma condição inflamatória aguda no pâncreas, com acometimento variável de estruturas peripancreáticas e/ou de órgãos à distância. Em casos mais graves se comporta como doença multissistêmica e leva à Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS). Após a resolução do quadro, sequelas não são deixadas. Cerca de 80-90% das pancreatites agudas cursam com apenas edema pancreático, sendo denominada pancreatite aguda edematosa, sem áreas extensas de necrose, sem complicações e curso autolimitado de 3 a 7 dias. Os outros 10-20% cursam com extensa necrose, hemorragia retroperitoneal, quadro sistêmico grave e uma evolução de 3 a 6 semanas, sendo chamada de pancreatite aguda necrosante. 2. Etiologia • Pancreatite aguda biliar Mais comum no sexo feminino, na proporção de 2:1 em relação ao masculino, em pacientes obesos e na faixa etária dos 50 aos 70 anos. É a causa mais comum de pancreatite aguda. Uma das hipóteses é que os cálculos, geralmente de tamanho inferior a 5mm, obstruem a Ampola de Vater, promovendo aumento da pressão intraductal e fusão lipossomal aos grânulos zimogênicos. Outra hipótese é que a obstrução promove refluxo do conteúdo biliar ao pâncreas, desencadeando a ativação enzimática. • Pancreatite aguda alcoólica De forma geral, o paciente já consome pelo menos 25g de etano por dia há 5 anos, existindo um acometimento crônico do pâncreas, ainda que subclínico. A patogênese é desconhecida, mas estima-se que o álcool pode atuar diretamente na ativação de enzimas, pode promover a contração transitória do esfíncter de Oddi, gerar lesão acinar direta ou formação de cilindros de proteína que obstruem os ductos. • Tumores – pacientes com mais 40 anos pode haver obstrução da drenagem do suco pancreático • Autoimune • Pancreatite aguda idiopática ✓ Microlitíase biliar ✓ Disfunção do esfíncter de Oddi • Hipertrigliceridemia Metabolização dos ácidos graxos livres que são nocivos ao pâncreas pela ação da lipase. Pode ser pelo uso de estrogênio, nutrição parenteral, síndrome nefrótica ou outros. Níveis de TG acima de 1.000mg/dL. • Hipercalcemia • Pós-operatório • Induzida por fármacos 3. Patologia É identificada reação inflamatória aguda difusa, associada a áreas de necrose gordurosa. Em casos mais graves formam extensas áreas de necrose glandular, com ruptura vascular e focos hemorrágicos. Os achados patológicos indicam processo autodigestivo do pâncreas. 4. Fisiopatogenia O pâncreas é uma glândula de produção endócrina e exócrina. Em relação à última, com exceção da amilase e lipase, as demais enzimas são produzidas e secretadas em sua forma inativa, chamada zimogênio, a fim que sejam ativadas apenas no duodeno. A finalidade da ativação tardia enzimática é a digestão apenas do conteúdo advindo do estômago, no entanto, com ativação precoce no próprio pâncreas, ocorre a autodigestão do parênquima do órgão. Independe do mecanismo patogênico inicial, ocorre lesão das células acinares, que passam a liberar as enzimas em sua forma ativa. Essa situação decorre da indução à fusão de grânulos com zimogênio com vesículas de lisossomos, que contém a catepsina B. Essa enzima é capaz de converter o tripsinogênio em tripsina e a última desencadeia a reação de conversão das demais enzimas. As vesículas de fusão migram para a região intersticial e iniciam a digestão. Ainda, a tripsina é capaz de ativar o sistema de coagulação pela via intrínseca, promovendo a formação de microtrombos nos vasos, estase capilar, redução da saturação e isquemia progressiva. Como está associado à produção de citocinas, ainda ocorre ativação do sistema do complemento, de forma que leucócitos e macrófagos são atraídos ao local, produzindo novos mediadores inflamatórios. A exacerbação desse processo resulta na SIRS. O cálcio intracelular também funciona como molécula ativadora da tripsina, participando da gênese do processo. A fosfolipase A e a lipase são responsáveis pela digestão gordurosa, necrose e coagulação. Os ácidos graxos, ao se unirem ao cálcio, realizam o processo de saponificação, resultando em áreas necróticas e hipocalcemia do quadro. A enzima elastase é a que promove lesão do tecido pancreático devido à ruptura da parede vascular. A quimiotripsina Pancreatite aguda Clínica Integrada de Gastroenterologia – aula 19 Nicole Sarmento Queiroga Figura 1. Fisiopatologia da pancreatite aguda. promove edema e lesão vascular e a ativação da cinina- calicreína também promove edema, mas inflamação. A hipovolemia – desvio volêmico para regiões retroperitoneais – e a isquemia promovem a produção de shunts arteriovenosos e a quebra da barreira intestinal. Com isso, ocorre translocação bacteriana para o pâncreas, advinda principalmente do cólon transverso, devido à proximidade anatômica. 5. Manifestações clínicas e exame físico • Dor abdominal aguda Localizada no andar superior do abdome, sendo denominada dor em faixa, com irradiação para o dorso. A progressão é rápida, com intensidade máxima entre 10 e 20 minutos após seu aparecimento. Em casos de origem alcoólica, as dores surgem após dois ou três dia de libação. • Náuseas e vômitos Vômitos podem ser incoercíveis e não aliviam a dor. • Posição genupeitoral – alívio da dor • Inquietação, agitação • Febre, taquicardia e taquipneia • Sinais de desidratação • Insuficiência renal • Choque ✓ Hipovolêmico – perda de 6 a 10 litros para o retroperitônio ✓ Distributivo – vasodilatação sistêmica por SIRS • Dor leve à palpação até sinais de irritação peritoneal com Blumberg positivo • Icterícia – casos mais graves • Sinais cutâneos ✓ Equimose em flancos – sinal de Grey-Turner ✓ Equimose periumbilical – sinal de Cullen ✓ Necrose gordurosa subcutânea – paniculite ✓ Equimose em base do pênis – sinal de Fox 6. Laboratório • Dosagem de amilase (até 160U/L) ou lipase (até 140U/L) – valores 3x acima do LSN, de forma que a da lipase é mais difícil e cara A amilase é a mais sensível e se eleva nas primeiras 6 a 12 horas do primeiro dia, reduzindo entre os 3 e 5 dias iniciais, mas menos específicas. Menos sensível e mais especifica, elevação na correte sanguínea dentro das 72 a 96 horas iniciais, se mantendo em altas dosagens por até 8 dias. • Leucocitose – pode chegar até 30.000cél/mm3 • Exame de proteína C reativa – intensidade inflamatória, se superior a 150mg/L é mau prognostico • Altos níveis de LDH – indícios de lise celular • Aumento do hematócrito – perda de água pela inflamação • Gasometria • Lactato sérico • Aumento da creatinina e ureia – insuficiência renal • Hipocalcemia – saponificação e necrose gordurosa • Aumento em mais de 3x das aminotransferases – em especial TGO, também em tecidos extra-hepáticos • Aumento da fosfatase alcalina e bilirrubina • Alterações nas provas de coagulação – TAP e PTTa • Hiperglicemia • Colesterol total, frações de HDL, LDL e TG – associação etiológica 7. Diagnóstico O diagnóstico da pancreatite aguda pode ser exclusivamente clínico e laboratorial, de modo que a realização dos exames de imagem é realizada para determinar a etiologia. Em caso de o paciente apresentar dor abdominal associada à náuseas e vômitos, com alterações enzimáticas (TGO, lipase e amilase) mais de três vezes que o limite superior normal, o quadro já está confirmado. • Ultrassonografia Realizado para diagnosticar a principal etiologia causadora, a litíase pancreática. Exame de fácil acesso, mas nem sempre de boa visualização pancreática pela interposição de alças intestinais e pela localização retroperitoneal do órgão. É facilmente perceptível o aumento do volume e a redução da ecogenicidade. • Tomografia computadorizada Melhor método de imagem para avaliarpresença d complicações locorregionais, além disso, pode indicar aumento focal ou difuso pancreático, borramento da gordura, necrose. Em pacientes leves, não há necessidade de realização. 8. Classificação • Atlanta Figura 2. Paniculite na pancreatite aguda. Figura 3. Sinal de Cullen. Figura 4. TC helicoidal de abdome com aumento difuso do pâncreas. Classificação de Atlanta para Pancreatite Aguda Gravidade Características Leve Sem falência orgânica, sem complicações locais ou sistêmicas Moderada Falência orgânica transitória (resolve em 48h), complicações locais ou sistêmicas sem persistência de falência orgânica Grave Falência múltipla persistente única ou múltipla • Ranson Critérios avaliados na admissão 1. Idade superior a 55 anos 2. Leucometria superior a 16.000/mm3 3. Glicose superior a 200mg/dL 4. DHL > 350U/L 5. AST > 250U/L Critérios avaliados 48h após a admissão 1. Redução igual ou superior a 10% no hematócrito 2. Aumento igual ou superior de 10,7mg/dL na ureia sérica, apesar da reposição volêmica 3. Cálcio sérico inferior a 8mg/dL 4. PO2 < 60mmHg 5. Déficit de base maior que 4mEq/L 6. Sequestro de líquidos maior que 6.000mL Conclusão Apresentação de mais de três critérios – manifestação grave • Balthazar Critérios tomográficos de Balthazar Achado na TC Pontuação Normal 0 Aumento difuso do pâncreas 1 Alterações pancreáticas + inflamação peipancreática 2 Coleção líquida e mal definida 3 Duas ou mais coleções líquidas e/ou gás intrapancreático ou adjacente 4 Necrose Pontuação Nenhuma 0 < 30% 1 Entre 30 e 50% 2 4 > 50% 6 Conclusão Pontuação igual ou superior a 6 é indicativo de doença grave • Coleções pancreáticas ✓ Edematosa ou intersticial Menos de 4 semanas: coleção peripancreática aguda Mais de 4 semanas: pseudocisto ✓ Pancreatite necro-hemorrágica Menos de 4 semanas: coleção necrótica aguda Mais de 4 semanas: necrose encistada 9. Tratamento • Analgesia É priorizado o uso de analgésicos, mas em caso de refratariedade da dor ou em casos graves, os opiáceos podem ser utilizados, com cuidados devido às chances de dependência, pode ser usado a meperidina ou morfina. • Hidratação venosa Deve-se preconizar a infusão de 6 litros de solução salina nas primeiras 24 horas, principalmente em estado grave, devido às perdas retroperitoneais e pelos vômitos. A finalidade é repor a volemia, diurese, pressão arterial, frequência cardíaca e pressão venosa central. Pode ser utilizado ringer lactato ou soro fisiológico, sendo o primeiro priorizado pela presença de cálcio e pelo primeiro conter um excesso de cloro, causando acidose hiperclorêmica. Após a expansão volêmica, deve-se realizar novamente a avaliação do hematócrito após 48 horas, deve esse apresentar valores reduzidos. • Suporte nutricional O paciente, de acordo com sua condição, pode necessitar de suporte enteral ou parenteral. Mas se esse não for o caso e o paciente pode utilizar o trato gastrointestinal, a alimentação via oral deve ser feita nas primeiras horas possíveis ou quando o paciente manifestar vontade de comer, porque evita a translocação bacteriana colônica para o pâncreas. Logo, a dieta zero deve ser feita no menor período de tempo possível. • Antimicrobianos Usado em caso de infecções extra-pacreáticas ou necrose pancreática infectada. Diagnóstico feita pela punção do material. Pode ser utilizado imipenem, meropenem, quinolonas + metronidazol. • CPRE – primeiras 24 horas em caso de colangite • Aminas vasopressoras Uso de noradrenalina associada ou não à dobutamina em casos de choque refratário à reposição volêmica rigorosa. • Cirurgia – colecistectomia, tratamento de pseudocistos, abscessos • Monitorização – avaliar necessidade de UTI
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