Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Clara Rêgo – 6° semestre 2021.1 (MedCurso + SanarFlix) Arboviroses Arboviroses são as doenças causadas pelo chamados arbovírus, que incluem o vírus da dengue, Zika, febre Chikungunya e febre amarela. DENGUE Em qualquer região tropical como o Brasil toda vez que um paciente chega com quadro de Síndrome Febril, a suspeita de arboviroses precisam vir à nossa mente, sendo que dentre elas, uma das mais comuns no nosso meio é a Dengue. Estima-se que a Dengue acometa, nas regiões tropicais, cerca de 50 milhões de pessoas anualmente, sendo que dessas, em torno de 500 mil são quadros graves com sintomas hemorrágicos. O Brasil tem se destaca por contribuir com aproximadamente 70% desses casos, sendo assim um problema de saúde pública. ➔ Etiologia: vírus da família Flavivirae (mesmo da febre amarela); ➔ Transmissão: pelo vetor Aedes aegypti é a principal maneira; existem relatos de transmissão vertical; por transfusão sanguínea também é possível se o doador estiver na fase virêmica. PATOGÊNESE O vírus tem tropismo celular predomina sobre os macrófagos/monócitos e, em segundo lugar, nas células musculares esqueléticas (justifica a intensa mialgia). Então após inoculação, os vírus se replicam dentro dessas células, produzindo assim a viremia. Essa replicação viral vai estimular a produção de citocinas pelo macrófago e dos linfócitos TCD4 = a liberação dessas citocinas (principalmente TNF-alfa e IL-6) causam a síndrome febril. A resposta imunológica começa já na primeira semana da doença: ➔ IgM = 6° dia começa a ser detectado. Atinge o pico no final da primeira semana e dura por meses. ➔ IgG = pico no final da segunda semana, mas surgem no final da primeira → conferem imunidade para vida. ➔ Em termos de virulência, em ordem decrescente temos os sorotipos 2, 3, 4 e 1. DENGUE GRAVE Geralmente ocorre em paciente que já se infectaram por algum sorotipo da dengue, dando destaque ao Sorotipo 2 (maior chance de gravidade). Porém NEM SEMPRE o portador de dengue grave terá tido previamente infecção pela dengue, e a explicação mais provável para isso é a predisposição genética. Qual é a explicação disso? Existem algumas teorias, mas a mais aceita é a teoria de Halstead: 1. Na primeira infecção, o corpo cria anticorpos neutralizantes daquele sorotipo → anticorpos homólogos, para a vida toda. Ele oferece imunidade também para os outros sorotipos, porém com tempo limitados de meses a poucos anos. 2. Quando o indivíduo é infectado mais tarde por um sorotipo diferente, os anticorpos não terão mais capacidade de proteção → anticorpos heterólogos, tem caráter subneutralizante. 2 Clara Rêgo – 6° semestre 2021.1 (MedCurso + SanarFlix) 3. Assim, segundo essa teoria, esses anticorpos heterólogos vão se ligar ao patógeno, mas sem neutraliza-lo. Isso deixa fácil para o vírus se multiplicar dentro dos macrófagos e se espalharem pelo corpo. Essa viremia estimula a liberação de citocinas pró-inflamatórias (TNF-alfa e IL-6) + proteases ativadoras de fatores pró-coagulatórios + estimula mais linfócitos B a produzirem mais anticorpos ainda → retroalimentação positiva. 4. Então esse aumento súbito e generalizado de permeabilidade capilar, proliferação do vírus = configurando a dengue grave. QUADRO CLÍNICO A maioria dos pacientes se recupera por completo após alguns dias. No entanto, certos doentes evoluem de forma desfavorável, em geral quando a febre melhora, devido à ocorrência do fenômeno de extravasamento plasmático. É importantíssimo salientar que quase sempre esta evolução nefasta é precedida pelo surgimento dos sinais de alarme, alterações clinicolaboratoriais facilmente identificáveis que denotam o início do extravasamento plasmático! O pronto reconhecimento dos sinais de alarme, seguido de uma abordagem padronizada e oportuna, é capaz de impedir a progressão para o estado de choque circulatório e consequente falência orgânica múltipla, evitando os óbitos por dengue. Outra forma desfavorável de evolução são os pacientes que desenvolvem hemorragias graves (ex: digestiva, intracranianada) ou lesões de órgãos específicos (ex: meningoencefalite, miocardite...). então há um espectro clínico grande que podem ser separados em três fases evolutivas: febril ➔ crítica → recuperação. 1. Fase febril: • Febre Alta (39°C a 40C) de inicio súbito, com duração de 2 a 7 dias. • Adinamia, cefaleia, dor retrorbitária, mialgia e artralgia. • Queixas GI: frequentes durante a fase febril. Anorexia, náuseas, vômitos e diarreia branda (cursa com fezes pastosas 3/4x no dia. Diferente de enteroviroses, que cursam com diarreia volumosa liquida, > 5x/dia). • Exatema maculopapular: pruriginoso ou não. Acomete face, tronco e extremidades, não poupando mãos ou plantas dos pés → dura no máximo 36 a 48 horas. • A grande maioria passa da fase febril para recuperação. 2. Fase crítica: • Quem passa da fase febril para a crônica são os indivíduos que desenvolvem o extravasamento plasmático (geralmente os que possuem história previa de infecção por um sorotipo diferente do vírus da dengue). • Se instala entre 3°-7° dia após inicio dos sintomas. • Principais manifestações são os sinais de alarme. o Por isso os sinais de alarme devem ser rotineiramente pesquisados em TODO paciente com dengue. o Importantíssimo, pois indicam possibilidade de rápida evolução para estado de choque circulatório. • CHOQUE CIRCULATÓRIO = volume crítico de plasma vai para o espaço- intravascular, causando hipovolemia + má perfusão tecidual generalizada. • O intervalo de tempo entre o início do extravasamento plasmático e a conflagração do estado de choque varia de 24 a 48 horas (na maior parte das vezes o choque é evidente entre os dias 4 e 5 após o início da doença). • Por isso, pacientes com sinais de alarme devem ter reposição volêmica intravenosa imediata e serem mantidos em observação. • Paciente pode evoluir para óbito em 12 a 24 horas. 3 Clara Rêgo – 6° semestre 2021.1 (MedCurso + SanarFlix) ➔ Porem não toda dengue grave é causada pelo extravasamento plasmático, ela pode ocorrer por desenvolvimento de hemorragias e lesões de órgãos específicos. ➔ HEMORRAGIA GRAVE : o Ocorre pelo acometimento vascular e porque o vírus destrói as plaquetas. o Por isso pacientes com dengue são CONTRAINDICAÇÃO para uso de AINEs e AAS, já que são fármacos que estimulam ainda mais hemorragias. ➔ DISFUNÇÃO ORGÂNICA : o Hepatite; o Miocardite; o Insuficiência renal aguda; o Convulsões, encefalites... o Por isso é necessário pedir uma série de exames de avaliação organiza na dengue grave, como TGO e TGP, ECG, ureia e creatinina. 3. Fase de recuperação: • Muitos pacientes da fase febril evoluem para esta, e também pacientes, se bem tratados a tempo, chegam na fase de recuperação. • Melhora progressiva do estado geral. • Atenção para hiper-hidratação! Esse é o momento que o paciente começa a reabsorver o líquido que foi extravasado. ATENÇÃO! Precisamos de atenção redobrada com crianças e gestantes! ➔ Crianças: não costumam fazer quadro clássico. Tendem a ser assintomáticos ou sintomas inespecíficos (adinamia, sonolência, náuseas, vômitos. ➔ Gestantes: necessidade de acompanhamento, mesmo sem sinais de alarme. Dengue aumentar a ocorrência alterações fisiológicas da gravidez, bem como de sangramentos obstétricos. DIAGNÓSTICO A presença de um quadro clínico clássico somado com um período somado a um período epidemiologicamente ativo - como acontece nos casos de surto, por exemplo -, dispensa qualquer outra investigação para a doença. Mas fora isso, o método de escolha para fazer o diagnóstico da Dengue depende do tempo de início da doença. 4 Clara Rêgo – 6° semestre 2021.1 (MedCurso + SanarFlix) ➔ Até 5 dias: ainda não há sorologia para dengue, então única forma de diagnóstico é pela dosagem do próprio vírus: pesquisa de antígeno viral (NS1), RT-PCR, Imuno-histoquímicatecidual, ou cultura. o NS1 melhor opção → deve ser feito até 3° dia (após isso diminui eficácia) e paciente que já teve dengue antes, perde um pouco a eficácia. ➔ Após 5 dias: sorologia para anticorpos IgM e IgG. o IgM: sensibilidade e especificidade alta. o IgG: mostra que paciente já foi exposto, porém pode ser daquela infecção ou uma antiga. ➔ PROVA DO LAÇO: o deve ser feita em todos os casos suspeitos de dengue que não apresentam sangramentos espontâneos. . O surgimento de 20 ou mais petéquias no antebraço de um adulto, e 10 ou mais petéquias na criança, até o tempo máximo ou antes dele, define a positividade da “prova do laço”. A prova do laço pode ser falso-negativa em indivíduos obesos e nos casos de choque. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL A dengue pode ser confundida com muitas outras doenças. Por isso, o exame físico deve ser completo. ➔ Leucocitose SIGNIFICATIVA – especialmente com desvio a esquerda: afasta diagnóstico de dengue e sugere doença bacteriana piogênica ou leptospirose. ➔ Citopenia grave + febre: lembrar de anemia aplásica e leucemia aguda. A grande pista nestes casos é a presença de anemia moderada a grave, achado não esperado na dengue. ➔ Meningococcemia: aparecem petéquias também, porem podem aparecer desde o primeiro dia da síndrome febrial, quanto na dengue só após 3° ou 4° dia. ➔ Icterícia: fala BASTANTE contra dengue. Mais comum em malária, leptospirose, hepatite viral, sepse e febre amarela. 5 Clara Rêgo – 6° semestre 2021.1 (MedCurso + SanarFlix) ESTADIAMENTO TRATAMENTO Não há uma droga específica contra o vírus da dengue! Assim, a terapia se baseia no alívio sintomático (analgésicos, antitérmicos, antieméticos e antipruriginosos), com ênfase na hidratação (oral nos casos brandos, intravenosa nos casos graves). ATENÇÃO: os AINEs e os salicilatos (AAS) são CONTRAINDICADOS na suspeita de dengue, por risco de sangramento. Muitas vezes é impossível, no primeiro momento, diferenciar a dengue da zika e Chikungunya, por isso devem ser tratadas como dengue, por ter maior morbimortalidade. O tratamento é feito com base no estadiamento. A. Grupo A: Em regime ambulatorial, com hidratação oral. Orientar sobre os sinais de alarme, pois o aparecimento de um, necessária procura imediata de um serviço de emergência. B. Grupo B: o paciente deve ser observado na unidade de atendimento até o resultado do hemograma, e enquanto isso ele recebe hidratação oral, conforme as recomendações do grupo A. Se o hematócrito for normal, manter a prescrição e tratar o paciente em regime ambulatorial, reavaliando-o DIARIAMENTE, por até 48h após o desaparecimento da febre. C. Grupo C: niciar reposição volêmica intravenosa imediata. O paciente deve permanecer internado até estabilização (no mínimo por 48h). D. Grupo D: O paciente deve permanecer internado, de preferência em leito de terapia intensiva, até a estabilização clínica (no mínimo 48h). 6 Clara Rêgo – 6° semestre 2021.1 (MedCurso + SanarFlix) CHIKINGUNYA ➔ Etiologia: CHIKV (principal vetor também é o Ae. Aegyoti). ➔ Incubação: 1 a 12 dias (média de 3 a 7). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS 1. Fase Aguda: ➔ Febre alta abrupta (até 40°C) – dura média de 7 dias. ➔ Poliartralgia (predominando mãos, punhos e tornozelos) – por volta do 2° ao 5° dia. • Acometimento tende a ser simétrico e distal. • Dor intensa e incapacitante. ➔ Edema periarticular. ➔ Rash eritematoso maculopapular – aparece em 40 a 75% dos pacientes, podendo ter prurido associado ou não. 2. Fase Subaguda: ➔ Persistência das queixas articulares: com rigidez matinal, dor e edema. ➔ Duração variável, com maioria dos casos regredindo em até 3 meses. ➔ Pode ser acompanhado de tenossinovite, como complicação no punho para síndrome do túnel do carpo. 3. Fase Crônica: ➔ Pequena parcela evolui até essa fase. ➔ Poliartralgia/artrite > 3 meses. ➔ Podem evoluir com deformidades (artropatia crônica destrutiva), semelhante à artrite reumatóide ou artrite psoriásica. ➔ A grande maioria se recupera sem sequelas. ➔ 20% desenvolvem fenômeno de Raynaud no segundo ou terceiro mês após fase aguda. ➔ Outras queixas descritas na fase crônica são: fadiga, cefaleia, prurido, alopecia, dor neuropática, alterações cerebelares, distúrbios do sono, deficit de atenção e memória, depressão e turvação visual. ➔ A fase crônica pode durar até três anos! Os principais fatores de risco para evolução crônica são: I. Idade > 45 anos. II. Doença articular prévia. III. Maior intensidade dos sintomas na fase aguda. Evolução para formas graves e atípicas da doença: I. Não é o comum, a Chikungunya tem curso benigno e autolimitado. II. Formas graves: meningoencefalite, pneumonite, miocardite, nefrite, crises convulsivas, etc. III. Tendem a acontecer em: > 65 anos, neonatos, gestantes, usuários crônicos de AINEs, portadores de comorbidades. DIAGNÓSTICO ➔ LABORATÓRIO: Fenômeno de Raynaud Episódios reversíveis de vasoespasmo de extremidades, associados a palidez, seguido por cianose e rubor de mãos e pés. Ocorrem usualmente por estresse ou exposição ao frio. 7 Clara Rêgo – 6° semestre 2021.1 (MedCurso + SanarFlix) • Na fase aguda é comum leucopenia (às vezes com linfocitose ou linfopenia) e raramente trombocitopenia. • Níveis de VHS e proteína C-reativa costumam ficar aumentados por várias semanas. • As aminotransferases podem estar elevadas. ➔ MAS COMO DAR O DIAGNÓSTICO: • Primeira semana: sorologia com ELISA anti-CHIKV IgM e IgG + RT-PCR. o Obs: pacientes com sintomas neurológicos, importante fazer também no liquor. • Sorologia pareada de IgG anti-CHIKV (uma a partir do 6º dia e outro 15 dias depois). TRATAMENTO ➔ Suporte clínico: antitérmicos, analgésicos → PARACETAMOL é a droga de escolha, podendo ser associada a dipirona ou codeína em casos refratários. ➔ Evitar AINEs durante fase aguda (risco de coinfecção pelo risco da dengue e consequentemente risco de hemorragias). ➔ Após fase aguda, pode usar AINEs caso muita dor das artrites. Pode-se optar por injeções intra-articulares de glicocorticoide. Na vigência de sintomas refratários e intensos, imunossupressores, como o metotrexate, devem ser tentados. ➔ Não há vacina. ZIKA ➔ Etiologia: ZIKAV (pertencente ao gênero Flavivirus – como dengue e febre amarela). ➔ Transmissão: A. aegypti é o principal. Também existe possibilidade de transmissão sexual, vertical e transfusional. ➔ Viremia: Em pacientes não gestantes e sem complicações da doença, o período de viremia costuma ser inferior a uma semana. Nas grávidas e nos doentes que evoluem com complicações a viremia pode persistir por mais tempo. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS De modo geral, a Zika não é uma doença tão expressiva como as outras duas de que já falamos: ela costuma passar por um período de incubação que dura de 2-14 dias, sendo que cerca de 80% dos indivíduos não manifestam qualquer sintoma após esse período. Nos outros 20% se manifestam com doença febril aguda autolimitada, com duração de 2 a 7 dias de evolução branda. ➔ Febre baixa, fadiga, exantema maculopapular pruriginoso e hiperemia conjuntival (conjuntivite não purulenta). ➔ Cefaleia, dor retro-orbital, mialgia, artralgia. 8 Clara Rêgo – 6° semestre 2021.1 (MedCurso + SanarFlix) ➔ Menos comum: dor abdominal, vômitos, diarreias, dor de garganta, ulceras mucosas... ➔ Complicações neurológicas são raras, mas podem acontecer e levar a óbito. ➔ Crianças saudáveis que adquirem zika após o nascimento apresentam curso clínico semelhante ao dos adultos, isto é, na maioria das vezes a infecção é assintomática e, quando sintomática, o quadro costuma ser brando, raramente evoluindo com complicações. ➔ Apesar de não trazer grandes riscos à gestantes, a viremia na gestação está fortemente ligada à transmissão vertical. No que pode resultar esse neurotropismo? I. SÍNDROMEDE GUILLAIN-BARRÉ: Há fortes indícios de que o ZIKAV pode causar a SGB, provavelmente por um mecanismo de neurotoxicidade direta. É uma doença desmielinizante que cursa com dor e fraqueza muscular progressiva, além de perdas motoras e paralisia flácida; II. MICROCEFALIA: ZIKAV é capaz de cruzar a barreira placentária e invadir e destruir neurônios primitivos do SNC em formação, impedindo a migração e diferenciação dessas células de modo a prejudicar o crescimento e desenvolvimento do tecido cerebral. O resultado final é um encéfalo pequeno e malformado, o que se expressa clinicamente através da microcefalia. o Grupos de risco: gestantes durante o 1º trimestre de gestação (momento de formação do SNC do feto) moradores de zona rural, ausência de medidas profiláticas. DIAGNÓSTICO ➔ O método de escolha para confirmação diagnóstica de zika é o RT-PCR (pode ser feito até o 7° dia no soro, e na urina até 14° dia). ➔ Agora, uma vez passado os 14 primeiros dias da doença, aí nossa saída será investir apenas no IgM anti-ZIKA e no PRNT. ➔ Todo caso suspeito ou confirmado de zika (em qualquer paciente) deve ser notificado às autoridades sanitárias. Em se tratando de gestantes ou óbitos possivelmente relacionados à infecção, a notificação deve ocorrer em até 24h. TRATAMENTO ➔ Abordagem sintomática: antitérmicos/analgésicos/anti-pruriginosos → paracetamos, dipirona e anti-histamínicos. ➔ AINEs mais uma vez devem ser evitados, pela possibilidade de infecção simultânea de dengue. 9 Clara Rêgo – 6° semestre 2021.1 (MedCurso + SanarFlix)
Compartilhar