Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 2019 13 A criminologia da libertação de Lola Aniyar de Castro e as contribuições de Ricœur e Dussel Mauro Guilherme Messias dos Santos Mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará, pela qual, igualmente, graduou-se. Especialista em Direito Processual Penal pela Uniderp. Professor visitante de Direito Penal e de Direito Processual Penal nas especializações da Unifamaz e da Unama. Professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal na plataforma digital Qconcursos. Associado à Associação Internacional de Criminologia de Língua Portuguesa. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará, com atuação exclusiva na área criminal. E-mail: mauromessias@mppa.mp.br. Resumo: A teoria crítica do controle social elaborada por Castro tem como função principal desmascarar a ideologia presente nos sistemas de dominação latino-americanos, sobretudo no Direito Penal. Todavia, pode a teoria crítica ter a pretensão de combater a ideologia presente no discurso jurídico- penal, sem a própria teoria vir a conter uma carga ideológica? O objetivo geral da pesquisa é debater um alinhamento entre a teoria de Castro, a hermenêutica das ideologias de Ricœur e a filosofia da libertação de Dussel. Por sua vez, os objetivos específicos são investigar se a teoria de Castro possui carga ideológica, a partir das advertências de Ricœur, assim como cotejar as bases filosóficas da teoria crítica de Castro e o pensamento de Dussel, perquirindo se a teoria crítica possui uma filosofia genuinamente libertadora. A pesquisa se justifica pelos resultados insatisfatórios apresentados por teorias criminológicas alegadamente assépticas, e, para a realização de seus objetivos, emprega o método dedutivo, por meio da revisão bibliográfica das obras dos autores citados, a fim de realizar uma releitura da criminologia da libertação de Castro. As hipóteses do trabalho são a presença de conteúdo ideológico na teoria de Castro e de colonialismo na base filosófica da teoria crítica. Palavras-chave: Teoria crítica. Ideologia. Hermenêutica. Criminologia da libertação. Colonialismo. Sumário: 1 A teoria crítica do controle social – 2 A hermenêutica da crítica das ideologias – 3 A necessidade filosófica, e não apenas política, de se escolher um lado – 4 Considerações finais – Referências 1 A teoria crítica do controle social Uma das estruturas que tem acompanhado a Modernidade desde o seu nascimento, e, desde lá, produzido exclusão, dominação e violência, é a estrutura oficial do controle social, ou seja, o sistema penal monopolizado pelo Estado (LEAL, 2017, p. 46). Contudo, na América Latina – que não constituiu a Modernidade, por ser “inferior”, nas palavras de Hegel (DUSSEL, 1992, p. 15-17) –, o controle social assumiu uma roupagem própria. R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 201914 MAURO GUILHERME MESSIAS DOS SANTOS Elaborada por Lola Aniyar de Castro (2005, p. 65), a teoria crítica do controle social visa à quebra da ideologia que construiu uma falsa consciência do crime e do criminoso, desvelando, sobretudo na realidade latino-americana, as formas ocultas de dominação. Castro (2005, p. 49) aplica o termo ideologia não em sua concepção de projeto político, mas na sua acepção de falsa consciência, ocultadora da realidade. A teoria consiste na crítica à ideologia do controle social, tendo como função principal desmascarar todo tipo de legitimação ideológica presente nos sistemas de dominação, sobretudo na dogmática penal. Afinal, sempre se soube que o discurso jurídico-penal latino-americano é falso (ZAFFARONI, 2001, p. 14), serve de instrumento para aprofundar as diferenças sociais e justifica a intervenção punitiva oficial em auxílio a privilégios minoritários (CASTRO, 2005, p. 33). A criminologia de Castro (2005, p. 58) deita raízes no materialismo histórico de Marx, responsável por fazer uma interpretação materialista do desenvolvimento histórico da humanidade, entendendo-o como o resultado do enfrentamento de interesses contrários. Marx busca desvelar o caráter ideológico que apresenta a engrenagem capitalista como invocação dos ideais burgueses, para mostrar que essa sistemática somente funciona sob pressupostos de violência e dominação. Especialmente na América Latina, Castro analisa em detalhes o controle social exercido pela centralidade em desfavor da periferia do poder. As relações de produção baseadas na exploração do homem e geradoras de analfabetismo, mortalidade infantil e grandes massas de marginalizados, são, entre outros, os meios úteis com que se mantém a submissão, se fortalece o poder de uma classe e através do qual o capital transnacional obtém elevados lucros (CASTRO, 2005, p. 33). Os representantes da criminologia crítica partem de um enfoque materialista e estão convencidos de que só uma análise dos mecanismos e das funções reais do sistema penal, no capitalismo contemporâneo, pode permitir uma política criminal das classes atualmente subordinadas (BARATTA, 2004, p. 209). Com uma criminologia entendida e praticada dessa maneira, a teoria crítica do controle social almeja proceder à denúncia da estrutura do controle social atual na América Latina, desnudando o seu caráter legitimador e apresentando às classes subalternas um discurso transparente que estimule a consciência de classe e uma compreensão das verdadeiras condutas dissonantes (CASTRO, 2005, p. 64). Baratta (2004, p. 210), o criminólogo europeu mais influente na criminologia latino-americana de vanguarda (CASTRO, 2005, p. 38), isto é, entre os anos 70-80 do século XX, denunciou que mais de 80% (oitenta por cento) dos delitos perseguidos R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 2019 15 A CRIMINOLOGIA DA LIBERTAçãO DE LOLA ANIyAR DE CASTRO E AS CONTRIBUIçõES DE RICœUR E DUSSEL nos países de capitalismo avançado são delitos contra a propriedade. Para ele, é natural que as classes desfavorecidas desse sistema de distribuição de riqueza estejam mais particularmente expostas a esse processo de criminalização fundado no dinheiro. A dogmática jurídico-penal é incapaz de visualizar tais desigualdades. Muito em razão disso, Baratta (2006, p. 169) já falava de um direito desigual. A crítica mostra que o Direito Penal não é menos desigual que qualquer outro ramo do Direito burguês: em verdade, é o direito desigual por excelência (BARATTA, 2006, p. 169). A esse respeito, eis um atual dado estatístico brasileiro, em recente levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2017, p. 14): Imagem 1 Percentual de presos provisórios por tipo de crime praticado A partir dos dados citados – os quais, é importante frisar, levam em consideração apenas a taxonomia do Código Penal brasileiro (BRASIL, 1940) e da legislação esparsa, ou seja, não abordam especificamente a realidade socioeconômica envolvendo cada caso –, é correto concluir que, dentre os processos judiciais de criminalização em andamento no país, aproximadamente 70% (setenta por cento) são regidos por um enfoque eminentemente materialista (roubo, latrocínio, furto, receptação, extorsão, estelionato e tráfico de drogas), encarcerando-se sobretudo as classes economicamente subalternas. Não é novidade alguma afirmar que o Direito Penal, especialmente no Brasil ou na América Latina, serve de instrumento para justificar o controle social em auxílio ou proteção não só a detentores de capital, mas, também, de poder político. R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 201916 MAURO GUILHERME MESSIAS DOS SANTOS Segundo Leal (2017, p. 46), o controle protagonizado pelo sistema penal assume formas nitidamente políticas, por ser resultado das necessidades do modo de produção da vida social moderna e burguesa. Tamanha a força do capital transnacional e a suaproteção estatal no Brasil, especialmente via processos de criminalização primária (legislativa), se uma pessoa meramente vender a outrem um automóvel alienado fiduciariamente em garantia,1 ainda que a este comunique a existência de alienação fiduciária, ficará, em tese, sujeita à pena de reclusão, de um a cinco anos, e multa, caso não obtenha a anuência do banco garantidor do bem móvel. Trata-se do crime instituído pelo artigo 55 da Lei Federal nº 10.931/2004 (BRASIL, 2004), que incluiu o artigo 66-B, §2º, na Lei Federal nº 4.728/1965 (BRASIL, 1965).2 Hoje, com o advento da mencionada Lei Federal nº 10.931/2004, tal negócio jurídico conta com uma proteção estatal tamanha que uma pessoa pode ser presa em flagrante delito por vender a terceiro, sem o conhecimento da instituição financeira garantidora, um veículo alienado fiduciariamente.3 Portanto, os processos de criminalização são o norte da teoria crítica do controle social. Todavia, como afirma Lola Aniyar de Castro (2005, p. 64), não se deve ficar na simples denúncia – embora, para Novoa Monreal (1985, p. 31), ao sair da denúncia para propor soluções práticas, a criminologia possa ficar sem um chão epistemológico. Castro (1986, p. 39) responde a Novoa Monreal no artigo El jardín de al lado, afirmando, categoricamente, que todo conhecimento é prático e deve regressar ao mundo da práxis, de modo que a ciência não pode estar desvinculada da luta social. Para Castro (2005, p. 66), a teoria do controle social deve, inclusive na prática, isto é, num nível político, desmascarar todo tipo 1 A alienação fiduciária surge em 1965 como um instrumento de garantia destinado a permitir a difusão do crédito direto ao consumidor, podendo figurar como credor apenas as instituições financeiras registradas perante o Banco Central do Brasil. A aplicação mais comum do negócio jurídico acima ocorre na venda e compra de veículos, mercado interessante e lucrativo a um sem-número de grupos econômicos. 2 Eis a redação do dispositivo legal em comento: Art. 66-B. O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos. [...] §2º O devedor que alienar, ou der em garantia a terceiros, coisa que já alienara fiduciaria- mente em garantia, ficará sujeito à pena prevista no art. 171, §2º, I, do Código Penal. 3 Por força do artigo 33, §2º, do Código Penal brasileiro (BRASIL, 1940), eventual condenação criminal pode levar essa pessoa a cumprir a sua reprimenda nas casas penais brasileiras. Pior: a sua liberdade será constrangida antes do seu patrimônio, pois, no Brasil, a atual maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal entende, desde 2016, após o julgamento do habeas corpus (HC) nº 126.292/SP (BRASIL, 2016b), que a pena privativa de liberdade pode ser executada antecipadamente, logo após condenação ratificada em segunda instância, mesmo que sujeita a recurso – ao contrário da pena de multa (e também da pena de prestação pecuniária), que depende do trânsito em julgado. A seletividade penal fundada no dinheiro, no grande capital, no poder político (sobretudo pela criminalização primária), não poderia ser mais evidente. R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 2019 17 A CRIMINOLOGIA DA LIBERTAçãO DE LOLA ANIyAR DE CASTRO E AS CONTRIBUIçõES DE RICœUR E DUSSEL de legitimação ideológica presente na dogmática penal e conscientizar a classe subalterna da opressão que pesa contra si. Daí a proposta de Lola Aniyar ser conhecida também como “criminologia da libertação”. Contudo, pode a teoria crítica de Castro ter a pretensão de combater a legitimação ideológica de dominação presente no discurso jurídico-penal, sem a própria teoria vir a conter também uma carga ideológica? 2 A hermenêutica da crítica das ideologias O trabalho de P. Ricœur concentra-se no estudo da hermenêutica, isto é, da extração e da interpretação do sentido, especialmente, a detecção da ilusão. O filósofo francês propõe uma crítica hermenêutica dos discursos ideológicos, sempre presentes em todo conhecimento, por mais científico que ele seja (RICœUR, 1990, p. 9). É verdadeiro dizer que, de há muito, o positivismo científico logrou êxito em afastar, do saber físico, químico e matemático, a cosmovisão ou ideologias reinantes. Assim não ocorreu, entretanto, com as teorias sociais, que, por não possuírem o estatuto da positividade, dotado de um critério explicativo associado à capacidade de prova da falsificação, sempre estiveram longe de um isento poder de denúncia ideológica (RICœUR, 1990, p. 78-80). Castro acena no mesmo sentido, ao defender que inexiste tal neutralidade (1986, p. 39). O filósofo francês P. Ricœur elabora uma crítica à ideológica pretensão das ciências humanas de atingir a matematicidade, sempre ocultando ou dissimulando o exercício da dominação ou da violência. Segundo o autor, todo saber sobre nossa posição na sociedade, numa classe social, numa tradição cultural, numa história, é precedido por uma relação de pertença sobre a qual jamais poderemos refletir inteiramente. Antes de qualquer distância crítica, pertencemos a uma história, a uma classe, a uma nação, a uma cultura, a uma ou mais tradições (RICœUR, 1990, p. 92). Portanto, para uma criminologia que assume um nível político, que se autointitula libertadora, parece ser imprescindível tomar uma posição, escolher um lado – e Castro o faz, inclusive. O filósofo argentino E. Dussel, ex-aluno de P. Ricœur, absorve do projeto hermenêutico deste um embasamento ético e político, sobretudo a partir da obra “A simbólica do mal”, em que o ex-professor de Dussel adentra num pensamento filosófico tanto reflexivo quanto fenomenológico, isto é, numa filosofia “concreta”, mais atenta aos desejos e às liberdades dos seres humanos em geral. Ainda não seria o suficiente para Dussel, mas marcou um importante contato entre o professor R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 201918 MAURO GUILHERME MESSIAS DOS SANTOS e o aluno acerca da tarefa filosófica de um “educador político”.4 Castro também assume um embasamento político, uma práxis no bojo de sua teoria criminológica. Para a autora, a criminologia crítica assume um compromisso e apenas o faz de maneira militante (CASTRO, 1986, p. 39). Aqui, no tocante à tarefa de educadores políticos, Dussel e Castro possuem grande afinidade. Contudo, ao contrário da base filosófica da criminologia de Castro, que reside na teoria crítica da Escola de Frankfurt e no seu método histórico dialético (CASTRO, 2005, p. 66), a filosofia de Dussel, que adota o chamado método “analético”, defende a posição do dominado, do oprimido, numa proposta de libertação latino-americana mediante um compromisso de transformação social na própria região (LEAL, 2017, p. 59). Daí se falar na “filosofia da libertação” de E. Dussel, que, frise-se, difere sobremaneira do embasamento filosófico da teoria de Lola Aniyar de Castro. Antes de abordar a diferença citada, cumpre aprofundar o conceito de ideologia abordado neste trabalho. 2.1 Função geral da ideologia Uma visada crítica das ideologias é fundamental para uma compreensão do que seja uma concepção hegemônica e universalista de direitos humanos, responsável por legitimar práticas absolutamente opressivas e que, desde a sua aparição histórica no Iluminismo do século XVIII, na Revolução Francesa e na Revolução Americana, foi usada em grande medida como discurso e arma política em contextos muito distintos e com objetivos contraditórios (SANTOS; CHAUI, 2013, p. 47). Apesar de corajosas, as raras pessoas que questionam as práticas e justifi-cativas do sistema social histórico são tidas como bastante temerárias, e o grupo hegemônico, etnocêntrico, universalista, com certeza se voltará contra elas e com frequência as punirá como aberrações que não se podem tolerar (WALLERSTEIN, 2007, p. 73). No discurso ocidental e dominante dos direitos humanos, há cada vez menos espaço para localismos e atitudes decoloniais,5 cujos atores logo passam a ser reputados como verdadeiros inimigos, inclusive dos direitos humanos. 4 Dussel reconhece em Ricœur uma filosofia de embasamento ético e político, mas nela aponta uma incom- pletude: sua inaplicabilidade para o enfrentamento assimétrico entre várias culturas, uma dominante e outras dominadas, a exemplo da destruição do mundo ameríndio pela conquista em nome do cristianismo (DUSSEL, 1993, p. 140). 5 A preferência pelo termo “decolonial”, e não “descolonial” – suprimindo, portanto, o “s” –, busca marcar uma distinção com o significado clássico de “descolonizar”. Quer salientar que, ao invés de meramente desfazer o “colonial” ou revertê-lo, a visada consiste em superar o momento colonial, a face oculta da Modernidade, numa atitude pós-colonial, portanto. Tal marca distintiva, contudo, não é unânime no meio acadêmico-científico, daí a necessidade do presente esclarecimento terminológico, que, de modo algum, R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 2019 19 A CRIMINOLOGIA DA LIBERTAçãO DE LOLA ANIyAR DE CASTRO E AS CONTRIBUIçõES DE RICœUR E DUSSEL A ideologia opera atrás de nós, mais do que a possuímos como um tema diante de nossos olhos, e é a partir dela que pensamos, mais do que podemos pensar sobre ela (RICœUR, 1990, p. 70). O que a hermenêutica trata de trazer à luz não é inicialmente o sentido do texto, mas o esclarecimento crítico de um entendimento que o precede, justamente porque não existe tabula rasa do entendimento, ou seja, há algo que lhe é anterior (GRONDIN, 2012, p. 48-50). Gadamer critica fortemente o positivismo científico imposto às ciências humanas, a suposta capacidade destas de descobrir a verdade operando uma fantasiosa e fictícia exclusão dos pré-juízos do entendimento, em nome de uma concepção de objetividade, herdada das ciências exatas no contexto histórico da Ilustração (GRONDIN, 2012, p. 48-50). O filósofo alemão enxerga nos pré-juízos sobretudo condições de entendimento. Não na forma de uma abertura ao subjetivismo ou ao preconceito. Em verdade, para o autor, a interpretação deve a todo instante realizar um exame crítico de seus pré-juízos, por meio do chamado “processo de revisão constante”, precavendo-se contra o arbitrário dos preconceitos, distinguindo-se, assim, os pré-juízos legítimos, aqueles que tornam possível o entendimento, daqueles que não são legítimos e que cabe à crítica superar (GRONDIN, 2012, p. 48-50). A ideologia, contudo, não permite essa clareza e amplitude de visada. Ela é responsável por operar um estreitamento do campo com referência às possibilidades de interpretação (RICœUR, 1990, p. 71), o que o filósofo francês chama de “cegueira ideológica”, isto é, um enclausuramento do campo interpretativo. É por isso que, segundo Ricœur, a ideologia se exprime preferencialmente por slogans, de forma semelhante, inclusive, à estratégia dos meios de comunicação para atrair leitores e telespectadores a consumirem as manipuladas notícias da criminalidade, o chamado “jornalismo verdade” (GOMES, 2014, p. 85). 2.2 Função de dominação O que a ideologia interpreta e justifica, por excelência, é a relação de dominação, a busca das autoridades por legitimidade (RICœUR, 1990, p. 71-72). Toda pretensão à legitimidade é correlativa a uma crença, por parte dos indivíduos, nessa legitimidade, porém, a relação entre a pretensão emitida pela autoridade e a crença que a ela responde é essencialmente assimétrica, sempre havendo mais na pretensão que vem da autoridade do que na crença que vai à autoridade (RICœUR, 1990, p. 72). Sobrevindo uma crise de legitimidade, capaz de ferir o narcisismo penal – isto é, tenta sobrepujar ou estigmatizar a expressão “descolonial”, mas, apenas, explicitar o porquê da preferên- cia pela gramática “decolonial”. R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 201920 MAURO GUILHERME MESSIAS DOS SANTOS nas palavras de Salo de Carvalho (2008, p. 52), a vaidosa e exagerada convicção do sistema criminal em sua eficiência e racionalidade –, tal relação se torna ainda mais assimétrica, levando ruidosa preocupação ao poder punitivo e seus agentes. Já se desvelou que o poder das agências judiciais é bastante limitado, o que lesiona o narcisismo penal. Para inflá-lo, abriu-se a porta do fenômeno mais comum no exercício do poder punitivo: a produção de emergências. Com elas, sustenta-se que os mais sérios problemas sociais são resolvidos pelo poder punitivo, quando, em verdade, a ameaça nuclear, a corrupção, a dependência de tóxicos, a destruição ecológica, etc., ou não foram resolvidas, ou foram solucionadas por outros meios (ZAFFARONI et al., 2003, p. 68). Para garantir importância absoluta e dominação, o narcisismo penal não se contenta com a factível diminuição da marginalização ou com o real combate à corrupção: ele precisa erradicá-los, torná-los um zero, como se isso fosse sequer possível ou já tivesse acontecido em algum lugar do mundo. São frases de efeito, slogans, como o objetivo da República Federativa do Brasil consistente em erradicar a marginalização (BRASIL, 1988), ou a promessa das Nações Unidas de erradicar a corrupção (BRASIL, 2006a). O importante, aqui, para o narcisismo penal, é dominar (função de dominação), apelar ao formalismo e ao dogma do Direito, ainda que suas promessas sejam impossíveis de serem cumpridas. Daí a relevância da advertência de Wolkmer (2015, p. 97), para quem a constituição de uma cultura jurídica antiformalista e antidogmática, fundada nos valores do poder comunitário e pluralista, está necessariamente vinculada aos critérios também de uma nova legitimidade, de uma legitimidade desde baixo. 2.3 Função de deformação Ricœur (1990, p. 73) empresta a ideia de inversão de que Feuerbach falou ao se referir à cosmovisão não como um exemplo de ideologia, mas a ideologia por excelência, operando a inversão entre o céu e a terra e fazendo com que as pessoas andassem de cabeça para baixo. Segundo a metáfora, por meio da ideologia, o processo de vida real deixa de constituir a base, para ser substituído por aquilo que se diz, imagina, representa. A ideologia é esse menosprezo que faz tomar a imagem pelo real, o reflexo pelo original (RICœUR, 1990, p. 73). Tamanha a profundidade e largueza da função deformadora da ideologia, que mulheres, crianças e adolescentes, jovens negros, habitantes de assentamentos urbanos informais, pessoas pobres consumidoras de estupefacientes não enxergam o processo de criminalização que pesa contra elas próprias, não veem o fenômeno R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 2019 21 A CRIMINOLOGIA DA LIBERTAçãO DE LOLA ANIyAR DE CASTRO E AS CONTRIBUIçõES DE RICœUR E DUSSEL da seletividade penal. Há um aceite geral, quase um acordo tácito acerca da dominação, do discurso, da seletividade. “As coisas são assim porque elas são”, pensam. Na verdade, as imagens são assim porque as coisas em si mesmas foram deformadas por um poder, um grupo hegemônico, um interesse colonial. A hermenêutica filosófica de Ricœur, então, propugna uma inversão da inversão, uma crítica das produções ideológicas que procedem do real em direção ao imaginário, do potencial criador de ilusões e fantasmagorias. A esquizofrenia da sociedade atual a fez egoísta e delirante, uma sociedade em que se teme não se sabe exatamente o quê, e na qual é preciso eleger um bode expiatório, alguém que possa ser responsabilizado pelo sentimento de insegurança coletiva.Surgem, então, inimigos, que são transformados em alvo de uma política criminal desprovida de qualquer epistemologia, que se faz no dia a dia sem método e sem vinculação aos valores democráticos de liberdade e igualdade (GOMES, 2015, p. 279). Um bom exemplo é o artigo 312 do Código de Processo Penal brasileiro (BRASIL, 1941), utilizado muito frequentemente como forma de antecipação da pena e discurso do medo e do risco ao estilo jakobsiano. Num perfil eminentemente securitarista, de tolerância zero e desconfiança sistemática, muitos agentes públicos tendem a prender cautelarmente pessoas pelo fato de elas não oferecerem a chamada “garantia cognitiva suficiente de um comportamento” (pressuposto filosófico do Direito Penal do Inimigo),6 ou seja, tais autoridades identificam inimigos, sujeitos “ruins”, e aplicam a estes a prisão preventiva com fundamento no impreciso conceito de ordem pública. Bauman (2009, p. 15-16) já desacreditou a chamada “garantia cognitiva suficiente de um comportamento”, ao desvelar que a insegurança nas sociedades pós-modernas (não solidárias e securitaristas) é caracterizada pelo medo dos crimes e criminosos, efeito colateral da falsa crença de que seria possível obter uma segurança completa – o que Todorov (2012, p. 63) denomina de “impulso messiânico para a perfeição” –, devendo, para afastar-se o medo, sempre existir um culpado ou, até mesmo, uma mera intenção criminosa. 6 Jakobs refundou o conceito de inimigo, aportando sobretudo nos filósofos Platão, Hobbes, Rousseau e Fichte. Para o jusfilósofo de Bonn, só seria pessoa quem oferecesse uma “garantia cognitiva suficiente de um comportamento”, ou seja, o indivíduo capaz de transparecer um modo de vida seguro, ideal, sem riscos para a sociedade. De forma oposta, seria inimigo o indivíduo que, por meio de seu comporta- mento, sua ocupação profissional ou, principalmente, mediante sua vinculação a determinados grupos, descumprisse o seu papel no contrato social, abandonasse definitivamente o Direito, causando medo e insegurança. R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 201922 MAURO GUILHERME MESSIAS DOS SANTOS A insegurança social passou a ser uma enorme demanda da opinião pública, exageradamente inflada pelos meios de comunicação de massa, que enxergam no medo e na exploração midiática da delinquência um produto altamente vendável (GOMES, 2014, p. 97). A própria opinião pública é confundida com a opinião publicada, uma dicotomia já denunciada por Maffesoli (2010, p. 20). Para o autor, ao contrário da opinião pública, que é versátil e dotada de humanidade e fragilidade, a opinião publicada é aquela que “continua a repetir exaustivamente algumas ideias convencionais, lugares-comuns e outras verborragias [...], fácil de engolir e, portanto, muito conveniente para a midiacracia que se acomoda numa mediocridade generalizada”. Bauman, portanto, revelou a maior parte da fama da base filosófica de Jakobs: a exploração do medo. Medo de usuários de entorpecentes, de profissionais do sexo, de habitantes de assentamentos urbanos informais, de “subversivos” defensores de direitos humanos, de indígenas “antropófagos”. Graças à função de deformação, de que trata este subcapítulo, o sujeito moderno nem sequer está consciente da irracionalidade em que está imerso, ou seja, está alienado de sua própria alienação (CASTRO, 2005, p. 60-61), agindo mimeticamente e incorrendo numa flagrante esquizofrenia. 2.4 As quatro proposições de Ricœur A partir das funções expostas alhures, Ricœur elabora quatro proposições que evidenciam a natureza ideológica de toda e qualquer ciência social, apontando as dificuldades propriamente epistemológicas encontradas pelas ciências sociais em buscar uma matematicidade ou neutralidade. Tais dificuldades são devidas à estrutura mesma de um “ser” que não se encontra jamais na posição de separar de si mesmo a totalidade de seus condicionamentos, da sua pré-compreensão, cuja estrutura precede e comanda. Na primeira proposição de Ricœur, todo saber sobre nossa posição na sociedade, numa classe social, numa tradição cultural, numa história, é precedido por uma relação de pertença sobre a qual jamais poderemos refletir inteiramente. Antes de qualquer distância crítica, pertencemos a uma história, a uma classe, a uma nação, a uma cultura, a uma ou mais tradições. Ao assumir essa pertença que nos precede, constata-se o primeiro papel da ideologia: a representação que temos da coisa (RICœUR, 1990, p. 92). Em segundo lugar, para Ricœur, o distanciamento é a condição de possibilidade de uma crítica das ideologias. Na esteira do pensamento de Gadamer, o intérprete R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 2019 23 A CRIMINOLOGIA DA LIBERTAçãO DE LOLA ANIyAR DE CASTRO E AS CONTRIBUIçõES DE RICœUR E DUSSEL nunca está fixo no tempo, como as ciências matemáticas concebem. Existe uma distância temporal entre o intérprete e o texto, um distanciamento histórico repleto de efeitos da ação da história, uma verdadeira herança de acontecimentos, uma tradição, viabilizados por um constante diálogo entre o passado e o presente, capaz de distinguir os pré-juízos legítimos dos ilegítimos. Segundo o autor, todo mundo conhece essa peculiar impotência de se julgar onde não dispomos de uma distância temporal que nos forneça critérios seguros (GADAMER, 2012, p. 393). Por terceiro, a ciência social jamais rompe seus vínculos, e insiste em cair na ilusão de uma teoria crítica elevada ao nível de saber absoluto. É preciso notar que esse interesse totalizante das teorias sociais funciona como uma ideologia, buscando dominação material, manipulação aplicada às pessoas ou apropriação de heranças culturais. A quarta e última proposição de Ricœur consiste na meditação de que o saber teórico-social está sempre em vias de se arrebatar à ideologia. Existe uma pré-compreensão na qual a pessoa está lançada, e qualquer pretensão crítica será apenas parcial, sem uma completa isenção do fundo ideológico. Embora a teoria crítica do controle social proponha, política e epistemologi- camente, mostrar um caminho criminológico viável para sinalizar à dogmática a existência de ideologias na aplicação da lei penal, é preciso ressaltar, com apoio na hermenêutica de Ricœur: a própria teoria crítica de Castro possui uma carga ideológica, apropriando-se de pressupostos teóricos coloniais e eurocêntricos, sobretudo, durante os processos de “importação cultural” na base do desenvolvi- mento da criminologia crítica na América Latina nos anos 80 (SOZZO, 2002, p. 398). 3 A necessidade filosófica, e não apenas política, de se escolher um lado De fato, a pura denúncia não parece ser o melhor lugar para a criminologia. É preciso escolher um lado, e a criminologia de Castro o faz – tal como Dussel, em sua “filosofia da libertação”. E. Dussel é tido como um filósofo contemporâneo que trabalha uma filosofia ética e politicamente insatisfeita com a realidade de opressão sobre o povo latino-americano. A filosofia de E. Dussel propõe uma tomada de posição, a tarefa de assumir uma ética e uma política no interior de uma filosofia latino-americana em favor do dominado. Embora a Modernidade (o império do ego cogito, do eurocentrismo cartesiano) não tenha incluído em sua gênese a América Latina, que era “inferior”, R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 201924 MAURO GUILHERME MESSIAS DOS SANTOS na visão de Hegel (DUSSEL, 1992, p. 15-17), o filósofo argentino afirma o contrário: o povo latino-americano, conquistado e massacrado, constituiu, sim, a Modernidade. Em oposição a Hegel, Dussel (1992, p. 21) formula a hipótese de que a América Latina, desde 1492, é, sim, um momento constitutivo da Modernidade, é a “outra face”, a alteridade essencial da Modernidade, que não consiste apenas no egocogito (“eu penso”), no império da razão moderna, mas, também, e até mesmo antes, no ego conquiro (“eu conquisto”), no império da violência contra mulheres acusadas de serem bruxas, do índio como vítima sacrifical do europeu, a “bestialidade” a ser ou evangelizada ou morta. Para o filósofo argentino, o “Outro” não chegou a ser reconhecido como o “Outro” pelo europeu. Esse “Outro” sequer pôde ser ele próprio. Na verdade, esclarece Dussel, o “ameríndio” foi encoberto como o “Mesmo”, aquilo que os europeus já eram desde sempre. Em outras palavras, o “Outro”, com a chegada do europeu, nunca pôde ser ele próprio, logo, não foi descoberto, e sim, encoberto. As Américas não foram propriamente descobertas, pois não permaneceram distintas, não apareceram como “Outro”, e sim, transformaram-se no objeto em que o “Mesmo” se projetou e encobriu. Para Dussel (1992, p. 35), o verdadeiro significado de descobrir as Américas seria constatar a existência de territórios continentais habitados por pessoas ao oeste do Atlântico, até então totalmente desconhecidos pelos europeus, o que exigiria do intérprete o gesto de abrir o seu horizonte de compreensão do mundo. Em outras palavras, descobrir consiste em reconhecer o “Outro” como o “Outro”, sem “mesmificá-lo”, ou seja, reconhecer o índio como o índio, sem “europeizá-lo”. O discurso colonial como aparato de poder se apoiou, desde o princípio, no repúdio das diferenças raciais, culturais e históricas, demonstrando toda a sua agressividade quanto aos diferentes, assumindo uma forma de governabilidade que passou a se apropriar, a dirigir e a dominar o “Outro”, isto é, o diferente do “Mesmo” (DERRIDA, 2013, p. 123-125). Um colonialismo que gera passividade perante o discurso de dominação. Como o escravo que, quando se revolta, fala a língua do senhor, pois já é um conquistado, ou a mulher, que, quando se liberta, exprime-se dentro da ideologia machista, pois já é uma dominada (DUSSEL, 1977, p. 7). Para uma atitude decolonial, não basta falar apenas na luta entre detentores de capital e negados, no interior da totalidade europeia. A América Latina possui um longo episódio colonial, mais ocultador do que a negação da massa europeia. Aqui reside a diferença entre a filosofia de Dussel e o embasamento filosófico da “criminologia da libertação”. O nível epistemológico da teoria crítica do controle social de Lola Aniyar de Castro elegeu o método histórico dialético fundado em R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 2019 25 A CRIMINOLOGIA DA LIBERTAçãO DE LOLA ANIyAR DE CASTRO E AS CONTRIBUIçõES DE RICœUR E DUSSEL Hegel e na Escola de Frankfurt, ao passo que Dussel incorporou um método para pensar a América Latina sob uma perspectiva libertadora, consistente numa visada a partir do “Outro”, daquele que está fora da totalidade social, método que o autor denomina “analético”. Enquanto o pressuposto filosófico abordado por Lola Aniyar de Castro limita-se à dialética negativa, isto é, negar o negado dentro de uma totalidade social, rejeitar a opressão do grande capital sobre as massas europeias, Dussel trabalha um conceito absolutamente estranho ao método histórico dialético: a “exterioridade”, um campo além da dialética negativa, esta que é limitada à totalidade social (a exemplo da totalidade europeia), que não compreende outras realidades, como a do jovem negro latino-americano absolutamente ocultado, que luta contra uma histórica segregação racial, mas sequer consegue se fazer enxergar na sociedade, sequer faz parte da totalidade social. Esse jovem não habita a totalidade social: ele habita algo mais oculto, a “exterioridade”. A “exterioridade” representa, pois, a alteridade existente fora da totalidade social, tendo em vista que o latino-americano sequer fez parte do processo de construção do conhecimento eurocêntrico, e tampouco sua realidade foi objeto de análise (LEAL, 2017, p. 57). Daí assumir-se que o pressuposto filosófico eleito por Castro em sua teoria crítica é eurocêntrico, embora o seu nível político almeje a libertação latino-americana. Ainda que a teoria crítica de base materialista histórica proponha estar do lado dos oprimidos, os oprimidos aos quais ela se coloca do lado não são os mesmos da filosofia da libertação, não são os latino-americanos, na medida em que ainda não eram conhecidos, e sobre os quais, portanto, repousava uma absoluta obscuridade (LEAL, 2017, p. 57). Portanto, para o filósofo argentino, o “Outro”, aquele que reside na “exterio- ridade” de determinada totalidade social, não é apenas a pessoa que tenha fome, integrante do público preferencial da seletividade penal patrimonialista, principal objeto da repetida e genérica crítica do materialismo histórico copiada na América Latina, como alertado por Máximo Sozzo (2002, p. 399). É, também, o indígena massacrado, a mulher objeto sexual nas mãos do colonizador, o negro escravo, o asiático da guerra do ópio, o judeu nos campos de concentração (DUSSEL, 1993, p. 141). Têm-se, assim, claras diferenças entre o fundamento filosófico adotado por Castro e aquele sustentado por Dussel. A fim de exemplificar a diferença trabalhada anteriormente, veja-se a proble- mática contemporânea do excessivo encarceramento feminino – que, até onde se pode ver, não se encontra ligada à crítica econômica marxista nascida no século R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 201926 MAURO GUILHERME MESSIAS DOS SANTOS XIX. Ao que parece, a organização social de gênero, absolutamente hierarquizante, representa um instrumento de dominação social universal mais antigo do que os elementos de classe. A mulher latino-americana jovem, encarcerada, negra, mãe, não se encontra meramente negada pela totalidade social, como ao estilo eurocêntrico do método histórico dialético (adotado por Castro em sua teoria crítica). Essa mulher parece se encontrar num âmbito ainda mais obscuro, mais além do método dialético, fora da totalidade social, isto é, na exterioridade dusseliana. Segundo o Levantamento de Informações Penitenciárias (INFOPEN, 2014, p. 5), vinculado ao Ministério da Justiça, em geral, as mulheres submetidas ao cárcere são jovens, têm filhos, são as responsáveis pela provisão do sustento familiar, possuem baixa escolaridade, são oriundas de extratos sociais desfavorecidos economicamente e exerciam atividades de trabalho informal em período anterior ao aprisionamento. Bem ainda, a maioria dessas mulheres ocupa uma posição coadjuvante no crime, realizando serviços de transporte de drogas e pequeno comércio; muitas são usuárias, sendo poucas as que exercem atividades de gerência do tráfico (INFOPEN, 2014, p. 5). Não obstante a expressiva participação de homens no contingente total de pessoas privadas de liberdade no país, a população absoluta de mulheres encar- ceradas no sistema penitenciário cresceu 567% (quinhentos e sessenta e sete por cento) entre os anos 2000 e 2014, conforme a imagem a seguir (INFOPEN, 2014, p. 10) – enquanto a população de homens encarcerados subiu 220% (duzentos e vinte por cento) no mesmo período, seguindo a tendência geral de aumento do encarceramento no Brasil: Imagem 2 Evolução da população de mulheres no sistema penitenciário (Infopen) R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 2019 27 A CRIMINOLOGIA DA LIBERTAçãO DE LOLA ANIyAR DE CASTRO E AS CONTRIBUIçõES DE RICœUR E DUSSEL O quadro apenas suavizou após uma análise criminológica sobre a prisionização feminina. Em 2016, no julgamento do HC nº 118.533/MS (BRASIL, 2016a), o Supremo Tribunal Federal decidiu que o chamado tráfico privilegiado de drogas não possui natureza hedionda. A consequência foi a libertação imediata de 45% (quarenta e cinco por cento) das mulheres presas à época. Por ocasião dos votos, a ministra Cármen Lúcia destacou quea Nova Lei de Tóxicos (BRASIL, 2006b) impulsionou fortemente o crescimento da população carcerária feminina. No período de 2005 a 2014, a quantidade de pessoas presas condenadas por tráfico de drogas cresceu 340% (trezentos e quarenta por cento). Quando se fez o recorte de gênero, percebeu-se que, no mesmo período, o número de mulheres presas condenadas por tráfico de drogas aumentou em aproximadamente 600% (seiscentos por cento). Além disso, os dados mais recentes apontavam que, à época, 68% (sessenta e oito por cento) das mulheres encarceradas no Brasil estavam detidas por delitos de drogas, número proporcionalmente três vezes maior que o de homens detidos pelos mesmos delitos (IBCCRIM et al., 2016, p. 8). É de Bordieu (2012, p. 110) a lição de que a igualdade formal entre os homens e as mulheres tende a ser dissimuladora. Segundo as informações e dados estatísticos, as mulheres brasileiras, especialmente as jovens, mães e pobres, são identificadas como receptivas ou prediletas às forças repressivas. Sim, o sujeito moderno não difere grande coisa de seu antepassado medieval, a não ser no que se refere à eleição de suas vítimas (HORKHEIMER, 1973, p. 126). O lugar das bruxas, dos feiticeiros e dos hereges é ocupado agora por mulheres (sobretudo jovens negras), pessoas pobres que consomem entorpecentes, habitantes de assentamentos urbanos informais ou profissionais do sexo. A igualdade formal, prevista, inclusive, na Constituição da República Federativa do Brasil, ilude a muitos. Segundo o seu art. 5º, caput, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]” (BRASIL, 1988), numa redação inspirada sobretudo na Declaração Universal dos Direitos do Homem, que foi antecedida pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Ora, a mulher fazia parte do “homem” referido nas declarações? Hunt (2009, p. 17) duvida que Lafayette, aristocrata e militar francês com ampla atuação na Revolução Francesa e incumbido de rascunhar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e T. Jefferson, um senhor de escravos incumbido de redigir a Declaração da Independência dos Estados Unidos, tenham chegado a imaginar qualquer igualdade relativamente à mulher – ou ao escravo, ou ao indígena. Convém referir que o principal autor da Declaração Universal dos Direitos do Homem, René Cassin, um jurista francês laureado com o Nobel R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 201928 MAURO GUILHERME MESSIAS DOS SANTOS da Paz em 1968 pelas suas contribuições ao referido documento internacional, deliberadamente retirou do artigo 12 de seu rascunho declaração à proscrição a “trabalhos forçados”, mantendo apenas a vedação à “escravidão”, numa atitude marcadamente colonial (CLAVERO, 2014, p. 36). A igualdade formal referida nas Declarações aplicava-se a todos, inclusive a mulheres? Para Douzinas (2000, p. 187) não: ela era de valor limitado para os não propriamente “homens” (ou seja, homens sem propriedade), mais limitado ainda para mulheres e completamente negado para aqueles definidos como não humanos (colonizados, escravos e estrangeiros). Em Douzinas, fica claro que, mesmo no nível formal, há uma ideologia hierarquizante de pessoas, uma estratificação que não se resume à lei do dinheiro (valor limitado) e que pode atingir mais penosamente a mulher (valor mais limitado ainda) e, pior, a mulher latino-americana (valor completamente negado). O problema contemporâneo do encarceramento massivo de mulheres no país não está ligado à crítica econômica marxista nascida no século XIX. A mulher latino-americana jovem, encarcerada, negra, mãe, não se encontra meramente negada pela totalidade social (como ao estilo eurocêntrico enxergado pelo método histórico dialético): ela parece se encontrar num âmbito ainda mais esquecido, isto é, na “exterioridade” dusseliana ou no valor completamente negado de que fala Douzinas. 4 Considerações finais A teoria crítica do controle social de Lola Aniyar de Castro busca, acima de tudo, analisar criticamente o funcionamento da estrutura de dominação oficial, a saber, o sistema penal, revelando a carga ideológica presente no discurso dogmático. Propostas aptas a mostrar à dogmática a existência de ideologias têm a possibilidade de diminuir, em alguma medida, o recrudescimento da aplicação da técnica jurídico-penal. Contudo, a presente pesquisa considera que, na linha do pensamento de P. Ricœur, as teorias sociais possuem, inarredavelmente, uma carga ideológica, decorrente da impossibilidade de separar do pensador a totalidade de seus condicionamentos, da sua pré-compreensão, cuja estrutura precede e comanda. Assim, a pretensão da teoria crítica de Lola Aniyar em apontar ideologias na dogmática penal carrega consigo, necessariamente, um conteúdo ideológico, pois não há pensadores sem amarras, sem pertença, sem efeitos da história – Castro, por exemplo, integrou movimentos sociais e exerceu cargos político-estatais por vários anos. R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 2019 29 A CRIMINOLOGIA DA LIBERTAçãO DE LOLA ANIyAR DE CASTRO E AS CONTRIBUIçõES DE RICœUR E DUSSEL Bem ainda, note-se que o nível epistemológico da teoria crítica do controle social de Lola Aniyar de Castro, fundado sobretudo em Hegel e na Escola de Frankfurt, possui incongruências respectivamente à realidade latino-americana, como a brasileira. A crítica do materialismo histórico incorporada por Baratta e seus sucessores não deve ser “retalhada” e aplicada indiferentemente aos povos latinos de forma “reestilizada” e descontextualizada. É preciso reinterpretar Marx aos olhos latino-americanos, e não ao tempo das massas europeias (ZAFFARONI, 1988, p. 74-75). Nesse passo, a partir da filosofia da libertação de E. Dussel, a pesquisa conclui que a teoria crítica do Lola Aniyar pode receber as contribuições de um método decolonial, como o método analético dusseliano, para, sem heranças culturais eurocêntricas, assumir uma atitude ética e política compromissada com a região latino-americana e com problemas sociais insuscetíveis de abordagem pelo materialismo histórico marxista. Lola Aniyar de Castro’s criminology of liberation and the contributions of Ricœur and Dussel Abstract: The critical theory of social control elaborated by Castro has as main function to unmask the ideology present in Latin American systems of domination, especially in criminal law. However, can critical theory have the pretension of combating the ideology present in the criminal-legal discourse, without the theory itself containing an ideological charge? The general objective of the research is to discuss an alignment between Castro’s theory, Ricœur’s hermeneutics of ideologies and Dussel’s philosophy of liberation. On the other hand, the specific objectives are to investigate if the theory of Castro has ideological load, based on Ricœur’s warnings, as well as to compare the philosophical bases of Castro’s critical theory and Dussel’s thinking, inquiring whether critical theory possesses a genuinely liberating philosophy. The research is justified by the unsatisfactory results presented by allegedly aseptic criminological theories and, in order to achieve its objectives, employs the deductive method, through a bibliographical review of the authors works cited above, in order to re-read Castro’s criminology of liberation. The hypotheses of the work are the presence of ideological content in Castro’s theory and of colonialism on the philosophical basis of critical theory. Keywords: Critical theory. Ideology. Hermeneutics. Criminology of liberation. Colonialism. Referências BARATTA, Alessandro. Criminología crítica y crítica del derecho penal: introducción a la sociología jurídico penal. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2004. BARATTA, Alessandro. Criminología y sistema penal: compilaciónin memoriam. Montevideo: Editorial B de F, 2006. BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Tradução Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. BORDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução Maria Helena Kühner. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 201930 MAURO GUILHERME MESSIAS DOS SANTOS BRASIL. Constituição Federal. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: ago. 2018. BRASIL. Decreto nº 5.687/2006: promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Brasília, 2006a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cciViL_03/_Ato2004-2006/2006/ Decreto/D5687.htm. Acesso em: ago. 2018. BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848/1940: Código Penal. Brasília, 1940. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: ago. 2018. BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689/1941: Código de Processo Penal. Brasília, 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm. Acesso em: ago. 2018. BRASIL. Lei nº 4.728/1965: disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento. Brasília, 1965. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/ L4728.htm. Acesso em: ago. 2018. BRASIL. Lei nº 10.931/2004: dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário, altera o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969, as Leis nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, nº 4.728, de 14 de julho de 1965, e nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e dá outras providências. Brasília, 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/ L10.931.htm. Acesso em: ago. 2018. BRASIL. Lei nº 11.343/2006: nova lei de drogas. Brasília, 2006b. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em: ago. 2018. BRASIL. Supremo Tribunal Federal: habeas corpus nº 118.533/MS. Brasília, 2016a. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: ago. 2018. BRASIL. Supremo Tribunal Federal: habeas corpus nº 126.292/SP. Brasília, 2016b. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: ago. 2018. CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da libertação. Rio de Janeiro: Revan, 2005. CASTRO, Lola Aniyar de. El jardín de al lado, o respondiendo a Novoa sobre la criminología crítica. In: Doctrina Penal, Buenos Aires, ano 9, n. 33, p. 35-45, 1986. CLAVERO, Bartolomé. Derecho global: por una historia verosímil de los derechos humanos. Madrid: Editorial Trotta, 2014. CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Reunião Especial de Jurisdição. Brasília, 2017. Disponível em: http:// www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/02/b5718a7e7d6f2edee274f93861747304.pdf. Acesso em: ago. 2018. DDHC (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão). La Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen. Versalhes, 1789. Disponível em: http://www.elysee.fr/la-presidence/la-declaration- des-droits-de-l-homme-et-du-citoyen/. Acesso em: ago. 2018. DERRIDA, Jacques. A outra questão. O estereótipo, a discriminação e o discurso do colonialismo. In: HOMI, K. Bhabha. O local da cultura. Tradução Myrian Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis. Belo Horizonte: UFMG, 2013. DOUZINAS, Costas. The end of human rights: critical legal thought at the turn of the century. Oxford: Hart Publishing, 2000. DUDH (Declaração Universal dos Direitos do Homem). Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas. Paris, 1948. Disponível em: http://www.un.org/ga/search/view_doc. asp?symbol=A/RES/217(III)&Lang=E. Acesso em: ago. 2018. R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 2019 31 A CRIMINOLOGIA DA LIBERTAçãO DE LOLA ANIyAR DE CASTRO E AS CONTRIBUIçõES DE RICœUR E DUSSEL DUSSEL, Enrique. 1492: El encubrimiento del otro: hacia el origen del mito de la modernidad. Madrid, Nueva Utopía, 1992. DUSSEL, Enrique. Apel, Ricoeur Rorty y la filosofía de la liberación: con respuestas de Karl-Otto Apel y Paul Ricoeur. Guadalajara: Universidad de Guadalajara, 1993. DUSSEL, Enrique. Filosofia da libertação: na América Latina. São Paulo: Edições Loyola, 1977. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Tradução Flávio Paulo Meurer. Revisão da tradução Enio Paulo Giachini. 12. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2012. GOMES, Marcus Alan de Melo; ALBUQUERQUE, Fernando da Silva. Mídia, medo e expansão punitiva. In: PINHO, Ana Cláudia Bastos de; DELUCHEy, Jean François y.; GOMES, Marcus Alan de Melo. Tensões contemporâneas da repressão criminal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 73-92, 2014. GOMES, Marcus Alan de Melo. Uma epistemologia da política criminal racional e democrática. In: CAÚLA, Bleine Queiroz; CARMO, Valter Moura do (Org.). Diálogo ambiental, constitucional e internacional, volume 3, tomo II. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 275-288. GRONDIN, Jean. Hermenêutica. Tradução Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. HORKHEIMER, Max. Crítica de la razón instrumental. Tradução H. A. Murena e D. J. Vogelmann. Buenos Aires: SUR, 1973. HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. Tradução Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais); Conectas Direitos Humanos; Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD); PBPD (Plataforma Brasileira De Política De Drogas). Memoriais no habeas corpus nº 118.533/MS. Brasília, 2016. Disponível em: https://d2f17dr7ourrh3. cloudfront.net/wp-content/uploads/2016/06/Memoriais-HC-Privilegiado-118533-jpg.pdf. Acesso em: ago. 2018. INFOPEN (Levantamento de Informações Penitenciárias). Infopen Mulheres. Brasília, 2014. Disponível em: http://www.justica.gov.br/news/estudo-traca-perfil-da-populacao-penitenciaria- feminina-no-brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf. Acesso em: ago. 2018. LEAL, Jackson da Silva. Criminologia da libertação: a construção da criminologia crítica latino- americana como teoria crítica do controle social e a contribuição desde o Brasil. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017. MAFFESOLI, Michel. Saturação. Tradução Ana Goldberger. São Paulo: Iluminuras, 2010. NOVOA MONREAL, E. ¿Desorientación epistemológica en la criminología crítica? Buenos Aires: Revista Doctrina Penal, ano 8, n. 30, 1985. RICœUR, Paul. Interpretação e ideologias. Tradução Hilton Japiassu. Rio de Janeiro: F. Alves, 1990. SANTOS, Boaventura de Sousa; CHAUI; Marilena. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2013. SOZZO, Máximo. “Traduttore traditore”. Traducción, importación cultural e historia del presente de la criminología en América Latina. Cuadernos de Doctrina y Jurisprudencia Penal, vol. 7, n. 13, 2002. TODOROV, Tzvetan. Os inimigos íntimos da democracia. Tradução Joana Angélica d’Avila Melo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Criminología: aproximación desde un margen. Bogotá: Editorial Temis, 1988. R. Fórum de Ci. Crim. – RFCC | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./dez. 201932 MAURO GUILHERME MESSIAS DOS SANTOS ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro: primeiro volume – teoria geral do direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. O universalismo europeu: a retórica do poder. Tradução Beatriz Medina. São Paulo: Boitempo, 2007. WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico, movimentos sociais e processos de lutas desde América Latina. In: WOLKMER, Antonio Carlos; LIXA, Ivone Fernandes (Coord.). Constitucionalismo, descolonización y pluralismo jurídico en América Latina. Florianópolis:UFSC-NEPE, 2015, p. 95-101. Recebido em: 21.06.2019 Aprovado em: 27.08.2019 Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2018 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): SANTOS, Mauro Guilherme Messias dos. A criminologia da libertação de Lola Aniyar de Castro e as contribuições de Ricœur e Dussel. Revista Fórum de Ciências Criminais – RFCC, Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 13-32, jul./ dez. 2019.
Compartilhar