Buscar

Metabolismo do etanol- caso clínico

Prévia do material em texto

Caso Clínico 01 - Metabolismo do etanol
01- A. M., sexo masculino, 43 anos, alcoólatra, foi trazido à emergência pela
proprietária da pensão onde mora, que relatou que ele bebeu muito na última
semana. Durante esse tempo seu apetite diminuiu gradualmente, e ele não havia
comido nos últimos 3 dias. Ele estava confuso, agressivo, trêmulo e suando
profusamente. Sua fala era incompreensível. A frequência cardíaca estava rápida
(110 bpm). Quando a pressão sanguínea estava sendo determinada, ele teve uma
convulsão. A taxa de glicose sanguínea era de 28 mg/dL (V.R. 80 a 100 mg/dL) e
o etanol sanguíneo 295 mg/dL (nível de intoxicação - 150 a 300 mg/dL). Além
disso, o paciente tinha diagnóstico de beribéri resultante da deficiência de tiamina.
A. M. foi tratado rapidamente com administração intravenosa de glicose e também
recebeu uma injeção contendo um suplemento multivitamínico. No 2° dia de
hospitalização desenvolveu uma febre de 38,6° C. Ele tinha uma tosse produtiva
com escarro acinzentado. Um raio X de tórax mostrou pneumonia de lobo inferior.
Uma lâmina de seu escarro mostrou bacilos gram-negativos e foi efetuada cultura
para determinar quais antibióticos seriam efetivos para o tratamento. Como a
acompanhante do paciente informou que ele tinha alergia a penicilina, foi iniciada
uma combinação de antibióticos com trimetoprima e sulfametoxazol (TMP/sulfa).
Não era do conhecimento da acompanhante que ele tivesse sido tratado
previamente com sulfa. No 3° dia de terapia com TMP/sulfa, A. M. estava
levemente ictérico. O nível de hemoglobina era de 3,5 g/dL (V.R. 13.0 a 18.0 g/dL)
e a urina estava marrom-avermelhada devido à presença de hemoglobina livre.
Aparentemente o paciente tinha sofrido uma hemólise aguda induzida por
infecção e exposição ao fármaco sulfa.
a. Utilizando seus conhecimentos explique a hipoglicemia ocorrida
neste paciente.
O paciente ingeriu grande quantidade de bebida alcoólica, a qual possui
etanol. No metabolismo dessa molécula, a enzima álcool desidrogenase a
converte em acetaldeído e, posteriormente, esse composto é metabolizado pela
aldeído desidrogenase em acetato. Porém, durante esse processo, grande
quantidade de nicotinamida adenina nucleotídeo (NAD) na forma reduzida é
produzida e a relação NAD⁺/NADH fica desequilibrada, o que prejudica a via da
gliconeogênese, uma vez que o NAD em sua forma oxidada é um composto
fundamental do conjunto das reações que envolve a produção de glicose. Assim,
na falta desse composto, os níveis de glicose no sangue diminuem.
b. Qual a provável causa bioquímica da icterícia e da hemólise
apresentada pelo paciente após o tratamento com sulfa.
A icterícia reflete anomalias na produção ou em fases do
metabolismo/excreção da bilirrubina e pode ser manifestação clínica de várias
doenças hepáticas. A principal fonte de bilirrubina é a hemoglobina proveniente
da quebra de eritrócitos maduros. Nesse sentido, observa-se que o tratamento
com sulfa provocou hemólise aguda no paciente, o que gera a liberação de
grande quantidade de hemoglobina. Esta, por sua vez, contém o grupo heme, o
qual é metabolizado à bilirrubina, um composto tóxico que se acumula no
organismo e precisa ser eliminado. No entanto, geralmente essa excreção ocorre
por meio do glicuronato, que é substrato de uma via alternativa a partir da glicose,
isto é, dependente dela. Como o paciente apresenta hipoglicemia, essa via não
ocorreu e a bilirrubina não pôde ser eliminada, provocando o acúmulo do
composto e a condição conhecida como icterícia.
As sulfonamidas, presentes na medicação, têm efeito bacteriostático e
inibem o metabolismo do ácido fólico por mecanismo competitivo. O
sulfametoxazol é comumente empregado em associação com o trimetoprim, uma
diamino-pirimidina, associação mais conhecida como cotrimoxazol. O efeito das
duas drogas é sinérgico, pois atuam em passos diferentes da síntese do ácido
tetra-hidrofólico (ácido fólico), necessária para a síntese dos ácidos nucléicos. O
sulfametoxazol inibe um passo intermediário da reação e o trimetoprim a
formação do metabólito ativo do ácido fólico no final do processo. O tratamento
com sulfa não é indicado para pessoas que possuem sérias alterações
hematológicas e hepatopatias, como citado acima, podendo ser prejudicial ao
organismo, causando hemólise e alterações de coagulação.
c. Quais efeitos bioquímicos são observados na deficiência de tiamina?
A ingestão de grande quantidade de álcool provoca diurese, o que
aumenta a excreção da tiamina (vitamina B₁) e dificulta sua absorção,
principalmente porque ela é hidrossolúvel. Essa deficiência vitamínica interfere
em alguns processos bioquímicos, como a diminuição ou o bloqueio da produção
de acetilcolina pela vitamina B1, impedindo reações metabólicas no tecido
nervoso e também a transmissão adequada de informações para as regiões
cerebrais, o que pode ter desencadeado os sinais clínicos de confusão mental,
agressividade anormal e desordem na fala.
A tiamina origina o cofator da enzima piruvato-desidrogenase, a qual está
envolvida na conversão de piruvato em acetil-CoA, utilizado no ciclo de Krebs. No
entanto, a falta da vitamina B₁ impede que isso aconteça, o que gera o acúmulo
do produto resultante da glicólise, o piruvato, gerando acidose pirúvica e acidose
láctica, já que muito frequentemente o piruvato é convertido em lactato. Por
conseguinte, isso ocasiona a diminuição da concentração de NADH.
O NADH atua, ainda, no sistema imunitário por meio da reposição de
oxigênio empregada pelos macrófagos. Como essa molécula é responsável pela
conversão da glicose do sangue em energia biológica, sua deficiência impede o
fornecimento de ATP para a atuação dos macrófagos na eliminação de corpos
estranhos como as bactérias, podendo gerar, por exemplo, infecções como a
pneumonia apresenta pelo paciente.
d. Explique a provável causa bioquímica das alterações de humor, da
fala e da convulsão apresentada pelo paciente.
Como observado no texto, o paciente A.M. é alcoólatra e havia ingerido
altas quantidades de álcool na última semana. Diante disso, sabe-se que o álcool
é um depressor do Sistema Nervoso Central, visto que diminui a glicemia e inibe a
gliconeogênese, pois o NAD+ é consumido na metabolização do etanol, através
das ações das enzimas álcool desidrogenase e da aldeído desidrogenase, que
degradam o etanol a acetato. Esse NAD+, por sua vez, não estará mais disponível
para a gliconeogênese, no fígado, a partir de metabólitos como o piruvato e o
lactato. Dessa forma, o paciente irá sofrer pela carência de glicose (hipoglicemia)
e poderá sofrer com casos de convulsão, alterações no humor e de fala.
Outro fator que agrava o caso é o fato de ele ser alcoólatra, condição que
comumente desencadeia casos de cirrose hepática, que seria a sequencial
ocorrência de lesões no fígado e suas posteriores cicatrizações, provocando os
sintomas de icterícia, urina escura e confusão mental, todas também relatadas
pelo paciente. Além disso, pacientes com disfunções hepáticas podem apresentar
encefalopatia hepática, a qual caracteriza-se por anormalidades neuropsiquiátrias
potencialmente reversíveis, justificando as mudanças de humor e da fala.

Outros materiais

Materiais relacionados

Perguntas relacionadas

Materiais recentes

Perguntas Recentes