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Anemias As anemias são síndromes clínicolaboratoriais que se caracterizam por diminuição do hematócrito, da concentração de hemoglobina no sangue e da concentração de hemácias por unidade de volume. Hematócrito: fração volumétrica ocupada pelos eritrócitos no sangue. Geralmente corresponde a 3x o valor da hemoglobina. Epidemiologia São um problema global de saúde pública, com graves consequências na saúde humana, bem como nos desenvolvimentos econômico e social. Podem ocorrer em todas as fases da vida, mas apresentam maior prevalência em grávidas e em crianças pequenas. A anemia ferropriva corresponde a aproximadamente 50% dos casos. Etiopatogenia Na fase adulta, as células hematológicas são produzidas exclusivamente na medula óssea, presente nos ossos da pelve, no esterno, nos ossos do crânio, nos arcos costais, nas vértebras e nas epífises femorais e umerais, num processo denominado hematopoiese medular. Em vigência de determinadas patologias, a produção de células hematológicas pode voltar a ocorrer em locais extramedulares, que só tinham esta função na vida embrionária, como fígado, baço e linfonodos. Todas as células adultas da hematologia derivam de uma célula-tronco. No início de sua diferenciação, essa célula pode se diferenciar em duas linhagens diferentes: a linfoide, que dará origem aos linfócitos adultos, ou a mieloide, cujo desenvolvimento culminará em outros tipos de leucócitos, como granulócitos e monócitos, em hemácias e em plaquetas. A síntese de hemácias é denominada eritropoiese. Para que ela ocorra de forma satisfatória, é necessário que a medula óssea tenha “combustíveis”: a eritropoietina, que atua como estímulo para a produção, o ferro, para a produção de hemoglobina, essencial para a função da hemácia, e ácido fólico e vitamina B12, para a síntese de DNA dos precursores da hemácia. A eritropoietina é uma substância peptídica produzida pelas células tubulares proximais, nos rins, em resposta à hipóxia tecidual, funcionando como um hormônio regulador da produção de hemácias, por estimular a formação de mais eritroblastos na medula óssea. Os precursores da hemácia perdem seu núcleo, para que ela seja capaz de carrear mais oxigênio, fazendo com que essa célula dure uma média de 120 dias, sendo retirada da corrente sanguínea pelo baço num processo denominado hemocaterese (morte fisiológica das hemácias). A medula óssea não libera a hemácia pronta na corrente sanguínea, e sim o seu precursor imediato, denominado reticulócito (fase em que o conteúdo nuclear é expulso), que é convertido em hemácia após 2-3 dias na corrente sanguínea. Uma anemia verdadeira é caracterizada por uma redução da massa eritrocitária, ou seja, do volume total de hemácias no organismo. Existem também anemias relativas, que se dão por diluição, quando há aumento do volume plasmático sem correspondente aumento de hemácias, como ocorre na gravidez, na hipoalbuminemia, na insuficiência renal e na insuficiência cardíaca. Os principais mecanismos causadores de anemias são perdas sanguíneas agudas ou crônicas, menor produção de hemácias, que pode ocorrer por deficiência de nutrientes essenciais, doenças crônicas ou deficiência de eritroblastos (como ocorre nas leucemias) ou maior destruição de hemácias, principalmente associada à hemólise, em que as manifestações ocorrem pelo aumento do catabolismo da hemoglobina, desencadeando hiperbilirrubinemia (icterícia, hepatoesplenomegalia). Manifestações clínicas Os sinais e sintomas das anemias refletem a hipóxia não corrigida dos tecidos e a participação dos mecanismos compensatórios. A redução da capacidade de transporte de oxigênio provoca dispneia aos esforços, palpitação, taquicardia, astenia, vertigem, escotomas, fraqueza muscular e claudicação intermitente, lipotimia, zumbidos, câimbras, impotência sexual, amenorreia, angina e retardo do crescimento e do desenvolvimento, no caso de anemias crônicas. No entanto, o mais comum é que o paciente seja oligoassintomático ou até mesmo assintomático. A participação dos mecanismos compensatórios desencadeia sintomas como aumento do débito cardíaco (pela hipóxia tecidual), redistribuição do fluxo sanguíneo (vasodilatação em territórios nobres e vasoconstrição periférica, causando palidez cutaneomucosa), diminuição da viscosidade sanguínea e taquicardia (acarretando sopros), dispneia e queda da pressão diastólica, levando ao aumento do diferencial da pressão arterial (pois a vasodilatação predomina sobre a vasoconstrição). Na presença de anemia, as adaptações fisiológicas mais comuns são aumento do débito cardíaco, para que o maior fluxo mantenha a oxigenação tecidual, e aumento do 2,3-DPG na hemácia, reduzindo a afinidade da hemoglobina pelo O2. A intensidade dos sintomas anêmicos depende da rapidez de instalação da anemia, bem como da reserva miocárdica, coronariana, pulmonar e cerebral do paciente. Investigação inicial das anemias A anamnese inicial deve pesquisar o tempo de instalação dos sintomas (anemias carenciais, aplásica, mielodisplasias, de doença crônica e mieloma múltiplo apresentam instalação insidiosa, enquanto anemia hemorrágica aguda e hemolítica autoimune têm início abrupto) e sintomas associados, que podem denunciar uma doença de base. Ao exame físico, glossite e queilite angular indicam anemias carenciais, icterícia é mais comum nas megaloblásticas e hemolíticas, esplenomegalia é característico de anemia hemolítica ou neoplasias hematológicas, petéquias indicam plaquetopenia, mais comum na anemia aplásica e nas leucemias agudas e deformidades ósseas na face e no crânio falam a favor de talassemia. Série vermelha Hemácias: 4-6 milhões/mm³ Hemoglobina: 12-17 g/dL Hematócrito: 36-50% Reticulócitos: 0,5-2% VCM: 80-100 fL (fentolitro) HCM: 25-35 pg CHCM 32-36 g/dL RDW: 10-14% Série branca Leucócitos: 5.000 – 11.000/mm³ Plaquetas 150.000 – 400.000/mm³ RDW é o índice de anisocitose e avalia a variação de tamanho das hemácias e é normal até 14%. CHCM (Concentração de Hemoglobina Globular Média) é menos usado na prática médica. Apresenta a mesma interpretação do HCM, avaliando a cromia da hemácia. A presença de pancitopenia sugere anemia aplásica ou leucemia aguda. Pancitopenias leves a moderadas podem ocorrer na anemia megaloblástica, mielodisplasias, neoplasias hematológicas ou não hematológicas metastáticas. • Reticulócitos Após a detecção da anemia no hemograma, o primeiro passo para sua investigação é a contagem de reticulócitos, pois eles estimam se a resposta medular sugere incapacidade de produção, hemólise ou perda sanguínea recente. Uma concentração alta (reticulocitose > 2%) indica que a medula óssea tem os combustíveis necessários para a eritropoiese e está realizando esse processo a fim de tentar conter a anemia, num quadro de anemia hiperproliferativa, que pode ser provocado por hemólise ou presença de sangramento agudo. Contagens baixas (reticulócito < 0,5%) indicam que a medula óssea não é capaz de responder ao quadro anêmico, sendo classificada como um quadro de anemia hipoproliferativa, que pode ser provocada DRC (redução de eritropoietina), anemias carenciais (ferropriva, B12, folato), anemia de doença crônica, anemia sideroblástica, etc. Devem ser feitas duas correções nos valores de reticulócitos, pois a contagem total de eritrócitos (hematimetria) está reduzida, fazendo com que o mesmo percentual reticulocitário seja equivalente a um menor número absoluto de reticulócitos na periferia. Portanto, o Índice de Reticulócitos Corrigido (IRC) pode ser calculado como 𝐻𝑡 40 × % 𝑟𝑒𝑡𝑖𝑐𝑢𝑙ó𝑐𝑖𝑡𝑜𝑠 ou 𝐻𝑏 15 × % 𝑟𝑒𝑡𝑖𝑐𝑢𝑙ó𝑐𝑖𝑡𝑜𝑠. Além disso, em casos de anemias moderadas a graves, os níveis de eritropoeitina se elevam muito, reduzindo o tempo de maturação reticulocitária na medula óssea.Como as células são precocemente liberadas (shift cells), énecessário definir o Índice de Produção Reticulocitária (IPR) por meio das equações: 𝐻𝑡 40 ×% 𝑟𝑒𝑡𝑖𝑐𝑢𝑙ó𝑐𝑖𝑡𝑜𝑠 2 ou 𝐻𝑏 15 ×% 𝑟𝑒𝑡𝑖𝑐𝑢𝑙ó𝑐𝑖𝑡𝑜𝑠 2 . Esse índice é o mais fidedigno para classificar as anemias em hipo ou hiperproliferativas (IPR > 2%) quando o hematócrito está abaixo de 30%. • VCM e HCM Após a avaliação dos reticulócitos, é necessário avaliar a morfologia das hemácias: o tamanho (Volume Corpuscular Médio), caracterizando-a como micro/normo/macrocítica, e a cor (HCM), caracterizando-a como hipo/normo/hipercrômica. A alteração desses indicadores ocorre de acordo com a quantidade de hemoglobina que a hemácia é capaz de carrear (é como se a hemácia fosse um saco de hemoglobina: se tiver menos, fica mais murcha e mais pálida). As causas de anemias microcíticas e hipocrômicas são anemia ferropriva, talassemia, anemia de doença crônica, anemia sideroblástica e anemia do hipertireoidismo. • Hemoglobina Hb < 13 g/dL no homem adulto e 12 g/dL na mulher adulta Hb < 11 g/dL na mulher adulta grávida Hb < 11 g/dL em crianças entre 6 meses e 6 anos de idade (nas crianças de 1-2 anos, o limite inferior é de 9,5 g/dL – anemia fisiológica da infância) Hb < 12 g/dL em crianças entre 6 e 14 anos de idade A hemoglobina tem a função de carrear oxigênio para os diversos tecidos do organismo. Sua síntese ocorre na mitocôndria das células da linhagem vermelha. Ela é uma macromolécula constituída por quatro cadeias polipeptídicas (globinas) combinadas a uma porção heme, que é uma molécula formada por protoporfirina e ferro, capaz de ligar o O2. No adulto, cerca de 97% da hemoglobina é composta por duas cadeias e duas cadeias , a chamada hemoglobina A1. 2% da hemoglobina circulante possui duas cadeias e duas , a hemoglobina A2. O 1% restante possui duas e duas e é denominada hemoglobina F. Nas talassemias, há alteração na produção de uma determinada cadeia de globina. Anemias microcíticas e hipocrômicas podem ser ferroprivas, de doenças crônicas (falta ferro para a produção de hemoglobina em ambas), sideroblástica (pela redução de protoporfirina) ou por talassemias (defeito quantitativo nas cadeias de globina). • Cinética do ferro Ferro sérico Valor normal 60-150 mcg/dL Quando aumenta Hemocromatose (primária ou secundária) Talassemia Hepatite aguda grave Uso de anticoncepcional à base de progesterona Quando reduz Anemia ferropriva Anemia de doença crônica Síndrome nefrótica (perda urinária de transferrina) Resultados falsos Falsa elevação em vigência de hemólise Falsa redução nos soros lipêmicos Transferrina sérica Valor normal 200-400 mg/dL Quando aumenta Anemia ferropriva Gestação e uso de anticoncepcional a base de progesterona Quando reduz Anemia de doença crônica Hemocromatose Síndrome nefrótica Hipertireoidismo Desnutrição Saturação de transferrina Valor normal 30-40% Quando aumenta Hemocromatose Talassemia Uso de anticoncepcional à base de progesterona Ingestão excessiva de ferro Quando reduz Anemia ferropriva Anemia de doença crônica Síndrome urêmica Ferritina sérica Valor normal 20-200 ng/mL Quando aumenta Condições que cursam com aumento do ferro corporal: Ingestão excessiva Hemocromatose Anemia de doença crônica Quando reduz Condições que cursam com esgotamento do ferro corporal: Anemia ferropriva (< 15 g/mL)
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