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Justiça no Brasil da Velha República aos governos militares
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internas dentro do governo provisório. Todos os decretos publicados até a promulgação da Constituição, em 24 de fevereiro de 1891, passaram por sua supervisão direta, tendo ele sido o principal redator do próprio texto constitucional. Não seria exagerado, portanto, dizer que Rui Barbosa é o pai da estrutura jurídica que vigorou no Brasil ao longo da Primeira República. Contudo, o próprio Rui Barbosa reconhecia as limitações que essa estrutura jurídica encontrava para, de fato, regular a vida social e política. Após ter rompido com o Marechal Floriano Peixoto (1839-1895), sucessor de Deodoro da Fonseca, ele se aproximou de lideranças monarquistas. Passando a fazer uma oposição ao governo militar, Barbosa reconhecia não ser aquela a “república dos seus sonhos”. A dissonância entre a legislação democrática e liberal e uma realidade social e política autoritária caracterizada pelas práticas oligárquicas e pela violência manifestada no “voto de cabresto” constitui uma das principais características da Primeira República brasileira. A CONSTITUIÇÃO DE 1891 Você sabia que esta foi a segunda Constituição do Brasil? Composta por 91 artigos, ela foi diretamente inspirada pelo modelo da Constituição dos Estados Unidos. O federalismo norte-americano, caracterizado pela grande autonomia dos governos locais, era muito atraente para as oligarquias brasileiras – principalmente para aquelas diretamente envolvidas com a agroexportação de café, que, na época, era a principal riqueza brasileira. O interesse desses grupos era tocar seus negócios com a mínima interferência possível do governo central. Mais do que republicanas, essas oligarquias eram federalistas. Outro princípio afirmado pela Constituição de 1891 foi a república, rompendo, assim, com a hereditariedade dinástica da monarquia. Agora o país passaria a ser governado por políticos eleitos para mandados temporários. O poder do Estado passava a estar dividido em três partes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, sendo a organização do governo feita no regime presidencialista. Outro valor liberal consagrado nessa Constituição foi a liberdade individual. Segundo esse princípio, o indivíduo é a célula social básica na qual residem todos os direitos, sendo a vida, a propriedade e a liberdade os principais entre eles. Autor: Domínio público. Fonte: Wikimedia Commons / Licença (CC BY 3.0...) Capa da Constituição da República do Brasil de 1891. Fonte: Wikimedia Commons / Licença (CC BY 3.0...) Juramento da Constituição, Aurélio de Figueiredo, 1891. Para o filósofo britânico Isaiah Berlin (1981), a liberdade liberal significa a autonomia do corpo físico dos indivíduos, definindo-se pela ausência de coerções externas ao livre movimento do corpo. A Constituição instituiu também o Estado laico, colocando um fim ao padroado, o qual, desde o início da monarquia, fazia da Igreja Católica uma espécie de instituição de Estado. O voto censitário, adotado pela Coroa, foi abolido. Mas não se engane: isso não significou, como demonstra José Murilo de Carvalho (1988), a ampliação da população eleitoralmente ativa. Esse fato só ocorreu porque a república adotara outras restrições ao direito de voto. Eis alguns exemplos dessas restrições: militares de baixa patente, religiosos submetidos à hierarquia eclesiástica e analfabetos eram considerados cidadãos eleitoralmente ativos. Isso fez com que a parcela da população habilitada ao voto fosse ainda menor que a dos tempos da monarquia. O STF E A REPÚBLICA Na realidade social, essa legislação foi posta em prática em uma sociedade complexa, desigual e atravessada pelas heranças da escravidão. Se você perguntar o que isso gerou, podemos dizer que ela fez com que o funcionamento das instituições jurídicas ganhasse algumas particularidades. Autor: Marc Ferrez. Fonte: Wikimedia Commons / Licença (CC BY 3.0...) Antigo Supremo Tribunal Federal (STF). Uma delas é o objeto de estudo analisado pelas historiadoras Surama Conde Sá Pinto e Tatiana de Souza Castro (2019). Ambas estudaram pedidos de habeas corpus protocolados no Supremo Tribunal Federal (STF), a corte superior da justiça brasileira segundo a Constituição de 1891, ao longo da Primeira República. Segundo as autoras, o tema da relação entre justiça e política oligárquica na Primeira República foi abordado de diferentes formas na bibliografia especializada. Algumas visões dominantes afirmam que tanto a justiça quanto o Judiciário eram meras extensões das oligarquias, o que se justifica pela falta de autonomia do sistema diante do coronelismo. ATENÇÃO Além disso, outros posicionamentos falam que, com o STF e o Judiciário, o exercício da cidadania estava seguro, havendo até a utilização dos habeas corpus . De acordo com Pinto e Castro (2019), outra visão mais recente interpreta essa fase, relativizando-a. Segundo tal visão, o Judiciário era visto em várias oportunidades defendendo os direitos da cidadania, mas, ao mesmo tempo, o STF dificultava o cumprimento dos tais habeas corpus citados. Como podemos perceber, a questão da autonomia das instituições jurídicas, assim como a capacidade da lei e da justiça em, de fato, regular a vida social e política e se manter imune às coerções impostas pelas oligarquias, são itens de extrema importância nos estudos especializados da história da justiça no Brasil ao longo da Primeira República. Surama Pinto e Suzana Castro (2019) colaboram com essa discussão, argumentando que as instituições do Poder Judiciário — notadamente o STF — eram acionadas pela sociedade civil no sentido da defesa das garantias do estado democrático de direito, um valor liberal por excelência. No entanto, alegam as autoras, o STF (e a justiça em geral) não pode ser superestimado, pois uma quantidade relevante de pedidos era negada, muitas vezes por pressões políticas. Ou seja: seria equivocado dizer que a justiça era só um floreio, sem nenhuma capacidade de funcionamento autônomo e plenamente incapaz de garantir direitos previstos no texto constitucional. Se isso fosse verdade, as pessoas sequer tentariam apelar à justiça e ao STF. Porém, considerando a tramitação dos pedidos examinados, Surama Pinto e Suzana Castro (2019) identificam um baixo índice de sucesso para os impetrantes e uma grande porosidade dos ritos legais, o que fazia das pressões um elemento importante para o desfecho dos processos. A atuação do STF na Primeira República também é tema de um trabalho desenvolvido por Gladys Sabino Ribeiro (2008). A autora estava interessada em examinar as relações da corte com duas outras forças: o Poder Executivo e a sociedade civil. SE, POR UM LADO, A CORTE SUPREMA BRASILEIRA ESTAVA INSERIDA NO PROJETO DE MODERNIZAÇÃO, CIVILIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO; POR OUTRO, CONTESTAVA DECISÕES E PEDIDOS DO EXECUTIVO E PROCURAVA UM ESPAÇO DE ATUAÇÃO PRÓPRIO. NESTE ÚLTIMO SENTIDO, ACOLHIA PLEITOS POPULARES NÃO SÓ REATIVOS, MAS TAMBÉM PROPOSITIVOS. ALÉM DISSO, DAVAM VOZ A INTERPRETAÇÕES SOBRE DIREITOS QUE PARTIAM DE VIVÊNCIAS POPULARES. A POPULAÇÃO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO JULGAVA AS SUAS DEMANDAS À LUZ DAS SUAS EXPERIÊNCIAS COTIDIANAS E DE UM ENTENDIMENTO DO DIREITO À LIBERDADE QUE, SE NÃO SUPLANTAVA, DIALOGAVA COM O DIREITO DE PROPRIEDADE E, SOBRETUDO, COM OS DIREITOS RELATIVOS ÀS LIBERDADES INDIVIDUAIS. RIBEIRO, 2008, p. 101-102. Tal como fizeram Surama Pinto e Suzana Castro (2019), Gladys Sabino Ribeiro (2008) complexifica o lugar da justiça na dinâmica social e política da Primeira República brasileira. Seu sistema, afinal, é apresentado como dotado de alguma autonomia para contrariar os interesses oligárquicos que, na época, dominavam o Poder Executivo. Ao mesmo tempo, podemos perceber que a sociedade civil possuía alguma capacidade de organização a ponto de ocasionalmente obter algum sucesso na imposição de suas demandas. Ela chegou até mesmo a influenciar, a partir dos repertórios da cultura popular, a atuação dos magistrados