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Lara Torres Pinto Brito - GASTROENTEROLOGIA DIARREIA DEFINIÇÕES E CLASSIFICAÇÕES Diarreia é um sintoma e não uma doença, portanto faz parte de uma síndrome maior que esse paciente pode ter. Por definição, diarreia é o aumento na frequência das evacuações com aumento da fluidez das fezes. Porém, é importante lembrar o que é normal: até 3x ao dia. Além disso, é importante individualizar “normalidade” para o ritmo intestinal de cada paciente. Ex: paciente obstipado, defecar 2x pode ser indício de diarreia. Por vezes, só a mudança de consistência das fezes (amolecidas) já pode sinalizar uma diarreia. Outra forma de definir diarreia é pelo peso das fezes. Porém, essa definição não é prática, faz mais sentindo quando aplicada em ensaios clínicos. AGUDA X CRÔNICA Aguda: até 4 semanas Crônica: após 4 semanas Existe a classificação de diarreia persistente: Aguda: até 14 dias Persistente: de 14 dias à 4 semanas Crônica: após 4 semanas A maioria das diarreias agudas se resolvem em até 7 dias. A maioria delas é de etiologia infecciosa (vírus e bactérias). Uma diarreia aguda que dura mais 7 dias é preciso pensar em outras etiologias infecciosas, como os protozoários. Quando se trata de crônica, pensamos mais em etiologias não infecciosas. ALTA X BAIXA Alta: intestino delgado (absorção é a principal função). Grande volume, poucas vezes (cólon preservado). As fezes costumam ser aquosas, sem muco, sangue ou tenesmo. Isso porque os agentes etiológicos que mais atingem o delgado não costumam fazer diarreia inflamatória com lesão de mucosa e nem inflamação de reto. Baixa: intestino grosso (armazenado e parte da absorção são as principais funções). Pouco volume (delgado íntegro absorveu), muitas dejeções porque a função de armazenamento está prejudicada. Pode ter cólicas, tenesmo, sangue nas fezes por colite inflamatória. O intestino delgado tem o papel de absorver, inclusive água. O intestino grosso tem o papel de armazenar as fezes e absorver água. MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS Osmótica Secretora Exsudativa Motora APRESENTAÇÃO CLINICA - Aquosa - Esteatorreia (disabsortiva) - Inflamatória Importante entender que as diferentes apresentações clínicas da diarreia podem ter vários mecanismos fisiopatológicos, inclusive ao mesmo tempo. É muito raro que uma diarreia ocorra exclusivamente por um único motivo. Pensando, por exemplo, na doença celíaca: A doença celíaca é uma doença autoimune em que existe a destruição da mucosa intestinal. Se existe destruição da mucosa intestinal, o paciente perde a dissacaridase, o paciente perde a lactase. Se ele perde a dissacaridase não vai digerir a lactose. É como se o indivíduo com a doença celíaca tivesse uma intolerância à lactose secundária pela perda de mucosa. Só que ele também não está absorvendo uma série de outras coisas, apresentando também uma diarreia disabsortiva, podendo cursar com esteatorreia. Então, ele tem uma diarreia por vários mecanismos diferentes. DIARREIA OSMÓTICA Acontece na presença de uma substância osmoticamente ativa pouco absorvida na luz intestinal. Por osmose, essa substância aumenta a osmolaridade da luz intestinal, retendo água. Diarreia Aquosa Osmótica Secretora Exsudativa Principais Substâncias: manitol, sorbitol, lactulose, íons de magnésio, íons de fosfato, laxantes. É um dos mecanismos da diarreia na intolerância à lactose. Durante a ingestão de dissacarídeos, não há dissacaridases apropriadas para essa digestão, aumentando a osmolaridade da luz intestinal. CARACTERÍSTICAS Melhora com o jejum: se parar a ingestão da substancia, melhora a diarreia Distensão abdominal Flatulência: os açúcares (manitol, sorbitol, lactulose) quando chegam no intestino grosso encontram bactérias que fazem a fermentação, produzindo gás e gerando os flatos. Por isso que o indivíduo com intolerância à lactose tem flatulência e distensão abdominal, causando dor. Baixo pH fecal: presença daquelas substancias nas fezes Aumento da osmolaridade fecal e gap osmótico Ausência de leucócitos fecais ou sangue nas fezes: porque não é inflamação da mucosa intestinal. Esteatorreia nos casos de má absorção intestinal Obs: o sorbitol é uma substancia utilizada para adoçar produtos diet. É como um adoçante porque não é absorvido. O manitol é usado para o preparo da colonoscopia, é um laxante forte. DIARREIA SECRETORA Apesar de tendência à absorção, o intestino também secreta por meio dos enterócitos. Existe um balanço/transporte de íons e eletrólitos ao longo da membrana do enterócito. A diarreia secretora acontece quando há um desequilíbrio desse balanço/transporte de íons e eletrólitos, seja por deixar de absorver ou por secretar mais. É um mecanismo comum nas infecções (vírus e bactérias), seja por ação direta ou por toxinas que fazem com que o enterócito pare de absorver ou comece a secretar desordenadamente. Se começa a secretar íons e eletrólitos, carrega junto a água = desidratação. Esse é o mecanismo de agentes infecciosos como o rotavírus e o cólera; pode ser por outras causas por um tumor produtor de hormônio ou alguma outra substancia que estimula a secreção intestinal. Principais Substâncias: gastrina (gastrinoma), síndrome carcinoide (serotonina, prostaglandina, calcitonina), VIP (vipomas), etc Exemplo: Vipoma - tumor produtor de VIP de forma autônoma que estimula a secreção intestinal, desencadeando a diarreia secretora. Transporte desordenado de eletrólitos → absorção reduzida (Na) → secreção ativa (cloreto e bicarbonato) DIARREIA MOTORA A diarreia motora é uma aceleração do trânsito intestinal. Doenças Funcionais: o paciente pode ter uma aceleração do trânsito intestinal, como no caso da SII Doenças Metabólicas Doenças Endócrinas: estímulo da peristalse, como no caso do hipertireoidismo (aumento de T3 e T4) DIARREIA EXSUDATIVA Considerada como uma diarreia inflamatória, é a famosa “disenteria”. Acontece quando existe invasão por lesão da mucosa. A mucosa quando lesada está inflamada, cursando com exsudação das células inflamatórias, podendo haver pus, leucócitos nessas fezes, sangue e muco. Mecanismo comum em bactérias e vírus. CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Evacuações de pequena quantidade Muco, pus e sangue Cólica no abdome inferior Urgência fecal Tenesmo/puxos Febre Perda ponderal FISIOPATOLOGIA A diarreia é um processo complexo que raramente envolve apenas um único mecanismo. Um único agente pode ter diferentes efeitos no TGI. COLÉRA A cólera faz um grande estimulo à secreção do enterócito (secretora). Além disso, altera a motilidade do intestino (motora) e produz toxinas que alteram a permeabilidade da membrana (inflamatória). Portanto, são vários mecanismos diferentes: Diarreia secretora Diarreia motora Diarreia inflamatória A apresentação clínica é diarreia aquosa. DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS Cursam com destruição da mucosa (inflamatória). Além disso, podem produzir secretagogos pelo sistema imunológico e fazem down regulation dos canais e das bombas (secretora). Diarreia inflamatória Diarreia secretora ETIOLOGIAS DIARREIA AGUDA As etiologias mais comuns na diarreia aguda são: vírus, bactérias, alguns parasitas e intoxicação alimentar. INTOXICAÇÃO ALIMENTAR Intoxicação alimentar não é infecção. Significa que o indivíduo comeu uma substancia química ou uma toxina pré-formada que já estava ali no alimento. Esta ultima é a causa mais comum, principalmente a produzida pelo S. aureus. Características: Geralmente apresenta vômitos, dor abdominal; Não tem febre e nem queda do estado geral; Ocorre poucas horas após ingestão; Autolimitada (se resolve em poucos dias).As manifestações clínicas vão depender muito do quanto daquela toxina você ingeriu e de como o seu corpo vai reagir àquela toxina. ROTAVIRUS Costumava ser o vírus mais comum nos quadros de diarreia, mas atualmente perde para o norovírus por conta da existência da vacina. Costuma ser problemático em crianças, causando uma diarreia secretora aquosa de grande volume. Características: Risco de desidratação grave; Febre baixa; Vômitos. SHIGELLA Causa mais comum de diarreia bacteriana. Responsável por uma diarreia invasiva na mucosa colônica. Faz uma diarreia inflamatória = disenteria. Características: Febre; Cólicas; Muco; Sangue; Anorexia; Mal-estar. Obs: Apesar de ser uma disenteria, pode ser bastante volumosa. Isso ocorre porque a inflamação que a Shigella faz é tanta que o cólon não consegue absorver toda a água. São fezes muito pouco formadas. SALMONELLA Presente em carnes e ovos crus. É responsável por causar uma diarreia infecciosa invasiva, podendo atingir a mucosa colônica e também a ileal. Características: Diarreia por, aproximadamente, 10 dias; Febre inicial; Pode ter: vômitos, dor abdominal, queda do estado geral e toxemia. Esse acometimento sistêmico ocorre porque trata-se de uma bactéria invasiva que não se limita a mucosa. ESCHERICHIA COLI (E. COLI) Existem diferentes cepas de E. coli com diferentes particularidades. Faz parte da flora intestinal e as mutações originam as cepas patogênicas: Enterotoxigênica Produz toxinas e, com isso, vai ter as características de uma bactéria que produz toxinas. Faz uma diarreia secretora. Enteropatogênica Destrói as vilosidades intestinais, fazendo uma diarreia disabsortiva. Enterohemorrágica Produz a toxina de Shiga - como a Shigella – e pode fazer a Síndrome Hemolítico Urêmica (anemia hemolítica micro-angiopática). Enteroinvasiva Faz invasão de células do cólon, com consequente disenteria. Igual à da Shigella. Enteroagregativa Apesar de fisiopatologia incerta, sabe-se que há formação de biofilme. Lembrar que existem parasitas que também fazem diarreia aguda. Ameba: embora possa fazer uma colite disentérica/inflamatória, quando faz diarreia aguda o mais comum é a aquosa; Giardia; Cryptosporidium. Nesses casos é quando começa a entrar em diarreia persistente, fazendo pensar em etiologia de protozoários e helmintos. CURIOSIDADE: Nos países em desenvolvimento as causas mais comuns são as bactérias; nos países desenvolvidos, as causas mais comuns são os vírus. O Brasil fica no meio do caminho. INVESTIGAÇÃO Paciente chegou com diarreia aguda: o que fazer? HISTÓRIA CLINICA Início dos sintomas, ingestão de alimentos suspeitos, uso de medicamentos Número de dejeções, aspecto das fezes, presença de muco ou sangue Sintomas associados: febre, dor abdominal, náuseas e vômitos Sinais de desidratação Sinais de gravidade Comorbidades Letra A: rotavírus (verde, bastante líquido e com pedaços). Letra B: cólera (água de arroz). A apresentação clínica tende a ser bastante semelhante, independente do agente causador. INFLAMATÓRIA X NÃO INFLAMATÓRIA É preciso reconhecer se a desordem do paciente necessita da administração de ATB, ou não. Não espera o resultado da cultura para isso. Inflamatória – cóm ATB Quando suspeitar: Diarreia com muco e sangue Dor abdominal Febre Tenesmo. O paciente costuma apresentar um quadro mais grave, causado por bactérias invasivas ou produtoras de citotoxinas; ou parasitas na região de íleo e cólon. Cursa com ruptura de mucosa e perda de líquidos, hemácias e leucócitos. Se for inflamatória, você já faz antibioticoterapia. Se for inflamatória = ATB! Naó Inflamatória – sem ATB Quando suspeitar: Fezes aquosas de grande volume, sem muco ou sangue Cólica menos intensa Pode haver desidratação. Costuma apresentar quadro de diarreia secretora sem destruição do epitélio. As principais etiologias são vírus e bactérias produtoras de enterotoxinas não invasivas, acometendo o intestino delgado e, consequentemente, causando uma diarreia alta não invasiva. EXAME FÍSICO Dor leve e difusa à palpação RHA aumentados Pesquisar sinais de desidratação Sinais de Alarme Pulsos Filiformes Hipotensão Febre Alta Taquipneia Obs: Se o paciente tem RHA diminuídos, massas palpáveis e sinais de irritação peritoneal, isso não é uma diarreia simples. É preciso investigar outras condições (tumor, abdome agudo, dentre outros). EXAMES COMPLEMENTARES Se paciente jovem e sem comorbidades, com diarreia aguda não inflamatória. Paciente está bem, sem desidratação e sem outros fatores de risco. Não preciso de exame complementar, só recomenda hidratação ao paciente. Se paciente jovem, sem fator de risco, bem clinicamente, mas com diarreia inflamatória → ATB + hidratação em casa. Na grande maioria das vezes não serão necessários os exames complementares. Entretanto, são alguns deles: Bioquímica básica de desidratação: hemograma, função renal e eletrólitos. Análise das fezes (casos selecionados em que é necessário investigar a causa) QUANDO INVESTIGAR A CAUSA? Paciente em estado grave, necessitando de internação Sem melhora ao tratamento Paciente com fatores de risco Imunocomprometidos Portadores de comorbidades TRATAMENTO Hidratação Sempre via oral, se possível. Se não for possível, de maneira endovenosa. Nutrição Adequada evitar comidas gorduras de difícil digestão. Antidiarreicos apenas para diarreias não inflamatórias. NUNCA para diarreia inflamatória. ATB: Pacientes com sinais de gravidade Diarreia inflamatória Fatores individuais do paciente (idosos, comorbidades, imunocomprometidos) para esses, fazer ATB empírico (ciprofloxacina e azitromicina) PACIENTE NÃO RESPONSIVO AO TRATAMENTO → INVESTIGAR A CAUSA
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