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6O. COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E ENGELS GT 2 - OS MARXISMOS A Obra Sociológica de Florestan Fernandes: Capitalismo Dependente e Contrarrevolução Preventiva Kátia Lima – Profª. Drª. da Escola de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF. Apresentação Este trabalho tem como objetivo examinar a teorização de Florestan Fernandes sobre o capitalismo e o desenvolvimento capitalista no Brasil a partir de dois eixos teóricos: o conceito de capitalismo dependente e o conceito de contrarrevolução preventiva e prolongada. Em um primeiro momento, o texto analisa a construção dos conceitos de capitalismo dependente e padrão compósito de hegemonia burguesa. Partindo destas considerações, indica a recuperação do conceito marxista de contrarrevolução burguesa, realizada ao longo de sua obra, ressaltando que Florestan apreende a contrarrevolução como um processo permanente, que ora se materializa em práticas repressivas e ora se recicla via projetos de democracia restrita, de acordo com as configurações históricas da luta de classes. Por fim, o trabalho considera a relevância da obra teórica de Florestan Fernandes sobre o desenvolvimento capitalista dependente dos países latinoamericanos, reafirmando a atualidade do conceito marxista de revolução socialista e a necessidade de uma profunda análise crítica das ações burguesas que procuram impedir e esvaziar a capacidade organizativa da classe trabalhadora para sua autoemancipação. O desenvolvimento do capitalismo no Brasil e a construção do conceito de capitalismo dependente A construção do conceito de capitalismo dependente é, certamente, uma das mais importantes contribuições da obra teórica de Florestan Fernandes para análise do desenvolvimento do capitalismo nos países latinoamericanos, particularmente no Brasil. A construção deste conceito ocorre através da retomada dos conceitos marxistas de desenvolvimento desigual da economia e de desenvolvimento combinado. A partir da lei do desenvolvimento desigual, enunciada por Lênin em O desenvolvimento do capitalismo na Rússia1, Trotski elabora o conceito de desenvolvimento combinado, elemento político fundamental de sua obra. Este conceito evidencia-se como 1 Vladímir Ilitch Lênin, O desenvolvimento do capitalismo na Rússia. Nova Cultural, São Paulo, 1982. instrumental analítico para apreensão das determinações inerentes ao imperialismo2, constituindo-se em uma importante referência para as análises das formações econômico- sociais situadas na periferia do capitalismo, abrangendo as contradições econômicas, políticas e socioculturais constitutivas do próprio imperialismo. No volume 1 da História da Revolução Russa, Trotsky afirma que: a desigualdade do ritmo, que é a lei mais geral do processo histórico, manifesta-se com o máximo de vigor e de complexidade nos destinos dos países atrasados. Sob o açoite de necessidades exteriores, a vida retardatária é constrangida a avançar por saltos. Desta lei universal da desigualdade dos ritmos decorre uma outra lei que, na falta de uma denominação mais apropriada, chamamos de lei do desenvolvimento combinado, no sentido de reaproximação de diversas etapas, da combinação de fases distintas, do amálgama de formas arcaicas com as mais modernas.3 No bojo da crítica ao desenvolvimento desigual da economia mundial capitalista - pelas relações estabelecidas entre os países imperialistas e os países periféricos – e ao desenvolvimento combinado – pela associação entre elementos “arcaicos” e “modernos” no desenvolvimento econômico e social dos países periféricos, é que Florestan constrói o conceito de capitalismo dependente. Sob o capitalismo dependente, a persistência de formas econômicas arcaicas não é uma função secundária e suplementar. A exploração dessas formas, e suas combinações com outras, mais ou menos modernas e até ultramodernas, fazem parte do ‘cálculo capitalista’ do agente econômico privilegiado.4 Contraditoriamente, o padrão de desenvolvimento capitalista inerente ao capitalismo monopolista implica novas relações na luta de classes, criando as condições materiais para a organização da classe trabalhadora e por sua autoafirmação como classe. Diante destas disputas, as relações patrimonialistas e o uso autocrático das instituições oligárquicas serão reorganizados para viabilizar a associação das oligarquias com os setores intermediários em formação e com o imperialismo, constituindo, como identifica Florestan, um “padrão compósito de hegemonia burguesa”. Por isso tal padrão de hegemonia burguesa anima uma racionalidade extremamente conservadora, na qual prevalece o intento de proteger a ordem, a propriedade individual, a iniciativa privada, a livre empresa e a associação dependente, vistas como fins instrumentais para a perpetuação do superprivilegiamento econômico, sociocultural e político.5 2 Vladímir Ilitch Lênin, O imperialismo. Fase superior do capitalismo. 5a ed. São Paulo, Global, 1989. 3 Leon Trotsky, História da Revolução Russa. A queda do Tzarismo, Primeiro Volume. 3ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980, p. 21. 4 Florestan Fernandes, Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1968, p.65. 5 Florestan Fernandes, Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. 2a ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1975, p. 108. 2 Neste quadro a burguesia brasileira associa-se conscientemente à burguesia internacional para a manutenção de seus interesses econômicos e políticos, bem como, limita a participação dos trabalhadores com vistas a impedir qualquer possibilidade de construção de uma “revolução contra a ordem”, ou mesmo uma “revolução dentro da ordem” que não fosse controlada e consentida por seus quadros dirigentes. O primeiro conceito, “revolução contra a ordem”, indica, conforme analisa Florestan6, a construção de uma revolução anticapitalista e antiburguesa, isto é, a transformação estrutural da sociedade capitalista, objetivando sua superação e a construção do socialismo, tarefas que só podem ser realizadas pela classe trabalhadora. O segundo, identifica, na ótica do capital, a realização de um conjunto de ações que, circunscritas à reforma do capitalismo, reproduza e legitime, em última instância, seu projeto de sociabilidade. Na ótica do trabalho, “a revolução dentro da ordem” possibilita um processo, instrumental e conjuntural, de ampliação da participação política da classe trabalhadora na sociedade burguesa e de construção de condições objetivas e subjetivas com vistas à superação da ordem burguesa através da revolução socialista7. O conceito marxista de contrarrevolução burguesa É nesse quadro analítico que Florestan utiliza o conceito de contrarrevolução burguesa. Os conceitos de revolução e contrarrevolução são fundamentais na teoria marxista. Ao longo das suas obras, Marx e Engels formulam um conjunto de análises sobre a revolução como um fenômeno da luta de classes. O desenvolvimento do capitalismo está associado ao papel revolucionário assumido pelo padrão clássico de revolução burguesa, como ruptura radical com as antigas relações de produção, ou pelo papel conciliador assumido pelo padrão capitalista dependente de revolução burguesa. Importante registrar, inclusive, o que me parece ser uma recuperação do conceito leninista de via prussiana realizada por Florestan Fernandes para analisar o processo não clássico de transição para o capitalismo8. Em Lênin a análise trata do processo de transição para o capitalismo no campo, onde são conservadas formas pré- capitalistas. Essa transformação histórica da burguesia em classe dominante e dirigente impõe o debate sobre asações contrarrevolucionárias que ela executa historicamente e em cada formação econômico-social, inicialmente para configurar o sistema capitalista e, 6 Florestan Fernandes, O que é revolução. São Paulo, Brasiliense, 1981, (Coleção Primeiros Passos). 7 Idem, ibidem. 8 Vladímir Ilitch Lênin. O Programa Agrário da Social Democracia na Primeira revolução Russa. SP: Ciências Humanas, 1980. 3 posteriormente, para sair de suas crises; reconstituir constantemente suas margens de lucro e reproduzir seu projeto de sociabilidade. A teoria marxista identifica, portanto, o caráter revolucionário e contrarrevolucionário assumido historicamente pela burguesia. O capitalismo como contradição em processo, e revolução e contrarrevolução como elementos correlatos expressam a manifestação histórica da luta de classes. Marx escreve em 1848 o artigo A burguesia e a contrarrevolução9, no qual elabora uma análise da revolução alemã, indicando o procedimento contrarrevolucionário que caracterizou a política conciliadora da burguesia por meio do estabelecimento de acordos com as forças conservadoras da monarquia para divisão do poder político. Também analisa, em As lutas de classes na França10 e em O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte11, o papel da contrarrevolução na França, demonstrando como a burguesia “de classe revolucionária convertia-se rapidamente em classe contrarrevolucionária e em breve demonstraria, no esmagamento da Comuna de Paris, do que era capaz”12. Na mesma direção política estão as várias publicações de Lênin, entre elas, O Estado e a revolução13 e Que fazer?14. A primeira analisa as principais tarefas do proletariado na construção do processo revolucionário, e a segunda apresenta a síntese dos avanços realizados pela luta dos socialistas na Rússia e os embates com as forças contrarrevolucionárias institucionalizadas em um regime opressor e cruel. Rosa Luxemburgo também participa efetivamente dos debates e da luta do movimento socialista em oposição à contrarrevolução burguesa, identificando como o processo revolucionário e essas ações contrarrevolucionárias espalham-se pela Europa. Rosa critica severamente o papel do revisionismo socialdemocrata que, retirando da pauta a revolução socialista, substituída por um conjunto de reformas pontuais, fortalece essas ações contrarrevolucionárias e o esmagamento da organização e das lutas socialistas. Esse debate está presente especialmente em Reforma ou revolução?15. 9 Karl Marx, A burguesia e a contrarrevolução. São Paulo, Ensaio, 1987. 10 Karl Marx, As lutas de classe na França de 1848 a 1850. In Obras Escolhidas. Volume 1. SP: Editora Alfa- Omega, 1982. 11 Karl Marx, “O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte”. In: Karl Marx; Friedrich Engels. Textos v. III. São Paulo, Edições Sociais, 1977, p. 19-40. 12 Florestan Fernandes, Em busca do socialismo: últimos escritos e outros textos. São Paulo, Xamã, 1995, p. 60. 13 Vladímir Ilitch Lênin, O Estado e a revolução, o que ensina o marxismo sobre o Estado e o papel do proletariado na revolução. São Paulo, Hucitec, 1987, (Coleção Pensamento Socialista). 14 Vladímir Ilitch Lênin, Que fazer? A organização como sujeito político. São Paulo, Hucitec, 1988. 15 Rosa Luxemburgo, Reforma ou revolução. São Paulo, Expressão Popular, 2005. 4 Trotski é outro importante marxista que problematiza essa temática em várias publicações. Destaco especialmente Revolução e contrarrevolução na Alemanha16 e o segundo volume de A história da Revolução Russa: a tentativa de contrarrevolução17, nos quais Trotski analisa esse padrão totalitário de defesa dos interesses conservadores no contexto das lutas socialistas na Alemanha, bem como a ação contrarrevolucionária em meio ao processo de conquista de poder pelos bolcheviques. Recuperando esse conceito como profícuo instrumental para a análise do padrão de hegemonia burguesa no Brasil, Florestan aborda como a burguesia brasileira atua de forma diferenciada, em termos do padrão “clássico” de revolução burguesa. Esses processos de transição não-clássicos ao capitalismo combinam uma burguesia sem perfil revolucionário, uma classe trabalhadora ainda em processo de organização de um projeto contra a ordem burguesa, a intervenção decisiva do Estado – espaço de disputas entre e intraclasses – e a ação diretiva do imperialismo. A burguesia não assumiu seu papel como classe revolucionária, na medida em que a conformação da ordem capitalista no Brasil não implicou uma ruptura com a ordem rural, mas foi sendo efetivada a partir de um conjunto de composições entre os estratos sociais de origem oligárquica e os emergentes interesses industrial e financeiro de um lado, e, de outro, os países imperialistas. Sua ação estará circunscrita a essas composições e à aceleração do padrão dependente de desenvolvimento capitalista. Nesse sentido, Florestan Fernandes identifica a contrarrevolução burguesa de duas formas: “a quente” e “a frio”. A primeira expressa uma ação violenta, associada à ditadura militar e ao Estado autocrático burguês. O regime vigente, instituído em 1964 através de um golpe militar e em nome de ‘ideais revolucionários’, constitui, de fato, uma contrarrevolução. Seu caráter contrarrevolucionário se evidencia de modo específico, tanto em termos do seu significado interno, quanto à luz da situação mundial.18 A segunda forma de identificação da contrarrevolução burguesa está articulada com a existência de “fases seguras e construtivas da contrarrevolução”19. Com a ‘situação sob controle’, a defesa a quente da ordem pode ser feita sem que os ‘organismos de segurança’ necessitem do suporte tático de um clima de guerra civil, embora este se mantenha, através da repressão policial-militar e da ‘compressão 16 Leon Trotski, Revolução e contrarrevolução na Alemanha. São Paulo, Ciências Humanas, 1979. 17 Leon Trotski, A história da Revolução Russa: a tentativa de contrarrevolução. 3a ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980. 18 Florestan Fernandes, “Brasil em compasso de espera”. São Paulo, Hucitec, 1980, p. 113. 19 Florestan Fernandes, A revolução burguesa no Brasil. Ensaio de interpretação sociológica. 2ª ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1975, p. 347. 5 política’. Em consequência, a contrarrevolução preventiva, que se dissipa ao nível histórico das formas diretas de luta de classes, reaparece de maneira concentrada e institucionalizada, como um processo social e político especializado, incorporado ao aparato estatal.20 O conceito de contrarrevolução burguesa é utilizado para identificar ações autocráticas de defesa da ordem do capital, bem como, ações relativas às práticas formais da democracia restrita, ou seja, institucionalizada através de um conjunto de relações jurídicas e políticas. “Isso faz com que a intolerância tenha raiz e sentido político; e que a democracia burguesa, nessa situação, seja de fato uma ‘democracia restrita’, aberta e funcional só para os que têm acesso à dominação burguesa”21. O desdobramento do processo contrarrevolucionário nestas fases foi e é possível na medida em que a burguesia combina repressão com ampliação da participação política da classe trabalhadora, mas uma ampliação nos limites de uma igualdade jurídica e política formal que convive com os antagonismos entre capital e trabalho. Nestas fases, ao lado dos controles inibitórios e destrutivos que persistem, aparece um esforço mais profundo e amplo, que busca a eficácia da contrarrevolução, a estabilidade da dominação burguesa e o engrandecimento do poder burguês. A esse esforço se prende a criação e a aplicação de novas estruturas jurídicas e políticas, a modernização de estruturas jurídicas e políticas preexistentes, a renovaçãoe a racionalização da maquinaria de opressão e de repressão do Estado e a adaptação de todo o aparato ideológico e utópico da burguesia a uma situação contrarrevolucionária que pretende ‘vir para ficar’.22 O refluxo da contrarrevolução “a quente” está articulado com a expansão da contrarrevolução “a frio”. Para a realização dessas ações contrarrevolucionárias, “as nações hegemônicas e sua superpotência adotaram uma estratégia de contrarrevolução preventiva generalizada”23, na qual três aspectos são fundamentais: 1) o estabelecimento de um pacto de dominação entre as frações da burguesia; 2) a constituição de alianças com a classe trabalhadora; 3) o estímulo à ampliação de um processo de socialdemocratização das lutas dos trabalhadores, limitando-as à ação constitucional e parlamentar e estimulando o “emburguesamento” de suas burocracias sindicais e partidárias. Em relação ao primeiro aspecto, as disputas estabelecidas entre as frações de classe articuladas aos interesses imperialistas e as frações intermediárias e mais fracas que lutam 20 Idem, ibidem, p. 362. 21 Idem, ibidem, p. 212. 22 Idem, ibidem, p.347. 23 Fernandes, “Brasil em compasso de espera”. cit., p. 39. 6 pela “liberdade de competir” indicam a necessidade de acordos e pactos que estimulem a solidariedade da classe e a defesa, em última instância, da ordem burguesa. Nessa mesma direção, propõe uma política de conciliação de classes, por meio da realização de alianças com a classe trabalhadora. A composição com frações hegemônicas da burguesia estimularia o “emburguesamento” das burocracias partidárias e sindicais da classe trabalhadora, que passam a identificar o alargamento da participação política dos trabalhadores na democracia burguesa como o horizonte político de suas ações. Os “métodos pacíficos de luta” e os “meios democráticos de negociação”24 levam essa burocracia sindical e partidária a assumir uma política de conciliação, negligenciando a ruptura com a ordem burguesa. A democracia, “por isso, não pode ser representada como um valor em si e, muito menos, como um valor absoluto”25. A recuperação da análise sobre a concepção de democracia nos marcos da luta de classes rompe com a possibilidade de “uma democracia representativa gerida pelas classes privilegiadas, com respaldo das classes médias e das massas populares: um populismo redentor, como poderia ser uma versão cabocla da ‘socialdemocracia’”26. A luta da classe trabalhadora pelo alargamento democrático dentro da ordem deve ser, portanto, tática e não estratégica. A democracia representativo-parlamentar, nos marcos da “revolução dentro da ordem”, deve estar direcionada para o acúmulo de forças em direção à “revolução contra a ordem” burguesa. A ocupação do poder institucionalizado e a execução de um conjunto de reformas políticas não podem ser colocadas como o horizonte da luta, sob o risco de incorporação subordinada da classe trabalhadora ao projeto burguês e, em última instância, de seu apoio direto ou indireto às posições substancialmente contrarrevolucionárias. Esse “alargamento democrático” dentro da ordem burguesa, fruto das lutas históricas da classe trabalhadora, contraditoriamente constitui-se em uma eficaz estratégia da contrarrevolução burguesa, com o apoio das burocracias sindical e partidária da classe trabalhadora. No Brasil, historicamente, a contrarrevolução burguesa apresenta as duas faces: “quente ou fria”27. Por intermédio dessas ações, a burguesia limita o campo de luta na esfera parlamentar. O radicalismo burguês da contrarrevolução “a quente” é substituído pelo reformismo das burocracias sindicais e partidárias que se vergam à contrarrevolução 24 Idem, ibidem, p. 22 25Fernandes, Em busca do socialismo, cit, p. 204. 26Fernandes, Brasil em compasso de espera, cit., p. 105. 27Fernandes, A Revolução Burguesa no Brasil, cit., p. 362. 7 burguesa. Essa face da contrarrevolução expressa a ação política da burguesia no sentido de responder à ampliação das desigualdades socioeconômicas na atual configuração do capitalismo e restringir ao máximo as pressões de setores combativos e classistas da classe trabalhadora por “revoluções dentro da ordem” e, principalmente, “contra a ordem”; enfim, trata-se da configuração de uma etapa fundamental da luta de classes. A contrarrevolução burguesa preventiva, entretanto, não responde necessariamente a um contexto de efervescência revolucionária, de um nível de organização da classe trabalhadora que indique que a destruição da ordem existente e a construção da sociedade socialista já estejam, em curto prazo, no horizonte político. Mesmo assim, a contrarrevolução burguesa “a frio” ou preventiva deve ser considerada como um processo permanente e prolongado. Essa ação política permanente da burguesia, que atravessa e constitui a configuração atual do capitalismo, ocorre por meio do fenômeno que Florestan identificou como “revolução das técnicas da contrarrevolução”: A burguesia aprendeu a usar globalmente as técnicas que lhe são apropriadas de luta de classes e ousou incorporar essas técnicas a uma gigantesca rede institucional, da empresa ao sindicato patronal, do Estado às organizações capitalistas continentais e de âmbito mundial. Enquanto o movimento socialista e o movimento comunista optaram por opções “táticas” e “defensivas”, a burguesia avançou estrategicamente, ao nível financeiro, estatal e militar, e procedeu a uma verdadeira revolução das técnicas de contrarrevolução. Inclusive, abriu novos espaços para si própria, explorando as funções de legitimação do Estado para amarrar as classes trabalhadoras à segurança da ordem e soldar sindicatos ou os partidos políticos aos destinos da democracia.28 [Grifos no original] Na atualidade, novas potencialidades estão em jogo para garantir a autodefesa e o autoprivilegiamento da burguesia. “Esta está tentando se reorganizar, por trás do ‘Estado de direito’, dos direitos humanos (naturalmente para os mais humanos), das ‘salvaguardas’, da democracia forte etc.”29. Diante dessas novas potencialidades, a burguesia internacional realiza, por meio da contrarrevolução preventiva, ações sistemáticas de reorganização de suas ofensivas para enfrentar suas crises e conformar mentes e corações ao seu projeto de sociabilidade. É desta forma, portanto, que “a contrarrevolução prolongada atinge cada vez mais a consciência proletária e a solidariedade ativa do proletariado na luta de classes”30. 28 Fernandes, Brasil em compasso de espera, cit., p. 84. 29 Idem, ibidem, p. 186. 30 Fernandes, O que é revolução, cit., p. 102. 8 A título de conclusão Apesar de atingir profundamente a consciência proletária, a contrarrevolução burguesa não retira da pauta política a construção do processo revolucionário. Pelo contrário. Reafirma a atualidade do conceito marxista de revolução socialista e a necessidade de uma profunda análise crítica das ações burguesas que procuram impedir e esvaziar a capacidade organizativa da classe trabalhadora para sua autoemancipação. As análises de Florestan demonstram que a “contrarrevolução preventiva em escala mundial”31, com sua “revolução das técnicas da contrarrevolução”32, está em curso. O neoliberalismo caracteriza-se como sua face atual, uma resposta à crise do capital aprofundada nos anos de 1970, que indica novas configurações na luta de classes ao mesmo tempo em que reafirma a atualidade do sonho de construção da revolução socialista, pois Quanto ao ‘sonho’, o que se deve dizer é que sem sonhos políticos realistas não existem nem pensamento revolucionário nem ação revolucionária. Os que ‘não sonham’ estão engajados na defesapassiva da ordem capitalista ou na contrarrevolução prolongada.33 É no centro deste debate e das ações políticas para a reorganização da classe trabalhada em tempos de contrarrevolução neoliberal que está inscrita a atualidade da obra de Florestan Fernandes. Recuperar seu legado intelectual militante para análise das ações contra- revolucionárias conduzidas pela burguesia e pela burocracia sindical e partidária convertida ao capital é tarefa urgente e necessária na construção da revolução contra a ordem. 31 Fernandes, Brasil em compasso de espera, cit., p. 43. 32 Idem, ibidem, p. 84 33Fernandes, O que é revolução, cit., p. 111. 9 GT 2 - OS MARXISMOS Apresentação O desenvolvimento do capitalismo no Brasil e a construção do conceito de capitalismo dependente O conceito marxista de contrarrevolução burguesa A título de conclusão
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