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Disciplina: Nefrologia Curso: Medicina / UFC Glomerulopatias Há células epiteliais que revestem a cápsula de Bowman. Os pedicelos são prolongamentos dos podócitos. A barreira de carga e de tamanho é a responsável por impedir que as proteínas caiam no fluído urinário. A membrana basal glomerular é carregada negativamente, impedindo que moléculas negativas (principalmente albumina) passem para o filtrado. A proteinúria glomerular ocorre devido a perda da barreira de cargas (glicosaminoglicanos polianiônicos da MBG) e/ou perda da barreira de tamanho (poros, sendo aumento do espaço na fenestra endotelial, entre os podócitos ou do diafragma da fenda de filtração, ou seja, aumento de espaço entre os pedicelos. Os capilares glomerulares são enovelados para aumentar a superfície de filtração. Quando há a junção entre antígeno e anticorpo, ocorre a formação do imunocomplexo (IC). O imunocomplexo pode se depositar em regiões do rim, sendo as 3 principais: mesângio, subendotelial e subepitelial (abaixo do podócitos, sendo ele uma célula epitelial). O local de deposição do imunocomplexo será importante para a forma de apresentação das glomerulopatias. Outros fatores que influenciam a resposta inflamatória: tipo de igG, mecanismo de formação do IC e quantidade dele. O anticorpo pode ser ligar a um antígeno circulante, “implantado” ou um antígeno que é um componente do glomérulo. Síndrome nefrótica Há depósitos subepiteliais com pouca resposta inflamatória. Existe pouca resposta inflamatória, pois o local de deposição é distante do sangue (separado pela MBG), contudo, há alteração conformacional da membrana basal glomerular, gerando proteinúria. Pode ocorrer, ainda, a disfunção da função podocitária, sendo uma alteração mais funcional do que estrutural. Proteinúria é quando há perda ≥ 150 mg/dia. Já a proteinúria nefrótica é quando há perda ≥ 3,5g/dia. O paciente pode ter apenas uma proteinúria assintomática. Geralmente não há acúmulo de líquidos no interstício, pois o pouco que fica nesse espaço é filtrado pelos vasos linfáticos. Entretanto, quando há diminuição da pressão oncótica ou aumento da pressão hidrostática, poderá ocorrer acúmulo de Disciplina: Nefrologia Curso: Medicina / UFC líquidos no interstício gerando edema. O mecanismo de edema na síndrome nefrótica é pela diminuição da pressão oncótica devido à perda de albumina. Essa redução da pressão oncótica resultará em um vaso vazio ou pouco preenchido (underfilling). Há tendência a hipovolemia que induzirá ativação reflexa do SRAA, aumentando ainda mais o edema. Fisiopatologia O aumento da permeabilidade glomerular induz a elevação da filtração de proteínas plasmáticas. Antitrombina III e plasminogênio são proteínas. Síndrome nefrítica A deposição é subendotelial Como o depósito de IC é próximo ao sangue, há recrutamento de células inflamatórias (como neutrófilos), ativando também cascata da coagulação e complemento. O primeiro mecanismo é a obliteração dos capilares devido Disciplina: Nefrologia Curso: Medicina / UFC a infiltração celular, gerando redução da superfície de filtração e consequente diminuição da filtração glomerular. As citocinas inflamatórias levam a vasoconstrição das arteríolas. Sendo a inflamação ainda responsável por microaneurismas na membrana, induzindo aumento da proliferação mesangial, hematúria (usualmente dismórfica) e leucocitúria. A redução do coeficiente de ultrafiltração (kuf) provoca diminuição da TFG e, consequentemente, oligúria. Já quando a pressão glomerular cai, há aumento da creatinina e retenção de sódio, essa última gerando hipertensão. O tipo de hemácia (quando atestada hematúria) mais comum nessa doença é a aquela que se contorce sobre o próprio eixo: acantose. A presença de 5% de hemácias desse tipo na hematúria já a caracteriza como dismórfica. As hemácias ao passar pelo glomérulo e chegaram aos túbulos podem ser ligar as proteínas de Tamm-Horsfall (uromodulinas), formando os cilindros hemáticos. As uromodulinas estão presentes na porção final da alça de Henle e são próprias para o clearance de substâncias. Às vezes o processo inflamatório é tão intenso (glomerulopatia rapidamente progressiva) que há proliferação de células inflamatórias, fibrina e proteínas plasmáticas em direção a parede parietal formando um crescente fibrocelular no espaço de Bowman. Esse crescente fibrocelular gera obstrução do espaço de Bowman. Existe um mecanismo primário de retenção de Na e H2O que ocasiona aumento da pressão hidrostática capilar (overflow). Essa elevação da pressão hidrostática capilar leva a extravasamento de líquido para o interstício, consequentemente, formando edema. O edema da síndrome nefrítica costuma ser de menor intensidade comparado ao da síndrome nefrótica, pois não há ativação do SRAA. Etiologias Antes de biopsiar é importante procurar a etiologia, busca-se averiguar as causas secundárias, se não é compatível, realizaremos biópsia procurando possíveis causas primárias. Disciplina: Nefrologia Curso: Medicina / UFC Achados histológicos são diferentes de síndromes clínicas. Alguns fármacos e neoplasias podem causar lesão mínima secundária. Neoplasias de órgão sólido podem levar a glomerulopatia membranosa secundária. GESF pode ser secundária ao HIV e obesidade mórbida, por exemplo. A glomerulopatia por IgA pode ser secundária a uma hepatopatia. A nefrite lúpica pode ser apresentar como qualquer síndrome clínica (das glomerulopatias) e tem várias alterações histológicas. Diagnóstico Disciplina: Nefrologia Curso: Medicina / UFC Na anamnese e exame físico iremos investigar, principalmente, edemas, HAS e alterações urinárias (hematúria macroscópica e urina espumada). Além de história recente de doenças infecciosas (muito importante para a investigação de síndrome nefrítica). Os exames fundamentais são: creatinina, sumário de urina (atestará hematúria e proteinúria), proteinúria de 24h ou relação proteína/creatinina, albumina sérica (hipoalbubinemia) e lipidograma (pode haver hiperlipidemia na síndrome nefrótica). Outros exames: HC, glicemia (diabetes), parasitológico de fezes e biópsia da valva retal (áreas endêmicas para esquistossomose), sorologias para hepatite B, C, HIV e VDRL (suspeita de GESF ou GNMP), FAN e complemento (doenças autoimunes); e eletroforese de proteínas (suspeita de mielomas). Além do mais, podemos fazer rastreio de neoplasias (principalmente linfomas, mama, pulmão, TGU e TGI) em suspeita de lesões mínimas e GNM. Também há possibilidade de realização de US de rins e vias urinárias (doppler SN) para a identificação de processos trombóticos (especialmente em veia renal, sendo esse achado mais comumente encontrado em GNM) e ainda para determinar o grau de diferenciação córtico-medular e verificar a possibilidade ou não de realização de biópsia renal. Tratamento Ele é inicialmente inespecífico, procurando tratar a síndrome clínica identificada. Uma vez que ela foi confirmada, haverá concomitância entre o tratamento específico e inespecífico. Disciplina: Nefrologia Curso: Medicina / UFC O diurético de alça irá atuar no volume da circulação sistêmica, não sobre o interstício, por isso, sua devida ação requer certo tempo (é necessário diminuir o volume da circulação sistêmica para que o líquido retido no interstício retorne ao vaso pelo gradiente de pressão). Então uma administração desmedida de diurético de alça pode induzir hipovolemia e até choque. As medidas antiproteinúricas devem ser tomadas com cautela, pois IECA/BRA irá vasodilatar a arteríola eferente, diminuindo a TFG, podendo levar a IR. Não se utiliza mais dieta hipoproteica, agora a normoproteica é a preconizada. Papel do complemento A via clássica do complemento necessita do imunocomplexo para ser ativada. Ela leva a ativaçãodo C3 e C4. A via alternativa não requer o imunocomplexo para ser iniciada, pedindo só a presença do antígeno ou de endotelinas. Ela induz a ativação apenas do C3. O objetivo do complemento é a lise da célula fazendo com que ela perca a capacidade de regulação dos eletrólitos, consequentemente, induzindo a morte celular. Disciplina: Nefrologia Curso: Medicina / UFC Há doenças em que a ativação do complemento resulta em consumo do complemento no sangue. Doença de lesões mínimas Ela é o protótipo da síndrome nefrótica. Nela há alterações muito sutis da estrutura do glomérulo. Ocorre uma fusão dos processos podocitários levando ao aplanamento do podócito. Essas alterações costumam apenas ser visualizadas na microscopia eletrônica. Microscopia ótica normal. A imunofluorescência é negativa porque não há deposição de imunocomplexo, o que ocorre é uma alteração estrutural. É a principal causa de síndrome nefrótica na infância, sendo em sua maioria primária. Geralmente nesse grupo não é necessário biópsia, pois grande parte das síndromes nefróticas na infância são LM, contudo, se o curso for atípico, biopsiar é essencial. O adulto também pode ter, mas as causas secundárias são mais prevalentes nesse grupo. Causas de LM secundária: AINE, interferon-a, lítio, ouro, alérgenos, doença de Hodgkin, micose fungoide, LMC Disciplina: Nefrologia Curso: Medicina / UFC O tratamento da primária é via corticoide (>90% remite em até 8 semanas). Pacientes com recidiva, corticorresistentes ou córtico-dependentes, o tratamento será com ciclosporina. Ela não costuma ser uma doença que por si só evolua para glomerulonefrite crônica ou IR, exceto, se há uso prolongado de Tacrolimus ou ciclosporina, ou presença de fator associado. Glomeruloesclerose segmentar e focal Afeta apenas uma parte dos glomérulos (focal) e os que atinge, acomete menos de 50% da área deles (segmentar). Há sinéquia (adesão) entre a parede do capilar e a cápsula de Bowman, gerando esclerose nessa área de adesão. Também verificamos hialinose. A perda de função renal ocorre devido a esclerose. Não há deposição de imunocomplexo. A imunofluorescência pode ser positiva porque há retenção de proteínas do sangue (imunoglobulinas, anticorpos, substratos do complemento) devido a estase sanguínea provocada pela sinéquia. Há retenção principalmente das proteínas maiores (IgM e IC3). Esse fenômeno é chamado de trapping. É o principal tipo de síndrome nefrótica do adulto jovem. As formas secundárias podem ser virais (HIV e parvovírus B19), drogas (heroína, pamidronato, lítio e interferon- a), redução de massa renal ou por processos que resultam em hipertensão glomerular ou hiperfiltração renal (obesidade, DRC, displasia renal e nefropatia por refluxo). Ela pode ser familiar (mutações em genes que codificam as proteínas da fenda podocitária). Há mais lesão glomerular do que na de lesões mínimas e perda de massa renal devido a esclerose. Pode haver perda de função renal (20-30%), hipertensão (30-50%) e até mesmo hematúria (25-75%). O percentual de remissão espontânea é baixo (5-25%). Como a GESF é uma afecção focal, ás vezes a biópsia não seleciona as partes do rim que estão afetadas, então o médico pode atribuir como LM, quando na verdade é GESF. O tratamento (idiopática) é com corticoide por 6-8 semanas, com desmame até completar 6 meses. Em casos de resistência ou córtico-resistência administramos ciclosporina ou micofenolato. A recorrência é de 50% após os transplantes, demonstrando que o problema não está no rim em si, mas no organismo do indivíduo. Glomerulonefrite membranosa Há formação do imunocomplexo entre um antígeno da própria MBG e um anticorpo circulante. A deposição é subepitelial (abaixo do podócito). Ocorrerá um espessamento da membrana basal glomerular na tentativa de sobrepujar o imunocomplexo. Nas fases iniciais da GNM, observa-se espículas da membrana basal, entretanto, com a progressão da doença não há mais, já que a MBG encobrirá o IC por completo. Cabe ressaltar que não há reação inflamatória, pois os imunocomplexos estão distantes da circulação. Disciplina: Nefrologia Curso: Medicina / UFC A imunofluorescência será positiva principalmente em áreas de MBG, contendo em sua maioria IC3 e IgM. Ela é a doença glomerular do idoso, podendo ser primária ou secundária a neoplasia sólida, LES, hepatite B e alguns fármacos. Haverá perda não seletiva de proteínas (todos os tipos e tamanhos). O paciente terá mais eventos tromboembólicos (principalmente trombose de veia renal). Além do mais, o indivíduo pode ter algum grau de hematúria, hipertensão e disfunção renal. A remissão na primária é comum, sendo tratados apenas aqueles que têm proteinúria muito significativa e disfunção renal execrada. Há o tratamento clássico, que é associação de corticoide com clorambucil (esquema de Ponticelli) ou com ciclofosfamida (esquema de Ponticelli modificado). Entretanto, mais modernamente, utiliza-se ciclosporina, micofenolato ou rituximabe. Glomerulonefrite difusa aguda A pós-estreptocócica é o protótipo da síndrome nefrítica. Há depósitos imunes subendoteliais, mesangiais e subepiteliais. Os depósitos subepiteliais são tão expressivos que formam elevações (humps) que são características da GNDA à microscopia eletrônica. Ela é mais comum na criança (2-14 anos) e em países em desenvolvimento. Quando ocorre em adultos costuma afetar idosos, diabéticos, etilistas usuários de drogas endovenosas. Como é a síndrome nefrítica da criança, quando uma tem um quadro bem característico não se costuma biopsiar. O agente é o Streptococcus beta hemolítico do grupo A (S.pyogenes), sendo as responsáveis as cepas nefritogênicas. O diagnóstico diferencial com NIgA será feito via tempo de aparecimento dos sintomas, na nefropatia por IgA, os sintomas renais são concomitantes aos infecciosos (sinfaringítica). Ainda, na NIgA, não há consumo do complemento, enquanto na GNDA pós-estreptocócica há consumo de C3 (ativação da via alternativa). Disciplina: Nefrologia Curso: Medicina / UFC O tratamento é inespecífico, sendo o manejo do edema. É uma doença comumente autolimitada, evoluindo para DRC em 1-5% dos casos (especialmente em adultos). É muito importante verificar se o curso da doença é típico, se não for, necessita-se biópsia. Nefrite lúpica É uma entidade muito rica, pois o paciente pode ter sintomatologia de qualquer síndrome clínica das glomerulopatias, dependo do grau de deposição do IC e onde ele se depositou. Nela C3 e C4 são consumidos (via clássica ativada) e a imunofluorescência é full house, ou seja, está presente várias classes de componentes do sistema imune (IgA, IgG, IgM, C3 e C1q). Full house é suficiente para diagnóstico de nefrite lúpica.