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ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA - PROVAS NO PROCESSO PENAL EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - CORRUPÇÃO PASSIVA - PRELIMINAR DE NULIDADE POR OFENSA AO ARTIGO 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - NÃO OCORRÊNCIA - REJEIÇÃO - ACERVO DE PROVAS INSUFICIENTE - DEPOIMENTO DE VÍTIMA E TESTEMUNHAS MARCADO POR CONTRADIÇÕES - IN DUBIO PRO REO - ABSOLVIÇÃO - NECESSIDADE. Nos crimes que apura responsabilidade dos funcionários públicos, consoante o disposto no parágrafo único do artigo 514 do Código de Processo Penal, caso não seja conhecida a residência do acusado, ou este se achar fora da jurisdição do juiz, ser-lhe-á nomeado defensor, a quem caberá apresentar a resposta preliminar. A Certidão do Oficial de Justiça informando que o denunciado se mudou, é particularidade apta a motivar a incidência do comando normativo do parágrafo único do artigo 514 do Código de Processo Penal, não havendo que se falar em nulidade por ausência da notificação pessoal do denunciado que primitivamente não havia sido localizado. Se os depoimentos prestados pela vítima e testemunha a qual diz ter presenciado os fatos, transportam visíveis contradições, inexistindo um apontamento probatório firme que possa incriminar os agentes denunciados, referido acervo probatório não possui autonomia para motivar uma sentença condenatória, porque no Direito Penal não se trabalha com presunções ou conjecturas, mas somente com o juízo da certeza. Quando a Ação Penal reúne provas que geram dúvidas, outro caminho não há senão avocar o princípio do in dubio pro reo, onde a absolvição é a certeira prestação jurisdicional aplicável ao caso. Recurso provido. (APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0512.06.038169-0/001 - COMARCA DE PIRAPORA - 1º APELANTE: JOSE EDVAL PINHEIRO DA MOTA - 2º APELANTE: PHILLIPE RAFAEL MARQUES - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - VÍTIMA: A.V.L. – DATA DE JULGAMENTO: 11/12/2014) ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA QUANTO AO TEMA DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL: Não se conformando com os termos da Sentença foi interposto pelos denunciados o Recurso de Apelação. Consta da exordial acusatória, que no dia 18/10/2006, os denunciados, no exercício de função pública, de comum acordo, solicitaram diretamente para si vantagem indevida. Apurou-se que no dia dos fatos, os denunciados, policiais civis, juntamente com uma Autoridade Policial, efetuaram a prisão da vítima A.V.L. No mesmo dia, após receberem a confirmação de que o preso ficaria recolhido à cadeia de Jequitaí, até posterior recambiamento, os denunciados determinaram ao carcereiro "Ad Hoc", que retirasse a vítima da cela em que se encontrava. Ato contínuo, os denunciados o levaram para debaixo de uma mangueira existente na própria delegacia e perguntaram-no se ele gostaria de permanecer naquele estabelecimento penal ou ser recambiado para Pirapora. Diante do desejo da vítima de permanecer preso na cadeia pública de Jequitaí-MG, os denunciados solicitaram a quantia de R$1.000,00 para mantê-lo ali. Como o acusado não dispunha do montante solicitado, afirmou que apenas possuía a quantia de R$100,00 (cem reais), que foi aceita pelos denunciados. Em seguida, os denunciados retiraram o dinheiro de dentro da carteira da vítima, visto que estava algemada, e a reconduziram de volta à cela. Com essas anotações, o Ministério Público ofertou denúncia, incursando os Apelantes nas sanções do artigo 317, caput, c/c artigo 29, do Código Penal. (Corrupção passiva Art. 317. - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem c/c Art. 29. - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.) Finda a instrução criminal, lançou-se aos autos a Sentença julgando procedente a pretensão punitiva contida na denúncia. Diante disso, a Defesa interpos Recurso de Apelação, suscitando preliminar de nulidade, que não é o foco da análise no presente trabalho. Sendo que, quanto ao mérito, pugnou pela declaração de atipicidade da conduta, dizendo que se o crime é cometido em razão da função pública, mesmo que admitindo como verdadeiros os fatos narrados na denúncia, os acusados jamais poderiam manter a vítima na cadeia pública de Jequitaí, uma vez que sua função pública, agentes de polícia, não prevê o remanejamento de presos, função que cumpria exclusivamente ao Delegado de Polícia da época. Foi alegado também, que não existem provas dos fatos apontados na denúncia, e os acusados negaram peremptoriamente que tivessem praticado os fatos descritos na exordial acusatória, existindo várias contradições nos depoimentos prestados pelas testemunhas. Como a materialidade do delito previsto no artigo 317 do Código Penal, se caracteriza como crime formal, ou seja, aquele que o resultado jurídico previsto no tipo ocorre ao mesmo tempo da prática delituosa, porquanto, prescinde-se de comprovação material. Já em relação à autoria, o Relator discordou do entendimento esposado pelo Juiz Sentenciante, não vislumbrando provas seguras para sustentar o juízo de censura deliberado por este ao condenar os Apelantes pela prática do crime de corrupção passiva tipificado no artigo 317 do Código Penal. Em relação às provas produzidas em sede de contraditório, os apelantes foram ouvidos – e negaram os fatos – entretanto, em contrapartida, a instrução criminal reuniu o depoimento da vítima e testemunhas, onde somente os dizeres da vítima e da testemunha foram destacados como elementos desfavoráveis aos Apelantes, muito embora toda a dinâmica dos fatos tenha permanecido extremamente mal explicada. Sendo assim, tendo em vista as referidas provas, prescindem-se esforços para aquilatar a literal fragilidade da reconstituição dos fatos contados pela vítima e testemunhas para sustentar a almejada condenação buscada pelo Parquet, extraindo daí uma avalanche de incoerências que desautorizam utilizar as afirmações da vítima bem como da testemunha como elementos confiáveis para incriminar os Apelantes, simplesmente porque o dogma da verdade não admite uma versão pautada por contradições, ainda mais quando o contraste é detectado entre a fala de quem diz ter sofrido o ilícito e por quem diz ter presenciado todo o ocorrido. Convém destacar que quando a vítima A.V.L foi interrogada em sede policial disse que, os fatos ocorreram em 01/09/2006; quando inquirida na fase investigativa, havia dito que estava com R$100,00 no bolso, porém, em juízo, alterou o valor, dizendo que era R$175,00. Além disso, confirmou que os detetives retiraram do seu bolso, dentro de sua carteira, aquela importância. Por fim, relatou que o agente Júlio César presenciou os fatos. Também em sede investigativa, a testemunha J. C. , confirmou a data dos fatos como sendo 01/09/2006, dizendo, ainda, que não ouviu toda a conversa, apenas viu quando o agente E. retirou do bolso da jaqueta do preso uma carteira contendo dinheiro. No momento em que o dinheiro foi retirado da jaqueta, os dois estavam juntos. Neste viés, é que se iniciam as contradições, pois, em juízo, a testemunha J.C, a qual presenciou o ocorrido, alterou seu depoimento, dizendo que os denunciados retiraram o dinheiro de uma blusa que a vítima usava e o dinheiro não estava em uma carteira. Além disso, a vítima também contou que em certo momento um dos denunciados saiu e foi até a porta, mas ele tomou conhecimento de todo o diálogo. Já a testemunha relatou que os denunciados ficaram conversando com a vítima e em nenhum momento qualquer deles se afastou por alguns instantes. Ao analisar os autos, também não é possível encontrar justificativa do porquê um detento estaria portando uma carteira ou mesmo dinheiro no interior da cela em que se encontrava detido. Menos ainda ficou esclarecido na Ação Penal, o porquê a testemunha J. C, que atuava como carcereiro contratado, que havia presenciado os fatos, tinha contato com o detentoA.V.L, ao ponto de comprar refrigerante e cigarro para este, detalhando, inclusive, que com a vítima havia ficado o valor de R$195,00. Também não tem como aproveitar o depoimento da testemunha G.C eis que, além de não ter cedido nenhuma informação precisa do caso, é de se ver que o primitivo depoimento por ela prestado na Delegacia de Polícia, transparece certo atrito de índole pessoal com a pessoa do Apelante E., peculiaridade que compromete seus dizeres, por possível parcialidade. Desfechando os inúmeros desencontros de informações, não é possível deixar de observar que a imputação formulada na peça acusatória denúncia um crime ocorrido no dia 18/10/2006, quando a dinâmica fática narrada pela vítima e testemunhas relata que a prisão ocorreu no dia 01/09/2006 e todo o acontecido se deu no mesmo dia. Nessa linha de raciocínio, como o Magistrado fica adstrito aos dados que constam do processo, franqueando ao agente processado o exercício do contraditório e ampla defesa para que tenha a oportunidade de provar sua inocência, dentro dessa garantia constitucional, tem-se que as provas produzidas pelos Apelantes foram substancialmente aptas a desconstituir aquelas da lavra do Órgão Acusador, isso porque, tirando as alusões referenciadas pela vítima A.V.L e pela testemunha J.C.F, fadadas pela incoerência, o Titular da Ação Penal Pública não produziu nenhum outro elemento que desfavoreça os Apelantes, de modo que relatos imprecisos e comprometidos por contradições, o Direito Penal não permite utilizá-los para avalizar uma condenação, pois neste ramo não se trabalha com conjecturas, mas somente com o juízo da certeza. Em situações como essa, a doutrina nos tem emprestado o seguinte direcionamento, nas palavras de Guilherme de Souza Nucci: (...) A prova insuficiente para a condenação (VII) é outra consagração do princípio da prevalência do interesse do réu - in dubio pro reo. Se o juiz não possui provas sólidas para a formação do seu convencimento, podendo indicá-las na fundamentação da sua sentença, o melhor caminho é a absolvição. (Manual de Processo Penal e Execução Penal, Guilherme de Souza Nucci,10ª edição, pág. 687) (grifo nosso) Caso similar foi dirimida o pelo mesmo Tribunal que julgou o presente recurso de apelação, com a seguinte deliberação: EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA - INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA - ABSOLVIÇÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Não havendo a necessária e completa certeza da falta dos réus por meio de provas obtidas no contraditório judicial, devem ser eles absolvido porque a dúvida, mínima que seja, há de militar em favor deles, em homenagem ao princípio in dubio pro reo. 2. Recurso não provido. (Apelação Criminal 1.0362.05.067698-4/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Brum, 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 05/02/2014, publicação da súmula em 11/02/2014) Desta feita, quando a Ação Penal reúne provas que geram dúvidas, outro caminho não há senão avocar o princípio do in dubio pro reo, onde a absolvição é a certeira prestação jurisdicional aplicável ao caso. Isto posto, importante ressaltar que uma vez produzidas as provas no processo penal e juntadas no processo – tanto pelo órgão acusador quanto pela defesa – estas fazem parte do processo e não pertencem a uma ou outra parte. Sendo que, baseado nas provas produzidas que o juiz vai construir seu convencimento, ou seja, as provas são destinadas à psique do julgador; ao convencimento deste. As provas produzidas podem ser diretamente relacionadas ao suposto fato criminoso ou podem ser provas indiretas, como testemunhal, documental e pericial. Ao analisar as provas o julgador precisa levar em conta os princípios que regem o processo penal, dentre eles temos: a garantia da jurisdição, presunção de inocência, in dubio pro reo, contraditório, direito de defesa, livre convencimento motivado e a identidade física do juiz. Apesar de serem sabidos os princípios que regem nosso código há, na prática, bastante discussão ou, em alguns casos, a não aplicação deles. O que se pode extrair do presente caso, em que mesmo com as contradições e incertezas quanto a autoria e materialidade do delito, foi proferida sentença condenatória em 1º grau, não levando em consideração, principalmente, a aplicação do in dubio pro reo. Ademais, o processo penal está associado à busca de uma “verdade real”, o que é um tópico que é muito discutido. Há quem defenda que, diferentemente do processo civil, no processo penal o juiz busca, através das provas produzidas, chegar à verdade real, ou seja, o mais próximo possível com o que de fato aconteceu; a busca pela veracidade dos fatos alegados. Entretanto, há doutrinadores que pregam o discurso de inexistência de uma verdade real. Ora, pregar a busca pela verdade real é uma forma de pressionar o juiz a ter uma verdade provada; a chegar a um convencimento final que, nem sempre, pode-se chegar. Sendo assim, ultrapassado - pode-se entender – o posicionamento da doutrina que defende a verdade real dentro do processo penal, já que, além do ponto supramencionado, nem sempre a “verdade” que se extrai dos autos a partir de provas produzidas foi o que de fato aconteceu. Ao pensar friamente nesse argumento podemos associar que o convencimento do juiz será favorável àquele que tiver melhores provas a seu favor, já que o convencimento do magistrado é pautado nas provas. Ultrapassado a discussão da existência de uma verdade real, caso haja dúvidas quanto ao suposto fato criminoso o magistrado deve absolver o réu, com base no princípio do in dubio pro reo, ou seja, “na dúvida, o mais benéfico para o réu”. Diante do exposto, bem como seguindo os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, foi julgado improcedente a pretensão punitiva estatal transcrita na peça denunciatória, absolvendo-os do crime tipificado no artigo 317 do Código Penal, com fundamento no artigo 386,VII, do Código de Processo Penal e, seguindo a linha de raciocínio do Relator, manifesto minha concordância com a reforma, tendo em vista a insuficiência probatória apresentada nos autos que, conforme exposto, não pode ser utilizada como base para uma condenação, tendo que ser aplicado o princípio do in dubio pro reo.
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